AurelioAquino

Das larguras do tempo


Teço a vida
como alegoria
dos futuros que intrometo
pelos dias
 
o tempo
é só detalhe
dos favores do espaço
em que se cabe
 
o presente é só uma nesga
entre o futuro e o passado
que a gente enche de tudo
nas larguras em que se cabe.

Das tecituras do caminho


para lutar
comigo
deixo-me estar
subversivo
 
o tempo
é só um indício
de que há uma lei
a que me obrigo:
nada será o futuro
senão meu ofício.

Dialética insubmissa


O outro é só a antítese
da síntese que somos todos
e as teses ainda pulam
no emaranhado das bocas
mas há um futuro imposto
nos verbos que nos ouçam.
 
É que juntos nos dispersamos
na unidade das coisas.

Da conformação dos atos


a circunstância
e o presente
admitem futuros
intransigentes
nada que lhes digam passados
dá-se por consequente
 
ao sujeito cabe apenas
arruma-los adredemente
nas calçadas da vida
a que se consente.

Das demarches do pensar e suas esperas


o algoritmo
é só um indício
das razões que tangem
todos os sentidos
 
o vão de suas teses
apenas resvala
nas sinapses que explodem
nas batalhas.
 
o algoritmo é só um vício
de razões avaras.

Das medidas do viver


a vida assim remoída
como se fora só um tempo
esquece pelos descaminhos
as ruas do pensamento
 
é que a vida é sempre infante
nas costas de todas as lidas
e há que viver esse tempo
em todas as suas medidas
 
viver é ser todos os outros
nas larguras da avenida.

Da remessa ao estranho


Dá-se o acordo:
nas entrelinhas da vida
alinhavo minha condição
de outro
 
tudo de mim
é um só esforço
em transbordar os eus
a que me forço
 
a rebelião em mim
adredemente rebelou-se.

Das configurações do viver


estar velho cedo
quando tarde
é brincar de anoitecer a liberdade
é fingir-se de um tempo
que entorna as manhãs
como cachoeiras de saudade
e derrama pelos ombros
o peso exato da vontade

viver é só remar
todos os mares que se sabe.

Dos alinhavos da velhice andante


cavaleiro andante
convoco meu instinto
nas estradas que traço
nos desvãos do que sinto
 
cada hora inventada
é uma desculpa
de como tornar mais breves
todas as culpas:
as que venham da vida,
as que sejam da luta.

Dos caminhos do futuro


aos camaradas
reste a desculpa
de inventar os sonhos
nos caminhos da luta
 
figurantes dessa dança
inventarão com o povo as portas
e os degraus da esperança
 
a revolução, enfim,
constantemente
é só um montar na história
de repente.

Poema ao meu avô Osório


meu avô

nunca me disse

que o avesso da vida

não existe

é que não lhe cabia

como transeunte

dizer de ruas em que não mais passava
tudo que lhe cabia então

nem era mais palavra

jazia apenas em minha saudade

como uma vontade avara

de olhar em seus olhos

e navegar nos mares de sua fala

os barcos que nós dois nem pudemos
atracar no porto das palavras.
 

Palavras ao verbo rasante


escrevo o quântico
quantifico o nada
o poema é quase tudo
perdido nas palavras
 
o verso é só um jeito
de descobrir a madrugada
verbos são andorinhas
que se jogam pelas calçadas
 
seu vôo é a imensidão
nos descaminhos das asas

Das léguas razões dos meus enfados


Nas ruas da vida
como ser exato
se todas as léguas
cabem nos meus passos?
Como não cabê-las
nos desvãos do mundo
explodindo em tudo o coração
navegante urgente desses rumos?
como não sabê-las
estradas de mim mesmo
na direção exata do povo
a que me coube tê-lo?

É que a humano
sempre se permite
amanhecer todas as manhãs
por que se grite
e é de tê-las avulsas
como tempos recatados
das razões de nós mesmos
que tenhamos projetado

Das andanças do povo


A multidão
contrita
laça o peito da história
na avenida

o que lhe tange
é o favor da lida
de criar futuros
e entorná-los pela vida.

Ode à garçonete do Hotel Sputnik


No ventre do teu olhar
existe o mesmo desatino
com que se lança o Rio Neva
na esteira do destino
                
tem a preguiça teu olhar
de um dia estatizado
e a nervura dos confortos
com que a vida, às vezes, há de
 
tem do mar as ondas do báltico
e a desfaçatez do que nem digo
e se cabe, assim, em palavras
descabe das coisas que nem sinto
 
tem a exata compostura
de uma dízima infinda
que nunca começa nos teus olhos
e que nunca em nós termina.

Romaria desenfreada


a rua decreta
pelos passos
a rebelião de todos
os abraços
 
no pulmão do povo
resfolega o futuro
os tamanhos oníricos
da imensidão do mundo
 
lutar é um passear
pelos caminhos de tudo.

dos olhares e tanto


que se admita:

ao homem é dado o olho
e a vista

e no entanto

não se permita

que o olhar seja maior
que a coisa dita

porque em sê-lo

o olho desvirtua

o que apenas verbo
desabita a rua

é que aos olhares

não se admite

que sejam reticências

de algum alvitre

porque em tê-los luz

em compreensão exata
nada lhes retire

o aval da prática

que consolida o olho
enquanto instrumento
de medir a vazão

de todo pensamento
 
ao olho

nunca reste
a noção
 de que retrata

tão somente perscrute

o que indaga

e se pousa na língua

como verbo inflacionado

há que perdurar um tanto

na condição de projeto incalculado
 
 
ao olho

em todas as vias

resta uma feição de atalho
da alegria

porque baldio

mesmo reticente

o olho é janela

de inventar a gente
 
ao olho

em desoras
cumpre um tempo

de demoras

pois ao restar na face
como farol incauto
o olhar demonstra avessos
dentro da alma
 
ao olho contudo

é dada a serventia

de inventar-se em noites
mesmo dia.
 
eis a razão:

o olho deve sempre caber
na palma da mão.

Poeminha humanitário


que ilusão

a droga sonha tudo
eu não

e objeto e inimigo
não me distingo

das rédeas

em que não me dirijo
a droga

é um interstício

entre mim

e todos meus indícios
homem

nada me proclama

o atestado de sujeito
ou de quem ama
 
a droga

resulta inumana

nada do que é sujeito
lhe reclama

apenas um inteiro indício
de que a vida

nem é chama

Possibilidade


inverto.

sou aquilo

que nem me conheço.
 
invento.

sou o contrário
do meu medo.
 
intento.

ouso amar-me 
como me invento.

Versos diagonais em torno da usança do viver


a ansiedade
é só um destempero
de quem faz do futuro
um mêdo

a dúvida
é só um lapso
das certezas que se traz
fora dos braços.

Do futuro indígena dos tempos


haverá um dia
em que não haverá portas
e muros serão apenas
limites de outrora
haverá um dia
em que não haverá donos
mas a grave compreensão
de que todos somos
haverá um dia
de uma vaga lembrança
em que não haverá passado
nem necessidade da esperança

dos comicios versejantes


o poema
conjuga as falas
com as palavras de ordem
da alma

os verbos
transeuntes do poema
são bailarinos verbais
postos em cena

na coxia
ardentemente
o poeta sonha
todos seus repentes

Tempo de mim em mares renitentes


tempos idos
tempos havidos
tempos ávidos
tempos sempre tidos
tempos de demoras
tempos infinitos
tempos a desoras
tempos sempre comigo

o tempo é meu barco
de navegar os sentidos

Ode ao baião


o baião
é um discurso recorrente
espalha toda a tristeza
do peito do vivente

é assim como cachoeira
de todas as nascentes
que debruça nos bemóis
as alegrias das gentes

o baião nem é bandeira
mas tremula a vida, sempre.

Das medidas do povo em arruados


o povo na rua
é a exata medida
de todos os povos
de todas as vias

agrárias ou urbanas
as ruas assuntam
num fraseado urgente
os ruídos da luta

e o futuro é a foz intensa
dos rios de nossa paciência

Dos mortos em vívida jornada


os mortos agitam
e a urgência declara
o inventário de si
no dorso das palavras

restam vividos
em alheios sentidos
em todas as açōes
que construíram
penduradas no mundo
de que, assim, partiram

o morto é só um vivo
que não está consigo

Do amor em vínculo recorrente


medir o vínculo
nos palmos da vida
é exercer o outro
em desmedidas

em que cada nexo
é um imenso laço
e a confluência exata
de nosso abraço

amar é um gorjeio abstrato
de todos nossos pássaros

Kahlil Gerges Bechara em tâmaras urgentes


a lágrima
na verdade sentia
todas as tâmaras
que o Líbano dizia

e o gosto da pátria
debruçava na língua
como uma lembrança digesta
das oitivas da vida

Da indígena condição da complexidade


e o indígena olhar
é a simplicidade exata
da complexa gestão
da humana prática

o passado em todos
resume a lógica
da coletiva vazão
da cognitiva porta

e assim comprimindo
os infinitos que pode
atravessa as avenidas
como um bólide

Dos bilhôes de mim em luzes largas


a 300 milhões de anos luz
palpita a nova galáxia
e nos palmos que eu não sei
abraço a via láctea

trafego o universo
e suas léguas intactas
e os infinitos que tanjo
nos ombros da prática

como é bom ser medido
com réguas tão inexatas

Cósmica deflagração da paciência


o buraco negro
sem quaisquer motivos
debruçou-se na tarefa
de beber o infinito

e o universo
adredemente incontido
deu-se à cósmica razão
de seus sentidos

Matutina reflexão em descambado tempo


faltaram-me as manhãs
vividas sem curso
que não contivessem as noites
em que estava o futuro

no armazém do tempo
nas prateleiras que tive
consumi todos os inventos
em que me soube livre

a sofreguidão pela vida
é uma parcimônia possível

Poeminha em dialética estante


nada do que me seja tanto
que permita a si a vida
deixe-se só como somente um resto
em que se gastou a medida

a quantidade é início
de uma qualidade reptícia
que chega a mudar seu quantum
pela simples adição do mesmo indício

o qualidade é apenas o resultado
das quantidades que consigo

Sertōes roçados em humana glosa


o sertão
nos braços do tempo
é um sol disfarçado
impunemente

os desertos de si
ardem em arremedo
no roçado de homens
que vivem seu medo

o sertão é quase um comício
da terra em seu enredo

da memória em insurgência recorrente


no pátio da vida
as lembranças, em vagas,
parecem muros montados
nos desejos da alma
e a memória é só um barco
que aderna nas palavras

e vigem todas as âncoras
nesse amontoado de falas

Dos digitais amassos da vida


inverídica e digital
a vida consente
todo insight
que o algoritmo apresente

a emoção
é só um detalhe
dos pixels da tela
que nos invade

resta a labuta
e a infinita tentativa
de, na praça da luta,
desamassar a vida

Insubmissas vertentes de ventos e gente


insubmissos
os ventos tangem o infinito
e, em seus rompantes,
deixam-se como furacōes no horizonte
vã tentativa de jogar todo perto
nas distâncias do longe

insubmissos
nos trazemos em rompantes
quando é tão perto
compreendermos o longe

Da certeza vigente do abraço


deixo-me urgente
nos meus atos
como à procura do tempo
nos espaços 

tudo que me leva
é o compasso
de quem constrói em si
um imenso laço 

distribui-lo ao mundo
é a certeza dos meus braços

Das cirandas da vida


a ciranda
é um abraço incontido
que o povo cantando dá
nos abraços do infinito

é um canto declarado
das incertezas da vida
e do desejo de leva-las
às certezas que consiga

a ciranda é só um passo
da felicidade coletiva

Da passeata em procissão avessa


a passeata
é uma procissão avessa
todas as rezas
são punhos sem promessas

tudo que a tange
é uma vontade expressa
de construir o futuro
nas ruas que atravessa

a passeata é só uma procissão
dos gritos da paciência

De quem viver verá e etc


haverá o povo
e a insistência da vontade
de trafegar a vida
nos ombros da liberdade

haverá o jovem e o velho
embutidos no tempo
e irmanados nas horas
da igualdade intensa

haverá o homem e a mulher
nas confluências do ser
e a permanência exata
em tudo que se viver

haverá o futuro
só como medida
de prolongar as léguas
dos encantos da vida

Do futuro como fato dizente


o futuro 
não é só um tempo
é o fato desenrolado
desde a luta do presente.
Assim moído,
nas esperanças,
deixa-se pensar
como lembrança 

o futuro é um tempo
que às vezes cansa

Contábeis dessemelhanças


nas planilhas do sistema
entre o deve e o haver
morrer é só um tema
e viver é quase um jeito
de não ser 

a gestão pecuniária
é uma cédula avara
tudo que lhe mede
é um cifrão canalha

a vida é só um detalhe
das contas que declara

Algorítmicas razōes de ser


a matéria
nem cogita
de ser apenas massa
simplesmente resumida

antes,
complexa e algorítmica,
por todas as facetas,
deixe-se plena, infinita

a matéria, como nós,
é uma lógica infinda

Lapsos temporais em patente construção


após o big-bang
minha logística é a notícia
de que me invento farto
em todas as vidas
as que venham de mim
e as que me forem impingidas

a entrega de tudo
é a incerteza prometida

Saudade em balanças e fugas


o peso da saudade
tem um quilo diferente
é assim um abismo
que pesa transparente
e inventa todos os saltos
das lembranças que sente

e entorta o pensamento
nesse pesar tão constante
como se a memória piscasse
como um fugaz horizonte

A veloz ficção das esperanças


lépida
a moto avança
o homem
e sua esperança
coração e motor
claudicam
rastros da fome
em que transitam

o menino da moto
em seu desatado exercício
é só uma farsa
de cifrōes fictícios

Da operária tração da fome


meus irmãos
dormem na fome
das usinas negras
de capitais insones

seus vínculos
abstratamente
tangem a exploração
em furtivas correntes 

e criando a riqueza
o homem, faminto,
palmilha seu estômago
como um grave labirinto

Fêmeas condiçōes do horizonte


a burca
no desvão da vida
grava a mulher
como tecida

paranja
dá-lhe o rompante
de esconder fêmeas
e horizontes

chadri
cumpre a noção
de esconder avara
a emoção

chadri, paranja ou burca
resta, tão mulher, a luta.

Infantis mediçōes das largas vidas


o olhar do menino
carregava o infinito
debruçado na largura
da vastidão do seu riso

e a vida transitava
como um caminho profundo
alinhavando os futuros
nas costas graves do mundo.

Bandeiras da vida em hasteamento inato


o estandarte da vida
é uma bandeira escancarada
que drapeja pelas ruas
os alvoroços da alma 

e quando arreada
nos desvãos da consciência
invente-se qualquer mastro
que denuncie a ausência

os outros são estandartes
que tremulam nossa presença

Vertentes do povo em manifesta multidão


meu bloco é o povo
quando o coração informa
lutar é a única estrada
nos lombos da história

anda-la pela vida
nos rumos que se invente
é trazê-la consumida
coletiva e fartamente
nesses mares que o tempo
derrama dentro da gente

Das desavenças do verso em limites


o universo
diz que se expande
e nem demonstra dizer
para onde

e o verso limitado
no colo do seu rito
discute a parcimônia
e a estranha avareza do infinito

Do frevo como alvoroço


o frevo assim cantado
é uma rua sem fim
de todos os caminhos
que terminam em mim
é um riso desatado
nos bemóis em que debruça
é um tempo cheio de paz
nos ombros de uma luta
que leva o passo da vida
nos compassos que executa
é uma noite amanhecida
nos quatro cantos do mundo
são todas as complacências
das vontades de tudo

Olinda assim escanchada
nos ombros do seu povo
é um abraço envelhecido
no alvoroço do novo

da velhice como invento recorrente


que o tempo
esquecido pela face
possa dar-se ao registro
de todas as lágrimas
e todos os sorrisos

e neste inventário
de rugas e trejeitos
tragamos como invento
as alegrias do peito

Ode a Nego Fuba e Pedro Fazendeiro


nos  roçados da vida
nos leirōes do tempo
Nego Fuba e Pedro Fazendeiro
alinhavavam o pensamento

e a camponesa trama
de gente e esperança
era uma terra rubra
desenhada em ondas

Nego Fuba e Pedro Fazendeiro
sonhavam um mundo
em que pudessem plantar
as sementes de tudo

De generais e fardas


o general
guarda na farda
o verde-oliva 
e alheias pátrias 

tudo que tange
é a marcha
das muitas continências
adredemente desarmadas

Das bancárias contrações da vida


é preciso viver
apesar de tudo
todas as tratativas
com o mundo

e os recados passados
nos ombros dos desejos
são apenas descontos
das contas do medo

cuidar dos contratos da vida
é deixar-se tarde pelo cedo

versejo normativo em ruas tortas


de que me serve
a forma
se a palavra teima
em ser a norma?

de que me vale
a norma
se a verdade
não importa?

melhor chutar o verso
nos ombros da revolta

Das coletivas manhas do um


ocorro
onde menos morro
trazer-me assim
é o esforço
de dizer-me outro
ao lado do povo

a ilusão de ser um
é a compreensão de todos
cada unidade 
é um jeito do todo

Paterna consideração em formas


meu pai, vivo em mim
tange todos meus enredos
os que correm na alegria
os que espantam o medo

Ao Camarada Engels em mar aberto


o camarada Engels
nem sabia
as léguas todas de si
em que morria

talvez por permitir
que no jeito do horizonte
houvesse todas as jangadas
de atravessar o longe

e vige hoje, ainda barco,
atravessando todos os ontens

A temporal exaustão dos futuros


a saudade do futuro
desmonta o presente
como se o tempo vivesse
no passado da gente

e o passado futuro
montado nos neurônios
sonha com outros tempos
com o presente nos ombros

da construção permanente do devir


sonhos são
exatamente
um desejo arquivado
no peito da gente

em sono
construindo futuros
dei-me a desconstruir
todos os muros

e era um tempo
tão sempre
que eu me deixei 
p'ra depois

das contrafações viventes e mortais


heurístico por natureza
agradeça à vida
por tudo aquilo
que seja e não seja

e nem me despeço da morte
com incertezas
por sabê-la parente à vida
com uma nesga de tristeza

menos porque pareça
uma vida invertida
mas por quere-la presente
quando não mais querida

das intifadas do pensamento em vazão profana


há em tudo uma razão frequente
que constata a vã e tal medida
que joga os sonhos pelas gentes
como retratos de anseios indormidos

e é de tê-los assim impunemente
nos cachos de sono em que se agitam
e transeuntes da vida que não queiram
e passageiros das mortes que não lidam

e é de armá-los como fogueiras
em peitos e coxas, em sorrisos
e é de truncá-los pela vida
numa vasta desmedida

e é de vivê-los pelos cantos
em desculpas embrulhados
vergonhas que se queiram vias
de aparentar algum recato

e é de arrumá-los na cabeça
em compleição de cada intento
e morrê-los em gritos
e chorá-los em medos

há em tudo uma razão frequente
amordaçado o vão de quem se via
como parte de um sonho em simetria
com as medidas que não se pressente

e é de tê-los invernosos
nos sóis a pino
e senti-los quentes
como o frio

e é de desarmá-los pelas salas
em verbos que não se delatem
embrulhados em palavras que não sejam
a exata compreensão do que é tarde

e é de aturá-los navegantes
marinheiros de mares consentidos
grandes como as confissões
que deixamos postas em cabides

há uma razão
de lavrar os sonhos de uma saída
de tudo que a gente sente
e que não consente como a vida

e é de tê-los amanhecidos
quando noturnos ainda em nosso jeito
na estranha dialética que decide
a inexata franja do peito

e é de tê-los nus
no pensamento
lua destemperada 
do que eu sinto

e é de tê-los useiros
e vezeiros da emoção
intifada que se prega
no meio do coração

Das contumazes brechas do destino


os caminhos
postos no horizonte
nem sempre igualam-se
aos desejos quânticos

a vontade
é uma alavanca lúdica
que exercita futuros
nos rumos que executa

o itinerário da vida
é só um destinatário
dos correios indizíveis
do nosso inventário

da dosimetria do poema em franca síntese


sobre o poema
resta a palavra
e uma certa ilusão
nos verbos de que trata
o poeta só amplia
a dosimetria da fala
e léguas são palmos
nos infinitos da alma

sobre o poema
resta a vastidão
dos metros que se tenha
nos palmos do coração

Do avarandado das culpas e seus melindres


na varanda das culpas
resta o veredito
de que o fato resiste
a qualquer artifício
e de não ser ato
mas interna condolência
a culpa apenas medra
num desvão da consciência
em que mesmo objeto
o sujeito desdiz sua presença

nenhuma culpa se presta
a consertar por si a existência

Rasos da vida em flutuante demanda


nos rasos de mim
mergulho o mundo
como se fora onda
das águas de tudo

e cato-me vivente
nos naufrágios da vida
habitante de jangadas
alegremente construídas

basta-me lançar as âncoras
em aventuras coletivas

Da lua como tempo em mostras


em céu desatado,
atravessada,
a lua é uma régua
que o tempo prolata

é como um discurso
decodificado
das regras a que se impōe
nos ombros dos seus traços

a lua é só um tempo
que se esqueceu no espaço 

Mais uma vez, do tempo corrente


aos setenta
a puberdade solidifica
todas as infâncias
e as juventudes da vida
o prazer é o algoritmo
em todas as medidas
as que multiplicam os anos
e as que os dividem 

tudo é uma infância latente
adredemente consentida

Do acaso e suas complacências


o acaso
é só um jeito
do fato derramar-se
pelo sujeito 

a vida,
nem sempre,
transcorre em si
como repente 

viver é um acaso
gerido adredemente

Os pendores autistas do universo


o universo opera em si
o costume de ser sujeito
de todos os meandros
da energia e seus efeitos

fluindo assim em atos
explodido e contrito
deixa-se ficar criança
brincando de infinitos

e flui já no cérebro
como um astronauta
que suspendesse o gesto
de deixar-se em órbita

das chuvosas manhãs e camponesas lutas


a chuva,
como uma lágrima recorrente,
inventa o jeito camponês
de construir-se semente

o homem, nos meandros de si,
plantando a vida,
engole os temporais 
em que tramita

chuva e homem, 
enlaçados adredemente,
inventam todos os roçados
de todos os viventes

nada como plantar-se em chuvas
na contramão das correntes

Do Negro Almirante em mar aberto


negro,
o almirante inventa
todos os mares
que convenham

o horizonte
é só a energia
que pulsa no caráter
de quem monta a vida

João Cândido
assim revolto
é só o melhor abraço
das carnes do povo

A compleição da ordem e das coisas


a ordem
é só um resumo
das escaramuças da crise
nas costas do mundo

mantê-la aparente
como completa
engaveta o futuro
em sua gesta

é que a ordem é sempre um transe
que o tempo nos empresta 

Dos todos de mim em larga cena


tudo de mim são todos
espalhados em atos
como desculpa única
dos limites dos braços

a inexatidão do gesto
em que me desabraço
é quase uma rebelião
ao coletivo trato

há que se ser multidão
em todos os espaços

Brasileira lua em degraus do tempo


E nos ombros do infinito
como se fosse bandeira
a lua inventa os sonhos
dessa noite brasileira
 
é que astros inventam o futuro
apesar de todas as barreiras.

futuros em energéticos transes


a matéria
veste a vida
como energia tanta,
desmedida

tudo é espaço
montado no tempo
e habita as relaçōes
como um invento

descobrir seu futuro
é nosso pensamento 

Alinhavos da crise em perene jorro


a crise
é só um susto
que a solução encontra
no transcurso

molda-la em atos
e discursos
é vivê-la unânime
em seu custo

nada como inventar os modos
de alinhavar seu curso

Das coletivas nuvens da vida


a nuvem trêmula
é uma bandeira difusa
dos céus atravessados
pela constância da luta

assim como nublada
nem adivinha
as nuvens mais densas
daqueles que caminham

é que os rompantes do tempo
quando coletivos dão-se à vida
tendem às tempestades
das nuvens em que se criam

Das coletivas vazōes do ego


construir como múltiplo
e cada dia mais ser todos
é a tarefa unânime
de quem houve

o ego só existe
com todos em riste
vive-lo sozinho
é mais uma forma de ser triste

a multidão nunca impede
o jeito solitário de quem vive

samba em liberdade e dependentes


o samba
escorrendo na avenida
é um tambor atravessado
na melodia da vida
é coisa solta de bemóis
que alinhavam o passado
nas costas de todos nós
transeuntes de escravos

e o cerne da liberdade
de canta-lo impunemente
é assim como uma saudade
do futuro que se sente

Da assassina gestão do lucro


o caminhão
grávido de lixo
é o lauto jantar
dos oprimidos

tácita
a lógica regurgita
a podre concepção
imposta à vida

o sistema, em decúbito
assassina o povo no lucro

versejantes mantras em palavras


o verso
é um mantra avesso
cada palavra avulsa
pulsa um endereço
os que sejam do poeta
e os que os outros cometam
tudo é sempre significado
dos carmas que se inventam

o poema é um comício inato
a todos os mantras que convenham

das humanas buscas em canalhas terras


o lixo
engole a fome
como um resto de gente
do homem 
a mão
amanha podre
a carcaça dos lucros
de quem pode
e a lógica
pulsa exata
a desumanidade
dos canalhas

o caminhão do lixo
é uma nau inconformada
o peso em suas costas
é de humanos e de faltas

Da fome em discurso recorrente


a fome
discursa nas ruas
a culpa humana
e a urgente tecitura
de todas as infâmias
e de todas as culpas
o homem,
enforcado em suas tripas,
sonha aos bocados
seus restos de vida
a razão foge pelas vãos
como uma inútil notícia

Dos 70 chegantes em complacente operância


aos setenta
deixo-me à deriva
abraçado com o futuro 
e navegando a vida,
nos mares todos que possa,
em vias todas que vivam

farto, dou-me ao desplante
de viver infinitos em instantes 
o tempo é só um abuso
dos espaços em que me lanço

Infantes presentes em passados futuros


dou-me ao tempo
com a ousadia
de quem joga a infância
pelos dias

o rapto de mim que faço aos anos
como um desfalque no presente
é só um trajeto volitivo
dos passados que ausento

o futuro caminha e pulsa tanto
que a gente o veste como infante

Baobás templários


o baobá em sua gesta
talvez apenas insista
em brincar de tempo
nos campos da vida

Da futura compleição da paz


e no futuro exato
não haverá bandeiras
mas os povos hasteados
em todas as maneiras

e a paz gritará em guerra
em cada circunstância
a perfeita construção
de todas as esperanças

da passeata geral de todos


no desvão da história
eis o carma:
decretar o mundo
pela alma

cavalgar os fatos
como um rocinante
que perdeu as rédeas
dos horizontes

e atracar nas ruas
todos os discursos
tecendo o futuro
em valor-de-uso

Dosagens verbais


os et ceteras
amiúde
são todos os verbos
que não pude

ou por tecê-los tão avaros
ou certamente
por tê-los rangidos
entre os dentes

é que os verbos
de repente
enganam os fatos
de que se ressentem

Latinas manhãs de mim


latino
não me constrange
ser mesmo rio
ainda mangue

latino
não me convoca
um tempo de inanição
e sem revolta

latino
nada me instiga
a ser recorrente
e sem malícia

latino
nunca exsurge
o riso longevo
do que pude

latino
não me constata
uma eternidade baldia
quase matemática
é que o amanhã alonja
quem ainda tarda

latino
eis a contradição:
a mente inventa o sonho
que escorre pelas mãos

versos em indícios latentes


nascido
no meio do juízo
versos são apenas
fortes indícios

a vida que lhe monta
adestrada em normas
foge das razōes
e fere o tempo das demoras
como uma espada letrada
construindo as horas

da fome em escaninho avaro


a fome rasura
a gesta humana
e a insana burla
de enraizar lucros
nos decúbitos capitais
das culpas

faminto
o ser nem sente
a parcimônia 
que lhe pretendem

a vida cai fora de si
e nem entende

Dos  rasteiros céus de quem procura


o céu 
é só um grito
de quem, terreno,
quer deixar-se infinito
e sonhar todos os ares
como um gesto incontido

rasteiro, 
em verdade,
habita nosso peito
vestido de liberdade

das infantis usanças dos segredos


a vida da menina
corria tão acesa
que seus olhos tangiam
os vincos da natureza
debruçados num tempo
cravejado de certezas

Certezas em decúbito efervescente


eu tenho certezas
que duvidam
e dúvidas estranhas
que afirmam 

é que no centro da verdade
há sempre um descaminho
que monta interrogações
nos futuros que alinha

Dos tempos da pressa em lenta jornada


a pressa
esconde-se do tempo
como uma tardia manha
do pensamento

o tempo
aparentemente imutável
alinhava as horas
em seu vasto calendário

e a vontade,
insistente e apressada,
deixa os dias sem tempo
para as madrugadas

viagem em torno da amada


é que quando visto
os ares do teu riso
deixo-me astronauta
de cada infinito
os que nem meço
e os que trago comigo

e dos sonhos que cometo
em mares que nem posso
atraco todas as naus
nos braços do teu porto

Da quadratura circular da reta


Na mão do menino
o lápis manifesta
a ingênua intrusão
de uma geometria avessa

a sombra no papel
sorrateira, manifesta
a improvável visão
da quadratura circular da reta

as hipotenusas, indefesas
restam no papel
embrulhadas na incerteza

Precoce invasão provecta


a velhice
assumidamente tida
é apenas fantasia do tempo
no carnaval da vida

brincá-lo é exercício
de todas as medidas

do tempo em repristinação e formas


a tarde
não é um dia envelhecido
o tempo não mostra rugas
nem desafia o infinito

ele apenas resvala no universo
como um discurso definido
tudo que lhe tange são formas 
de ter-se sempre consigo 

as vezes em que se perde
são velocidades do seu rito

da latina américa e da prontidão


da américa
com a faca nos dentes
diga-se latino
o gesto recorrente

e das cordilheiras
dos tempos oprimidos
resultem todos os andes
que jazem nos sentidos

aprontar o futuro
é tarefa e vaticínio

Dos avarandados celestes em vegetal vigília


e na varanda do céu
como um gesto disfarçado
a lua abraça a noite
e joga flores no espaço

Dos cohibas manifestos em larga jornada


a fumaça
nos ombros do cohiba
escreve lembranças
nos costados da vida

o ar em chamas
parece bandeira
abraçando todas as ilhas
da noite brasileira

o charuto discursa o tempo
nos lábios de quem queira

Índigenas soluçōes do sentimento


ainda tardio,
sonho-me em matas
como quem inventa, indigena,
os caminhos da alma

e permito-me taba
de todas as minhas vias,
as que partem do sonho
e as que viajam a vida

nada como deixar-se inteiro
nas artimanhas consentidas

Dos arranjos conceituais do tempo


filosofar
é conhecer o tempo
e traze-lo à mão
pelo pensamento
e desfaze-lo
em conceitos
e retrata-lo avulso
por dize-lo

na concretude do seu jeito
cada fato é subjetivo
desmistificar a história
é traze-la em comício

Liames da construção do tempo


o futuro
quando visto de longe
trafega o coração
sem saber por onde

é que adormece
na emoção de quem sente
como se fora cadeia
de prender o tempo 

no entanto, 
adredemente,
o futuro é uma cadeia de abraços
que a gente faz no presente

da pátria em circunlóquio crescente


minha pátria
dorme inteira no futuro
como uma utopia farta
grávida do discurso

as palavras
no ventre da vontade
são gestos construtores
dos fatos em que cabem

a ânsia pelo tempo
é só instrumento da liberdade

Da urbana rendição do sentimento


agrária,
a cidade trafega
as urbanas lembranças
de suas terras

urbana,
a natureza navega
os latifúndios que constroi
nos ombros da terra

o homem,
em agrária urbanidade,
constrange a franja do peito
em espaços que nem sabe
e a vida é só um trejeito,
uma máscara da cidade

do povo em grávida gestão da vida


o povo, aos solavancos, 
plantará o futuro
nos exatos roçados
dos abraços do mundo

e as razōes, assim vividas,
debruçadas nos fatos,
abrirão os portōes
de todos os laços

a história, grávida do povo,
caminhará todos seus passos

Da revolução em doses homeop(r)áticas


a revolução
não é o desejo
de achegar-se ao futuro
dentro do peito 

entende-la urgente
como circunstância
é não percebe-la estrada 
de larga itinerância 

e que no desvão da prática,
nas paredes da memória,
o poder é só a ponta
do novelo da história

Ciranda do povo


é na ciranda do povo
que se dança o futuro
cada passo é um abraço
no peito de todo o mundo
 
é como se fosse uma usina
de fabricar sentimento
o riso começa nos pés
termina no pensamento
 
é como se fosse orquestrada
com as notas do coração
acompanhando a cantiga
que a gente traz pelas mãos
 
é na ciranda do povo
que se cria a liberdade
nos ombros largos da vida
nas costas mansas da tarde.

