Saturnino de Meireles

Tédio


Tudo se acaba aos nossos olhos perto
Numa brancura que de ver nos cansa,
Como se então de névoas um deserto
Se abrisse assim sem luz nem esperança.

E nessa névoa que nos deixa incerto
E num abismo sem sentir nos lança,
Como se o olhar se visse então coberto
Sentimos se apagar nossa lembrança.

Sentimos um torpor indefinido,
Um vago sentimento adormecido
Como da morte as frias mãos felinas.

E nesse triste desalento infindo
De todo o céu sentimos ir fluindo
Neblinas e neblinas e neblinas...

Ser Humilde


Ser humilde e sentindo-se o primeiro,
Na penumbra ficar dessa grandeza;
Ser feliz e trazer essa tristeza
De sempre andar da vida forasteiro;

Ser humilde e viver no mundo inteiro,
Como um deus sobraçando a natureza;
Ser assim e ter máxima certeza
De ficar para sempre prisioneiro;

É ser da fé a lâmpada impoluta
Que claro marca do destino o norte
Abrindo as portas para nova luta.

É ser de Deus esse perfil sereno,
É andar na vida e já sonhar na morte,
É ser tão grande sendo tão pequeno.