Da itinerância ensimesmada da vida


atravessada na avenida
como um coletivo discurso
a vida é só uma resposta
às perguntas do mundo

distribui-la avulsa
em todos os enredos 
é percebê-la grávida
apesar de todo medo

a vida é só um favor
que fazemos a nós mesmos

crianças em rompante lúdico


crianças
são bandeiras
para tremular no homem
a vida inteira

não lhes cabe a fome
nem as contraditas
mais o voo infante das alegrias
debruçadas na vida

que todas esqueçam
nos risos de suas faces
o futuro sólido dos abraços
que inventem pelas cidades

Balada de urgente lógica


Tudo é igual
em matérias tantas
como os respingos de mim
que jogo na esperança
 
é que sobram de mim
numa vazão tão lógica
como se todo o outro
fosse a única ótica
 
e largo-me pela praça
com a ilusão exata
de que o futuro é tudo
que a certeza me prolata

Balada gestual do povo com ares de paisagem


Ao povo
dê-se o rompante
de multiplicar a vida
quando militante
 
e no vinco da manhã
quando bastante
ressone a aurora geral das gentes
nos ombros largos do horizonte.

Do samba como porteiro da vida


o samba 
nem pressente
os compassos da vida
que planta na gente

a voz do tambor
debruça nas notas
e abre em grande cena
todas as nossas portas

aquelas que  vem da música
e as que gritam revoltas

Dos egos transeuntes da jornada


o ego
é só um fetiche
das coisas de nós
que estão em riste 

por um triz
a memória afaga
as defesas dos eus
em que naufraga 

e a vida lambuza em todos
as necessidades avaras

Tristeza em vagar de alegre gesta


a tristeza vaga no tempo
quando a vida descompleta
e assim como uma fração
no inteiro em que se meça
naufraga no peito da gente
os risos que sonega

a tristeza é só um lapso
dos risos que se carregue

Carta VIII


A rosa que te dei
tinha a feição exata
das flores que eu trazia
lavradas na alma
 
se ela não resumia
nos seus limites de planta
algum carinho concreto
uma realidade mais tanta
é que se perderam no caminho
as raízes do meu peito
e a veracidade da lembrança
 
mas assim mesmo fugida
do seu teor mais profundo
ela guarda um abraço latente
que se desfaz no teu riso
das correntezas do mundo.

Da revelia da fome latu sensu


e nas ruas
revel da vida
a fome noticia
a inumana lida

o estômago
discursa impaciente
verbos e ossos
maldizentes

e o sistema engole voraz
lucros, palavras e gente

Das construções do levante em pacífica tese


quando a crise
ensaiar-se avante
deite-se a manhã
no colo do levante

e nos homens
assim decidida
encaminhe o mundo
no sentido da vida

é que a revolta
traz embutida
uma paz em sementes
adredemente construída

Negritude em ritmo e caminhada


nos risos do povo
com a noite escrita no corpo
a vida tramita negra
na intensa luta do novo

Zumbi, na usina do tempo,
 construindo a memória,
inventa muitos palmares
nas entrelinhas da história

e as áfricas de todos pulam
nas origens negras das horas 

das certezas de tudo


a possibilidade de tudo
nunca é definida
não há um tempo que lhe caiba
sob medida
para havê-la era preciso um metro
que contivesse todos os palmos da vida
e coubesse no desconforto
de não se acabarem
as desmedidas
num tempo inexato e incontido
de tudo que é infinito.

a possibilidade de tudo
é apenas um jeito
de viver-se avulso

das cores em desatada viagem


no dorso do tempo
como uma bravata
o pincel discursa a vida
nas cores que prolata 

transparente
a cor delata
a constância etérea
da prática 

a imagem, sobretudo,
joga o pintor, em cores,
nas profundezas do mundo

Carta XVII ao Camarada Gregório Bezerra


Gregório deitado
no meio da sala
tem a altura exata
de uma grande palavra
 
seu sangue
ao invés de rio
é uma espada latente
no seu peito frio
 
Gragório deitado
não é morto
é apenas a maior parte
do rosto do povo.

Famélica tecitura dos cárneos lucros


assim flagrante
a fome instaura
uma vergonha intensa
nos debruns da alma

escrita no corpo
em humanas  vigas
vige como tortura
na penitenciária lide

a fome é um distrato
imposto no absurdo
de carnear humanos
como ardil do lucro 

Poema em represada nascente


meu poema
nem se importa
com os verbos que derrama
pela ventania

é que palavras
assim que percebidas
são só memórias represadas
dos diques da vida

abrir comportas no tempo
é o espaço a que se obriga

Do viver em carnaval de tempo e espaços


no meio do tempo
o espaço explicita
o quanto de nós
habita a vida

e esse desejo
de vê-los infindos
é como criar um depois
dos metros vividos

e a espacial unidade 
como um futuro
grita dentro de nós
o carnaval de tudo
viver é só espalhar-se
pelo vão dos minutos.

Palavras em tropel e franjas


palavras 
são transeuntes
de tudo que passeia
nas ruas do homem
os verbos de hoje
as lembranças de ontem
esses esgarçar de letras
montadas nos sons
de todos horizontes
é como um declamar
de tudo que somos 
poemas que discursam
e jogamos no mundo
nos fatos que compomos
nas correntezas de tudo

Da construção vindoura


o futuro
está no passado -
tempo ainda magro -
embutido nas curvas
do que luto e  faço
 
é preciso sabê-lo
como presente enviesado
que habita as bordas de um infinito
que habita o passado
 
na vida e na luta
é só o (p)rumo da disputa
há que vivê-lo antes pelas ruas
como se depois só fosse
uma lembrança prematura.

jornada humana em fila recorrente


meus filhos
tem a compleição exata
de todos os infinitos
em que me instalam

trazem de mim
na jornada humana
todos os antepassados
a que se irmanam

como é bom ser corrente
das cachoeiras que se ama

Da fome em declarada substância


nos desvãos do homem
a fome ausculta
as bandeiras do desejo
e as vontades da culpa

a lembrança do pão
traspassa o universo
como um sonho quântico
em claro manifesto

a fome é um desacato
às veleidades do cérebro
o sistema apenas mata 
as humanidades que encerra

Mares em barcos de homens postos


o navio
debruçado no horizonte
escrevia no espaço
as idéias do longe

na praia
como num quadro negro
o homem escrevia sonhos
nos ombros do seu medo

e o mar nem cogitava ondas
que desfizesse o enredo
é que dar-se a barcos e homens
são gestos dos seus prazeres

Transcendências e claros sentimentos


transcendo,
tudo que cometo
são os recados exatos
do que devo

a condição de ser
é um grave interesse
e postar a vida no tempo
é vivê-la em constante endereço

Das amarguras em projetos e crises


estoco as amarguras
pelo dorso da vida
como uma prateleira inerte
fugaz e inconsumida

e as lanço no pensar
como um indício
de que a alegria é um projeto
de engolfar seus artifícios

e as consumo avaro
e as liberto no riso
como um gesto histórico
adredemente construído

Burocrática vazão das estatais moendas


sentado na vida
entre numeros e teclados
a monotonia em ondas
calcula o funcionário

no mister difuso
de fingir-se isenta
a burocracia decreta
sua consistência

o funcionário é só uma peça
encravada a pulso na moenda

Da felicidade em drágeas frequentes


a felicidade
não é descuido do triste
é que lhe sobra um curso
de ser tão frequente
como se fosse um bólide
dentro da gente

atirá-la é só um jeito
de faze-la consequente

Das manhãs em tempos avaros


das manhãs
assim estranguladas 
possa o tempo reescrevê-las 
nos ombros da prática

e armada de homens
ressurja a circunstância
de construir uma estrada
de coletivos instantes

mas nem por isso
deixe a vida
de trazer-se em mãos
como individual medida

Pátrias em desaconchego


ao país
de-se a complacência
de tê-lo como pátrio
por simples conveniência

é que caber-se no mundo
como uma pátria una
supōe viver todos os sonhos
distribuídos na luta

a terra é a única pátria
de quem ama o futuro

Das pororocas do peito em anais vigentes


a história
debruçada na mente
escorre os fatos
como uma corrente
tudo que lhe contesta
é um verbo inconsequente

as corredeiras da vida
quando em rios dizente
traça todos os rumos
das pororocas da gente

desembocar no futuro
é trajeto de quem sente

terrenas contrações do lucro


a terra vergastada,
em decúbito,
debruça o tempo
nos seus sustos 

e o horizonte
dilacera seu semblante
como uma chaga exposta,
irrazoável e itinerante 

o sistema regurgita pleno
os lucros de seu plano

Bonde em tráfego displicente


do bonde
a lua não se avista
talvez apenas uma nesga
dos sonhos do maquinista

do bonde
avista-se a calma
e uma ligeira impressão
de que se transporta,
moderadamente, a alma

os rompantes nos trilhos
são, apenas, soluços da máquina

Vivências em tempos delatados


nas noites de mim
desamanheço
como um tempo avaro
em que me esqueço 

e compilo as tardes
em que anoiteço
para raiar os sóis
das manhãs que meço

a utopia é só um futuro
a que me aconchego 

Das mágoas em controversas lâminas


as mágoas,
como cicatrizes,
rasgam a solução
de todas as crises

deixar-se atento
às alheias culpas
é alinhavar-se frágil
à disputa

nada como apagar
as intempéries da luta

Poema de circunstância I


a flor nem sentia
os ataques dos olhos
de quem a via 
e deu-se a dormir
embevecida
sonhando borboletas
nos pólens da vida

e o beija-flor
recatado
voava o desejo
de beija-la

Balada civil de contemporânea forma


mesmo cidadão
ainda é pouco
rasgar a lei
do meu esforço
 
mesmo cidadão
ainda é tanto
subtrair a vontade
do espanto
 
mesmo cidadão
ainda é lógico
arcar com o nada
do meu ócio
 
mesmo cidadão
ainda é falsa
toda a exatidão
da matemática
 
mesmo cidadão
ainda é nua
a rebelião
que me construa
 
mesmo cidadão
ainda caibo
nos limites de tudo
em que me calo
 
mesmo cidadão
ainda falto
nas noites que me envolvem
como fardos
 
mesmo cidadão
ainda trago
nas esteiras das mãos
o meu arado.

comícios e versos em flutuante norma


no comício
embrulhada no discurso
a palavra é pedra
de corrente uso

no meio do poema
debruçada na estrofe
a palavra é um jeito ornamentado
de parecer revolta

no comício e no verso
como um astronauta
a palavra abraça os cosmos
que se tem na alma

Dos relatos e da lembrança em resumida pugna


e na lembrança
para reviver o fato
a memória debruça mansa
em nosso relato
e caminha, complacente,
na sensação dos atos

é que o relato da vida
nunca é um retrato
mas a ilusão sentimental
daquilo que nos marca

a vida real, por coletiva,
nunca nos abarca
é só um abraço simples
nos infinitos em que se marcha

Do vagar do povo até a consciência


nas costas do tempo
o povo guarda em ondas
nos caçuás da vida
léguas de esperança

o futuro é arquitetura
dos deuses que inventa
como um sujeito intruso
dos edifícios que intenta

a razão é só um fio
enrolado na consciência

Da cobra em ritmos e jornada


a cobra, como um rio,
escorre o corpo em campo
no descampado urgente
do seu desafio

inconstante no seu arbítrio
flutua como possível
o caminho ondulado
de seus passos invisíveis

a cobra é um trem complexo
nos trilhos exatos em que vive

Das andanças do homem nas frestas do tempo


o desejo
célere e isento 
mede o homem e a vida
nas estratégias do tempo

a paisagem de si
como um relato
é só um discurso
solto no espaço

dar-se ao universo
é a construção do fato
de que o infinito cabe
em qualquer abraço 

Temporal em vivência desatada


Idoso
nada me afasta
de querer um tempo maior
sem matemáticas
que apenas some o sentir
a tudo que me baste

Viveres em contrações e largos


viver
é um resumo incontido
de todos os detalhes
do infinito

espalhar-se na vida
é detalhar esse resumo
e tangê-lo impune
pelas costas do mundo

Originária performance em declarada margem


ao vácuo quântico
dê-se a ilação
da urgência do ser
em revolução

plástico
vigore infinito
nas contrações do mundo
em exato rito

e flua
nos desvãos da vida
como um carnaval infindo
de todos os matizes.

Poema em declarada constância


o poema só ausculta
os ventos do coração
a calmaria da luta.
Como não marchar pelas bocas
nos versos claros das ruas?

a palavra cabe inteira
no asfalto das avenidas
como um aceno verbal
no discurso da vida

Fatos e atos em teoria empírica


nada da prática
resta indefinido
nos atos que deflagra
nos ombros da vida

a teoria, como uma flecha,
estica todos os arcos
argumentando a vazão
e a consistência do fato

o homem, debruçado em si,
é uma rebelião em cada ato

Da luz em vida desgarrada


jogada no mundo
a luz planeja
todos os elétrons
em que esteja

dada ao palco
não habita coxias
antes discursa clarões
em franca sinergia

a luz como a vida
arquiteta o sonho claro
de estar sempre amanhecida

Do maleável cérebro em decantadas poses


o cérebro
estático
lança infinitos
em nossos braços

máquina,
o corpo deflagra
tudo que lhe tange
pela alma

vivê-lo em invenções
é cometê-lo como arma
na construção ainda humana
de todas as jornadas

Da fome em bruscas paragens


a fome
consome
os indícios de paz
do homem

e grava, bruta,
na memória
partículas das culpas
pela história

e a vontade
escreve no espaço
um resto de vida
jogado no prato

Coletiva inseminação de particulares


a vitória
é só um escape
que burla o resultado
do empate

dize-la vencedora
admite a conjuntura
onde ainda bocejam
os rumores da luta

particular e avara
é apenas lenitivo
para tingir de tanto
um pretenso coletivo

Pachamama em viés corrente


Pachamama,
assim escorreita,
cospe os crimes
em que se deita

ilesa a pátrias
adormece una
mãe descomunal
de todas as lutas

Pachamama, tão passada,
é o futuro em disparada

Sistemática disfunção da conjuntura


a tração do lucro
em sucumbência
grava o gosto da sorte
no imo do sistema

o aval da exploração
em frenético abuso
dobra o peito humano
na insolvência do seu custo

o sistema é uma trave imensa
engasgada com o futuro

Andanças sonhantes em manifesto fazer


o sonho
embutido na mente
é como um futuro embrulhado
descoberto de repente

trazê-lo sempre nos olhos
no sono ou na vida
é quase cometê-lo 
pelas avenidas

o seu prenúncio é um jeito
de construir suas medidas.

Aparências em cibernético drama


no teatro virtual
a vida consente
em deixar-se avulsa,
enorme  e resistente

os íons da trama
em pérgulas aparentes
apascentam os dramas
nas poses de quem sente

a intensa maré cibernética
é um mar inteiro de aparências 

Privadas propriedades em franco visar


a propriedade 
no arrastão  da história
massacra o humano
e decreta sua lógica:

tudo que seja próprio
no marginal exercício 
chame-se propriedade
e cumpra seu ofício:

gestar a fome de tantos
em todos os sentidos
até que não seja próprio
permiti-la consentida.

Gaia em estupro e saídas recorrentes


Gaia,
estuprada,
escorre ferida
pelas madrugadas

o horizonte da luta
imitando o futuro
mostra aos homens
as veias do seu curso

e a vontade humana
nas energias que comporta
permanece construindo
a chave dessa porta 

Da construção da vida em livre conivência


os desejos da vida
bordados de caminhos
inundam as manhãs
em claros escaninhos

permiti-los
em declarada construção
é como inventar futuros
com o tempo nas mãos

o homem cabe inteiro
em cada palmo do seu vão

Da fome em trânsito nos enredos


pelas ruas da vida
nos lares que encontra
as marquises comentam
os homens e as sombras

a vergonha é paisagem
dos semáforos e da ética
no trânsito exato da vontade
que o indigente professa

a miséria pesa os quilos
que o estômago confessa

Da solidão em largas penas


a solidão
é só um desajeito
uma vontade de fugir
de dentro do peito

e vivê-la intacta
sem contraditas
é construir-se incauto
pelas avenidas

a gente esquece de si
quando resume a vida

Do poema transeunte de sinapses e tramas


à noite, como um rio,
o poema inteiro transita
entre as sinapses que tenta
e os ombros da notícia

tudo que lhe forma
no aval das palavras
é a vontade de ter verbos
que amanheçam as almas

e diluir-se nas manhãs
como uma intensa madrugada

A guerra pacífica das pazes


a paz
habita a guerra
quando tramita o povo
pelos ombros da terra

é que trazê-la calma
nos fuzis que possa
aponta todos os tempos
dos alvos que comporta

a ânsia pacífica de si
é o sentido exato da revolta

Do coração em bites declarados


o coração
é uma rede imensa
tudo que lhe cabe como virtual
é a paciência 

eis que em seus bites
como uma insistência
acampa a luta de todos
nas praças dessa sentença

o coração é sempre um povo 
de todos fios da consciência

Vívida moção da igualdade


a vida nunca é concurso
e barganha do futuro
que possa medir em graus
as melhores notas do seu uso

vivê-la farta e inédita
é só a adimplência
de quem posta todos os créditos
nas contas da consciência

a vida é um curso coletivo
dos rios de quem a entenda

A cada um de tudo


Cada um
é um sol inadimplente
que tenta brilhar o tudo
na parcimônia de gente
 
cada tudo
é um um inconcluso
que teima em brilhar os sóis
atravessados no mundo.

Egolatria em doses reptícias


no raso de si
como um aviso
o ego mergulha 
todos os artifícios

e na sua lida,
ensimesmado, claudica
como uma fantasia autofágica
posta em notícia

os egos relapsam pelo dia 
seus favores coletivos

Dos trejeitos da luta


a mudança
é um trajeto tático
de quem compreendeu
a estratégia dos atos

basta contê-la
no âmbito dos princípios
e permiti-la prática
de todos seus indícios

as aparências sempre enganam
as razões inteiras do ofício

Estradas de nós em campo largo


no transverso da vida
alinhavado à vontade
o mundo grita em nós
os surtos da liberdade

tatuados no tempo
como uma semente
pulsam  todos os ancestrais
largados em nossas mentes

o mundo caminha em nós
como um atalho recorrente

Do sofrer como desculpa informe


o sofrimento
nunca é prova
tudo que lhe mede
é a demora
em percebê-lo culpa
no laço que lhe joga

o sofrimento é um jogo
no meio da história

Geometria em humanos ângulos e retas


os ângulos
guardam incautos
as retas subjacentes
que lhes impedem os saltos

adormecidos em retas,
os raios, hipotéticos,
adormecem nas curvas 
dos seus hemisférios

o homem resiste aos traços
nas curvas militantes do cérebro

Verdes acenos em vazão escorreita


drapejando  exata
como uma bandeira
a árvore esculpe a vida
das amazonias em que seja

o rio,
serpente líquida,
borda caminhos na mata
em declarada preguiça

o mundo transcorre exato
nas vidas em que se avista

Balada patriótica e arruamentos gerais


I
 
a  patria
não explica
o jeito do amor
nem a notícia
 
a patria
apenas explicita
nas esquinas do tempo
os rigores da vida
 
a patria
é em tudo
a negação
do mundo
 
a patria nunca está
onde a quiseram fundar
antes se exercita
em transitar nos mapas indecisa
 
a patria, em verdade,
é um futuro jacente
que mais que geografia
traz o peito da gente
construído nos andaimes
de todos que se apresentem
 
 
II
 
 
A patria
é um riso invertido
tudo que sorri
é restrito e indiviso
 
só a patria
é muito pouco
para caber em si
as léguas todas do povo.

Infantes jornadas em sonolento acinte


a calçada 
rasga a carne
no sono intransigente
da cidade

o menino
coberto de papéis
bebe o frio da noite
nas letras dos jornais

o mundo ressona podre
as vergonhas em que jaz

Garças em voo reflexo


as garças
alinhavam o céu e nem percebem
que ao transitarem lúdicas
nos olhos de quem as medem
constroem certos sonhos
nos tecidos do cérebro

as garças são costureiras
de motivações adredes

Matutina reflexão com atemporais perfomances


o esgarçar da manhã,
desabraçando-se da noite,
é um caminhar dolente
das luzes em que coube

o tempo, em cambulhadas,
nos espaços e nas horas,
debulha seu desenrolar
pelos ombros da história

e os homens recolhem a vida
nos futuros em que apostam

Dos cangaços de mim


cangaceiro
deixo-me aos ventos
com todos os fuzis
do pensamento

o verbo
é o calibre
dos avarandados
em que me tenho livre

a mochila
guarda o futuro e a estrada
e a vontade de estendê-los
pelas madrugadas

Baladinha esotérica com laivos filosóficos


da mágica
deus prolata
o primado
da prática
tudo que era antes
fez-se depois
como um descaso
de tudo que foi
e o homem,
incontido,
mede as léguas de si
pelos sentidos
e no meio da terra
universos explodem
na estranha tessitura
do que se pode.
 
Ao homem
resta uma manhã ingênua
e o gesto iniludível
das criações efêmeras.

Quântica resenha de elétrons em flash


quântico
o elétron saltita
entre a realidade
e a contradita

farto
de estar ubíquo
larga-se no tempo
como um indício

tudo que lhe comporta
é um eterno exercício
de construir a contradição
em todos seus armistícios 

Da coletiva vazão da vida


a causa de todos
simplesmente explicita
os meandros da luta
que desenham a vida

fundada no tempo
como uma bússola enorme
pesa em nossos ombros
os futuros que descobre

luta-la assim impunemente
é conte-la em todos seus informes

Paisagem III


o sertão adormece
como um abraço ardente
que aquece o coração
de quem lhe sente

o sol, pela terra,
traindo sua insônia,
acorda nos cactos e tange
os horizontes que sonha

o sertão é só um aviso
da parcimônia das sombras

bandeiras vegetais em ritmo corrente


como uma bandeira
apontando o infinito
o coqueiro dança o vento
num baile contrito

o espernear das folhas
varre sorrindo o horizonte
como se limpasse nos olhos
as incertezas do longe

o coqueiro esconde o dia
e a gente nem sabe onde

Declaração de um amor desenfreado


eu saberei boiar nos teus olhos
como um náufrago amanhecido
e consumir todas as manhãs possíveis
na infinitude temporal do teu sorriso
e chorarei todas as tuas dores
navegante intenso do teu pranto
e morarei em todos teus adeuses
e nascerei em cada novo encontro
e enquanto as luas tremularem
outras luas eu trarei no peito
para jogar no colo do teu olho
que me saberá sempre a entendê-lo
minhas mãos serão bandeiras tuas
em qualquer vento que me pouses
e tuas mãos serão em cada encontro
os corrimãos da vida que me coube
e mesmo que não a paz
alguma calma te trarei nos braços
e em outras âncoras te farei contente
com a parte de mim que me sobrasse
eu te darei azuis
mesmo que a noite seja tanta
e mesmo que não tenhas estrelas
eu saberei conte-las no teu canto
e nunca porque seja assim
tão drasticamente consumido
acredites que eu em ti não seja
da largura exata do infinito
eu saberei morar no teu corpo
com a necessidade de um flagelado
e habitarás meu peito inteiro
com a certeza intacta dos abraços
eu saberei morar em teu desejo
inquilino frequente da vontade
e irei decompor-me em muitas almas
para que tenha tua alma em meu regaço
e até que eu tenha condição de mim
e circunstâncias de viver você
eu sonharei assim impunemente
as felicidades que em mim couberem
e caberei em cada palmo teu
nas léguas que constróis em cada sono
e dormirei em mim todo teu corpo
e habitarei em ti todo teu sonho
e morrerás em mim
quando eu morrer de ti 
com a certeza inequívoca
de que nunca morri.

Condição e trânsito


Dito eu
não me explicito
em tudo aquilo
com que me insisto
minha geografia
persiste
por estar sempre à mão
e em riste
e histórias há
que não desdigam
aquilo que a desoras
trago amarrotado
nas esquinas da memória
 
em resumo: me permito
a vida é sempre um risco
de estar presente no infinito.

Da fluvial procura de humanos mares


o rio, corrido pela tarde
derrama-se em passeata
na líquida e tenaz vontade
de ter um mar que invada

o mar, adredemente esparramado,
abraça o rio e suas sombras
como um quintal de águas
debruçado nas ondas

o homem, rio inteiro de si,
procura os mares que sonha

Quântica intrusão em veios possíves


dentro da cabeça
como um martelo
a consciência pulsa
no colo do cérebro

festa de elétrons
adormece quântica
em todas as razões
em que se diga tanta

pulsa-la é só um jeito
de afagar a esperança

Sistêmica ilação


o sistema,
incapaz e moribundo,
vomita farpas
no colo do mundo 
terra e homens
desabraçados
dormem em si as curvas
do imenso fardo

tarda a manhã
em que seremos todos
um abraço recorrente
das armadilhas do novo

O engenho humano em corrente temporada


nos aconchegos do tempo
dos ontens e agoras
dá-se a chance de pavimentar
o curso da história

o antes, assim modelo,
de reprimir os enganos
o agora, como fábrica,
de futuros e de planos

tudo isso, ainda sempre,
nas horas do engenho humano

Jornada temporal em causas e efeitos


e no viés da vida
ensimesmado
o homem desarquiteta
as curvas do passado

e o futuro
alinhavado aos trancos
inventa todos os tempos
em que tivesse âmbito

a transição das causas
é um cenário incômodo

da confluência dialética do futuro


o tempo
é um espaço disfarçado
minutos, larguras e metros
são quilos do mesmo fardo
tudo que lhes medem
é a constância do abraço
 
é como se o mundo
vive-se em sobressalto
arremessando o futuro
num imenso descampado

Reais dizeres de fatos exequentes


e no transcurso de si
a realidade exige
que no varal da consciência
seja posta em cabides 

é que o rolar das coisas
no âmbito das crises
envolve todos com tudo
nos limites do possível 

a realidade é um contrato
com os objetivos factíveis 

Dever em rasantes


a culpa
não é indício
de que se deva cumprir
seus algoritmos

os lances da lógica
às vezes distorcem
as lógicas vontades
em que se postam

o dever interno
é uma porta
escancaradamente
difícil e exposta

Poema a Orlando, meu pai


meu pai
tinha nas mãos
todos os  verbos
de sua razão 

e ao esculpi-los
nos ombros da palavras
construia futuros
e afagava almas 

meu pai era uma praça 
em que eu me encontrava

Da África em resumido propósito


negra
a áfrica pontifica
desde a origem
o universo humano da vida

solta pelas faces
em continentes vestígios
resume o gosto da terra
espalhado nos sentidos

a África é um pedaço vivo
de todos os infinitos

Palestina em doses e recados


a pedra,
das mãos do menino
voa no seu pulo
o grito palestino

a manhã,
amordaçada no tanque,
grita  aos sicários
um sol molhado de sangue

o menino, já sem pedras,
morto sobre a rua,
é uma estátua urgente
dos feitos de sua luta

Conjunturas e espaços


estrategista,
deixo minhas táticas à deriva
é como cabê-las todas
pelos bolsos da camisa
penduricalhos momentâneos
dos contornos da vida

o rumo grande de mim
independe de medidas
todas as razões do mundo
são andarilhas
pulsam assim como coletivas
as conjunturas da vida.
no mais é deixar-se remar
nos mares das avenidas.

Do riso em vertente


rasgo os dias
como a ventania
e tanjo todas as horas
como uma alegria
rio de mim
tão constantemente
que me permito sujeito
mesmo ausente

o riso, adredemente,
é um invólucro da vida
a que se consente
gastá-lo é desperdício
da tristeza recorrente

Temporais ataques em gestão perene


aos recados do tempo,
impostos com insistência,
há como avançar
os drones da paciência

é que assim deflagrados
nos veios da liberdade
transmudam todos os ritmos
dos dias e dos enfados

e se alojam em agoras
grávidos de futuros compassados

da saudade como lapso de tempo


a saudade
é só um distrato
entre o presente
e o passado

tudo que foi 
preenche na mente
as curvas de um agora
vazio e reticente

o desejo de vivê-lo
é um recado recorrente

Balada aos estádios de minha patria


a multidão
espremida e bruta
engole os passos de boi
no caminho da disputa
 
não uma luta precisa
que se urdisse na classe
mas uma batalha nervosa
no vão da linha de passe
 
a fundam-se nas filas
como bovinos transeuntes
na parcimônia dos passos
na pouquidão dos seus rumos
 
e urge o grito no bolso
como um discurso escancarado
destemperando essa fome
que o povo leva aos estádios
 
e partem juntos os homens
no enganoso mister
de chutar a vida na bola
de esmagar a fome nos pés
 
e mais o verde da grama
pareça assim uma bandeira
tanto mais o povo é chama
de queimar a vida inteira
 
o campo parece um drama
verdemente disfarçado
e os gritos partem a tarde
numa alegria magoada
 
e de repente o povo estaca
engolindo a ilusão
de que o gol explode nas caras
igual à revolução
 
mas no firmar desse grito
também existe a certeza
de que a bola um dia escapa
das bordas da natureza
e explode um gol definitivo
nos limites que o povo queira
 
e  esse gol atravessado
nas traves do mundo inteiro
permitirá todos os passes
nos gramados que se queira.

Da alma e sua ingerência intransitiva


Minha alma
é só um jeito
que a vida teima em dar
quando não creio
é coisa que se diz tão tanta
que chega a montar-se em gritos
na esperança
quando não desmaia impunemente
no viés incauto da lembrança.

Da confluência da vida


Do lado esquerdo do peito
nada como ser subversivo
e gastar o jeito da vida
nas léguas todas do riso.
 
O futuro é uma bandeira exata
para quem vive ajeitando o infinito

Da dialética manhã dos meus instintos


sou e não sou
como me sinto.
avesso do sonho: rebelião,
eis a minha síntese
 
tudo que me tange
é a construção da paz
e o vermelho do sangue
meu coração é um barco
de navegar horizontes

Do amor em valsa induzida e permanente


nas brechas dos bemóis,
na valsa, mansamente,
o amor fustiga os sentidos
em ondas recorrentes

nada da noite adormece,
e nos passos, assim jogados,
o tempo ondula os sentimentos
na amplitude exata do abraço

a valsa é só complemento
das notas que criamos pelas faces

Legislativa decretação do futuro


no artigo primeiro
fica decretado:
todos os humanos
serão abraçados

e em parágrafo,
único, como instituto,
diga-se desse abraço
a amplitude de seu custo

no artigo segundo,
fique assim definido
tudo será de todos
em todos os sentidos

Marighella em ondas recorrentes


Carlos Marighella
debruçado na rua
é uma bandeira exata
do sentido da luta

morto, 
vive tão profundamente
que nem se apercebe
das vidas que consente

Marighella é um mar
de ondas recorrentes

Do candomblé em rumpis intensos


no meio do tambor
perambula o coração
em todas as consequências
dos vieses da razão 

nos ombros dos passos
nas ondas do pensamento
manhãs anoitecem a vida
nas varandas do tempo 

a energia gravita enorme
como um humano catavento

Constructo


Minha morte
a construo
com os metros de vida
que não uso
e sou unânime em tê-la
em cada ausência
num riso menos vário
num desvão da consciência
 
minha morte
é apenas
quando não mais eu
em minha presença.

Auto de ano novo em resumo e amplidão


O tempo pode ser espaço
de viver-se em vão
quando não se entende
que apesar de todo não
a vida é um sim cronometrado
do tamanho do coração
que corre pelos ponteiros
sem alguma conclusão
e que só se resume
nas dobras de cada mão
que constrói seu próprio tempo
inventando a amplidão
 
o tempo é sempre espaço
de se traçar sem compasso
pois seu ângulo é quase sempre
da largura do nosso abraço

da crise e suas conformidades


a crise
é apenas um alvoroço
da história
tudo que lhe tange
é resposta
 
o povo é só a chave
de abrir suas portas.

Da necessidade verbal das horas


minha garganta
apenas avança
os verbos que atiçam
a esperança
 
palavras são o fardo
que os ventos em mim habitam
nas curvas do que faço.
 
como não dizer a vida
se o futuro é só um jeito
de desenrolar o passado?

Do frevo em Olinda adormecida


nas ruas de Olinda
dorme uma alegria
um carnaval embutido
nas costas do dia

o frevo mesmo calado
assanha a ventania
e drapeja seus tons
nos ouvidos da avenida

o frevo é uma lembrança
nos asfaltos em que silencia

Ao povo


o povo
não contém a lua
mas há vários sóis
no meio da rua
 
o povo
não se individua
apenas se divide
entre o que está posto
e o que não atua
 
o povo
diz-se em cordas
nós que desatam
todas as horas
 
não lhe cabe a desculpa
de ser apenas um
no meio da luta
pois agregado
numa compleição infinda
nada lhe resta da culpa
indivídua e restrita
 
o povo
não se conjuga
verbo subversivo
não lhe cabe o modo
antes se explicita
como se fora uma verdade
que precisa ser dita
 
não trai no seu gesto
qualquer melodrama
 o povo é um amor
que nem se ama
pois para cabe-lo
numa proporção restrita
era preciso desfazê-lo
de sua força infinita
e trança-lo em peitos avulsos
por sobre os descaminhos
e encontrar todos os passos
do seu desalinho
 
o povo nunca cogita
do que não disse
apenas todas as palavras
estão em riste
e por contê-las tantas
no vão da vida
sobra-lhe o infinito
como medida
 
o povo deve ser apenas
a régua da vida.

Acróstico ao Camarada Che Guevara


Camarada, vives pelas almas
Herdadas do vão dos teus atos
Empilhadas em grávido desacato
 
Gastas as memórias
Urdidas em tua luta
Espaços bordados da história
Varando os céus de Cuba
Até que o coração do povo,
Ruas, cidades e todo a terra
Avance pelo mundo a casa geral de todos

Volitivo manifesto em gesta


e assim que a vontade
tenha o jeito manso de fato
possa o homem debruçar-se
nos futuros que acate 

é que no desvão do tempo
nas parcimônias dos gestos
a vida apequena o incenso
que sempre joga nos protestos 

o futuro não é um tempo
é um espreguiçar-se do universo

À guisa de samba em bemóis verbais


no meio da noite desatado
como uma cachoeira incontida
o samba acorda a madrugada
enchendo de favela a avenida 

e o surdo cantando pelo vento
imita os corações em seu compasso
tamborins entoam seus lamentos
voando nas mãos todos seus pássaros 

o samba é um comício recorrente
da vontade de todos os abraços

Da onírica vazão


repristino o sonho
tão exatamente
que os fatos pulam em mim
impunemente
 
e assim, em passados,
embrulho o presente
com os futuros que crio
preteritamente
 
o sonho é só um tempo
de viver a gente.

Caminhares de verbos e anseios


hei de ser assim tão vasto
contido nas dores do meu mundo
e não sentir o pulso da cidade
desabando do alto dos soluços
quero permenecer inerte
e fluir no tempo incomparado
e fugir de todas minhas dores
na parcimônia breve dos abraços
quero me rebentar de luz
embora a escuridão já me desarme
e viver rompendo o véu das coisas
e corromper os meus alardes
e obstruir fartamente a ordem
e ocupar cada vão do meu cansaço
e repousar dos legítimos suores
e perceber completa minha gente
e empalmar minha alma como bólide
na solidez incauta do presente
com a objetividade da navalha
abrir as sendas do pensamento
e com a potência exata da alma
construir um futuro que convença
e nem por isso
eu me caiba conhecido
se há infinitas esquinas
em cada curva do meu grito
quero borbulhar na noite
e sorver a placidez das praças
e habitar as vilas do mundo
com o pendor dos astronautas
quero consumir o ardor
das crianças de minha terra
e debruçar-me nos seus risos
e beber seus hálitos de américa
 
mas meu poema se dessangra
rasga o verbo, urde a trama.
meu verso quase é arma
daquilo que proclama.

Cordel da vida inteira


é de ter como a vida
um jeito assim coerente
que não viaje pelo tempo
como razão diferente
que nunca dissesse a tanto
a como e quanto se pertence
 
porque dizê-la maior
que uma vida insurgente
seria tê-la em custos
que não se dá a viventes
porquanto merecê-la
fosse tarefa inconsequente
 
e se fosse distribuida
avulsa como se sente
melhor seria contê-la
trincada assim pelos dentes
do que fazê-la material
adrede e talvez urgente
é que de urgências se exclua
pela razão desmedida
de não ter as consequências
do que se tem pela vida
é que falta-lhe a certeza
e talvez a simetria
das esquinas que a natureza
constrói pelo vão do dia
 
é de ter só por ser vida
a vazão e a geometria
de recipiente dispostos
numa mesa tão baldia
que não lhe sabe a vivente
o que viventes presenciam
é que é dado ao sujeito
um quê de predicado
e nunca sobra no seu jeito
a contrição substantiva
que lhe permite ser essência
dos adjetivos da vida
 
e nessa lida entornado
pelos tonéis da memória
nunca lhe chega à lembrança
o viés de sua história
onde esteve tão vário
apesar de transitório
 
é que lhe cabe a desmedida
de uma vã matemática
que faz sobrar pela vida
um certo quê de imaginário
que nunca constrói frações
nos inteiros em que cabe
 
e nesse tão desalinho
em que se permite arranjado
flui uma vida inversa
a tudo aquilo que sabe
e nunca constroi o sonho
do tamanho do que lhe invade
 
o sonho é sempre constrito
numa lembrança adversa
que trai um jeito de morte
mesmo inventando a gesta
de quem permite que a manhã
seja uma noite sem festa
 
é que para ser tanto
era preciso a modéstia
de ser, mesmo um,
um milhão de et ceteras
jungido a todos os rios
de correntezas modernas
que não se dissessem águas
mas memórias que se internam
 
é que no vão do juízo
existe sempre a reticência
de não se ter da liberdade
a compleição tão exata
de sempre se inventar livre
apesar de ser escravo
 
pois é esse artifício
que constrói a urdidura
de uma liberdade úbiqua
que se retrata na luta
de quem sendo escravo
sempre abole a escravatura
seja pelas vias do interno
seja pela via das ruas
 
é que ao homem descabe
tudo que lhe construa
como mecanismo automático
de máquinas avulsas
que teimam em fazê-lo inóquo
na pauta do seu susto
 
é de tê-la assim absurda
apesar de tão querida
como se fora razão
de adentrar nessa liça
que teima em ser da paz
apesar de tal notícia
 
não tinge a pele do peito
nem sempre com a vontade
de declarar-se rural
no coração da cidade
e de construir assim agrária
um cenário em que nem cabe
 
é de se ter pelos caminhos
em descompasso frequente
como se fora um passo
que não coubesse na gente
pelo dorso dos calcanhares
tenazes de nossa urgência
 
e se rompe encruzilhadas
com a textura indigente
de quem escolhe o melhor
como se fora urgente
é que lhe falta a parcimônia
de dizer frequente
 
é de tê-la amiúde
em um tempo inconsequente
em que as horas nem contam
como produto da gente
antes se tem como lapsos
algo assim tão pingente
que cai pelos minutos
em que o homem nem sente
 
mas é por desenha-la inversa
a tudo aquilo que procura
que ao homem é dada a controvérsia
de ser em sendo criatura
coisa urdida nos seus poros
e na imensidão das luas
não lhe cabe a fixidez
da intransição dessas culpas
que teimam em ser caminhos
por onde o homem flutua
como uma marcha desordenada
que entorna assim pelas ruas
 
mas é de vê-la inteiriça
nessa descompostura
que lhe faz saber a astronauta
mesmo ancorado em amarguras
que lhe moem o peito nos dias
dessa humana aventura
 
mas é de vê-la coerente
nos vieses mais exatos
que lhe põem em armaduras
de guerras que nem desata
como se terçasse as manhãs
com as noites que constata
 
é que ao homem exalta
aquilo que individido
soma ao peso dos passos
como se fora preciso
levar o mundo nas costas
de todos os seus indícios
 
mas é de vê-la maior
em leitos constrangidos
que nem sempre lhe dizem
tudo que é preciso
pois palavras sempre são
apenas verbos intransitivos
que batem no peito da gente
e se desfazem no infinito.

Vertente empírica da forma


a arte
não é um disfarce
para encenar como sonho
a realidade
 
ao nascer como curso
a arte é uma verdade
adredemente irreal
das emoções em que cabe

Sobre a angústia e sua estadia


a angústia
pulsa intensa
nos vincos que quebra
da paciência
e larga-se no peito
como uma estrada
que desenha desvios
nas viagens da alma

tudo que lhe teima
é uma alegria mascarada
nos carnavais que a tristeza
constrói como cilada

Da dosimetria onírica de mim


meu sonho
nem se culpa
de sonhar-se sempre
em plena luta
 
é que lhe sobra
uma aventura inata
um despejar-se coletivo
pelo vão das praças
 
meu sonho tem léguas
em que nem transita
é que muito de si
é a própria vida

Da semeadura da vida no tráfego do medo


a angústia
é só placebo
de quem transita
pelo medo

fugir
é só um enredo
de quem se habita
em segredo

o confronto
é só um jeito
de semear a vida
em todos seus canteiros

Das nervuras dos quadrantes


Nada é absoluto
o tempo não teria espaço
para decretar-se em tudo
 
nada é restrito
o todo sempre cabe
em cada infinito
 
a gente é que dá um jeito
de teima-los incontidos

De almas e cursos em sonhos da vontade


almas não usam máscaras
almas sentem as marcas
as que construimos nos sonhos
as que fabricamos na prática

os cursos de suas fontes
são os rios da vontade
os que desaguam no tempo
os que navegam a liberdade

vivê-los em todos os caminhos
é a forma exata de abraçá-las

Arquitetura e drama


Desarquiteto o voo
na vontade
de consumir em vão
todos os meus ares
 
e, pássaro,
nem me sinto
nos sonhos
que não me consinto
 
e, por vezes,
quando, à noite, tardo
rasgo as manhãs
da minha face.

Ao Cavaleiro da Esperança


Camarada Prestes,
a esperança ainda cavalga
os corcéis que o povo
tange e inventa pela alma
 
dos seus mergulhos
entornada pelos tempos
a rebelião é o estopim
dos futuros e dos ventos
 
cavaleiro, ainda da esperança,
o povo amanhece tua lembrança.

Da concretude do eu


Nunca me iludo
a ilusão
é só um custo
de quem discursa
uma realidade baldia
e avulsa
 
minha ilusão
é só trajeto
das razões que o sonho
me projeta
 
é ilusão
e quase fato
todas as léguas de mim
e o gesto dos meus passos,

Da metragem temporal das normas


o relógio não leva o tempo nas costas
nós é que medimos os ponteiros das demoras
como a inventar um jeito manso
de arrumar o destempero das horas
 
é como se fora uma régua
de medir os ombros da memória
tudo que lhe sobra falta
nos vincos ávidos da história

De onde se apresenta Nicodemus Hazalaia, feitor de si mesmo, e as raízes do seu sonho


Nicodemus Hazalaia
entrante aqui em romance
diga assim pelos gestos 
o que lhe fez tão avante
pra que tivesse num sonho
as razões desse instante
que espalhou sua razão
nos ombros do levante?
 
e assim falou Nicodemus
de Hazalaia sobrenome:
“com a força da natureza
e os pendores de homem
quis o sonho de repente
escrever-se em minha fronte
como uma resposta da vida
que tramita no horizonte
e eu descendo do sono
montei o sono apressado
e caminhei pelos tempos
como um incauto cavalo
que galopasse a vida
com a força dos seus saltos.”
 
mas que fazias no sono
assim desembestado
pra que pudesse a vida
ter tamanho sobressalto?
 
“é que dormia apressado
num tempo assim comprimido
que descontava a madrugada
dos tempos já vividos
e inventava uma noite
enviesada nos sentidos
que via, ria e chorava
nos tamanhos do infinito
 
e eu descendo as ladeiras
de ruas que nem sentia
eu vi os bairros de gente
que não cobram serventia
e vi  favores que o tempo
aos poucos subtraía
de suas carnes incautas
de suas mentes vazias
como se fora usina
de fabricar apatia
tudo que lhes mandavam
em ordens obedecidas
era contrapor o tempo
ao ombro magro da vida
 
e quando parei de repente
nas entrelinhas da estrada
meus passos todos quedaram
no vão esquerdo da mata
deram de me achar
em Matirão da Jandaia
 
e fui assim resumido
nos desvãos da consciência
que havia chegado em terras -
se num sonho a gente pensa –
que viviam escondidas
nos ombros da paciência
 
e quando me apresentei
no primeiro arruado
senti o corpo tremer
com o peso do passado
é que as horas tinham partido
e tinham me abandonado
enviesado num tempo
de quem sonha acordado.”
 
mas por que tanta surpresa
nesse chegar apressado
que vinco da natureza
você não tinha passado?
 
“os vincos da solidão
de quem pensa compassado
que a vida é só uma razão
de não se estar apressado
construindo um corrimão
que serve quase de passo
de quem sobe pela vida
esmagado em desabraços
 
os vincos da maldade
que socavam a natureza
inventando os passados
que o futuro não veja
e espalhando no tempo
umas horas de incerteza
como se a dúvida coubesse
naquilo que a enseja
e fosse assim como um rio
de escassa correnteza
 
o vinco da tristeza
que acomoda e valida
um tempo sem horas
ao redor dessa vida
como se fosse plural
o singular com que lida
 
o vinco da vaidade
que parece um desafio
de quem sendo espelho
reflete o desatino
de inventar uma vontade
que desdobrasse o destino
e o estendesse na vida
como toalha de linho
 
o vinco da ingratidão
da incompleta atitude
de replicar pela vida
um tempo de desajuda
embrulhado na rebelião
de todas as amarguras
como se gente fosse caminho
de uma estrada obtusa.”
 
 
e como lhe pareceu
a Matirão da Jandaia
essa terra que um dia o sonho
lhe jogou pela cara?
 
 
“primeiro vi-lhe as encostas
dos arredores mais frugais
chegando ia eu de repente
no meio dos matagais
quando me apareceu pela frente
numa curva mais audaz
a face dessa cidade
que ainda hoje me traz
 
e era um desperdício
eivado de concisão
era como se fosse um infinito
que coubesse na mão
e que se esparramasse lento
nas dobras do coração
eu vi assim a vontade
de conhecer mais de perto
aquilo que sendo cidade
parecia um desrespeito
a toda a arquitetura
que a gente traz pelo peito.”
 
mas o que tinha  a Jandaia
no teu sonho consumida
de construções e de casas
de vielas e avenidas?
 
ela as tinha nas gentes
que se enrugavam na lida
num tempo que se aninha
nos bolsos das camisas
como se fora caneta
de escrever nossas vidas
e essas ruas de gente
amolgadas pela tristeza
caminhavam seus passos
como se tivessem a certeza
de que o caminho caminha
no inverso da natureza
 
mais que as taipas das casas
fluía a imensidão
das taipas inscritas nas faces
do povo de Matirão
era como se homens coubessem
na mais profunda tristeza
chorando prantos aguados
pelos vãos da natureza.”
 
e por que em sonho vigente
não havia a satisfação
de inventar uma alegria
no meio da multidão?
 
é que o sonho se ressente
de toda e qualquer volição
se o sujeito que lhe sente
não a traz pela mãos
como se fosse carneiro
de  um ego amanhecido
construído nessas cidades
em que todos são amigos
 
era  difícil num sonho
obter minha permissão
de construir uma alegria
nas dobras do coração
é que mesmo adormecido
nos vincos da ilusão
sempre resta um pedaço
da vida na nossa mão
 
e assim adentrei Matirão
com o peito amolecido
sentindo no sonho o gosto
das parcimônias do infinito
como quem mede o espaço
com o tamanho dos gritos
e era fácil ver os metros
de todos os meus princípios
estendidos pela cama
como um lençol consentido
 
e como se dava esse fato
de, assim adormecido,
ainda ruminares
as nesgas dos teus princípios?
 
“é que princípios convivem
com qualquer rebelião
são assim como indícios
que sempre nos tem à mão
e ficam até quando mortos
ressuscitando a razão
desconstruindo as verdades
vividas na contramão
 
habitam o imo do peito
com tanta sofreguidão
que inventam nessas ruas
a grande rebelião
de quem atado à verdade
nas dobras da confusão
se deixa levar pela tarde
com a certeza na mão
 
é assim como um infinito
medido em cada homem
é como se fosse o sorriso
de quando se deixa a fome
e tanto mais se declare
e tanto menos consome
das alegrias que a gente
fabrica com nosso nome
 
é que princípios se ajeitam
nas franjas da liberdade
como se fossem sujeitos
de cada humanidade
que a gente carrega sem jeito
nas dobras da vontade
e que se firmam na luta
nas costa da vaidade.
 
mas diga assim Nicodemus
continue a sua lida
quem colocou Matirão
nos passos de sua vida?
 
um sonho arquitetado
creio eu, sem medida,
que me sonhou acordado
nos sonos em que me via
assim como uma tristeza
plantada numa alegria
que sai do peito da gente
com a força da ventania
e deixa pelo juízo
um cheiro de rebeldia
 
então eu vi os viventes
de Matirão da Jandaia
no meu sonho, de repente,
surgirem na sua lida
como se fossem bonecos
com cordas consentidas
jogando todo seu tempo
ao contrário de suas vidas
 
tinham nos olhos a faca
de cortar as alegrias
o peito fundo das mágoas
que se arrecada cada dia
como se fosse colheita
sem nenhuma serventia
servindo só pra marcar
as datas dessa agonia
 
e desses viventes todos
arrumados nessa agonia
eu pude ver as correntezas
de rios que nem havia
era como se a cidade inteira
nos palmos de suas mãos
caminhasse o sofrimento
em passos de procissão
e no sonho nem havia
o contorno de sua fome
o sono, às vezes, engana
aquilo que se consome
como se sonhar fosse resposta
às querenças do estômago
tramitando o homem pela noite
com a parcimônia no lombo.
 
e como foi a jornada
assim que tivestes prumo
de sair do sono pro sonho
pelas encostas do mundo?
 
“assim que caminhei
da cama para o espaço
dei-me à rebelião
de me achar compensado
em ver as dores do mundo
como se fossem enfado
que a gente cansa de ver
mas se sente conformado
 
mas de repente o sonho
começou a vigiar-me
como se fosse sentinela
daquilo que eu pensasse
e pos na minha cabeça
um quase exato vexame
de ver que em Matirão
a paciência desandam
 
e parti pelas ruas
indagando a cada homem
o que os fazia entender
os quilos todos da fome
por que não inventavam todos
uma vida mais robusta
que fosse esquina de tudo
das ruas todas da luta?
 
e a maioria dos viventes
cansados das disputas
afirmavam que a sua vida
era apenas uma desculpa
que o divino arranjava
pra botar nas suas culpas
como se fosse penitência
por toda e qualquer luta
 
falavam assim de manso
como incautas andaduras
elipsando as palavras
no meio de suas juras
é que o verbo empaca
no jeito exato dos fatos
é assim como uma fala
que saísse no retrato
 
diz que a vida assim
nas costas desses viventes
teimou em ser um sim
com todos os nãos reticentes
como se fosse uma festa
das tristezas da gente
 
é que nos ombros do tempo
as horas nem perceberam
que a vida tinha passado
como se não fosse tê-lo
perdida em descaminhos
nas curvas do desmazelo
 
fugiu assim num rompante
das amarguras do dia
e inventou pelas noites
uma estrita sinergia
com as conjunturas do homem
cujos desejos nem via
 
afogou-se intransigente
nas funduras de si mesmo
e nadou todos os mares
em que cabiam seus medos
assim como uma barcaça
que inventasse seus ventos
 
e houve por bem que fazia
como todo este destempero
as coisas que sua infância
não construíra por medo
de explodir as certezas
nas dúvidas que ia tendo
 
e mediu todos os sonhos
numa estranha dosimetria
com os metros da consciência
que seu desejo permitia
juntando todos os passos
nos descaminhos do dia
 
e veio tangendo a vida
na coleira da vontade
construindo cada veia
nas vias dessa verdade
como se a estrada coubesse
em todos os passos da cidade
 
e fez-se assim o indício
de que tudo a que se presta
depende de como engendra
a vida que se completa
quando o trabalho de todos
muito mais que uma gesta
é usufruto de um
e muitos et ceteras

Quadra conceitual de verbos e indícios


o poema
é apenas o ofício
de contrapor-se o verbo
aos limites do infinito

Canto a Camilo Torres


Camilo morto
é um acinte
nada do que é a paz
está em riste
apenas repousa na Colombia
uma manhã baldia,
ainda ensolarada e triste
 
no peito,
ainda incólume,
Camilo inventa colombias
paciência e revólveres
 
o combate
é uma hóstia diferente
distribuída pela América
que a gente traz entre dentes
que se assemelha a um grito
que se inventa na garganta
e que enche toda manhã
com nesgas de esperança
 
sacerdote do tempo
não lhe falta a serventia
de viver, mesmo morto,
no peito da ventania.

Das raízes infantis da esperança


desde menino
dei-me sempre à constância
de envelhecer
abraçado à esperança
o tempo
foi só uma insistência
das construções de mim
nessa permanência

Exercício popular do tempo


quando cessarem os verbos
abra o peito na avenida
e abrace o jeito do povo
entornando pela vida
navegue o sonho de todos
na simples dosimetria
de quem inventa o novo
nas costas da alegria
 
é que o futuro se encosta
nos alvoroços dessa lida
e fareja a igualdade
no descampado da vida

Da alma em retoques


A alma é só invólucro
daquilo em que se cabe
guardada a proporção
das pretensas liberdades
que a gente traz pelo peito
e, às vezes, nem sabe
 
e vige enquanto perdura
o gosto infante da alegria
no riso que a gente tange
pelos ombros da avenida
construindo com irmãos
as lutas todas as vida
 
a alma é só um detalhe
da singularidade coletiva.

Cartas da vida e brasileiros dramas


Carta I
 
não tenha a vontade
um mister tão compulsório
que não o de gerir o peito
e se furtar ao ócio;
 
que convença o coração
dessa gerência informe
mas que se preze infante
e que se entregue e chore;
 
que abasteça o peito
de quereres mais amenos
alguma rosa profunda
algum urgente segredo;
 
que conspire à furto
com a razão mais latente
mas que se queira interina
numa vida permanente;
 
não traia o corpo
alguma chaga imprecisa
que se derrame sem jeito
pelo bolso da camisa;
 
antes se queira frágil
nos exercícios da vida
e se desdobre em cachoeiras
em que caiba imprecisa;
 
e arquitete um abraço
que não lhe saiba concisa
no limite de suas carnes
e do tamanho do infinito;
 
não venha o espaço
querer-se tão limitado
que não comporte um amor
que caiba no seu abraço;
 
mas que se firme complete
nas lacunas que lhe formam
e informe-se por certo
das colunas que suporta.
 
Carta II
 
A gente sempre morre
do tamanho da vida
e sobra em amores pacatos
pelo jeito da notícia
 
a gente sempre ama
do tamanho do abraço
e nem se sobra ileso
das marcas do que se acha
 
 
Carta III
 
a noite
bóia nos meus olhos
com a mesma tecitura
com que bóia minha alma
pela rua
 
meu poema
não se acostuma
a ser verbo
que não se assuma
e se não se alça
a exercícios mais táticos
é que bóia também na noite
embrulhado no que acho
 
a noite
boia nos meus olhos
no gesto mesmo
de uma lágrima
feliz que nem seja tanta
verbo que se queira água
 
meu poema
não se escusa
a ser um verbo que sinto
e que me acusa
de tê-lo assim inteiro
nas vírgulas em que atua
 
Carta IV
 
meu país não obedece
a qualquer geografia
senão as que o povo
constrói na sua folia
 
Carta V
 
A lágrima do riso
tem um jeito diferente
é algo assim como um rio
que não tivesse corrente
 
Carta VI
 
De cada paixão
resta o desuso
uma peguiça de amar
a longo curso

Das andanças ainda oníricas do tempo


na garupa do sonho
sitiado pela vida
o homem adormece
todas as feridas
 
nada do que lhe é bastante
o é em tal medida
que não se farte dos infinitos
que alinhava em sua lida
 
sonhar é só ordenar
os futuros que se tem em vista

Dos galopes da vida em rasa alusão


as rédeas
do juízo
não as uso
é que as selas das palavras
montadas a prumo
adestram as estradas
e todos os rumos

as rédeas da vontade
não as invoco
é que o desembestar da vida
é um galope sólido
que tange todas as razões
no sentido de nós próprios.

Edital de mim


nos meus itens
infinito
os degraus da vida
que milito
 
tudo que me crava
nas costas do tempo
é a rebelião exata
do pensamento
 
a vontade é só um jeito
de encontrar-me atento

onírica paisagem


o sonho
é um esconderijo
que a alma dá ao futuro
quando preciso
 
como fato
só anuncia
os gestos da vontade
e a permanência baldia
 
o sonho
navega no presente
todos os futuros
em que se cria
 
todas suas jangadas
impunemente
drapejam as velas infinitas
dos ventos todos da gente.

Aos moldes de cordel, com entrelinhas


Era assim de parecer-se
a uma vida que se quisesse tanta
que não pudesse se engasgar
quando dita em verbo na garganta
e que transitasse pelos poros
com a mesma contradita
com que transitam as verdades
nos desvãos de quem as diga
 
era assim de parecer-se
a uma faca carente já de corte
que se desfizesse como arma
na placidez de quem a porte
porque resto de uma guerra desusada
que tramitasse em vão em cada grito
e que permeasse uma paz inteira
nas melhores dobras do infinito
 
era de parecer-se quase um contrário
desmedido em vão na sua teia
cerzido a toda liberdade
construído em todas as centelhas
como se fora um desalinho
que subisse de cada desapego
e que permitisse uma feição humana
aos erros que decreta como medo
 
era de parecer-se inconcluso
em sua mais carnal postura
porquanto fosse homem em desuso
de alma transparente e algo pura
que não coubesse no discurso
que às vezes se constrói ausente
mas   que contivesse um povo inteiro
na compleição exata do que sente
 
era de parecer-se astronauta
de cosmos de tão diversa trama
que estrela não houvesse na alma
senão daquelas que são chama
e que brilham no rosto dos homens
com a mesma similitude
com que o fogo queima as fogueiras
em que ardem todas as virtudes
 
era de parecer-se adrede
da mais suspeita constatação
de que a alma dói muito menos
que as ausências da razão
é como se fora um humano
trasladado a outro rumo
que não lhe permitisse o tempo
de quem cumprisse seu mundo
 
era de parecer-se um mar
de placidez tão avara
que todas as ondas que pudesse
fossem apenas a da calma
e que não pudesse lutar
contra as marés do seu jeito
e construísse jangadas
que navegassem seu peito
 
era de parecer-se frugal
e ao mesmo tempo tão diverso
que se permitisse como prosa
no meio de cada verso
como se fora um verbo
de tão intestinal textura
que contivesse todas as almas
de quem anda pelas ruas
 
era de parecer-se informal
como uma tarde estrangeira
que teima em fingir-se de noite
num tempo de tal certeza
que envolvendo o coração
com horas de vaidades
constrói uma vida avulsa
pelo meio das cidades
 
era de parecer-se praça
de todas as latitudes
que permitisse às estrelas
os cosmos que nem pude
e que brilhassem à sombra
todos os seus caminhos
e que homens assim fartos
andassem todos sozinhos
 
era de parecer-se estrada
de todas as direções
que conduzissem a tudo
e a todos os senões
como se fora um rio
que contivesse nos passos
a certeza dos destinos
a vontade dos abraços
 
era de parecer-se imberbe
na sua senilidade
e que dispusesse da vida
com tal celeridade
que chegasse a montar o sonho
com a certeza das tardes
 
era de parecer-se homem
nas praças de sua luta
com  a intimidade do tempo
e a parcimônia das disputas
na inadimplência maior
de todas as suas culpas
era enfim de parecer-se tanto
no roldão da humanidade
como se fora um marco
de sua própria liberdade
construindo todos os poros
no coração das cidades.

Das correntes e medidas do amor


ao amor
dê-se a vazão
das cachoeiras que inventam
o coração
 
e dê-se como mar
nas ondas em que se cometa
como se fora um barco
navegando impune sua gesta.
 
o amor é sempre ávido
em tudo a que se presta.

Das dúvidas das horas


O infinito
é só um salto
que o tempo teima em dar
pelo espaço
tudo que lhe tange
é passeata
e a exata compleição
do que prolata
com esse jeito de tanto
e a certeza de nada.

A Czeslawa Kwoka


as listras amarrotadas
da tua farda
riscam as manhãs
em que não estavas
 
teus olhos,
póstumos enclaves,
apontam os portos
da liberdade
 
ainda viges como lembrança
nos ombros largos da tarde.

Clandestinidade


Ao redor da mesa
as palavras tombam
como virus razoáveis
que se querem tantos
 
lavram o juízo
numa certeza tanta
que criam engenhos fartos
nos meandros da garganta
 
fustigam a consciência
numa imensidão disforme
e jogam-se pela alma
numa exata forma
 
o segredo inunda
um verbo intransponível
que aconchega o discurso
a todos os possíveis
 
e a revolução
como um adstringente
coloca o coração do povo
no peito da gente.

Das minúcias do viver


lúdico
nada me joga
público
 
andante
de mim
súbito
deixo os repentes
em que me uso
como uma jangada
adernada
nos mares que curso.

Da ética fração da vida


Princípios
são a correnteza
dos rios que permito
melhor cabe-los impunes
no meio do meu riso
 
princípios
há que tê-los
tão a prumo
como se fossem asas
do meu rumo
 
princípios
há que mantê-los
como pássaros contritos
na imensidão humana
dos sentidos.

Do pincel e do artista em resumida prosa


O pincel nem sabe
que a cor é um verbo
em que desaba
e inventa desenhos e discursos
no colo das palavras
não as das letras
mas as da alma
 
o pincel é só um transeunte
das encruzilhadas do artista
aquelas que ele inventa
e as que estão na sua vida
 
é que o pincel é microfone
dos comícios tonais de sua lida.

Encômios da vivência


temperamento
não é jogar o ego
contra os tempos
 
antes é vidraça
de retratar outros egos
pelas praças
 
o ego é só um jeito
de adivinhar ameaças
tudo que lhe tange
é uma necessidade de capas
umas de ontens
outras da prática.

Baía da Traição


a baía
amanha a praia
com um gesto
de navalha
cospe a areia
já prestante à luta
como se fora garça paciência
da desculpa
e finge-se mar
de vasta cabeleira
renhidos os ombros das ondas
pela tarde inteira
 
a baía
bebe o chão
como um gole compassado
de rebelião
e mansa
arranha o vão
de todos os calculos
de sua insuspeita fração
 
a baía, assim urgente
é quase um leão
que tecesse na juba
as tranças da solidão.

Certidão


averbo-me de livre
quando meu verso exige
verdade que nem seja tanta
com os limites da garganta
e que deixe-me exato
quando nem caibo
corpo que nem cobre o tamanho
daquilo em que me acho
 
averbo-me de incauto
quando alcanço meu limite
roupa que nem me veste
verbo que nem me disse
e me quero destroçado
em ruas em que nem estive
verdade que nem queira tanto
avalizar os meus limites
 
averbo-me astronauta
em cosmos que nem habito
janelas que nem se fecham
com a presence do infinito
e tenho-me em medidas
que nem conheço
e caibo em proporções
em que nem tropeço
 
averbo-me de livre
quando nem a madrugada
é ainda  a razão
porque me tive
e compreendo-me a meias
rendeiro de almas
que nem gasto de repente
como um saldo que me caiba
 
averbo-me de triste
nas manhãs sem mim
em que a palavra arquiteta
tudo que não se apresta
a dizer-me assim
 
averbo-me suspeito
quando a culpa tange
a franja do medo
que me engane
 
averbo-me de tanto
quando ainda pude
trazer pela garganta
os verbos que ajudem.

Da democracia e dos enredos


a cada cidadão
dê-se a condição
de parecer-se fato
da razão

e que semeie olhos
pelas paisagens

na exata proporção
de quem se cabe
 
a cada cidadão

dê-se a contradição

de inventar-se imberbe
mesmo não

e que avance na cidade
à contraluz

nos bailarinos passos
que conduz
 
a cada cidadão
dê-se a parcimônia

de consumir os futuros

em que sonha

e que não teça seus medos
tão frequentemente

como quem contradiz
o jeito de ser gente
 
a cada cidadão

dê-se a similitude

de um mar ilimitado
mesmo açude

e que então se mobilize
quando assim tão coletivo
deixar de ser um único
apesar dos seus indícios
a cada cidadão

dê-se a complacência

de padecer tenazmente
de consciência

e que debulhe a vida

em cambulhadas
remidos todos os passos
que invente nessa estrada
 
a cada cidadão

dê-se a certidão

de que tramita na vida
tão frequentemente
como a certeza intacta
de quem se permite

a condição de gente.
 
 
 
 
 

Da luz gestante


no olho
a luz informa
que o universo é pouco
pra conter o óbvio
a luz sempre será
um infinito inócuo
tudo que lhe é sombra
será lógico
pois a razão é que tudo
é também o seu contrário
guardada a proporção
do seu inventário
 
ao homem cabe o zêlo
desse coletivo esforço
desse trabalhar infindo
pra construir o novo.

Das fímbrias da gente


A vida
é um ajeitar-se frequente
nem tudo que se vive
às vezes se sente
 
é que sobram emoções
nos alforjes da gente.

Das viagens de mim em cosmos largos


Vigia de mim
guardo-me noturno
nos dias que invento
pelo mundo
 
e laço as madrugadas
como um astronauta avulso
que   pousa suas naves
nas costas do futuro.
 

Do futuro e suas vagas


o povo ausculta
nos ombros da praça
o ruído da luta
 
comício de tudo
o verbo disputa
as razões urgentes
de todas as culpas
 
e nos olhos do povo
envolto na palavra
o futuro toma o jeito
de quem lhe abraça

Nos escaninhos do devir


a história
caminhando pelas praças
constrói os tempos das árvores
e o destino das massas
 
todas as dores do povo
embrulhadas em sua face
no alvoroço da luta
inventam a liberdade
 
é que o futuro é ofício
de quem cedo já tarda.

Poema preferencial à massa


quando indivíduo
assim subtraído
vem-me à face a razão
de não ser compreendido
porque tenha da vida
uma tão dessemelhança
que não me cobre coerência
qualquer desvão da esperança

quando indivíduo
assim desencantado
vem-me a razão à face
de não me ser amado
porquanto tenha do amor
uma crua transigência
de parecer-me pacato
num mar de insolência

quando indivíduo
assim tão tático
vem-me à face a estratégia
de sentir-me armado
porquanto tenha da arma
uma visão avara
que diz-me nexo de tudo
e desconvoca a alma

quando indivíduo
trançado em desatinos
vem-me ao riso a razão
de parecer-me irresolvível
porquanto possa jogar-me
no dorso das consequências
e parecer-me mais crível
apesar das aparências

quando ibdivíduo
assim contrariado
vem-me à morte a razão
de parecer-me um fardo
jogado em keito morno
mas de intensa frialdade
e que nunca me convence
dos metros de minga idade

quando coletivo
eis-me indivíduo
guardados metros de mim
na longidão de meus sentidos
porquanto cerzido à massa
venha-me sempre a razão
de parecer-me soldado
com minha vida na mão

quando coletivo
eis-me solucionado
na contradição infinita
de todos os meus fardos
porquanto mágoas carregue
elas trazem-se tão cruas
que jogam-se em meu peito
e perdem-se nas ruas

quando coletivo
eis-me amado
nos vãos mais largos das ruas
e nas praças em que me trago
porquanto seja urbano
de uma rural compostura
no grave abraço que o povo
constrói na sua postura

quando coletivo
íntimo da liberdade
queiram-me morrer em praças
nas quais eu sempre caiba
porquanto minha carne
ultrapasse um mero músculo
e esconda na história
aquilo por que me custo

da massa
tem-se a impressão
de um jornal estendido
nas costas da nação
que ocupa em suas páginas
a grave contradição
de quem empunha as praças
com a fome nas mãos

e tem-se resolvida
na irresolução
dos futuros que repete
em cada contradição
porquanto passada não use
a mesma geometria
que diz-lhe soma de uns
e viés das maiorias

mas seja concatenada
como a calda das usinas
que se quer rio de mel
nessa profunda oficina
que apenas não é a soma
de um açúcar inconsumido
mas a simples composição
de vários infinitos

da massa
tem-se a impressão
de uma rosa vermelha
cravada na escuridão
porquanto flor já não seja
tenha-se sempre à vintade
em ser planta do mundo
semente da liberdade

da massa enfim
tenha-se a certeza
de que mesmo gasta a manhã
ganha-se a tarde inteira 



Das rasuras oníricas da vontade


O sonho
é só um jeito
de navegar o mundo
dentro do peito
 
mesmo profética
a vontade de sonhar manifesta
os descuidos que guarda
em sua gesta.
 
adredemente, sem a prática,
o sonho sempre é tarde
é que a gente esquece, às vezes,
de entorná-lo pela vontade.

poema a Lane num sono qualquer de sua vida


I

assim anoitecida
carregas no gesto
todas as tardes
por não seres noite
nem por isso
deixas de escurecer meu peito
com o alegre burburinho das estrelas

II

navego teu sono
como uma jangada morna
de sonhos tanto como velas

III

e se resmungas
teu lençol é uma bandeira tangida
pelos grandes ventos
na noite em que me constróis

IV

teu sono
tem a concisão de um sonho
que amarrotas nos lábios
adredemente amanhecidos

Poema zoológico


o urso polar
é quase um grito
arquivado no vão
de todo riso
 
assim em nado
é pássara attitude
e traição adrede
ao que tem de paquiderme
 
mais que urso é uso
de retinas provisórias
que chegam a cobrir a mágoa
que drapeja na memoria.

Colóquio inconcluso com o boson de Higgs


O boson de Higgs
qualifica
nada do que é nem paz
nem vida
 
é que lhe modifica
uma textura exata
do que nem explica
toda matemática
 
pois acrescenta
uma feição intacta
de quem inventa tudo
do quase nada
 
o boson de Higgs
impunemente
constrói uma desculpa
no peito da gente
nada do que é tanto
nos é indiferente
 
flui no tempo
em segundos inatos
granve resolução
da prática
 
e destemido
constata-se
como uma rebelião
pacífica e inexata.

Das andaduras do ecológico drama


A mata
declara
o cheiro da vida
pela alma
 
o índio
nos ombros da mata
inventa os futuros
pelas tabas
 
o sistema
adredemente prolata
a morte sistêmica dos sonhos,
dos futuros e das almas.
 
resta fundar, sistematicamente,
o povoamento das praças

Das tangências inexatas


cavaleiro de mim
invento em tudo
essa mania enorme
de tanger o mundo
 
é que viver é quase assim
um incompleto absurdo

Pequena dialética do viver


sou e não sou
constantemente,
a vida é uma morte
recorrente
 
morro e vivo
cada momento
a morte é uma vida
a destempo.
 
morrer é justamente
consumir um viver
na memória da gente.

Consumo


produto
ajo ao inverso
do meu uso
o consumo
desborda
meu discurso
coisa de nem ser
o que procuro
 
a propaganda
marca
como esperança
o que nem chega
a ser humano
toda razão então
é um avesso
do meu plano
 
e estrangeira
a vontade estanca
no anúncio colorido
que atiça a lembrança.

Da inexata armação da vida


a  vida
é inexata
tudo que lhe mede
falta
 
e é assim, por tê-la aos saltos
que as réguas do mundo
sempre lhe faltam
 
viver é só um sentir
os centímetros da alma.

Das certezas em torno do futuro


na luta e na madrugada,
a esperança é apenas
uma certeza adiada
as ansiedades do tempo
só  alargam sua estrada
 
é que os verbos que a tangem
habitarão sempre nossa fala

Das impresenças do mundo


não me iludo
a saudade é apenas
um resto de tudo
nada do que é você
permanece ausente
do mundo

Do poema e sua infringência teológica


o poema
não se mede
com a régua volátil
das preces

suas léguas
resumidas
parcelam os infinitos
do que digam

não há céus dispostos
a arcar com seus arbítrios

Do poeta


O poeta
nunca é tanto
quando não seja em versos
de outros tantos
que não se têm unos
pelo espanto
de não se virem vários
e perdulários de seus cantos
 
todos os poemas
são um
indizíveis a pouco curso
e que se têm fracionados
na aparência do muito
 
que se espalhem em verbos
vaidosos vocábulos
que aparentam uma vazão
em que não cabem
pois antes são usina
de todo engenho humano
que constroem a individualidade
palavras de pretensos planos
 
e nem por isso
deixam de ser do poeta
e registrado aos solavancos
que a emoção., adredemente,
joga no peito dos humanos
 
todos os poemas
são um
e apenas apontam
nas algibeiras dos poetas
uma nesga do que contam
 
todos os poemas
são o trânsito
de estradas que não palmilham
os pés de uns tantos
que, transeuntes da vida,
apenas se contentam
em escrever seus versos
nas dobras da paciência
por tê-los guardados
no baú coletivo
em que os homens esquecem
a razão dos sentidos
 
todo poeta é igual
nada lhe sobra da alma
em versos que possa armar
que consiga trazer no dorso
qualquer vestígio singular
 
porque plural
não se conjuga aos borbotões
como um verbo intransitivo
que contivesse ilusões
de acabar-se em si
e continuar em milhões
 
todo poema
é uma rinha
dos verbos tantos da gente
brigando pela vida
 
e nem parece mansidão
embora tão pacato
o poema é solução
do que vai na alma
 
todo poeta
é impatriota
nenhum verbo é pátria
que lhe comporte
 
porque de avulso
parecido a um só
esconda o quanto de muitos
convive nestes nós
 
descamba pela vida
como um marinheiro à deriva
que perdeu a esperança de um sol
que lhe demita do mar e da lida
 
todo poeta
é guerrilheiro
que pretende emboscadas
pelo mundo inteiro
não o mundo limitado
dos tempos e dos espaços
mas um tempo de nem onde
e um campo de nem quando
que nem sempre há de
 
todo poeta, enfim,
é otimista e megalômano
pensa sempre que a palavra
é capaz de tanto.

Memorial do frevo em caminhada


o frevo assim compassado
pelas ladeiras de Olinda
parece o povo tangendo
os contratempos da vida

inventando nos seus passos
os compassos da avenida
deixando pelos caminhos
uma saudade indecisa
que esquece todos os passados
pelos futuros que organiza

o frevo é um grande abraço
nas memórias em que se pisa

Da comunitária conjunção das horas


Que o manto da paz nos cubra
pelas curvas do pensamento
e que os verbos se amontoem
no alvoroço dos tempos.
 
Como uma nave desgarrada
ressurja a coletiva vontade
de construir como pasto
a cara da liberdade
 
e que sejamos comuns
nos campos e nas cidades.

Da franja exata da certeza


ao povo de-se a metragem
de léguas tão consentidas
que dizem como nascentes
os matadouros da vida
e que por te-lo ausente
da simetria do tempo
possa cabe-lo impune
por fora do pensamento
 
ao povo de-se a vontade
de um verbo reticente
que saiba mais ser um braço
de matéria competente
pra construir os futuros
que a história leva urgente
assim cerzida ao discurso
nos ombros desses viventes.

Das navegações e outros rumos


navegante,
nenhum mar é tanto
que não caiba no nado
do meu canto
é que braçadas há
em cada descaminho
como se ondas houvessem
em todos os sentidos
coisa de nem ser urgente
na urgencia do que digo
 
navegante,
lanço velas a todo vento
como se fora jangada
cada pensamento
 
navegante,
todo mar é porto
nada do que é mais infindo
é mais ofício
que a escravatura
do grave exercício
de navegar a vida
em cada indício
 
navegante,
basta-me a lida
de consumir enormes
as ondas todas da vida.

Dos avessos do tempo


Nos ombros do tempo
navego horas e envelheço
até nas ruas de mim
em que me esqueço
 
vivente dos meus egos
nas vezes em que nem me perco
o meu fim, adredemente,
é só um disfarce do começo
 
a velhice é só um jeito
de inventar-me pelo avesso.

Paisagem lunar e circunstância


a lua
justa no céu
corta a noite
como se fora
uma exata foice
e nova, desmaia
nos ombros de um infinito
em que naufraga
todos os navios de mim
que das pupilas saltam,
viajantes dos portos gerais
das cidades da alma.

Pequena alusão à vida


minha direção é o tempo
nas ranhuras do cansaço,
o futuro é apenas o invólucro
de todos os meus passos.
tudo que me leva
é a certeza incontida
de construir meus abraços
para enfeitar a vida

o povo é só o motivo
que me deixa nessa lida.

Coplas desconformes ao redor da vida


no primeiro ato
expulso-me
gelatinoso e um
e quase a pulso
 
no primeiro ato
não me pertenço
pois sou um eu tão grande
que me esqueço
 
no primeiro ato
trago o mundo
na ponta dos dedos
e a não compreensão
de vãos segredos
 
no primeiro ato
não estou sendo
como seria se fosse
já sofrendo
 
no primeiro ato
divirjo das borboletas
não me tenho em asas
mas em medos
 
no primeiro ato
lavro meu grito
na certidão única
do que sinto
 
no primeiro ato
não me caibo
como invólucro pertinaz
do que me acham
no primeiro ato
convoco-me ao mundo
com a percepção incauta
de que só me iludo
 
no primeiro ato
estou em tudo
embora nada ainda me diga
com outro
 
no primeiro ato
despeço-me avulso
da química eficaz
dos úteros
 
no primeiro ato
não me minto
verdade que nem seja tanta
e que nem pressinto
 
no primeiro ato
não me vivo
apenas me lanço
ao simples infinito
 
no primeiro ato
ainda nem caço
o tamanho exato
dos meus passos
 
no primeiro ato
reservo-me e espero
o direito de ser quase
o que não quero
 
no primeiro ato
posso o que não devo
e devo não poder
o que mereço
 
no primeiro ato
nem me meço
minha placenta
ainda é o universo
 
no primeiro ato
minha carne
é já notícia
de que ardo
 
no primeiro ato
sobro da mãe
como um susto
em que não caibo
 
no primeiro ato
minha mãe é tarde
noite que já nem pressinto
na manhã que há de
 
no primeiro ato
não tenho palavras
mas uma rápida ilusão
de que me agrado
 
no primeiro ato
finda a dessemelhança
do que ainda é pouco
nos ombros da esperança
 
no primeiro ato
não me canso
de atravessar o vau
dos rios que alcanço
 
no primeiro ato
estou íntimo e farto
ainda último em mim
e quase perdulário
 
no primeiro ato
não me importa
a palidez do mundo
e as cores da revolta
 
no primeiro ato
estou concluso
remetidos os meus autos
aos despachos do mundo
 
no primeiro ato
nasço
com a quase alegria
de que ardo
 
no primeiro ato
desconvoco-me da idade
sou o início e o fim
do que me invade

Da esperança em tons


No sono
a saudade do futuro
alinhava um tempo
que discurso
 
é como se fora um rio
sem curso
tudo que lhe leva
é meu impulso
e a certeza de tê-lo tempo
de todos os usos
a luta é somente combustível
de todos os futuros.

Ode aos 38 anos


apesar do tempo

já me tenho

usineiro de mim

e me convenho

na franja civil

em que já posto
gerencio alegremente
as curvas do meu rosto
 
sou

em todas as minhas causas
a convicção do que me falta
habito meu músculo

com o mesmo sonho

que grassa em meu discurso
e amanho meus efeitos

nas avenidas que abro

no fundo do peito
 
apesar do tempo

me convenho humano

trançadas as minhas esperanças
fugitivo, às vezes, dos meus planos
minha estratégia rói meu coração
com a intimidade que lhe cabe

de saber renhida a emoção

de fazer vivida a liberdade
 
sou quase o horizonte da minha palavra
e cavaleiro andante do que acho
guardadas as rebeliões

do meu abraço
 
apesar do tempo
ainda morro

e ainda nasço

e ainda assim
ainda sou
ainda humano
ainda largo.
 

À guisa de haicai


entre mim
e a paisagem
dói a tarde.

Como ter coração?


Como ter coração
se 800 milhões não são?
Como ser pacífico
se a paz
é apenas um indício?
Como não ser infinito
se a paz inteira
ainda não cabe em nosso grito?

Dos modos e jeitos


É que no peito da rua
a liberdade acalma
o alvoroço da luta
o drapeado da alma
 
é assim um discurso
transcrito pelas calçadas
nos ombros largos do tempo
que o povo joga na praça

caminhante de mim e do povo


nem porque tarde
eu traga o coração ao povo
e a garganta finja ser astronave
órbita humana do corpo

e nesse discurso
eu me semeie pela praça
como uma nave desgarrada
à procura de estradas 

e assim caminhante
com tal rompante de gente
em caiba nas ruas do povo
e me abrace naturalmente

Das lavraturas do poema em roçados aparentes


assim lavrado
no eito das palavras
o poema é um roçado
nos canteiros da alma

flui tão desenfreado
pelas bordas da consciência
como um rio encantado
que desemboca de repente

o poema é um recado
bordado dentro da gente
ao poeta cabe colhe-lo
e bebe-lo como semente

Desmond Tutu em itinerâncias


Desmond nem sabia
das léguas de tudo
que espalhava, em gestos,
pelas costas do mundo

verdadeiro, não media,
a persistência do ato
em que se dizia

é que sobrava verdade
nas carnes em que vivia
como cidadão itinerante 
do Mundo Rainha.

Do coração em regras e repiques


praça de guerra
meu coração permite
a contrição e a fartura
de todos os limites
é que de usá-lo avesso
ao que em mim insiste
possa traze-lo avante
a tudo que é triste
e descompassá-lo amiúde
nos desvãos da vida
como uma razão adrede,
avulsa e infinda
 
meu coração
é apenas indício
da contradição
do seu ofício:
amar a longo curso
como se fora pouco
o infinito

Do poema como autor


O poema
é só um disfarce
um jeito de arrumar lembranças
nos ombros da saudade
 
tudo que comenta
preenche a vontade
de permitir-se em versos
construir a liberdade
 
a palavra é só trejeito
dos sentimentos e atos em que cabe.

O curso da utopia e sua gesta


a utopia
é um grande murro
que se dá no presente
com os punhos do futuro
 
e vige como um abraço
atravessado em tudo
nas ranhuras do passado
no trânsito incauto de mundo.

Carta II


A gente sempre morre
do tamanho da vida
fardos de amores intactos
lastros de revolta
febres de riso
 
a gente sempre engole
pedaços do infinito
rompida a pulsação do tempo
escasso o espaço na avenida
 
a gente sempre ama
do tamanho do abraço
guardada a desproporção
do peito limitado
 
e raras vezes
a gente morre completo
pois sempre sobra um amor
alguma nesga de afeto
 

Da extrema condição da vida


Ao Camarada Moses Mabida
 
Na cordilheira dos andes
brutalmente descansada
eu vi a noite que trazias arquivada
no vão da tua face
 
eu vi a imensa pedra
derramar-se incontrolada
nos ombros de minhas pupilas
nos olhos de minha mágoa
 
eu vi meus irmãos negros
destravando a madrugada
na mesma peripécia insone
com que os povos lavram a alma
 
eu vi no colo das serras
os verbos que ainda não temos
e sonhos que de tão sonhados
estavam gastos de paciência
eu vi o grito de Neruda
espalhar-se por inteiro
e construir todos os vãos
desde Manágua até Soweto
 
eu vi a fímbria da tarde
descrever esquinas no meu peito
e me propor ângulos tão vastos
quanto a extensão dos meus desejos.

Da liberdade em contrita apreciação


Nem se nota
mas por trás de cada liberdade
há uma porta
 
e só se é livre
em revolta
lavradas as contradições
de cada porta
 
e de só sabe-lo
não importa
se não se amanha o exercício
de sabe-la lógica.

Dilema filosófico de reparação


O absoluto
é tão relativo
que nem precisa ser fato
para decretar-se vivo
 
foge-lhe da razão
a condição avara
de apenas poder sê-lo
onde o infinito acaba
 
é que o absoluto é quase assim
só um trejeito da alma.

Discurso em avante afeto


A pedra no meu peito
tem a largura do teu grito
e voa e rasga a manhã
montada em meu sorriso
 
a graça do meu peito
é ser teu abrigo
e armazenar todos os abraços
uns musculares, outros implícitos
 
a estrela da manhã
é teu indício
guardadas as infinitas proporções
em que te sinto
 
e ao fim e ao cabo
és, assim, tão constantemente,
que tudo é um verbo tenaz
de explicar o que se sente.

Do poema em clara prospecção


Excerto de mim
o verbo intenta
esgrimir a vida
e suas consequências
 
palavra
nem se contenta
em só cutucar a alma
de quem pensa
 
o poema é um exercício
dos atos e das avenças.

Dos paradigmas contínuos e outros


no meio da alma e dos ventos
voam meus ancestrais
nas palavras do tempo
 
tudo que havia deles
como um mapa indeciso
hoje cabe indócil
no jeito do meu riso
 
e é por sê-los e tê-los assim
que sempre me admito
como uma alma intensa
adredemente infinita.

Vaca paciência


do curral

nem se admite

que contenha apenas bois
postos em cabides

assim trançado

de pau a pique

o curral é antes vitrine

de um vago precipício

que nem se sabe de boi

e nem ao menos é legítimo
porque de sê-lo restrito
desdizendo a liberdade

antes nem seja curral

mais uma urgente cidade

que constrange o vacum ofício
de ruminar dias e tardes

pois na reta do olho

talvez a contingência

leve a ver-se apenas homens
bois de sua inconsciência.

Da materialidade e contracaminhos tais


Por ser material
caiba-lhe sempre a feição
de permitir-se à unidade
em toda relacão
pois não tenha a idéia,
antecedencia ou trato
de permitir-se uma razão
antes de qualquer fato
 
e cada caminho bruto
de verdades condizentes
constrói uma razão adrede
no peito desses viventes
como se fora vazão
dos fatos todos da gente
 
fora de nós, constantemente,
há uma vida inteira
que não depende de mais
para ser brasileira
ou material coisa que tanta
de unidade escorreita
 
a unidade da vida
é manifesta e precisa
os fatos que lhe conferem
essa feição objetiva
dizem das coisas dos homens
da natureza e da lida
que liga tudo a tudo
e por tudo se explica
 
e desse tanto monismo
que subverte a natureza
há um só movimento
que lhe declara a presteza
dessa unidade profunda
entre o homem e a certeza
pois por ser material,
um e tão multitudinário
tenha-se permitido à razão
de parecer-se contrário
 
uno, permita-se vário
em transeunte mudança
como se muda a tristeza
numa nesga de esperança
quando a emoção se afasta
pelas vias da lembrança
 
e esse pensar adrede
que vem dos laboratórios
e que se espraia nos homens
em escassos circunlóquios
revela o retrato do mundo
e todos os seus transitórios
 
e pensa o homem o fato
a partir de um fato suposto
mas que sempre tem na base
a material e seu contorno
ou a sua qualidade
de parecer-se avulsa
criando no pensamento
uma pretensa repulsa
como se não fora da matéria
a razão por que a usa
 
a matéria,  enfim, é categoria
de filosófica urdidura
que diz tudo que ao homem
lhe denota a compostura
de ser um vivente sujeito
objeto da transformação
de saber que é material
o palmo de sua mão
 
e que até o sorriso
que o futuro lhe demonstra
é uma matéria urdida
com a fluidez das demandas
e a desfaçatez quase lúdica
da construção das lembranças.

Das contraturas do eu nas avenidas


No teatro de mim
decido em atos
as peças que interpreto
a cada passo.
Fujo da platéia
quando ajo
o coletivo em mim
é tão exato
que nem cuida do ego
para seus saltos.
 
E assim palhaço de mim
rio a vida
e me invento povo
na avenida.

Do poema e seus limites


antigo
meu verso não diz mais
do que eu consigo
 
é que dizê-lo tanto
é mais indício
de que a palavra é sempre
um precipício
onde descambam verbos
e infinitos
 
contrito
meu verso nunca é mais
do que eu digo
é que lhe falta o jeito
e a prática
de ser mais explícito
coisa de ser palavra
que diga mais
do que é preciso
 
baldio
meu verso inaugura
os descampados sem fim
do que me cuida
 
incauto,
nas permanências da vida
e nas distâncias das ruas,
meu verso é só um salto
nos caminhos que eu construa

Dos trilhos em razão do maquinista


O maquinista
nem cogita
de viver dos trilhos
da vida
 
antes
habilita-se
a tanger no trem
todas suas lidas
 
e culpas
não agita
nas bandeiras do peito
em que acredita
 
o maquinista
nem pressente
que leva nos trilhos
os sonhos das gentes
 
para si
adredemente
sonha apenas as locomotivas
do que sente.

Rondó dos Orixás


I – de onde é possível Exu e sua encruzilhada
 
a energia
incide
naquilo que é possível
em cada lide
arma e desarma
o simples carma
de fazer impossíveis
pela alma
Exú é um exército
de todos os eus
e de todos os outros
em que se arma
 
a encruzilhada
é só um jeito
de lançar a liberdade
dentro do peito
Exú estendido
à contraluz
e só um desejo de mim
que me conduz
 
 
II – Ogun exército de todos
 
 
A energia
agride
todos os caminhos
que permite
 
e dos passos
alavancados
na força de uma paz
amordaçada
Ogun constrói insone
todas as estradas
as que dão em mim
as que dão em nada
porque vivê-lo
é sempre
deixar-se na batalha
 
 
III – Oxossi flecha num futuro pleno
 
a energia
engravida
na fartura de Oxossi
pela vida
a mata é apenas bandeira
de tremular a paz
na noite brasileira
e dançando
em todos os seus trilhos
o mundo se esconde
de seus esconderijos
 
IV – Ossain inventa a folha e borbulha
 
A energia
explica
o verde da terra
de sua notícia
 
da manhã das folhas
assim declaradas
invente-se a sassanha
do mundo e das madrugadas
 
é que o tempo
é só esconderijo
das naturezas que inventas
pelo meu juízo
 
V – Oxumaré inventa o infinito
 
A energia
expande
a grandeza dos mundos
que tange
arco-íris
nem te poupas
em desfazer as manhãs
com que me ocupas
 
Oxumaré
guarda em si
os passos do infinito
de que me vesti
 
VI – Omolu planta a terra no seu grito
 
A energia
atesta
a profundidade da terra
em sua gesta
tudo que lhe saiba
é só um texto
com palavras que inventa
pelo meu silêncio
meus pés te pisam
nos sonhos que comento
e sentem teu abraço telúrico
nos ombros dos tempos.
 
VII – Obá luta seu destempo
 
A energia
avança
obá luta em tudo
sua esperança
 
perdida
no vão de sua dor
inventa-se guerreira
de todo desamor
 
VIII – Ewá ilude a tarde
 
A energia
espreita
nos ombros da tarde
os mistérios da deusa
lúdica
e sempre dançarina
Ewá transgride
sua própria sina:
a de parecer-se noite
com jeito de menina
 
 
IX – Xangô explode no tempo
 
A energia
incendeia
todas as vias
todas as veias
 
Xangô caminha
trovoando a vida
e inventa-se no tempo
de suas desmedidas
e laça a razão dos homens
pelas avenidas
 
 
X – Iansan navega o vento
 
a energia
explode
todas as manhãs
de quem se move
o vento
despenteia a vida
e Iansan passeia
todas as medidas
 
XI – Logunedé enlaça a vida
 
A energia
espelha
toda a natureza
com o jeito da beleza
 
Logunedé passeia
todas as manhãs
em suas teias
enquanto seus encantos
as ruas incendeiam
 
XII – Oxum penteia o tempo
 
A energia
clareia
todos os rios da alma
em que se penteia
Oxum, em seu abebé, espreita
todos os metros da vida
em que se enfeita
 
é que se dá a uma razão
que a todos incendeia
 
 
XIII – Iemanjá laça os mares
 
A energia
nada
todos os mares e filhos
que prolata
Iemanjá nem suspeita
as áfricas todas que leva
em suas tetas
é que rio
sempre desagua
no mar absoluto
de sua calma
 
XIV – Nanã na paz da origem
 
A energia
é lama
tudo que da paz
Nanã inflama
onda de danças
origem de tempos
o orixá é jeito
de conter o pensamento
 
XV – Oxalá, construtor de horizontes
 
A energia
aplaca
todos os mares
da alma
Oxalá sorrindo
só constata
a exata rebelião
da calma
 
jangada de tudo
inventa horizontes
como se tivesse hoje
todos os ontens.

À guisa de prólogo e admoestações acerca da gesta humana e sua cristalina história


dar-se-á como infanta
a vida que se leva
ao início de uma gesta
que a todos encerra
assim como um conto
que se esqueceu na memória
de todos os contrapontos
à contraluz da história
 
dar-se-á como querência
a mínima contrafação
de quem se isenta em medo
dos gostos da multidão
é que o amor é trejeito
de tudo que a vida faz
é assim como um respeito
àquilo que a gente traz
 
dar-se-á como enredo
que a nuvem nem dizia
é que sobrava do tempo
dos ventos que trazia
o alvoroço exato de cada dia
as horas nem se contavam
nos minutos que seguia
aos homens apenas restava
viver sua agonia
 
dar-se-á como bruta
a rosa infante da vida
que teima em ser desregrada
apesar de tão contida
pois que pulula no peito
como uma rosa amarga
que finge ser de sorrisos
o drama que arremata
 
e o tempero da vida
era um tricô complicado
o tempo fazia fila
com espaços desgarrados
como se fosse um futuro
a inventar um passado
 
é que jogada no tempo
no descampado do mundo
sua lógica é o enredo
de um teatro profundo
que joga a cena da vida
que se aninha nas calçadas
como se a alma do homem
fosse um pedaço do nada
 
é que caminho avulso
aparentemente à vontade
a vida teima em ficar
ancorada pelas tardes
em que os dias dos homens
apesar das verdades
espancam a eficácia
de quem vive a liberdade
 
e, assim, presa ao espaço
de um universo caduco
joga-se pelos peitos
como se fosse um discurso
em que as palavras são verbos
do mais estranho uso
servem apenas ao teatro
dos paradigmas do lucro.

De um tanto rumo compulsório


O limbo
das palavras
me instaura
nem tudo
tem o trânsito
que declara
 
o tempo
em cambulhadas
me escancara
nem tudo
que é a vida
me desata
 
os nós de tanto
apenas declaram
que existe sempre um porto
on desaguamos
da solidez dos desejos
da completude do que somos

Do capital e suas rugas


o capital tramita
entre a fome do povo
e a polícia
tudo que lhe tange
é lucro
da recorrência parasita
 
monetariamente
a fome multiplica
todos os cifrões
no cadafalso da notícia.

Dos voos pássaros em aviônicas lavras


o avião
é um pássaro exato
todos seus ângulos
são cronometrados

o pássaro
é um avião diverso
suas asas é que medem
os palmos do universo

pássaro e avião, em suas revoadas,
espalham o verso em rasantes palavras

Soneto quase combatente


das vidas que se digam assim tão poucas
pelo muito que gastam pelos braços
estejam sempre unidas em cada esforço
inventando a fartura de seus abraços

e os trabalhos que matam suas forças
nos desvãos da exploração arquitetada
removam da manhã todas as horas
em que estejam assim tão declaradas

e o sol do futuro esteja urgente
caminhando nas ruas do presente
nos braços de quem luta a madrugada

e terçando as bandeiras que invente
nos sertões dessas almas se apresente
como o grande construtor da alvorada

Coplas ao redor do baião das princesas


no baião das princesas
a esperança cogita
de ser uma áfrica inteira
à procura da vida
 
no baião das princesas
há um destino exato
tudo que é alegria
dança nos sapatos
 
no baião das princesas
há um leve indício
da constância dos olhos
e o tamanho do infinito
 
no baião das princesas
as cores documentam
aquilo que no homem
deixou de ser presença
 
no baião das princesas
cada uma é tanta
que a vida escorre farta
nas esquinas da garganta
 
no baião das princesas
há o grave testemunho
de que a vida é sempre
do tamanho do punho

Da liberdade em concisa fala


não vá de longe a liberdade
dizer-se assim desconstruída
como se fora equipamento
de preencher adredemente a vida
 
é que provê-la é mister avaro
em que se professa a vasta humanidade
de quem constrói um grande bólide
capaz de atingir todos os ares
 
e não medeia entre si e o homem
qualquer espaço de recusa
porque não vivê-la assim em tudo
é de quem não entende a luta
que leva todos ao mesmo fim
de inventar os jeitos do futuro.

De caminhos e outros tais


Nos andares de minha patria
descabem quase de si
uns tantos milhões de passos
que não passam por ali
caminham por sobre muros
na alma assim declarados
e nem disfarçam o futuro
do que ficou no passado
 
nos muros de minha terra
há um grito disfarçado
que trava o peito do homem
como se for a um arado
que rasgasse a alma do tempo
como um imenso pecado.

De tempo e de vezes


no meio da alma e dos ventos
voam meus ancestrais
nas palavras do tempo
 
tudo que havia deles
como um mapa indeciso
hoje cabe indócil
no jeito do meu riso
 
e é por sê-los e tê-los assim
que sempre me admito
como uma alma intensa
adredemente infinita.

Do infinito em medidos subterfúgios


O infinito
instiga
a vê-lo nos palmos
com que medimos a vida
 
é que o espaço
é um tempo disfarçado
que cabe em cada mão
que saiba olhá-lo.

Poema ao suicida


o salto
esconde
o homem da cidade
 
ao morrer –
quem sabe?
o homem pula a si
e sua verdade
 
incoletivamente
ele desarquiteta
o salto, a vida e a tarde.

Balada ao menino da Etiópia


assim como um soluço cárneo
de textura tão substantiva
medes o pranto pelo teu crânio
do tamanho de toda tua vida
 tens na palavra um verbo intransferível
e a solução mais lógica do corpo
é entornar os palmos de tristeza
na cachoeira dos sentidos
 trazes nos olhos
maravilhas mortiças
aposentados quase da vida
que não veem, apenas fingem
 fogem do corpo
poses dilaceradas
um negativo absoluto
dos que te guardam na alma
 
teu valor de uso
é um tanto inadequado
antes te fizeram gente
hoje te consentem gado
 
tua cabeça pesa um tanto
dessa fome que esquadrinha o corpo
e que te tem quase em condição
de te aprovarem morto
 
mas por sobre tua fronte
apontado no teu sonho
há um desconforto enorme
e almas sem tamanho.

Coplas narcísicas


no meio do desejo
finjo que é medo
a vontade de brincar
com meu segredo
 
no meio do medo
finjo que é segredo
a clara escuridão
do meu espelho
 
no meio do segredo
finjo que é enredo
a vontade de inventar
um outro espelho
 
no meio do espelho
meu segredo é em vão
um desejo de ter medo
de outros eus que já nem são
 
e cuspo esse tempo
pelos vãos dos dedos
como um retrato de mim
em que me desabito e me perco

Das reminiscências luminosas


No olho
a luz informa
que o universo é pouco
para conter o óbvio.
A luz sempre será
um infinito inócuo
tudo que lhe é sombra
será lógico,
pela mesma razão que tudo
é também o seu contrário
guardada a proporção
de sua história.
 
ao homem cabe vivê-la
no seu coletivo esforço
esse trabalhar infindo
pra construir o novo.

Dos rumos do verso em mares intensos


poemas
são verbos à deriva
esperando navegantes
que os devolvam à vida
 
ao poeta
simplesmente
resta apontar os verbos
àquilo que se sente
 
e nos mares das palavras
pescá-los de repente.

Dosimetria da vigência humana


e pelas franjas da alma
a vida é só o esforço
um completar-se de si
na esperança do outro
 
ninguém é humano sozinho
nas cordilheiras da vida
tudo é o tanto de todos
nos mares, nas avenidas
 
ao homem só cabe o tempo
de navegar essas medidas.

Trama verbal em ato corrente


a palavra é trama.
O fato voa no verbo
como pássaro avulso
e derrama-se vocal
na displicência do uso

assim como um comício
espalha seu retrato
como se fossem virtuais
a natureza e o fato

é que a palavra pesa
na correnteza dos atos
todas as concepções
e todos seus recatos

ao homem resta falar
com todos seus recados

Versos a Sô Dinda


a distancia

não permite

que o coração
se ponha à deriva
 
nau

ele flutua

num mar que descamba
nessa lida
 
e flui em ondas

que eu sabia

da gente que inventa
essa alegria

Da fome do povo em ritmo corrente


o tamanho da dor
nunca mede a tristeza
das léguas de ausência
que a fome põe pela mesa
quando vê-se  consumida
nas costas desses viventes
que suam suas carcaças
como rios inadimplentes
e que nunca chegam aos mares
da vida própria de gente

é que a ansiedade declara
assim em cada semblante
uns hojes enviesados
pelas pendências de ontens
como se o tempo fosse comida
de apressar essas fomes 

e no meio dessa partida
jogada sobre a vontade
o homem sonha faminto
com um prato de liberdade.

Da palavra e seus paladares


A palavra,
avara,
discursa em si
o futuro do que cala
verbo que se queira chama
de atiçar a calma.
 
É como um bordado de letras
na boca de quem fala;
é assim uma cachoeira
dos rios que se tem na alma.

Da panfletária razão da luta


Meu coração
frequentemente
traça a razão das ruas
com a mesma insistência
com que os lampiões
infringem a noite
de todas as escuridões
da consciência
 
e o verbo –
persistente –
lava as manhãs do peito
tão profundamente
que constrói todos os andaimes
de que os homens se ressentem
 
é que a luta
é um gesto tão urgente
que nada do que é futuro
deixa de ser da gente.

das cavalgadas do poema em campos fictícios


A poesia
cavalga a palavra
com as esporas do olho
e as selas da alma 

montaria, a palavra cogita
não de ser moderna
mais adredemente legítima
e que se dê assim ao poema
como sombra da vida

as escaramuças do verbo
são apenas o modo de ser vista.

das inflorescências e tais


minha luz
é só um recado
que a vida me dá
quando me invado

vivê-la é o exercício
de tangê-la pelo mundo
como fora bandeira
hasteada em tudo

adiar sua chama 
nas encruzilhadas
é afogar as fogueiras
que se tem na alma.

Das lonjuras do ser


na morte
me definitivo
tudo que resta
é coletivo
meu singular
é apenas o que vivo
 
eis o artifício da vida
o geral é tão vário
que me infinita.

Das vividas mortes


a morte desafia
as léguas em que tramita
como quem finge, sorrindo,
a tristeza pela vida.
 
e dá-se à empáfia
de aboletar-se na vida
e coabitar esse lastro
em todas suas medidas
 
é que contruir-se vivo
é morrer todas as vidas.

Do amor que se pretenda


Do amor que se pretenda
ouse mais do que decida
e que esteja sempre infante
ao redor do tempo e da vida
 
que o amor que se pretenda
nunca exato se disfarce
e que mesmo ausente sempre caiba
em verbo tanto que se baste
 
que o amor que se pretenda
nade pela vida em largo vau
nos rios de quem ainda nade
a infinita certeza dessa nau.

Do ofício e das horas


cabe ao poeta
engolir as madrugadas
e amanhecer o verbo
no peito das palavras
cabe ao poeta
a estranha lida
de construir andaimes
nos sonhos que exercita
cabe ao poeta
insurgir a vida
e praticar rebeliões
sob medida
cabe ao poeta
alinhavar o tempo
e caminhar pelas calçadas
impunemente
cabe ao poeta
ser quase marinheiro
e navegar as âncoras gerais
que se cravam no peito
cabe ao poeta
promover os sábados
à condição de domingos
e distribuir horas de riso
como gerente dos sentidos
cabe ao poeta
não se pentear
a não ser em espelhos
que apenas comente sua face
cabe ao poeta
abster-se da morte à tarde
e nunca morrer sem verbo
 que lhe resguarde
cabe ao poeta
os infartos
não os do corpo
mas os da alma
cabe ao poeta
todo discurso
que não sendo palavra
tenha lógica mais justa
cabe ao poeta
guardar a outra face
e tanger a noite do mundo
com seu grito de liberdade
cabe ao poeta
viver cedo
mesmo tarde.

Do poema e seu transcurso


O poema
é uma guerrilha avulsa
tudo que lhe tange
é o discurso
entre a certeza do verbo
e a incerteza da luta
a que os humanos se prestam
na humanidade que pulsam
 
o poema apenas é a alma
dos verbos que disputa

Do sonho e sua fluência


o sonho
nunca acaba
o homem é que esquece
de tange-lo pela alma
 
sua ilusão
é inexata
tudo que lhe tange
é a prática
 
seus mares
são jangadas
de escoltar a vida
em disparada
 
sonhar é só um jeito
de desconstruir o nada

Poema acerca da recorrência e dos abusos


O tempo
nunca é lucro
falta-lhe a essência
de parecer-se avulso
e derramar-se na vida
a qualquer custo
 
o tempo frequentemente
tem-se inadimplente
das tentativas e dos usos
de torná-lo moenda
de suores e abusos
 
o lucro
nunca é hora
apesar dos cálculos
que o dão pela história
assim uma simples competência
de quem maneja o açoite
pelas consciências
 
é que lhe falta o jeito
de um quê humano
se dependesse apenas
da vontade do dono
 
o que lhe regra constantemente
é a necessidade bruta
de fazer-se público
e tornar-se de poucos
o que se fez de muitos
 
o tempo nunca é lucro
por sobre sua cabeça
pesa o futuro
e a compreensão
de que todos constroem
seu imenso curso

Versos ao sol sustenido menor


assim composto
tens na pauta
a mesma compleição
da madrugada
e te revelas
e te resvalas
como uma garça impune
pela salas
 
e caças a mim
desenfreado
eu transposto em som
nessa estranha matemática
que me prega na pauta
de todas as minhas mágoas
 
a música é só a fala
das engrenagens da alma.

Da fome e seus espasmos


a fome deflora
um tempo difuso
ávido animal
de espasmos e sustos

espalha-se enorme
no vão da consciência
essa estranha falta
sem ausência

e o homem deixa-se em si
como se fora moenda
roendo a própria vida
nessa estranha contenda

Das andaduras do tempo nos ombros do povo


à primeira hora
nada deriva
do que se tem à mão
como uma vida
o tempo gasta a si
impunemente
como uma cachoeira
de carne e vivente
 
em degraus e saltos
a juventude avança
e sempre constrói avulsa
as promessas da esperança
a liberdade é só um jeito
que a vida lança
 
nos tempos já passados
futuros estão latentes
nos fatos que a vida
constrói pelos viventes
tudo que lhes tangem
é a certeza do presente.

Das contrafações do engenho humano


Subo ao conceito
e desço aos fatos
quando não por tê-los
assim desirmanados
desfocados do mundo
e das filigranas do lapso
 
chego aos fatos
teoricamente praticado
como se o engenho fosse lavoura
de submeter-se a arado
e a vida uma teoria
de todas as minhas práticas.

Das militares reservas da continência


O soldado
em posição de sentido
nem se apercebe
das continências da vida
 
atiça-lhe o patriotismo
o sistema em descanso
e uma falsa impressão
de conjunção de planos
 
a farda é só uma bandeira
das aparências e dos enganos.

Das refregas e seus limites


Ganho de mim
todas as disputas
ninguém ganha do outro
quando se luta
 
é que combater
é sempre uma desculpa
de quem enfrenta no outro
sua própria culpa
 
ganhar é só um jeito
de medir a luta.

Do devir e sua constância


A esperança
é  uma dança
que a vontade da gente inventa
pela lembrança
 
é uma certeza urgente
que se lança
nos largos ombros do futuro
que a luta planta

Do mar e tudo


No cartório de tuas águas
decretas a revolução
com a mesma simplicidade
com que habitas teu vão
 
no depósito de tuas lógicas
invades a contradição
com a intimidade das grandezas
e a parcimônia dos nãos
 
na cama dos teus líquidos
nem a dinâmica respeitas
pois nem debruças o corpo
quando te deitas

Dos assassinatos noturnos e dos fardos


Assassinado
por fuzis fardados
o homem explicita
a farda dos fardos
nada do sistema
eletrocutado
desencapa os fios
da elétrica cidade
todo o futuro
é um alarde
da construção que a revolta
em cada peito cabe
na morte daqueles
que trazem apenas como culpa
a noite no corpo e na face.

Dos cálculos de mim


na matemática de mim
me multiplico
tudo que divido
é meu ofício
sou a equação informe
dos cálculos que vivo

Ode ao Rio São Francisco


dito rio como santo
francisco, viés de tanta vida,
talvez te queiras retrato
de todas as avenidas
nesse aconchego das àguas
em que desajeitado deslizas
 
rio
és apenas indício
de que a jusante de ti
completa um infinito
que se mede pelo povo
montado no teu riso
 
tudo que te represa
é só um grande comício
das pedras que se conjugam
no dorso dos teus gritos
 
(a pedra
fita o rio
com seu jeito de encanto
e desafio
tudo que lhe compraz
é ser enfeite do rio)
 
francisco
traças teu curso
como norma perene
do abuso
tudo que te mede
é a franqueza das águas
que discursas
 
assim caminha esse povo
quando São Francisco te postas
como um verso definitivo
escrito nas tuas costas

Poema à batina do meu pai


a batina do meu pai
não me dizia

que o inverso do ontem
não havia
e que deus era apenas
uma grave alegoria.
 
assim posta em meu olho

a fotografia

deixa rastros de uma verdade
que mentia
em mim sabia a saudade
nele era agonia.

Tempo


Nunca faça do tempo
um desacato à vida
as horas servem apenas
para conter o que se vive
pois mesmo quando tristeza
o tempo ainda consiste
em ser alegria diferente
se a gente ri quando triste.

Da conveniência e outros paradigmas


a vida

nos convém

como medida

de tudo

que à contracorrente

é desmedida

e que lhe permite

um viés mais pertinente
correndo em veias de todos
assim tão impunemente
como se fora tração

dos jeitos todos de gente
 
 
a vida

nos convém

como ultimato

dos infinitos que anotamos
em cada fato

e que demonstram o cerne
desse anonimato

que nos faz ser indivíduos
tão singulares

que nos perdemos nos outros
em todos os compassos.
 
a vida

me convém

como contrato

entre tudo de mim

e o inexato

guardadas as consequências
de todas as outras vidas

em que me acho

é que às vezes

me prolato

não como uma sentença
que se diga fato

mas uma feição mais tênue
e inexata

que se escapa pela vida

no meio dos meus atos

a vida

me convém

como um tempo inato
que me despeja inteiro
nos meus gastos

uns aqueles que exerço
nos meus passos

outros os que não mereço
na prontidão
dos meus achaques

e que me gasta um pouco antes
de que eu me baste
 
a vida

me convém

mesmo a desoras

quando insisto

em tornar-me sujeito

do infinito

e descambo pela aventura
de viver o que não disse

é que descabe a pretensão
de ser mais

do que aquilo

em que se insiste
 
a vida

nos convém

mesmo rasurada

e que não pretenda

os rumos

de qualquer estrada

há sempre a possibilidade
de se criar do nada

e inventar um tempo

de caminhadas
 
a vida

nos convém

em todas as pautas

e em todas as disputas
mas que invente música
em todos os bemóis

a que se ajusta

vividos nós em dança
na aventura íngreme

de construir a luta.
 
a vida

nos convém

pelas montanhas

guardadas as planícies todas
em que a história

nos apanha

porque tê-la assim

nessa grave geografia

é exercício de quem

inventa o dia
 
a vida

nos convém
impunemente
basta viver

para subverter a ordem
do que se sente.

Da intifada e laicos pormenores


A primeira manhã
é palestina
rubra temporada
de homens e metralhadoras
e uma noite que teima
em ser quase menina
 
a primeira manhã
é morte e esperança
laica displicência
de uma conjuntura vã
 
a primeira manhã
é palestina
em cores desregradas
traçadas a muque
na rasa madrugada
 
mísseis e dramas
em conjugação disforme
uma tristeza tanta
uma saudade enorme
dos dias que não viveu
de mortes já truncadas
da cara geral da luta
do canto geral de nada
 
garça a vida
em vôo displicente
nos rios que nunca árabes
voaram esses viventes
 
grave a morte
em cambulhadas
traste da manhã
teúda e armada
 
magra a flor
das esperanças
arábicos logaritmos
da pouquidão de trânsito
 
a primeira manhã
é palestina
súbita revoada
dos pássaros atômicos
da palavra
 
a primeira manhã
é palestina
e quão desarvorada
com o abraço contundente
da noite mais avara
 
a primeira manhã
é estrela das estradas
rugindo no colo da noite
a grande intifada.

Da liberdade em ritmo estrito


A liberdade
nunca basta
para medi-la
é preciso a prática
e um tempo de tanto
que lhe invada.
 
A liberdade
não medra à meias
como roçado
antes é planta avessa
a qualquer arado
é coisa tanta de gente
e se contém aos saltos
 
A liberdade
nunca basta
não há metros de si
pelas calçadas
a liberdade é sempre
inominada
 
A liberdade
não se mata
sempre lhe sobram léguas
em cada alma.

Das confluência do eu


O entorno da vida
é também a vida
mesmo que a razão a contradiga
coisa que enseje
um tempo à deriva
como barcos e verões
em contradita
o entorno da vida
é também um trato
nada do que não seja eu
é meu compasso
minha régua é um tempo
em que sempre me abraço

Das conjunturas e dos caminhos


ao fascismo
dê-se a vazão
de esgoto falido
da razão
 
à história
dê-se a compleição
do povo inventando
a rebelião
 
a liberdade é só um rio
atravessado pela multidão

Das medidas e dos enredos


a medida de mim
é sempre o povo
tudo que me faz humano
é o jeito do outro
e uma ligeira compreensão
do que é novo.

Das razões estratégicas dos sentidos


A prática
me divide
quando a teoria
resta apenas
como cabide
onde penduro a vida
nos fatos e nas crises
 
a estratégia
é matéria prima e objetivo
de consumir as táticas
em que me vivo
 
viver essa intensa guerra
é um eterno armistício.

ditos da paisagem


                     A Lane Pordeus 
 
 
ao te dares infinita

alonjas a eternidade

como quem se inventa com o ilimite
de consumir-se tarde
 
é que te cabe um espaço

de um tempo inconsumido
em que brincas com a vida
na proporção exata de todos teus sentidos

Dizeres à guisa de votos


As ações
não discursam
faltam-lhes o verbo
e a culpa
 
e são assim
como transeuntes
nada do que não seja
lhes assume
porque em vê-las
assim avulsas
a ninguém é dado
tê-las por preclusas
 
as ações
não se matam
faltam-lhes a parcimônia
e uma norma da prática
 
as ações dizem-se assim
de distantes e baldias
e nem as rezas lhes cobram
alguma serventia
por não tê-las sempre vividas
nas desoras dos dias.

Do capital e suas linhas


O sistema
lav(r)a a alma do povo
como deter(gente)
e recupera a pauta
de sua cont(r)acorrente
 
o sistema
de(flagra)
tudo que não tem
de alma
 
o sistema
deforma
sua própria forma
num implícito desacato
à qualquer lógica
 
o sistema
da (a)deus
a todas as naves
e inventa precipícios
pela cidade
 
o sistema
formula a mascara
de re(moer) estratégias
em suas táticas
 
o sistema
sobre(tudo)
é a sinergia em que nada
pelo mundo
 
o sistema
tem(e) da verdade
a mesma compreensão
da sua prática
tudo que é verbo
pode ser e não ser
desde que invada
 
o sistema
louva(-)a(-)deus
como um inseto largo
que nas entrelinhas da mão
teatraliza abraços
e queima o coração dos homens
aos pedaços
 
o sistema
fuzil(a) a tarde
e assassina manhãs
com liberdade
nada do que não é tempo
lhe afasta
 
o sistema
lav(r)a as mentes
como uma certidão
inconsequente
todos os cartórios só decretam
a moratoria de gente
 
o sistema
diz-se lúdico
aparentemente
tudo que se joga
são as derrotas
de quem sente
 
o sistema
faz do seu fim
apocalipse
como se não fosse avaro
desde o início
e se (re)vela faminto
em todos os indícios
 
o sistema
nunca se isenta
há sempre uma n(g)ota de sangue
à sua frente
 
o sistema
estraçalha as horas
o trabalho e o mundo
como se fora permitido um tempo
do avesso de tudo
 
o sisema
é vagabundo
nada do que produza
é seu mundo
 
o sistema
é, sobretudo,
a notícia menor
das manchetes do mundo.

Do coração e seus encargos


Há que se ter o coração
como bandeira
de tremular pelo mundo
a vida inteira
 
e transcrevê-lo em outros
tão adredemente
como se for a uma estrada
construída de repente
 
há que soltá-lo
pelas angústias
com a firmeza das horas
e a incerteza das culpas
 
há que tangê-lo
pelos arrabaldes
como uma nação inteira
que se cabe
 
há que exprimi-lo
na imensidão dos gestos
e cometê-lo impune
em cada verso
 
há que morrê-lo
frequentemente
com a certeza insone
dos viventes
 
há que merecê-lo
tão completamente
na proporção exata da vida
a que se consente
 
e há que dizê-lo
no dorso das palavras
nas passeatas e nas ruas
como um panfleto itinerante
de todas suas lutas.

Do uso da verdade e seus modos


A verdade
nunca trai o gesto
de absolutizar a vida
em seu interno
 
a verdade
é tática
sempre lhe cabe um futuro
por  inexata
 
a verdade, amiúde,
tem estratégias
é que lhe parece jovem
ser velha.

Poemeto ao Galo da Madrugada


No Galo da Madrugada
não existe compasso
tudo que é medido

se desmente no passo
o frevo solta o Recife
no meio do meu abraço
e o povo inventa a vida
pela sola dos sapatos.

Sentimental digressão em dialética performance


assim que me trago
nos ombros do que sinto
como não ser dialético
nas curvas desse labirinto

as encruzilhadas do peito
nas farturas dos caminhos
carecem de certo escopo
para decretarem-se destino

o leme do melhor esforço
dirige o rumo dos sentidos
nada que não seja novo
terá a cepa dos sorrisos

A vida em descampados


E no meio do descampado
como se fora um repente
a vida parece um sonho
atravessando a gente.

Da lógica do verso em rasa feição


Decreto
a lógica
do meu verso:
tudo que lhe cabe
é o verbo

e uma certa ilusão
de que palavras
são ondas
dos mares que carrego
e que se inventam baldias
nas horas em que as meço.

Da morte vivida em trânsito


A morte é somente
uma vida diferente
o morto vive nos outros
assim tão impunemente
que nos alvoroços do tempo
e nas paredes da mente
a gente sonha por ele
ao invés da gente
 
morrer é só viver
aquilo que não se sente.

Das demoras e do futuro


a vida
 não é um indício.

antes é um ofício

que o tempo teima em dar
é como se fosse preciso
que a rédea curta das horas
independente das demoras
que a vontade às vezes dá
 
a vida não é demora

mas é um depois dessa hora

nas costas largas do tempo

é quase como um invento

da vontade de lutar

que abraça o corpo da gente
num gesto em que nem se sente
quando o futuro virá
 
pois está quase presente
em cada passo do povo
na construção de um novo
que cada um conspirar

Das larguras da vida


Ainda existe
em cada traço
uma nesga da luta
em que me faço
é que viver
é uma batalha
quando se tem a régua
do que se cala
 
a experiência
é apenas um armistício
entre aquilo que penso
e o que me declara
lutar é só um indício
da unanimidade do tempo
e da musculatura da alma.

De mim e outros


Sujeito de mim
me desconvoco
das diferenças do outro
em que me olho
 
tudo que leva a mim
é quase lógico
resta apenas a luta
e um desejo urgente
de viver o próximo
 
o tempo
é quase sempre
a janela em que me posto.

Do desmazelo temporal do medo


Nunca é tarde
para dizer o que é cedo
à história, às vezes,
é um disfarce do medo
e o tempo inventa porções
para demorar seus atropelos
 
ao homem cabe gritar
e construir seu enredo.

Do viver em trânsito


A vida
não é estribilho
há de haver vínculos
em todos os trilhos
é como se fora canção
de todos os ritmos
há que fazê-los próprios
para dizê-los vivos
 
vive-la é só uma trança
que se faz pelos sentidos.

Pequena ode à transgressão da ordem


Nenhuma bala
cala
o que vai
dentro da alma.
A idéia é plástica
salta nos ombros
de quem a lavra
e cai no jeito do povo
como palavra.
E, assim, verbo
admite-se
na alma coletiva
que transmite
e flui em rios de amor
na exata proporção
do que se lute e grite.

Contradita


O inverso
não é contrário
é apenas um jeito
de ser vário
 
pois em sê-lo uno
como contradita
não lhe sobra o ritmo
de atravessar a vida
 
e assim,
adredemente conjugado
sempre lhe cai o modo
de ser ainda contrário
 
é que a vida repousa
nesse choque imaginário

da filosófica contração do mundo


no trajeto
entre mim e a razão
sou apenas transeunte
da contradição
nada do que está posto
deixa de ser em vão
 
é que são relativos
os absolutos na mão.

Da verdade em rompante estrito


A verdade
é sempre elástica
tudo que lhe mede
é a prática
 
a dúvida
é só um modo
de torná-la
plástica
 
montá-la pela história
é divertimento da alma.

Da vida


Da vida
viva o tanto de vive-la
não tanto que nunca falte
não pouco que nunca seja
pois contê-la, assim, farta e avara,
é a exata proporção de merecê-la.

Das dosagens humanas em africanos moldes


Minha raça é o povo
e a constatação inequívoca
de que a África habita,
como uma bandeira enorme,
os recônditos da vida
 
trazê-la em braços,pelos caminhos
é só um jeito, uma medida,
de quem a traz pelas ruas
como uma festa coletiva
 
tudo do que é humano
é memória das áfricas da vida.

Das encruzilhadas dos sentidos


Dou-me a um infinito:
nas curvas do que sinto,
todos meus ancestrais
habitam meu grito.
 
Por que não faze-los hóspedes
das larguras do meu  riso? 

Do rio e do homem em correnteza


O rio assim derramado
sobre a estrada do dia
alinhava sobre os olhos
as léguas todas da vida
 
caminha tanto de si
de forma tão desmedida
como se fosse equação
de medir a própria lida
 
e ao homem cabe ser rio
de tudo que for seu riso
e escorrer pelo mundo
na proporção de estar consigo.

Do tempo em vazão corrente


Antigamente
eu tinha uns hojes diferentes
é que eu nem sempre punha
algum futuro no presente
 
hoje
adredemente
vivo num futuro
quase sempre
 
é que o tempo às vezes insiste
em ser todo da gente.

Larguras e tempos


sobro
de tudo que me cabe
a vida é sempre maior
do que se sabe
 
e nem lhe reste
a contradição
de conformar-se cedo
com o que é tarde.

Palavras a George Floyd


A garganta
inventa na palavra
uma bandeira negra
desfraldada
 
a garganta
respira o mundo
com a força da paz
e a certeza de tudo
 
e o tempo
grávido de povo
aponta a trilha
de inventar o novo.

Palavras a Nínive


o míssil arquiteta

por sobre Nínive

uma reta

ângulo tenaz e reticente
como se fora esquina
do coração da gente
e lança-se fulvo

em eletrônica voragem

e nem se pergunta da vida
como há de
 
Nínive assim deitada
é no deserto de si
uma paisagem
rouca arquitetura
de ingente norma
Nínive não comenta
apenas informa
 
e na cabeça do míssil

se afoga

como uma rosa que explodisse súbita
nas mesopotâmias da história.

Vagar noturno


no fundo do copo

dramas e beijos

a angústia cabe inteira

num copo de cerveja

e quem não se mede

pela tristeza que engole

inventa um riso pela boca

num teatro enorme.

cada um é cada tudo

engasgado e entrançado

nas asperezas do mundo.

o olho escapa

das bordas do copo

e palmilha risos e seios

numa distância insólita

e o corpo consome a noite

e trama a madrugada

com a aguda extensão do tédio
que se escreve na cara.

em todos o bar agita

palavras de ordem de uma alegria
que permanece inconsumível.

Da guerrilheira feição do tempo


O tempo
guerrilheiro
teima emboscadas
em seus passeios
 
e tange os homens
ao redor da vida
nas costas da batalha
em que se realiza
 
o tempo é só um combatente
do tamanho da vida.

Da permanência das ruas


a dúvida
ausculta
a verdade
bruta
e fulmina
a culpa
de entendê-la
grávida e lúdica
é que por tê-la falsa
a perpetua
como um dizer permanente
da necessidade das ruas

Das esquinas do verso


O poema
é só um grito
que joga o poeta
no colo do infinito
 
a palavra
é o armistício
da emoção lançada
como arbítrio
 
vive-lo é profissão
de quem está sempre consigo.

Das úmidas lembranças


Quando a saudade
dê-se como lágrima
encha todos os rios
que se tem na alma
 
e navegue serena
as estradas da vida
inventando as emoções
nos tempos em que, avulsa,
reste pela memória, exata,
como se fora uma fábrica
das eternidades que pulsa.

Das Vertentes do Futuro em Manifesto


a utopia
mais dias, menos dias,
é só o bordado da história
que o povo construia
 
é que a luta, por complexa,
dá-se por estranha,
às vezes incompleta
quando o destino dos homens
larga-se numa paz grávida da guerra
 
a ânsia do futuro
sempre se apresta
a bordar  pelo mundo
muitos et ceteras.

Do amor e outras apreciações


O amor nem sempre é tão vasto
que não tropece pelas avenidas
nem nunca seja, assim, por gasto
que deixe de prender-se à vida
vive-lo é não apenas sorrir
mas mantê-lo sempre com tal sossego
como o construir-se pelo ser amado
a extrema aventura de nós mesmos.

Do exercício da paz


Há que brandir a arma
do tamanho exato da paz
como se fora instrumento
à contradita de tal
pois em ser armistício
de variada postura
dê-se sempre à vazão
de perambular pelas ruas
 
é que a paz sempre habita
uma consciência difusa
que nem precisa ser tanta
para ser clara armadura
cravada no peito dos homens
como larga escravatura
que lhe põe horizontes na face
e lhe inventa e testemunha
no rol infante da vida
na lida avante do mundo
como se fora uma flor
com sede de absolutos
como a dizer que ao homem
cabe a certeza de tudo
 
é que ao homem descabe
qualquer semelhança
ao que se faça por guerra
cerzido a qualquer lembrança
malgrado o jeito de paz
que qualquer luta barganha
 
é que ao homem se apresta
essa via larguíssima
de inventar as manhãs
a partir de sua vida
como se for a prestação
de uma compra infinita
 
há que brandir a paz
como essa arma precisa
que pulsa no peito do homem
o tamanho de sua lida
como se for a a razão
de toda sua notícia
estampada pelo mundo
à custa de muita vida.

Do trajeto e da permanência


Não se enquadre o fato
de o homem parecer-se resoluto
com qualquer dessemelhança
entre sua prática e seu discurso
 
é que retorne sempre ao tudo
o quanto só se foi do nada
somadas todas as esperanças
do que se gastou nas madrugadas
 
e, enfim, conte-se pelos dias
que restaram no peito dos viventes
tudo que se construiu tão amiúde
no transcurso de todos seus repentes.

Poema à Pátria Grande


cidadão! companheiro!
irmão! camarada!
quem gritará o futuro
nos ombros da madrugada?
por certo, amontoados,
nos braços urgentes do povo
o tempo será nosso abraço
na persistência do novo.
por certo, inventados
pela paciência dos Andes
lavraremos irmanados
a vasta e infinda construção
da Pátria Grande.

Poema ao povo de Gregório Bezerra


o coração, camarada,
é um cigano desgarrado
que ainda pulsa a vida
apesar dos fardos
 
o povo, camarada,
ainda arranha o futuro
com a persistência do tempo
e a insistência do discurso
 
a revolução, camarada,
ainda é jeito apressado
de esparramar a verdade
nesse imenso descampado.

Da intimidade com o todo


Se o todo é parte
o infinito é só disfarce
que a vida teima em dar
nas léguas em que se bate
 
o todo é só sentir
os metros todos do que tarda
e dos infinitos mais afoitos
dos mares em que se nada
 
a infinitude é só uma brisa
nas jangadas da alma.

Da propriedade em largo vau


privada,
a propriedade esconde
nas entrelinhas
os suores dos homens
 
coletiva,
presta-se à lida
de tanger os homens
de encontro à vida
 
é que até ninguém é dono de si
sem  dividir-se com todos
na infalível lógica de, unânime,
apropriar-se nos outros

Das ações e das formas


por mais viver
não vingue o dia
em espalhar a noite
pelas entrelinhas
é que o discurso
é só uma forma
de enquadrar o fato
em cada norma
viver é cavalgar o tempo
com as rédeas da lógica
e a certeza guerrilheira
das revoltas.

Das andaduras do tempo


Do século passado
trago-me infante ao futuro
com as dúvidas nas mãos
e as certezas no discurso
 
nada do tempo
me limita e invade
palavras são atos
diagramados na vontade
 
resta encostar os verbos
nos atos da liberdade.

Das lagoas dos viventes


Que esse espelho de águas
pareça assim a vertente
dos rios que a gente nada
atravessando a gente.

Das manhãs ideológicas e seus quadrantes


Toda manhã do mundo
bate nas portas
e despenca do sono
ideológica

é que basta acordar
e uma vontade aflora
de construir um futuro
nos ombros das horas 

as escaramuças do tempo
são apenas as janelas da demora.

Das metragens de tudo


Nada, por um triz,
é quase tudo
na conveniência da gente
e na constância do uso
 
é que não cabe a metragem
de matemática distância
nos caminhos que a vida
decreta a esperança
pois o verbo é máscara
de inventar circunstâncias
quando a razão improcede
no medir das constâncias
 
tudo, por um triz,
é quase nada
vista a divergência da vida
e a intenção das estradas
 
é que descabe a invenção
das humanas atitudes
quando a razão procede
assim adredemente
e tenta construir a vida
sem tudo que é de gente.

Das pandêmicas horas sem tempo


quando a manhã sai da noite
nos ombros da madrugada
o tempo nem se importa
que o mundo é um descampado
e joga culpa nos homens
por não tê-los acordado
 
quando a noite sai da tarde
nas costas do sol poente
o tempo corre apressado
como se fosse urgente
e desmaia no nosso colo
um tanto vazio, reticente
 
é que a pandemia se conforta
com horas que nem se sente.

Do caminho grávido das manhãs do povo


ao povo e ao mundo
dê-se a sintonia
um farfalhar intenso
das veias e das vias
 
porque de entendê-la
como construída
salpiquem-se os fatos
com o tempero da vida
 
e os combates, ao fundo,
sejam apenas o sinal
de que a manhã enfeitou-se
dos acordares do mundo.

Do verso em flagrante andar


exerço o verso
como me cometo
coisa de palavra e som
ou quase jeito
de inventar a vida
num degrau do peito
 
exerço o verso
como que inverso
de tudo que não digo
e ainda meço
 
exerço o verso
urgentemente
como se fora um tempo
em que me esqueço
coisa de não ser diverso
das conjunturas e sentidos
de tudo que projeto

dos franzidos da vida


curvo,
o espaço é tempo
do seu uso
 
curvo,
o tempo é um espaço
ancorado no mundo

Novamente o tempo


Ao tempo
dê-se a impressão
de parecer-se exato
apesar de não
e que sua textura
revele a consistência
de tudo que não se cobra
nos desvãos da consciência
 
ao tempo’
dê-se o desatino
de consumir-se avulso
pelos caminhos
quando a constância da forma
traia-lhe o jeito
a desoras
 
ao tempo
dê-se a textura
de manter-se intacto
mesmo em andaduras
porque lhe sobre a feição
de transeunte constante
que mede sempre nos passos
o rumo que lhe tange
 
ao tempo
dê-se regra cogente
tudo que lhe some diminua
o que se tem pela frente
porque não seja mistério
um certo quê de repente
que teima em dar aos olhos
um espaço diferente
 
ao tempo
dê-se a monotonia
de parecer-se uma noite
que nunca chega a ser dia
pois lhe falta a parcimônia
um pouco mais apressada
que teima em fazer do tudo
um pedacinho do nada
 
ao tempo
dê-se a sinergia
de ser paisagem eclética
dos espaços e das lidas
pois lhe reverbera a função
de parâmetro inconcluso
das incertezas que as gentes
carregam pelo mundo
 
ao tempo
dê-se a dialética
de franzir-se amiúde
quando em futuro se sabe
os passados que pude
e que lhe sustenta um contrário
a contracorrente do mundo
 
ao tempo
assim à contraluz
negue-se-lhe o rumo
a que o olho conduz
por contradizer-se retilíneo
nas curvas em que se produz
 
ao tempo
dê-se um coração milimetrado
e todas as réguas possíveis
de todos os compassos
pois é de tê-lo medido
no tamanho de cada abraço
 
ao tempo
dê-se o outro,
como em nós, oficina
a construção do que somos
nessa humana usina
que navega todos os mares
daquilo que nos oprime
 
ao tempo
dê-se o não
como afirmação absurda
de tudo que se permite
quando a vida abunda
e derrame-se constante
naquilo que nos desusa
 
ao tempo
dê-se a outra face
nesse mister tão avaro
de permitir-se avulso
e quase à vontade
na exata proporção
de tudo que não seja tarde
 
ao tempo
dê-se o anonimato
de quem remói nas palavras
um silêncio inato
que nem precisa ser verbo
para dizer-se liberdade
 
ao tempo
dê-se a consistência
de ser um mar atravessado
no varal da consciência.

Palavras à Camarada Selma Bandeira


A Camarada Selma
mantinha incólumes
a sua alma de paz
e o seu revólver
 
a Camarada Selma
pelas tardes
inventava palavras
e saudades
 
a Camarada Selma
no meio do não
era o grito exato
da revolução
 
morta, a Camarada Selma
é um futuro desatado
na imensidãoo do dia
em que todos cabem.

pequena ilação


a vida
é sempre muita
quando se inventa no peito
o caminho da luta
 
estrada de mim
nem se conforma
com o tamanho da alegria
que entorna.

Versos a Haroldo


batráquio

não te aprestas

a parecer uma flor

sem competência

antes te assentas

na simplicidade do gesto
de inventar a paciência
 
e pulas

tua própria calma

assim esdrúxula

tua resistência

em beber a noite inteira
no teu jeito repente
 
 

Vínculo


Meu vínculo
é o que sinto
ditas que sejam tantas
as razões desse exercício
e dos misteres tais
que exercito
construindo em verbos
o que digo.
 
Meu vínculo
é o que persigo
na eficiência do abraço
a que me permito.
Dou-me, assim,
ao interstício
de fazer-me perto
do que acredito.
 
Meu vínculo
eu transmito
a cada palmo de mim
que é legítimo
na proporção exata
do que luto e grito.
 

À Camarada Antônia


à Camarada Selma Bandeira, in memoriam

nem mais teu verbo
ressurgirá tão ávido
que recomponha tua carne
na pouquidão da tarde

ainda que as praças de Recife
guardem no seu átomo mais largo
os pedaços de rosa dos teus pulmões
esculpidos à pulso em palavras

ainda que nos olhos da gente
repouse teu retrato mais amargo
nem mesmo o fim conseguirá reter
o início lógico da madrugada

teus músculos
dilacerados em vão
pulsarão nos sonhos
que ainda trazemos nas mãos

À Camarada Olga Benário Prestes em laica contrição


Em Olga
a verdade
é uma bandeira exata
da vontade

Olga
transita em léguas
em que nem os metros
cabem

Olga
na verdade
é o resumo humano
da liberdade.

a necessária contrafação do querer


a necessidade
nem é necessidade
quando posta apenas
no invólucro da vontade

assim indisposta
é mais vau de descaminho
resposta de cada compleição
de cada desatino

a necessidade
nem constrange
nem punge e nem tange
a quem de tê-la, assim, urgente
exploda a razão inteira
do que ainda surge 
nas encostas do presente

Da onírica vertente do combate


É que no transverso da vida
assim como um arremate
o sonho virou a divisa
de se enfrentar o combate
e avaliar as medidas
de todos nossos impasses

pois no transcurso do sonho
assim como uma verdade
a gente enfeita a vida
para lutar por liberdade.

Das alturas do futuro


talvez as noites
sejam manhãs recatadas
que brincam de ser tempo
pelas madrugadas
 
talvez as manhãs
nos ombros do povo
levem um tempo insubmisso
de tudo que é novo
 
e deite-se o futuro
num tempo exato
em que a paz se deite
em nossos atos.

Do confronto temporal da vontade


Na pandemia
o tempo esquece
de ajeitar um espaço
em que vivesse
e larga-se no peito
como uma preguiça
subindo todas as letras
da notícia
 
o mundo carece de tempo
para dar-se à vista

Do divino e suas demarches


No divino
terça o homem
seu destino
 
o divino
como luva
cai em mãos
em que nunca coube
todos seus rezares
vigem em tempo
que não houve
 
da sua alma
se adivinha
os quilos de pecado
que a si convinha
para ter-se impávido
sem entrelinhas
 
no divino
houve o homem
como proscrito
nas léguas da razão
de todos os seus gritos
 
no divino
quase sempre
o homem é civil
militarmente
nada de suas guerras
turva  ordem de estar ausente
tudo que lhe marcha
é o absoluto exercício
de estar obediente.

Dos passados futuros


A utopia só é sonho
enquanto não havia
assim montada na luta
nos ombros da alegria
 
é que o futuro
com que não se lida
desmancha o tempo do homem
nas esquinas da vida
 
utopia é só um nome
para enfeitar-se a briga.

Impaciente gestão de cometimentos


como tecer
em tanto susto
a agonia plácida
da saudade do futuro?

como ter nas mãos
esse pranto inconcluso
e montar a liberdade
como valor-de-uso?

como, enfim,
ter-me a custo
na inconstância enorme
dessa tarde estúpida?

Ode ao eletron


na escandalosa química
em que te tens à custo
nunca foram revogadas
as disposições do teu uso
 
e te promulgas
desde um não tempo
em que te misturam à vida
como um pensamento
 
e te constatas
tão impunemente
cerzido às costas do mundo
como um invento impertinente.

Palavras ao Camarada Gagárin


A terra não é azul
Camarada Gagárin
tú é que esquecestes a tinta
para pintar de rubro
esses teus óculos de astronauta.
Onde estará gravada
a cor indefinida dos explorados de minha pátria?
Onde estarão grafadas as palavras de rosa
do teu povo?
 
Fora azul, por certo
talvez por certos mares
em que navios
singram os homens
com a desfaçatez da cobiça
e a inconstância dos ares
 
fora azul, entretanto,
não conteria os matizes
do meu espanto
em ver irmãos cavalgando a fome
como se fosse naus
sem horizontes
 
fora azul, todavia,
não teria, certamente,
essa cor indivisível
dos martírios das gentes
 
a terra não é azul
Camarada Gagárin
onde estarão trançadas
as mágoas avaras dessa gente
que, poucos, vivem a razão
de sobreviventes de viventes
 
fora azul, malfadadamente,
não conteria a mística fruição
de tudo que não é de repente
antes teria a contrafação
à tudo que não é dizente
e que rola no peito dos homens
como matéria inconsequente
 
fora azul, Gagárin,
não habitaria teus olhos
com a fartura das correntes
que, assim rios, inventam as manhãs
como um tempo diferente
ainda que escondam noites
no coração desses viventes
 
fora azul, talvez,
não tivesse a contextura
de uma democracia
com um quê de ditadura
que prende o sonho em teias
espalhadas nos vãos das ruas
 
a terra não é azul,
Camarada Gagárin,
antes fosse branca como a certeza
de que a ética é um ofício
de permanente natureza
que teima em ser do homem
apesar de toda incerteza
 
fora azul, assim à meias,
não havia de ser inteira
como o canto infinito
de todas as lavadeiras
que ainda lavam nos rios
os rios em que vagueiam
 
fosse azul, meu camarada,
não teria a consequência
de ter todas as cores
postas na consciência
das cores que levam um jeito
um certo quê de descrença
 
fosse azul, assim equânime,
não haveria essa África e o gesto
que infinitam a noirte desses homens
que creem mais nessa noite
que na eficiência do abdômen
porquanto nem seja clara
da desfaçatez da fome
 
fosse apenas azul, Camarada Gagárin,
como escutar o grito de quem ainda há de?
Como sonhar essa manhã
que chega quando a gente tarde?
 
Ainda bem, Camarada Gagárin,
que guardadas estão numa luta
as cores variadas da verdade
a devida proporção e memória
do grande tempo da liberdade.

pequena intrusão lacaniana


trago-me do outro
em demandas
como um espelho
dos eus que me mandam
 
explícito
deixo-me intruso
nas pulsões que invento
e desuso
 
e valho-me da vida
para estar na morte
nos mares que construo
nos dias de ócio.
 
tudo é só o outro
no outro que sou
e me conformo.

Poema de circunstância


era um tempo

de agosto

13 os dias, se tanto

e assim, de repente,
em horas avulsas

a alegria deu um salto
com ares de luta
 
e eu me pus em mim

com a certeza intacta

de que a vida é um tempo

dos agostos
e das lutas que nos faltam.

Das avenças do amor em rápida simbiose


o amor
é avença desregrada
tudo do que é tudo
é quase nada
e é boiar-se no sólido
como se fora bólide
de atingir as luas
de quem ame
de faltar às tardes
de quem tarde
 
o amor
é avença desregrada
é um consumir-se sobrando
é um expandir-se na falta
é como se fora um oceano
que coubesse em todas as almas
e que restasse pelos dias
nas noites em que se declara
 
o amor
é uma avença incauta
nada do que é cautela
lhe desata
antes é imprevisto
como um intenso salto
que se dá ao coração
com ganas de astronauta
 
o amor
é uma avença sutil
como a felicidade
nada do que lhe tange
inventa-se público
ou como concessão
de quem lhe invade
 
o amor
é uma avença avulsa
de veias e de vias
é convergência inata
de cada alegria
e um desandar de ruas
nas desoras do dia.
 
O amor
é uma avença cogente
tudo que tange os olhos
atiça a alma tão sempre
que nada do que é humano
desencarna-se da gente
 
o amor
é uma avença tardia
tudo que lhe chega a cedo
é de um tempo tão difuso
que chega sempre a ser tarde
nas serventias do uso
 
o amor
é uma avença plástica
tudo que lhe seja forma
unanimemente lhe declara
na urdidura das normas
na ditadura da prática
 
o amor
é uma avença drástica
guardada a desproporção
de todas as almas
nada do que não seja todos
poderá sê-lo na prática

Das impresenças consentidas


Minhas mortes
trago-as frequente
no exercício fugaz
de ser presente
 
e nem importa
que transitem avaras
pela moratória geral
de minhas falas
 
no fundo
elas consentem
que a vida assim se afirme
em tudo quanto eu me apresente.

Das margens da vida


Nos ombros do tempo
navego horas e envelheço
até nas mocidades
em que eu me esqueço
 
vivente dos meus egos
nas vezes em que nem me perco
o meu fim, adredemente,
é só um disfarce do começo
 
a velhice é só um jeito
de inventar-me pelo avesso.

do cacto em contubérnio inato


o cacto
é só um pacto
entre o espinho
e o espaço
a terra
é só o ato
de tangê-los
no deserto dos fatos
a paisagem
é só o desacato
da flor que se inventa
nos soluços que prolata

Do poema em visceral informe


o poema
não joga
sua delação
é retalho
de sua norma:
decretar-se livre
mas em revolta
seu curso
é só recurso
do que informa

a idéia é o transatlântico
navegando os mares das estrofes

Dos vincos da verdade em laicos gestos


Eis o fato:
a verdade
é sempre menor
que o ato
fazê-la é um jeito duvidoso
de torna-la exata
é como se fora proporção
entre o que se sente
e o que prolata
 
é que nos ombros do mundo
a verdade é uma balsa
que singra nosso peito
com ares de astronauta

Ensimesmada alusão aos cálculos de mim


diviso
todas as divisões
em que não me divido
ter-me uno é a partição
do que preciso

as divisas do tempo
são únicas
as de que me invisto
por todas multiplicações
do que faço e digo

e essa fruição
é a fração exata
de estar comigo

Ode adverbial ao orgulho


a visão

me insta

a ver meu filho como nauta
navegador de mares que não posso
consumidor de ares
 que me faltam.
 
e a emoção, de resto,

é um grande porre de adrenalina
pelo cérebro.

Paisagem


A estrela
pousada no ombro da tarde
tinha a mesma textura do tempo
descontrolada em vão na sua idade
e tanto mais brilhasse
era mais singela
afagando o dorso do navio insone
que escrevia horizontes
na arcada geral da minha fome
 
e porque fosse tanta
era assim tão limitada
que cabia inteira no meu olho
e me perdia pela alma
 
era estrela
envolvida com o infinito
com a mesma desfaçatez
e a restrição de um grito
 
e eu queria a estrela
para joga-la no bolso
e toca-la, distraidamente,
nas tardes do meu desconforto.

Pequena alusão aos tempos do espaço e a perene desavença humana


O infinito
não é só espaço
há um tempo embutido
em seu descampado
depois de si
traz outros infinitos
que desabotoam a razão
e todos os sentidos
 
é como parecer um mutirão
de todos os destinos
por decretar-se avulso
apesar de ser contínuo.

Pequeno poema


nos debruns da vida
quem sabe?
há um retrato inteiro
da liberdade
 
é apenas escrevê-la
nos ombros da vontade
e bater o coração
pela cidade

Retrato diminuto da presença


e quando laço a vontade
nas curvas do que digo
o tempo é só um atalho
de estar sempre comigo
o verbo, às vezes, inventa
um silêncio contrito
que dize-lo é só a razão
de enfeitar os sentidos

Versos do sofrer


a dor

urge que a tenha sempre à mão
quando em vontade

se arquitete a desnecessidade
da razão
 
e sofro de mim
quando entristeço
coisa que não seja tal
e que nem seja tanto
quanto pareça
 
e consumo a mágoa
como tentativa

de me dizer não eu
desconstruindo a vida
 
sofro

com a compleição e o jeito
de restar de mim
 aquilo
que não devo
 
e no que não devo

há sempre o mêdo

de não me sobrar no sonho
que consumo

e em que não creio
 
sofro

como a circunstância
que sofre de mim

a perseverança
 
e no que não creio
já me permito

ter da razão

algum indício triste
 
 
 
 
 
 
 
 

biografia em síncope compassada


diz que um dia
um rapaz algo bizarro
desses que se constroem lentamente
bebeu a estrela mais vasta
às margens de um mar tão penitente
não fora ele um peregrino
do redemoinho exausto da emoção
retirar-se-ia da vida fundamente
não cravasse a estrela no seu vão
de palmilhar seus desencontros
com os pés avaros de distâncias
moeu-lhe a consciência a exata luz
que da estrela subiu-lhe em desalinho
e da funda cilha do seu peito
corcoveava o coração insone
por não se completar e tanto quanto quisesse
em alguma estrela que se dissesse humana
e hoje
da funda ilha do seu peito
habita o coração incontrolado
bêbado das manhãs mais adoráveis
que a estrela constrói com seus olhares.

Da palavra e sua compleição em sentido estrito


A palavra
nada
todos os mares
de que fala
 
transeunte
não se admite
como passagem de tudo
que se disse
 
é que esconde
no seu jeito de bólide
as imanências todas
que recolhe
 
a palavra
quase sempre
é um disfarce relativo
e displicente
nunca lhe cabe tudo
do verbo que se sente.

De Olinda em carnaval de tudo


até parece que o frevo
inventando a emoção
escreve assim
 pelas pernas
um infinito no chão
 
e assim descendo a Ribeira,
ladeiras no coração,

Olinda toda me chama

em cada ângulo de casa
em cada palma de mão
 
as pernas fogem pro peito
ensaiam a rebelião

dos sons que o ouvido engole
com a exata compreensão
de que olinda não é cidade
é apenas uma saudade
misturada com a razão
 
e todos pulam seus jeitos
com a mesma sofreguidão
com que o sol esperneia
nas faces de uma canção
 
até parece
 que o frevo
espreguiçando-se em vão
adormece já sonhando
as coisas da ilusão
 
e assim fingindo ser tarde
a noite mal principia

e monta toda a manhã
que meu peito consentia
 
e a hora nem se apercebe

de que o tempo é relativo

e esconde seus minutos

nas curvas dos meus sentidos
 
Olinda é quase uma guerra
de generais consentidos
soldados que sejam tantos
nas marcas de seus sorrisos
 
até parece que o frevo
despenca já lá do alto

e cai no peito da povo

com a mesma simplicidade
com que os neurônios inventam
as máscaras em que se cabe
 
Olinda assim já é tarde
pra essas coisas de cidade
antes é um grito tão tanto
barganha da liberdade
 
e ainda assim o perigo

de esquecer a própria vida
e nem pensar que amanhã
atravessado na avenida

o homem passeará sua dor
nos frevos
 que lhe consintam
 
II
 
Olinda então já chorava
Olinda enfim já sorria

e sem caber no meu peito
em carnaval se explodia
como uma nave desfeita
em mares que eu nem sabia
 
o frevo assim parecia

uma alegre matemática

que dividia todo meu medo
nas contas que eu não usava
 
e urdia nos cabelos

uma ventania inexata

que deslocava meus sonhos
no rumo infante da praça
 
Olinda então consentia
arrumar esses viventes
num jeito de alegria

a que às vezes se consente
sem perceber que a vida
é muita menos verdade
e muito mais de repente
 
o frevo descendo a praça
é quase uma liberdade

é um jeito desajeitado
de inventar a cidade
na ponta palma dos pés
na pronta face da tarde
 
o frevo medra
 solene
nos ombros na multidão
peso que nem seja tanto
tomado em comparação
aos pesos tantos da vida
que se carrega em vão  
 
III
 
a nota 
clara do frevo
não é música, é uso,
apenas publica o povo
na pauta do seu susto
 
o frevo não é tudo

mas abarca um jeito de inteiro
no prazer incontrolável
de se dizer brasileiro
 
cai pela face do povo
assim misturado à tristeza

que desce rindo nas pernas
de quem lhe cobra a certeza
o bloco é um sanguessuga

que ferve o peito de Olinda
e invade suas carnes

com a sanha
 de uma sina
 
IV
 
Olinda, morena, moreno,

senzala da liberdade
revolves no passo do frevo
um futuro
 que nem se sabe
 
e denuncias no canto

das pedras em que te cabes
os infinitos que jogas

nos ombros de tuas tardes
 
Olinda sabe a desejo

como uma força que invade
a franja incauta do peito

de quem do frevo nem há de
 
e a Sé
 repousa sem jeito

numa contrição desmedida
que arruma o canto da gente
no frevo exato da vida
 
coqueiros balançam a tarde
numa preguiça infinita

e ventam todos os barcos
com os frevos à deriva
 
como uma tristeza 
escondida,
Olinda,
nua assim na alegria,
drapeja bandeiras tantas
que nem sabe que sabia
 
Olinda, assim bailarina

de palcos e de coxias

joga o frevo no peito
com a mesma melancolia
com que arrasta o sonho
em passos que não havia
e nem se importa que a vida
contivesse o que se sentia
e que explodisse na sem razão
do que cada corpo pedia
 
Olinda, assim transeunte

de ruas que não devia
pesava em vão pelos passos
dos caminhos da alegria

ornada em mágoas e mágicas
de intransitiva serventia
e completava as curvas da dança
com a certeza da esperança

e um certo quê de agonia
 
Olinda, assim tão seu povo
cerzida às costas do frevo
inventa um carnaval
dentro de todo o medo

e nem sobra nas ladeiras
qualquer ângulo mais exato
em que não se visse da vida
uma vida em sobressalto
 
pulando assim na Ribeira
nos quatro cantos de tudo
Olinda cria  a razão
um sentimento profundo
e constrói nas suas mãos
nas pernas do coração

o sentimento e o rumo

de montar uma esperança
nos descampados do mundo
 
Olinda inventa um jeito de nave
em cosmos que nem habita

e trai um jeito de infinda
apesar de tão contida
 
Olinda contraria a tristeza
com a mesma euforia
com que o mar lhe inventa
pelos navios dos dias
 
Olinda é quase um tempo
é continente e conteúdo
e mesmo assim relativa
deixa-se estar absoluta
o coração de quem lhe vê
no frevo intenso da luta
é somente um continente
da ilha de quem lhe usa
um jeito incauto de ser nada
mesmo sabendo tudo
 
destempo e minuto,

hora desapercebida,

que flui no vão do cérebro 

nos sentidos pela avenida
 
e se vê Olinda

na textura do tato

na carência dos dedos

na sola dos meus sapatos

na timidez do medo

na intrepidez do enredo

que a gente ensaia sem palco
 
e tem-se assim Olinda

enquanto te despossuem

e ao mesmo tempo que te fazem
desfazem tanto teu uso
num carnaval diferente

que trava o peito da gente
num frevo que nem se escuta
 
descendo Olinda e ladeira
descamba a cidade avulsa
presa de passos e pesos
prenha de segredos e sustos
 
no Carmo 
chego sem medo
Olinda ainda é alegre
tarde que já é cedo

noite que é quase um dia

num tempo que é só começo
 
Olinda flutua

na mansidão dessas águas
que se dizem suor e sangue
ou mesmo baldias lágrimas
choradas pelo vão riso
como senões imatemáticos
 
Olinda não se conta

pelas casas que possua

mas pelo jeito que engendra
no íntimo de suas ruas
 
 
Olinda não descansa
de ser vária e avulsa

e pesa os tempos que alinha
na cara de todos os sustos
 
cidade nem se apercebe
que a história continua
entrançada em suas pedras
nos passos de quem lhe usa
morena, nem se acalma

com a graça de seus viventes
e se deixa desesquecida

no coração de quem sente
 
 
V
 
 
Olinda não é porto é parto
e nem é perto, quando em barco
se escreve no mar como um salto
e nem é longe mesmo
 ao largo

quando constrange a praia
com jeito de ancoradouro
de tudo que é exato
 
Olinda não é tanta 
é toda

e nem é limitada

pois existe um jeito de Olinda
nos palmos da madrugada 
em todo raio de lua
que no seu colo deságua
 
VI
 
 
nos Bultrins, quem sabe?

não se conte a alegria

que se desce assim do Amparo
rompendo o ventre do dia

pois se lhe ajeita um modo

de viver a serventia

que tem o cartório geral

dos sentimentos que alinha
 
nos Bultrins, quem sabe?
permaneça uma agonia

um tanto ou quê de provisória
que seus viventes presenciam
mas que traz uma nesga de riso
nas dobras urgentes do pranto
que escorre assim pelas ruas

com um jeito intenso de canto
 
nos Bultrins, a fantasia

é um sentimento inato
que recolhe no coração

a simplicidade do fato

de que o povo leva no peito
a a paciência e o trato
da força bruta das pedras
que lhe põem pelos sapatos
 
Nos Bultrins,

o tempo nem se apercebe
que bebe o peito do povo
numa proporção imatura

que faz um segundo ser tanto
no riso de quem lhe usa
 
nos Bultrins,

constantemente,

a vida se planta sem sementes
e sem orgulho

o povo se afirma
 no seu pulo
 
nos Bultrins

há um cheiro de cidade

que se pretende desurbana
campo que nem lhe cabe

pois trai um gesto cosmopolita
na sua ruralidade

fazenda de homens e meninos
trânsito da felicidade
 
nos Bultrins

a alegria se anuncia

nas letras do estandarte

que balança a vida do povo
numa tal intensidade

que chega a querer ser tanto
apesar do pouco que lhe cabe
 
Nos Bultrins,

há reis que nem sabem

dos reinos que ainda sentem
embutidos nas camisas

como uma máquina urgente
que pulsa o tempo e o homem
com a força do presente
 
nos Bultrins, quem sabe?
ainda existe a compreensão
da liberdade
 
 
VII
 
 
no Amparo

tudo desce

o tempo e a cidade

e a gente que lhe preenche
as veias lúdicas de pedra
que tapetes são do tempo
de quem ainda há de
 
no Amparo
a alegria se permite

habitar cada garganta

como um frevo ou uma frase
que contivesse palavras

futuros e lembranças
 
e nessa mistura

de verbos e sentimentos

o amparo se permite

afirmar o que se segue:

o Amparo é um estado

de insensatez da matéria

mas é dessa sem razão

que contém a simetria

dos gritos que a vida engendra
no cartório da alegria
 
no Amparo,

havido o carnaval,

o tempo não se conta
como um coisa precisa
é uma fração que se traz
no bolso da camisa

e que se espalha na rua
à medida que o frevo atua
e espalha o resto da vida.
 
no Amparo,

finalmente,

nunca se acaba uma alegria  
Impunemente

pois o riso é interno

ao frevo que se sente.
 
VIII
 
Ouro Preto que lhe diga

os versos que desalinha

na pauta ingente dessas ruas
por que o povo caminha.
porque de ser desmedido
caiba-lhe a contrafação

de remar contra a corrente
nos rios do coração
 
Ouro Preto nem se ilude

com a textura do som

um frevo que inventa um povo
com um jeito de ser de novo
o inventor da manhã
 
Ouro Preto nem se apercebe
nas manhãs de carnaval

que a vida tornou-se um palco
de um teatro informal
que joga os medos da vida
no meio da avenida

nos passos de um frevo tal
 
que desmente até a cidade
naquilo que não contém

pois traz uma felicidade

que não pertence a ninguém
pertence ao passo do frevo
e àquilo que lhe convém.
 
IX
 
Até parece que o frevo
tricotando a solidão
inventa assim pelas pernas
as urgências da multidão.

De onde se conta da fruição do tempo na dosimetria da vida


trazia o tempo pendores
de ser assim tão decidido
que tramitasse a vida das pessoas
em quase todos os sentidos
é que de haver vivido em horas
não se contivesse em sujeitos
antes viesse atravessado
na franja incauta do peito
como uma bandeira desgarrada
nos mastros da fantasia
e a gente pensando que as noites
nunca pudessem ser dia
 
trazia o tempo madrugadas
enviesadas em cada travessia
como se os passos fossem degraus
de uma escada vazia
estendida assim sem horizontes
que não os da fala e os dos fatos
guardadas as proporções
de todos os fracassos
 
trazia o tempo agonias
na exata compleição dos atos
em que sangravam cidadãos
na canga incauta do trabalho
moídos assim pelas cidades
e em campos ultrajados
como se fossem peças
de todos os arados
 
trazia o tempo notícias
de minutos massacrados
como se a fome fosse razão
de exercícios e de enfados
espalhada assim pelo mundo
numa transversa paisagem
como se a vida nem fosse
uma intensa viagem
que corroesse os minutos
de quem a utilizasse
 
trazia o tempo espaços
jungidos à sua face
como se horas fossem iguarias
que se consome aos pedaços
construindo todos um sítio
em que todos morassem
nos espaços de um modo
que a vida se abraçasse
 
trazia o tempo indícios
de que jazia impunemente
em todas as dobras da luta
a que o homem se consente
como se fosse bandeira
hasteada adredemente
no coração de quem ama
sua vida e os viventes
 
trazia o tempo conteúdos
postos assim à vertente
de tudo por que se luta
 nas coisas do presente
como se passados fossem lupas
de um olhar diferente
inventando quase o futuro
nas esquinas da gente
 
trazia o tempo formas
singradas pela visão
como se fossem normas
que se prestassem à ação
de quem constrói essas dobras
que a vida dá na razão
naqueles que ainda lutam
mesmo postos no chão
 
trazia o tempo sonhos
marcados pela alegria
de quem dorme acordado
escanchado na agonia
da multidão de desejos
nos ombros de quem ardia
 
trazia o tempo reflexos
de um tempo mais passado
que subtraia os futuros
pela força dos arados
como quem planta um jeito
de mascarar os enfados
 
trazia o tempo demoras
nas correntezas da vida
como se fosse um rio
que parecesse avenida
por onde correm as águas
de cachoeiras  infindas
 
trazia o tempo saudades
de futuros impossíveis
construído de passados
e presentes presumidos
como se fora  um destempo
das sinergias dos gritos
 
trazia o tempo futuros
pelo vão de suas horas
como um presente farto
de insípidas demoras
e fluía quase urgente
nas costas da esperança
como se vive-lo fosse jeito
de tê-lo na lembrança.

Do caminhar murado do futuro


os muros da pátria
fogem da alvenaria
nos gritos insones
que lançam nos dias
assim como um discurso
das pedras que alinha

a pátria murada
na sanha fascista
regurgita o povo
pelas avenidas
até que o futuro entorne
suas léguas de vida.

Dos cálculos de mim em rasa adição


na matemática de mim
já multiplico
tudo que divido
é meu ofício
sou a equação informe
dos cálculos que vivo
 
nenhum algoritmo subverte
os quocientes que permito.

dos males em trânsito


o mal
é só um bem
que teima em não sê-lo
fora só um mal
não poderia cabê-lo
na estreiteza do gesto
de fazê-lo
 
o bem é só um jeito
de contê-lo.

Itinerário frequente


A Rogério Benevides e Bebeto, in memoriam
 
 
Nem a bruta pedra
resvalará em nosso medo
quando a vida se tem a custo
e não se custa aquilo que é tão cedo
 
por certo que abismos fruiremos
no estranho equilíbrio que nos tenha
e velejaremos pelo vão da vida
na exata proporção que nos convenha
 
mas nem civis
nos restaremos ainda sãos
a não ser nos bolsos da memória
onde se guardam cidadãos
e, assim, inconsumidos
na competência farta da gente
ainda restarão pequeno dotes
para se sentirem quando ausentes
 
e nessa surda inequação
tão imatemática e fugaz
a vida é sempre rumo
de se seguir, e sempre e mais.

Paisagens, janelas e viventes


No ombro das janelas
como uma bandeira
repousa qualquer pátria
nos olhos e nas veias
 
janelas e viventes
apenas comentam pela tarde
aquilo que das ruas
aos poucos nos invade
 
homens e janelas
também fingem as paisagens.

Pequena alegoria de capitalista trama


a bolsa
sem valores
desagua no povo
suas dores
 
e a multidão
desarma
os cifrões da vida
pela alma

Poema ambiental


Toda árvore
acima de tudo
é uma bandeira hasteada
no peito urgente do mundo
 
e assim tremulando
é uma cachoeira latente
que inventa a vida do povo
nos pulnões que se consentem
em ser fábricas de risos
nas matas todas da gente
 
toda árvore, em suma,
é uma súmula cogente.

Poema ao Camarada Armando Aranha


não é de tê-las, camarada,

as razões, assim à pulso,
porquanto não vivê-las,

fosse a emoção melhor de uso,
sob os céus de Caracas
inventando com o povo
o gesto básico da vida
que é criar o novo;
 
não é de tê-las, camarada,

as contradições, quase à deriva,
no mar insurgente dessas gentes
que teimam em construir a vida;
 
não é de tê-las, camarada,

as soluções, assim tão postas,
porquanto a prática é itinerário
de quem se mostra;
 
não é de tê-la, camarada,

a revolução, assim à gotas,

porquanto a liberdade é tanta

que apenas lutá-la é quase pouco
quando se tem no coração, como no teu,
a permanência do povo
 
ainda bem, camarada,

que mesmo ausente,

ainda tens na tua saudade

um largo quê de presente;

por isso ainda sobras pelo mundo

com a certeza da vontade e da urgência
da vida que cumpristes ainda jovem
na proporção de tua coerência.

Verbos de interjeição da vida


À natureza
dá-se o desplante
de ver hipotecados
seus horizontes
 
a terra sangra
a longo curso
o sangue canalha
dos parasitas do lucro
 
e o mundo caminha tardio
nos ombros do absurdo.

Verso a meu pai e sua constância


Habitante agora de mim
meu pai dá-se a jardineiro
que semeia saudades
nas ruas inteiras do meu peito
 
e é de ver-lhe assim
transgredindo normas
e alinhavando poemas
nos decretos da alma
 
é que morrer nem sempre
é o que a vida informa
há  muitas léguas de todos
depois da última história.

Versos a meu pai


de onde você não estiver

eu me comprazo

em ser apenas o contraponto
do que me cala
 
de onde a vida me bastar
eu morra urgentemente
nas fibras do que não pude
me dizer no teu presente
 

À guisa de mote


É preciso dizer a todos dessa vida

a comunhão que tudo alavanca

e espalhar pelo povo a esperança

nas praças, vielas e avenidas

como se fosse assim uma cantiga

dos desejos que teimamos em criar

nas estradas que sonhamos ao amar

com a força secular de nossa raça

cantando e dançando pelas praças

cantando com o banjo na beira do mar.



Cordel da impaciência


Quelé, Clementino,
onde vais nesta hora?
Vou com João, com Severino,
vou com Penha, vou com Dora
forjar um novo destino
no espinhaço da história

levo a faca
levo a fome
levo a morte 
e o talvez
trançados na minha sorte
que, por sorte, rebelei
cansei de ser tão escravo
e, agora, ponho-me lei

nos caminhos desta vida
bati muita continência
hoje levo a paciência
pendida no meu facão
e tanto mais me digam sim
eu repetirei o não
que venha sempre comigo
esse desejo desse chão

Da africanidade, das imanências e das transcendências


a noite, amiúde,
traz dentro de mim
todos os dias
que eu pude
africano
a vida me completa
nas léguas todas da história
do sonho que me resta
e tenho-me à terra
como astronauta
e navego um cosmos
que me falta
ancestral
me desconvoco
das atualidades
do que posso
e subo aos céus
do que acredito
com a certeza exata
do infinito.

Das andaduras e intimidades do tempo


caminho simplesmente
a vida é a estrada
tudo que lhe tange
é meu passo e minha fala
 
o outro é o caminho
que inventa meu andar
como se fora bússola
de todos os meus mares
 
minha direção é o tempo
nas horas dos meus passos
o futuro é apenas o invólucro
de todos os meus abraços

Das mortes que vivo


sempre que morro
teço a vida
eis a consistência
de estar vivo

nos verbos e na carne
assim resumido
tudo se restringe
a esse ambíguo:
a morte é um jeito
de construir sentidos

a dialética de mim
é este armistício 

De critérios e formas


dê-se ao tempo
a contradição
de parecer-se um sim, mesmo não
 
dê-se à vida
a compreensão
de parecer avante, mesmo em vão
 
dê-se ao homem
a condição
de inventar-se humano na razão

De olhos e tempos em trânsito


olhar o tempo

sempre tange

tudo que é de nós
e que está longe

é que cabe ao homem
olhar com olhos de hoje
o que fora ontem
e descontruir os futuros
de tudo que lhe constrange

discurso em andante compasso


haverá manhãs

em que meu pai me faltará
e eu, jogando à vida,
inventarei as tardes

em que ele esteja
 
haverá manhãs

em que me faltarei

e caminharei pelas noites
como um falido vagalume
 
haverá manhãs

em que as manhãs faltarão

e os homens caminharão sem tempo
pelos sovacos do mundo
 
haverá espaços

em que as noites faltarão

e a estrela da manhã
adormecerá encoberta

nas dobras do teu vestido de tule
 
haverá corações
engordurados

e a estranha sensação
de vãos pecados
 
haverá razões
desencontradas

e a urgente razão
dos astronautas
 
haverá senões

em cada face

e haverá um verbo
que me baste
 
haverá um caos

em cada esforço

e o exato ângulo do peito
em que me morro
 
haverá vontades

que não se aprestem
a remoer os fatos
através dos séculos
 
haverá soluções

de problemas não postos

e uma leve fímbria de tarde
em cada nesga de remorso
 
haverá manhãs

em que meu pai me faltará
e eu amolgarei os tempos
em que ele estivesse
 
haverá desusos
frequentemente

e a leve compreensão
do que se sente
 
haverá multidões

que se farão sozinhas

e canções de mil invernos
nas esquinas dos dias

Dissertação pronominal à liberdade


não vá de hoje a liberdade

como pássara em vão do desatino
construir andaimes pela alma
como se fora posta em desalinho
 
mas é de tê-la assim constante
nessa latência de fato do destino
que nunca se arvora em substância
sem que para tanto flua o raciocínio
 
pois de engenho tal é tanto feita

que pulsa escondida em cada veia

e nunca está à mão quando se apresta
em ser fibra de cada descaminho
 
é preciso pois compreendê-la
na latitude exata da manhã

e resumi-la à fração do peito
adequado à pulso em cada vão
 
que se mais não tem que vê-la

é cometê-la assim impunemente
e consumi-la quase tanta

como se fora quase uma razão
consumida em adrede esperança
 
e é querê-la vasta
quando mínima

e é querê-la justa
quando indigna
 
e é de querê-la aos sábados
quando em terças

e é querê-la manhã

quando adormeça
 
que se mais não tem que havê-la
é esperança-la nas esquinas

e construir-lhe andaime vasto
que lhe caiba em todo desatino
e que se queira assim tão franca

com esse jeito infante de estrada

por onde caminham todos os homens
construindo a infinita madrugada.
 

Do infinito e seus alinhamentos


O infinito
nem começa
nem termina
o olho só perscruta
suas esquinas.
 
O cérebro, viajante,
é que determina
todas as ruas do mundo
e o trânsito das vias
e as repousa no dizer dos verbos
que adredemente alinha.

Mãe


minha mãe
tem caminhos
por onde ando displicente
como se fosse uma romaria
de passados e presentes
jogados no coração
assim tão constantemente 
como a razão do amor
que cai dos olhos da gente

Ode aos 31 anos


numa tarde precoce
dessas que se embainham no peito
bebi um gole de mim mesmo
e me entrancei com a vida
trouxe-me mais ao mundo
do que mesmo para comigo
(vã a tentativa de me morrer mais vário
na singularidade coletiva do exercício)
e me vivi tres vezes
em cada músculo que compunha
dedos e ócios
e os ossos do ofício da alegria
e fingi-me solerte
franzindo o juízo
na similitude inequívoca
das grandes sanguessugas
e rompi as manchas da vida
com meu punhal de risos
e amanheci todas as vezes
em que me tive
suicidei minha agonia
com o manejo intacto
dos menores vaticínios
rasas as dessemelhanças
no meu peito de assassino
e enchi-me de mim
nas noites mais plásticas
em que a cabeça tenta um salto
e o sonho nem desmaia

Pequena digressão militante


seja do povo
e da revolução
o cartório preventivo
da nação
 
é que a história
sempre tramita
entre os gritos do povo
a esperança, a luta e a vida.

Pequeno versejar sobre o fascismo em panfletária forma


em decúbito
o ódio esmaga o discurso
como se fora bólide do susto
 
o desespero da razão
é só o ritmo
de quem perdeu em vão
o humano indício
 
o fascismo
é só um grito
da podridão urgente
de neurônios vencidos
 
mas há que o povo tê-lo em rédeas
e tangê-lo fartamente ao abismo.

poema do amor provecto


a Lane Pordeus
 
meu amor
é avesso ao tempo
tudo que lhe mede
é invento
da razão de tê-la
cerzida, assim,
às alegrias todas
do que penso
 
meu amor
é um grande comício
de todos os tempos que ouso
nos ombros dos sentidos.

Transeunte da vida


E no avesso da alma
assim meio escondido
o tempo abre um espaço
do tamanho do infinito
para inventar as delícias
de navegar os sentidos.

a bailarina em razões urgentes


o peito
sonha a pauta
como um dó
de lata
que cortasse a carne
e a máquina
como mágoa
e que se dissesse engenheira
de todo palco
e de toda brincadeira

o pé sonha o palco
como nuvem e graça
que pulsasse o salto
como lágrima
e que remisse os pecados
de quem passa

a bailarina
nem ensina
o palco que carrega
nas pupilas
apenas enseja
um certo destemor
pelo vão da vida

Da ilha e seus limites


Cuba é só um jeito
de trazer a liberdade
dentro do peito
é que trazê-la assim
nesse avarandado
ressoa no tempo
como um grave salto
que a vida dá, quase sempre,
quando a história inventa
em ser do povo um espaço
que convenha

Cuba é ilha e olho
assim atravessada
na face impotente
dos canalhas

Ilha
basta-se limítrofe
de todas as liberdades
que estejam em riste





Da passeata no vão da crise


A luta bruta sua a praça
com suores e verbos,
andarilhos e astronautas
montados no sonho urgente
de abraçar a pátria
 
a luta consome
as léguas de povo
que adredemente prolata
costurando os verbos da vida
no peito infante da massa
 
e o grito da multidão
ecoando pelas marquises
é a construção escalonada
das arquiteturas da crise.

Da vida e homem


A vida é piracema desregrada
em rios de tão vasta andadura
que é preciso tê-los quase à pulso
nas dimensões de sua escravatura
 
porque ao homem cabe o exercício
de amoldar-se à condição de pedra
quando não mais lhe ature a razão
de se compreender somente em guerra
 
e é difícil vive-la assim à muque
e constragê-la a inventar a tarde
quando a noite inventa os seus ossos
apartada do vão da liberdade.

das direções e dos tempos


a vida

é meu guia

em tudo que intenta

e nem por tê-la avara

nos desvãos da consciência
possa merecê-la intacta

como me convenha

é que lhe sobra uma incerteza
que em tudo se completa

por não dizê-la inteira

nos pedaços em que gesta
 
a vida

é meu guia

em todos meus meandros
e nem por tê-la clara

da cor dos meus enfados
possa dizê-la segredo

de tudo que declaro
 
a vida

é meu guia

em todos meus destempos
é que lhe sobra espaço

a cada vão momento

para apenas parecer intacta
nos descaminhos que tenho
 
a vida

é meu guia

mesmo nas demoras

é que sempre há um tempo
de sonhar as horas

e permanecer sonhando
em todas as portas
 
a vida

é meu guia

no riso que prolato
sentença que seja tanta

do tamanho do abraço

que o mundo teima em dar
em quem lhe baste
 
a vida
é meu guia

no tamanho das perdas

pois não há como medi-las

sem vivê-las

nos metros de quem se acha pouco
no rumo de entendê-las
 
a vida

é meu guia

em todos os meus medos

e é de tê-los todos

pelas pontas dos dedos

como as teclas de um piano
em que se toca nosso enredo.

das prostitutas prontidões


a mulher
era uma rosa escancarada
tudo que não era dia
estava

pela calçada
a bolsa girava
como gira a vida
e nada

o tempo só vestia a lua
para espantar as urgências
da rua
o verbo era só acinte
dos que habitam a vida
como síndicos
dos condomínios frugais
do urbano labirinto
e sonolenta e faminta
assim escancarada
a mulher era apenas um anúncio
da madrugada

Dos alinhavos da vida


que aquilo que alinhavo pela vida
na extensão inteira do seu curso
possa dizer exatamente tanto
quanto de verbo tenha o discurso
 
pois por te-la assim sob medida
em todos os seus vãos desenfreada
admita a hipótese de morrê-la
com a certeza de todas as estradas
 
é que o vão de te-la assim disposta
é um terçar de armas diuturno
em que o braço quase sempre tenta
atravessar o vão do seu discurso
 
e a meta de vivê-la fartamente
nos contornos mais simples da vontade
é quase um exercício dos abraços
nas avenidas do país que se abrace
 
e assim caminhem verbo e vida
pelas estradas grávidas do povo
construindo o futuro que vigia
a plenitude de tudo que é novo.

Dos alvoroços públicos e privadas doações


no alvoroço da história
nos ombros das avenidas
do gosto assim do futuro
o povo inventa a vida
 
e nesse roldão exato
que se avoluma no peito
o sonho vira um fato
na amplidão do seu jeito
 
e a ninguém é dada a razão
de não se dar por inteiro.

Dos trânsitos da vida


A prostituta
instaura o trânsito
em suas curvas
tráfego de gente
e de culpas
 
jangadas de um amor baldio
navegam  sua luta.

Ode aos meus possíveis


Meus complexos
não os meço
melhor cabe-los todos
no meu verso
 
e sempre os trago
à algibeira
guardados inúteis
como brincadeira
 
e mesmo que a noite
os entenda
eu os deixo pela madrugada
pendurados numa alma
que me contenha.

Odes africanas


Primeiro
a noite noticia
a pela negra do homem
que por ser noite
amanhecia
 
não lhe vai na alma
qualquer desmedida
tudo é exato na manhã
em que nascia
 
e as sinapses
que em si vigiam
cobriam o dia de uma razão
que nem sabiam
porque o futuro resguardava
um tempo de vigília
 
era um princípio
que nem sabia
que a pela negra do homem
era uma estranha serventia
de cobrir de noite a razão
que em cada um vivia,
 
II
 
O continente contém mais do que a si
pois de sua soma assim desregulada
inventam-se todas as cores
de uma cabal desnatureza
manhã que nem seja tanta
como tão pouca é a certeza
a terra carrega em cada útero
uma rebelião tão incontida
que explode na cara dos afetos
na plástica feição de uma guerrilha
 
o grito simula uma nação
que fosse assim compreendida
entre o que falta para ser repente
e o que sobra da urgente revelia
 
III
 
 
África seja apenas o batismo
de quem nasceu desmedida
de ser uma noite desgarrada
do tamanho de todas essas vidas
 
África seja o desconforto
que habita cada sentimento
de sentir que homens não são estrelas
que possam estar sob moendas
por fluírem num céu tão mais pacato
que a maioria de todos os firmamentos
 
África seja indizível
pelo futuro que cogita
e que vive entranhado
em todas as raízes
as da terra como prenúncio
as do homem como matrizes
de uma vida tão larga
como vasta é a consciência
de quem mesmo sendo noite
carrega o dia na paciência

poema à vagina de minha bisavó


nem só na carne
há de viver em mim
o jeito mais urgente
que, em súbita descida,
pousou irremediavelmente
nos ombros da minha vida

minha bisavó
de vagina em punho
guardou todas as felicidades
e uma ternura incauta
de jogar sua carne pelo mundo
e, mulher, dizer-se operária
a construir estranhos edifícios
nos andaimes da alma

minha bisavó
talvez por desfastio
era um mar enviesado
fantasiado de rio

nada do que lhe nadasse
deixava de ser sentido

Poema ao povo das cores


Grávida
a África escancara
todas as cores
em que se espalha
nada do que lhe é tanto
se compara
aos infinitos que joga
pela nossa cara

Poema de maternal instância


minha mãe
tem caminhos
por onde ando displicente
como se fosse uma romaria
de passados e presentes
jogados no coração
assim tão constantemente
como a razão do amor
que cai dos olhos da gente.

circunlóquio quarentenial


na pandemia
passeio em mim
todos os dias

andarilho
traço em mim
todos os trilhos

das ferrovias que posso
e das que não desisto.

Das estradas do meu país


A estrada adivinhava
no seu lúdico curso
os passos de quem viaja
com a certeza do discurso
é que o povo que lhe caminha
tem um jeito do futuro.

Das margens de mim


das manhãs que eu não tenha
seja o tempo inconsumido
como as razões que me tenham
nos ombros dos sentidos
 
é que sentir é só um jeito
de viver as razões que nem pressinto
é como lavar os pensamentos
na torneira informal dos instintos

Das ranhuras de tudo


A vida
é uma morte invertida
tudo que em uma sobra
na outra é mantida
 
é que não há condição
de tê-las divididas
tudo que em uma medra
na outra é desmedida
 
a síntese de todas
é a própria vida
uma morte paulatina
quase consentida.

Das razões coletivas e instrumental vigente


Privada, a propriedade
parasita as ruas da cidade
urbano acinte e açoite
a quem trabalhe
 
privado, o latifúndio
parasita a natureza
montado no mundo
 
e o trabalho do povo
é o fórceps de tudo.

das vertentes democráticas e outros desígnios


ao homem

dê-se a impressão

da controvérsia do fato
e da inconstância do não
 
ao homem

dê-se a completude
de que se subtraia
cada atitude
 
ao homem

dê-se a ilusão

de que habita a si
em todos os desvãos
 
ao homem

dê-se o comprimento

das léguas todas de si

e da andadura dos ventos
 
ao homem

dê-se a contradição
de parecer-se um sim
mesmo não
 
ao homem

dê-se o descaso

de perder-se pelo tempo
em cada passo
 
ao homem

dê-se a andadura
de um bólide avesso
a desventuras
 
ao homem

dê-se a constância
de parecer-se líquido
em cada esperança
 
ao homem

dê-se o fim

de construir todos os inícios
em todos os confins

e que a tanto
se diga mais pacato
tanto mais medre a paz
em sobressaltos

ainda que sobrem passos
nas solas dos sapatos
 

ode a minha mulher por culpa do seu não aniversário


rosas serão muitas
as que nunca porei
na tua nuca
 
rosas serão tantas

as que engolirei em ti

nas artimanhas da lembrança
 
flores serão todas

de tudo que eu plantar em mim
no jardim de tua boca

Ode às ovelhas da pátria


Vazia

a ovelha se anuncia

e quase humana
bebe a mídia

é que lhe falta pensar
no meio da notícia.
 
Adrede

a mídia espalha

aquilo que a ovelha

diz navalha

e corta seu coração
numa pretensa batalha.
 
sem saber que não sabe
 a ovelha raciocina

com o neurônio alheio
de sua sina.
 

Palavras ao Camarada Maia no fragor da luta


Quantos vulcões
restarão na tua boca
que ainda cuspiremos a vida
em tão extremo desconforto?
 
assim renhido
na batalha tanta
quem adivinhar te possa
a esperança?
 
és um inifinitivo
que ninguém alcança
convulsa a realidade
enrolada em suas tranças.

pequena ilustração da luta


a vida, assim, fluirá adredemente
pelo curso que se forje como rumo
e inventará os nuncas e os sempres
que determinam a vigência do seu prumo.
 
e na indizivel dialética do que cria
prescindirá, muitas vezes, da presença
dos cabrestos que o tempo anuncia
naqueles que não a tangem nas ausências.
 
e nesse dar-se às necessidades do dia
inventando noites nos ombros da madrugada
lavre um tempo grávido das asas da alegria
escoltando seu prazer pelas calçadas.
 
 
e como um navio adernado na esperança
construa o seu riso mais exato
e diga de todos a vida que se trança
nas larguras da luta que se faça

Verbo intimorato


Palavras – quem as digam?
Com a certeza do sempre e a inconstância da vida.
Quem as oprimam, para que assim,
constrangidas, possam chegar aos homens
com a força da vida?
Quem as arrumem no vão do armário geral das avenidas?
Quem as construam em praças, as de pedra e as da lida?
Quem as coincidam com a esperteza do tempo
e a informalidade dos bolsos das camisas?
Palavras sempre serão tantas,
Aquelas não ditas e as ditas apenas na garganta
que nem chegam a molhar as ruas em que se dança.
É certo que as temos na potencialidade dos neurônios
no exímio processo das sinapses
e na ingênua fatuidade dos enganos
mas, quase sempre, as soltamos com a força de uma catarata
que nunca está, realmente, onde nós estamos.

Vigência


no meio de mim,
impunemente,
tudo é sempre.

vigílias em tempo


ao tempo

dê-se a vazão

de rio caudaloso

e procissão

pois em sê-lo assim

tão transeunte

nada se lhe acrescente

do que não resuma

pois de tê-lo restrito
mesmo na amplidão

é como tê-lo quase infinito
na palma de cada mão
 
ao tempo

dê-se a contradita

de parecer-se volátil
mesmo definitivo

porque em sê-lo frequente
tenha-se como desuso

de tudo que a razão
cobrar-lhe custo
 
ao tempo dê-se a impressão
de uma inércia voraz

tudo que lhe consome

é sempre um menos a mais
porque inconsútil
tenha-se mais a prazo
como prestação do homem
a tudo que lhe compraz
 
ao tempo

dê-se a suficiência

de ser espaço invertido
tudo que lhe ocupa

é infinito
 
ao tempo

dê-se a raridade

de parecer-se incomum
como a felicidade

pois não lhe trai a feição
o parecer-se pacato
pendurado nos ponteiros
da nossa ansiedade
 
ao tempo

dê-se a segurança

de esparramar-se a miúde
como torneira de mim

e tudo aquilo que pude

é que lhe falta a parcimônia
das pacatas atitudes

tudo que lhe tange é tanto
tudo que lhe punge é tudo
 
ao tempo dê-se a complexidade

de não se parecer matemático

nos algarismo que invade

pois em números não se quantifique
assim em cursos frequentes
quando na razão de nós mesmos
houver um tempo diferente
 
é que ao tempo

não importa

os franzidos do coração

e as pátrias todas da vida
mas a simples constatação
de que é um curso adrede
quando se tem a razão
como uma emoção diferente
da força de cada mão.

Canção dos heróis assassinados


ora joões
ora severinos
construiam essa manhã que hoje
rondam o Brasil como destino
tinham várias faces
mas um só sentido
o de beber a pátria a cada gole
ou de beber no povo seu partido

ora joões
ora severinos e augustos
traziam o futuro embrulhado
na ponta de seus discursos
e teciam a revolução
como uma grande bolandeira
atravessada nos peitos do Brasil
como oficina de uma vida inteira

eram joões
ora severinos disfarçados
na grávida noite de amor
da clandestinidade

e foram subtraídos
na moenda da tortura
e seus verbos fizeram-se sangue
e seus risos engoliram murros
foram eletrocutados
e vazados em cada poro
e morreram léguas de mortes
e viveram quilos de nojo

oram joões
oram severinos
a oração precisa
que canta nos quilometros da pátria
que nunca mataram esses Lamarcas
e Marighellas, e Capivaras, 
e Davis e Honestinos
eles vivem na aurora exata
em que o braço do povo em riste
arranca do útero da América
o futuro Brasil socialista.

Da ordem e dos desapegos


chefe de mim
desobedeço
as ordens que dito
a cada medo
 
é que a luta
é um vão
de inventar
tudo que devo
 
o dever é enfeite
do humano enredo

Das ânsias militantes pelo futuro


a ânsia estratégica
de punir a tática
é quase uma lembrança
de uma distância imaginária
é que o final da luta
é um caminho largo
nada do que lhe tanja
pode ser pulado.

Das contrarazões da crise


penso,
logo insisto
a consciência do mundo
é um enorme precipício
caber a razão é um jogo
de descaber o infinito
 
a crise é só um arremate
da matéria em seu ofício.

Das culpas pandêmicas do lucro


a terra e os homens,
assim como de repente,
respiram as culpas orquestradas
monetariamente
 
adredemente conjugados
humanos não pressentem
que a terra não é um cifrão
de contabilidade urgente
 
a terra é só o colchão
dos futuros todos da gente.

das impossibilidades do tudo


eu só sou
se puder não sê-lo
é que só cabe em mim
a possibilidade de fazê-lo
nada do que é absoluto
me permite vivê-lo
na relatividade intrinseca
dos meus medos.

Das medidas da esperança e sua face material


guerrilheiro de mim
jogo-me na tática
de espantar o futuro
pelos ombros da prática

e nesse mister
de constranger a lógica
deixo-me janela
de todas minhas portas

é que a esperança no tempo
é um dos exercícios da vitória.

Das velas de mim em teu encalço


Dos mares que velejo 
perdido assim em teu abraço
tolerarei as ondas que não meça
dividirei os tempos que não possa
porque de nada-los a cada passo
do que eu consiga em teu encalço
deixe-me restar infinito em tua graça
profundamente livre de mim mesmo

De gestos pátrios e efemérides outras


a emoção preside
tudo quanto a vida
diz em riste
 
e não se arvora em calma
mesmo o coração tranquilo
por merecer-se norma

de profundo desatino
 
que não se diz dos homens
quando em verbo

que não se quer das coisas
quando em verso
 
pois parecer-se a tal

talvez convenha

a quem em verso tenha n'alma
a compleição de tal problema
 
da pátria
 resta apenas

um vago bemol de hino

e uma nesga de bandeira

que verdeamarelece o desatino
 
o raciocínio não medra
quando em bruta fome aporta
a sofreguidão das pedras
e a palidez das portas

 
e vige o latente

com definitiva pose

como se fora definitivo

o que não houve
 
 
e rói o peito da pátria

a pan-nacional sentença
de que cada nação
 é instante

da indefinitiva
 hora da consciência
 
depende o coração

de brasileiras fomes

que pulsam a inconsciência

e desconstroem o homem
 
a pátria é a ciência
de que o mundo
 é um só mundo
mesmo que no peito de cada
seja quase tudo
 
e o  homem

nem sentia
que a pátria se restringe
ao que em si vigia
 
desculpem-me os filhos
mas nem se sabia

que compreender a pátria
assim doía
 
minha pátria viralata

quase não se diz na prática
porque tê-la como amada
é quase uma fração desordenada

em que o homem 
é numerador
e denominador de nada.

De ser como aparente não


o que faço
não desato
para ter-me na notícia
do que acho
 
o que faço
é apenas fato
de consumir a razão
por que me abraço
 
o que faço
não ilude
tudo que a aparência
me desuse
 
o que faço
é, finalmente,
essa parte de mim
que me repete e sente
com a consciência nas mãos
e a alma nos dentes.

De terras de onde vier, quem virá?


das terras de onde não venho
nem o medo me acontece
pois tudo que me é outro
ainda assim me parece
como as luas que invento

e que se põem no meu tempo
 
das terras de onde não venho
melhor deixar-me alheio

que navegar nesse vau

de rios que me concedo
em que a correnteza nem teima
em lavar-me do meu medo
 
das terras de onde não venho
a poesia não medra

como o mel inconsumível

que brota de toda pedra
e que descompassa o coração
com a insistência da guerra
 
das terras de onde não venho
melhor fincar-se a bandeira
no espaço da consciência

em que drapeja a centelha
do tanto que seja o sonho
de tudo que não se queira
 
das terras de onde não venho
o outro me aconselha

a ver em tudo só terra

de uma mesma bandeira
que escorrega pela alma
e o coração incendeia
 
das terras de onde não venho
proceda meu coração

com a certeza do rumo

de um país temporão
que teima em ser usina
de fabricar solidão
 
das terras de onde não venho
tenha-se enfim a certeza

de que nem sempre me é estranho
o descaso da natureza

que meu peito teima em conceber
apesar de uma vã incerteza
 
II
 
outro

a terra

o bruto

grito e guerra

de tudo que não sou
e pedra
 
outro

eu
 incorre
e torna-se em mim
e morre
como se não estranhas fossem
a posse e a morte
 
outro

sou eu

e como eu divirjo
da consciência
que não outro
nem duvido
 
outro

sou eu

pelas calçadas

das ruas

em que me abraço
 
outro

sou eu

pelos destinos

em que nem caibo
 
outro

sou eu

pelo desuso
das almas
 
outro

sou eu

a tanto custo
pelo que
 sou eu

e luto.
 
III
 
das terras de onde venho
invento a compreensão

que outras terras dizem de todos
e tão assim servirão
que nas dobras do futuro
de uns e outros serão
 
as terras de onde venho
sempre em mim caberão
apesar de sobrarem fartas
na simples sem razão
de ser uma pátria só
quando todas já nem são
 
pois a pátria do homem
é sempre o coletivo

não a terra que lhe cabe
como espaço restrito
é antes a compreensão
de que as pátrias acabam
e só indicam a verdade
de que apenas habitam, no homem,
a carteira de identidade.

Desmedida II


não é de ser absoluta

a parte que se tenha infinita

antes é de tê-la provisória
coincidente ao modo de uma luta
travada sempre entre o um e o todo
e tudo que equilibra essa disputa
 
não é de ser também restrita

a parte que se tenha assim medida
antes é de tê-la infinita

avara, porque inconseqüente,

no rol de suas desmedidas.

Dizeres em conflituosa rima


averbo-me de triste
quando a pátria exige
verdade que nem tanta
esteja sempre em riste
pois é melhor dizer-me vário

em pauta de tudo que me puno
na moenda inteira do que devo
na consciência exata do que uno
 
viver sem pátria
é tanger o mundo.

Do coletivo gosto das caminhadas


panorâmicos,
nada nos convoca
a termo-nos pelas janelas
sem derrubarmos as portas

coletivos,
nada nos importa
senão o sonho conjunto
de construir livres normas

a vida é só a grande passeata
das liberdades que afloram.

do poema em transversal distrato


o poema em si
é quase nada
é um pretenso fato
montado nas palavras

e no entanto
o poema fala
na vastidão do homem
a todos os cordões da alma

é que a matéria,
quando está em si, desanda
e chega a sentir no verbo
tudo que se ama

Dos dizeres do porvir em rasa cena


O futuro não é um tempo
é quase um rescaldo
daquilo que sobrou
do jeito do passado

e no tanger que damos
à sua infinita estrada
é só encontrar as palavras
que digitamos pela alma. 

Dos eflúvios recorrentes da luta


de novo o tempo
será do povo
ainda que as horas
perdurem baldias pela memória
 
nada que tanja a vida
engravida sem a história
ao homem cabe apenas fazê-la
apesar das demoras.

Dos reversos tempos do amor


a noite partiu
dos olhos da amada
e deixou-se derramar
como madrugada

o tempo
embutiu seu enredo
e espalhou-se infinito
pelo vão dos dedos

nos edredons do abraço
o amor pousou inteiro

Laços temporais e minudências


O homem dá-se ao tempo
com a sofreguidão incauta
de quem maneja uma teoria
ausente da prática

ruminante das horas
nem vê que o passado
é um futuro de ontens
transeuntes e desavisados

a idade é um velocímetro
de todos os seus laços
como cabê-la nos ombros
como algoritmo largo?

Olinda em frevo andante


O frevo assim compassado
nos ombros da avenida
é como se fosse um recado
escrito no vão da vida
os pés se inventam pássaros
voando nos sustenidos
como se fosse um abraço
no coração de Olinda

e o povo constrói um riso
na mais profunda certeza
de que o frevo é só um jeito
de espantar a tristeza
escrevendo com as pernas
os infinitos que queira.

Oratória empedernida


É que no curso da fala
o tempo se espreguiça
e tange os rumos do verbo
pelos descampados da vida.

Paisagem nordestina em trânsito


e dos ombros de Pernambuco
assim deitado no vento
o infinito dá um jeito
de abraçar-se com o tempo

Poema paisagem


pelo azul
de mar em tanto
a jangada escreve
o vento e a vida
como se fora um verso
de todas as partidas
e os encontros
que a vela alinhava
permanece no ilimite
de quem nem sonhava
impunemente
como se fora valsa
a jangada dança um mar
que nem declara
apenas lhe resta o caminho
e a necessidade avara
de ser porto admissível
de todas as palavras
à contracorrente
como bandeira
de uma paz amanhecida
a jangada apenas espera
os horizontes que eu consiga.

Poeminha de tramitação compulsória


Há um dia claro
em cada futuro
é que ao homem cabe
em tudo
remeter seus autos
aos despachos do mundo.
 

quase soneto em raro desacordo


rosa que assim me faça destemido
em tê-la como flor tão fortemente
e que me seja tanto e mais sentida
que a dor de viver apenasmente

flor que me lembra incontrolado
nos obstáculos que tranço pela vida
e que me pulsam avulso pelo mundo
como trama de tudo que eu não digo

e que me conte assim pelas esquinas
navegante de mares e de rimas
como notícia de todo sentimento

e que me ponha no verso como n'alma
deslavado de tudo e tanta calma
inconstruído ainda em meu lamento

Rascunhos astrais


estrelas
são só um rabisco
entre mim e o infinito
 
melhor dizê-las astros
talvez dos sonhos
em que me abraço
 
é que vivê-las
é só um jeito
em que me traço.

Reminiscências do futuro


o futuro,
constantemente,
inventa minha saudade,
de repente
 
é como assim um desembrulhar
do sonho que se sente.

Da certeza de tudo


A possibilidade de tudo
nunca é definida
não há um tempo
que lhe caiba sob medida
para havê-la era preciso um metro
que contivesse todos os palmos da vida
e coubesse no desconforto
de não terem justas as desmedidas
nesse tempo inexato e incontido
de tudo que é infinito
 
a possibilidade é em tudo
apenas um jeito
de viver-se, assim, avulso

Da solidão em grave lema


Destravo a solidão
pelos caminhos
como quem soletra a vida
no desvão dos versos
é que me consola
a permanente desconstrução
dos velhos gestos
e a intemporalidade
das infindáveis manhãs
de todos os meus credos
 
destravo a solidão
como quem descobre
que a intimidade de mim
é um pássaro adrede
que se constrói por sobre os medos
e a infinita vontade de tê-los
 
destravo a solidão
na permanência intacta
de que todos meus complexos
morrem pelas praças
e na constatação de que a vida
nem sempre é matemática
antes sobre-lhe um jeito
de parecer-se tática
quando o avesso de mim
me desacata
 
destravo a solidão
em todas as desoras
pela simples compreensão
de que a vida não demora

Das certezas e das destemperanças


Tudo em nós
é flagrante:
a vida sempre teima
em ser avante.
 
Não que o sonho
não possa ser a gesta
de traçar um futuro
em que coubesse.
 
É que ao tempo
é dada a contradição
de parecer um sim
mesmo não.
 
É que se, às vezes, ao fim
desborda do sentimento
nada detém mais espaço
que os alvoroços do tempo.

Das intimações da alegria e seus mandamentos


fica decidido:

nada do que é humano
é menor
que um sorriso.
 
antes é tanto

em tamanho e gesta

como cachoeira itinerante
dos rios a que se empresta.
 
fica decidido:

nada do que é tanto

é maior que cada ofício
 
é que lhe tange

na urdidura do jeito

um construir-se do homem
na condição de sujeito
 
fica decidido:

tudo que é do homem
vale menos

que seu riso
 
é que lhe sobra a razão
de ser assim coletivo
como se fora de todos
a construção do sorriso
 
fica decidido:

tudo que é o outro

é a condição do meu ofício.

das quilometragens da vida


O tempo é apenas
um espaço enviesado
que se mede por horas
os metros do seu estado
com as fitas da memória
e as saudades no braço
 
O espaço é apenas
um tempo a desoras
que se mede nas léguas
dos enredos da história
com metros que nem cabem
nas paredes da memória
 
é que os quilometros da vida
são as estradas das horas.

das ruas de mim


único

tudo me define
outro
 
sou,

assim alheio,

tudo de mim mesmo
e pouco
 
é que me sobra

a compreensão

de parecer-me em vão
quando não pulsa

no cérebro

o coração.

das temporalidades e outros raciocínios


nunca

é um tempo escasso

tudo que lhe mede

é o desabraço

a vida nunca é nunca
apesar de tudo que me faça
 
sempre

é um tempo restrito

tudo que lhe mede

é a certeza dos instintos

a vida sempre é larga

nas palavras do que eu sinta.

De amores em circunlóquio


meu amor é público
como as ruas de leningrado
e nem é tão pouco
que não se diga largo
por cabe-lo tanto
en tudo que eu ajo
 
meu amor é geométrico
em progressão incauta
e tanto lhe faz ser bicho
como astronauta
 
meu amor é louco
pelo que lhe arma
e mais anda quando se infinita
com o que me sobra pela alma.

Desrazão


Minha razão
é quase um não
com um sim atravessado
é metro desconforme
é légua controlada
é fração informal
é infinito contado
e chove no meu juízo
como um rio ordenado
fluindo do seu mister
de ser riso encantado.

discurso da morte


o morto

navega quase impunemente
na balsa dos olhos

de quem sente
 
e trai um tempo

com jeito de arma
molhados passos e prantos
que se amontoam na alma
 
a carne

de dureza tanta
rasga o vão da vida
como uma lâmina
 
as mãos

dormem lânguidas
como pássaros inúteis
e sem dramas
 
o morto navega

ainda impunemente

a balsa do seu corpo
nos olhos dos presentes
 
rasga objetivo

a íris mais urgente

num rio de saudade

que se comprime nos dentes
 
sem vau

o morto bóia

os quilos de passado
nos ombros da memória
 
e do transeunte
portador da vida

salta um cheiro de dó
informalmente reprimido
 
a morte sempre esquece
de esquecer a vida

Do futuro e suas medições


meu horizonte

é do meu tamanho

tudo que lhe mede

são as réguas do meu sonho.
 
nada lhe traz assim

tão perdulário e conciso
quanto as vezes em que mede
todos meus infinitos
 
meu horizonte quase sempre
são os rumos que consigo.

Do Rio Sanhauá em rápida trama


Deitado no colo da terra
o Sanhauá é bandeira desfraldada
dos sonhos que a gente inventa
nas costas da madrugada.
 

Do sertão e das vivências da curva de quase um rio


Primeiro havia um tempo
de parecer-se à terra

e germinar sementes

tão impunemente
que os dias atravessavam
o tempo todo da gente
 
primeiro havia um espaço
de conformar-se à amplidão
e parecer-se a infinito

que coubesse na mão

como se fora tão pouca

a consistência do não
 
primeiro havia a conveniência
de parecer-se à contradição
que joga homens à terra

com a mesma sofreguidão
com que os ares encerram
sua constância de sertão
 
primeiro havia cidades
vazias de tal lembrança
como se cactos fossem
a sua desesperança
um invólucro informal

de aguda persistência

como uma lavratura inconteste
de sua impaciência
 
primeiro havia o aval

de toda sua urdidura

de terra em quase canal

de estranha tecitura

como se alinhavasse seu vau
na complacência das ruas

vias essas que ousam
parecer-se a andaduras

de homens passos que passam
em calcanhares e figuras

que posam a vida pelo tempo
com a parcimônia das luas
 
primeiro havia a vantagem
de homens sobre a vontade
de poucos que tiram a muitos
as nesgas dessas cidades
porque em tudo era o todos
de primazia escorreita
se não pela palavra

que em verbo ainda se luta
pela persistência do braço

e a consistência tão bruta
que leva o homem a viver
de causa sempre mais justa
 
primeiro era a intenção

de se fazer tão moderno

que coubesse na razão

como um sistema exato

que consumisse sempre o riso
do tamanho do seu abraço
e contivesse ao invés

de desmedidas e distratos
a aparência dos mares

e a suficiência dos fatos
 
primeiro era a digressão

de que o verbo é tão incauto
que às vezes morre na palavra
quando não intenta o salto

de tornar-se quase discurso
das urdiduras do dia
retratando quase o mundo
num tempo de alegria
 
primeiro era o sertão

posto assim em desfastio

com a mesma complacência
das curvas de qualquer rio
que teima em se dar ao mar
apesar dos desvarios

de andar pelas cidades
banhando pedras e gente
como se fosse em engenho
de construir todo vivente
coisa de nem ser liberto
porque liberdade não se sente
ou se vive pela alma

ou se cobra pelos dentes
 
primeiro era o sertão

em urgente serventia
completando cada homem
nas regras claras do dia
como se fazenda fosse

o peito de cada vivente
de uma lavoura tenaz

das coisas todas da gente
que se planta quando fala
e se fala quando sente
 
primeiro era a certeza

de que a terra desmente
quem lhe tem como estrada
de consumir adredemente

um pouco de quem quer que seja
na condição de presente
 
primeiro era a verdade

de que seu valor não é renda
que possa desembocar

no bolso de quem convenha
só pela propriedade

de toda e qualquer moenda
pois para tirar-lhe custo

em valor que nem lhe pese
seja presente em cada palmo
de seus leirões e aceiros

a insistência do braço

e a condição de sertanejo
 
construindo o que se planta
em sua face de fazenda
retrate o homem a pertença
de tudo que lhe atenha
pois terra se dê ao luxo
d
e transformar-se em beleza
inventando seus roçados

nos peitos da natureza
 
e siga sendo do homem
sempre sertão em desafio
como se fora um mar

que coubesse em cada rio
e desembocasse amiúde
no peito de cada filho

Do verso em razões


antigo
meu verso não diz mais
do que eu consigo
é que dizê-lo tanto
é mais indício
de que a palavra é sempre
um precipício
onde descambam verbos
e infinitos
 
contrito
meu verso nunca é mais
do que eu digo
é que lhe falta o jeito
e a prática
de ser mais explícito
coisa de ser palavra
que diga mais
do que é preciso
 
baldio
meu verso inaugura
espaços e tempos
e nem cuida
das permanências da vida
e das distâncias da rua
antes é mais avulso
que as primaveras
um tempo incontido
de descuidos e esperas
 
invicto
meu verso derrota
as mágoas que entorno
em minhas portas
como se fosse um vendaval
de verbos incontidos
que palmilhassem comigo
todos meus sentidos
 
transeunte
meu verso caminha
aos solavancos
como se fora um barco
num mar de espantos
navegante de si
adredemente se conjuga
aos gritos das praças
aos ruídos da luta
 
enfim,  meu verso nunca é mais
do que eu digo
é que palavras só viajam
na constância dos sentidos.

Dos mercados e sua gesta


O tempo
posto fora
afugenta o curso
da memória
 
a ânsia do ter
assim imposto como fardo
monta no ser
um desejo inventado
 
O shopping center
adredemente
é um curral de lucro ensaiado

Nascimento


deixo o líquido materno

com a mesma urdidura da vida
nada do que é interno

mais me externa em contradita
 
voo rastejando

como uma pipa inconstante
que teima em ser ave

de um mar ainda distante
 
vivo e já me combato

como um infnito medido

na constância exata da pauta
que coordena meus sentidos.

No amanhecer em tardes


E quando o sol amanhece
nas costas da terra dormida
o mundo acorda a preguiça
e a gente lembra da vida
 
E quando o sol se esconde
querendo brincar de tarde
a gente inventa uma noite
no meio dessa saudade.

Ode ao calcanhar


Hás de ter a brutalidade
e a delicadeza mais incauta
com que a vida fere, às vezes,
o peito urgente da patria
 
não por seres balsa
que amolgas o desencontro
e te tens a tanto curso
na pauta dos teus passos
na escravatura do teu uso
 
mas antes por seres pássaro
da exatidão dos músculos
que teimam a liberdade
apesar de tanto custo.

Odes humanas


o amor

que se pretenda

seja mais vário

do que entenda

as razões por que se quer
tudo aquilo que convenha
e que por ser tamanho
em restrição se tenha

de não contar-se tal

coisa de coração

jeito de moenda
 
o amor

que se pretenda

caminhe na proporção

em que seja

a pura compreensão de que se ama

e a exata compleição de quem deseja
e se tenha claro

na escuridão dos medos

e que se tenha pagão

na religião de seus segredos
 
o amor

que se pretenda

seja às vezes joão

apesar do anonimato

e que se tenha sempre à mão
no cartório geral

de quem se abraça.
 
 

palavras ao boi no ano da graça de 1988


assim em tua semelhança

eu possa pastar adredemente

os quilos de razão que nunca pude
e me restar tranquilo e tão somente
que sozinho, ás vezes, me desfaça
em ruminar a vida a tão confronto
que a luta me seja tão ardente
como se fora avessa ao desencontro
 
e não me iluda nas virginais pastagens
que as aparências iluminam vastas
mas me tenha atento e controlado

ao conteúdo de tudo que se pasta
pois rarefeito, ás vezes, em vontade

me suba do peito a sofreguidão extrema
das prontidões que alinho tão a custo
nas pastagens gerais que já me tenham
 
quero-me assim em cada músculo
refletir a fibra de tua indolência

que mais parece uma ação fortuita
daquilo que te tem como presença

pois se te afirmas inválido no teu pulo
mais me tenha afeito à consciência

de que meu pulo é muito mais que tanto
na solidez dos gados que convenham
 
quero atravessar tua calma

com a brandura e a competência

com que te alias á vitória exausta

das refregas gerais de tua ausência

pois as noites que se arquivam no teu lombo
já pela manhã se dizem madrugadas
arrancada à pulso dos teus ombros

na lavratura informal da minha fala
 
quero beber teu tempo em cálice coerente
que não me faça doer em cada esquina
mas que tenha da dor o rasgo em trânsito
com que as coisas sempre se alinham
quero traçar as retas que me curvem
sob o peso dos valores desse dia

e merecer a luta em que me acho

na estreiteza do leito em que me guio
 
quero enfrentar todo vermelho

com a solidão fugaz de tua pata

e me abraçar ao mundo como rubro
de toda a eficiência que me invada
pois do choque agudo dos contrários
me suba à face uma rosa esquálida
que signifique toda a vermelhidão
que se pinta fatal na minha alma
 
quero esmagar meus passos

como passeias molemente o mundo

e resgatar a profunda contundência

com que caminhas apesar do rumo

pois distribuir os pés pela estrada

tem muito mais de sólida tecitura

que os teares das fábricas que alinhavam
os suores dos homens em sua escravatura
 
quero compreender teus olhos

com a languidez com que me olhas

e refletir no olhar a imensa calma

com que a vida o nosso olhar deflora
pois que me tenha atento a cada espanto
e que me tenha pronto a cada hora

a fazer do meu olho uma bandeira

que me tenha escrito em minha história.

Poema de proporção


Tudo de nada

é quase um não

mantida a destemperança
da razão
 
nada de tudo

é quase um vão

de quando se inventa
a revolução
 
 
 

Visões do avante na crise


o gosto do futuro
debruçado na crise
desenha ilusões
em quem insiste

olhar furtivo
pelos ombros do tempo
aponta nos sonhos
o que se pressente

a crise abraça o futuro
nas razões e seus repentes

Vivências em hodierna trama


era um tempo
tão sempre
que me deixei
para depois

as horas de mim
são futuros vividos
nas esquinas das ruas
e dos meus sentidos

nada do que vivo
deixa de ser preciso
a vida é só o laço
dos cabrestos do infinito.

À espera do passado com nesgas do futuro


a esperança
é só uma dança
que o futuro inventa
pela lembrança
é como se fora um panfleto
redigido no peito de quem avança

sua imanência
é só aviso
de quem sabe montar
seu infinito.

Da duvidosa certeza da verdade


miro a certeza
meu fuzil de dúvidas
é só a desculpa
para mantê-la íntegra na luta
 
miro a certeza
como andaime
que construo nos passos
em que caibo
 
miro a distância
e faço-me estrada
de transitar certezas
pelas madrugadas.

Da infância e do drama


Nem era menina
rosa ainda humana
que contivesse na pele
a sensatez e o drama
e já se punha o mundo
como se posto em sonho
e chama
 
nem era a vida
rosa ainda humana
que supusesse da calma
um virtual engano
e lavrasse pela alma
os prantos escondidos
de quem apenas ama
 
nem ainda humano
era o pranto concedido
mas a breve compreensão
de que a vida transborda
em todos os sentidos.

Da maternidade e alguns indícios


Pedaço de ti
sempre me informas
como discurso de mim
em todas as tuas portas
nasço a cada riso
em que te postas
e bebo as manhãs
quando me mostras
 
meu tempo
é cada palmo da razão
daquilo que me inventas
guardadas as proporções
e todos os caminhos
que teus olhos orientam
 
invólucro de mim
segues pela vida
como uma bandeira hasteada
em todas as minhas lidas.

Da saudade e suas direções


É que a saudade é um jeito
que até parece um enredo
de sermos certo do longe
no tardio curso do cedo 
é assim como uma lembrança
de que se guarda o medo
de que o futuro se esconda
nas curvas de um segredo
e se transforme num passado
atravessado no desejo

a saudade é uma avenida
de todos os nossos becos.

Das conflagrações da vida


as vezes, assim,
nesse balançar da vida
a gente esquece de tentar
nos ombros das avenidas
construir todos os mares
que estejam à deriva
e preencher essa vontade
de encher nossas medidas
com as parcelas do sonho
que a luta consolida
 
é só um caminhar sereno
de braços dados com a vida.

Das imaterialidades e dos jugos


nada é absoluto,
há vários nadas
no tudo 
apenas a vida se infinita
pelas estradas do mundo.

ao homem cabe apenas
viver a longo curso
distribuídas suas verdades
nas inconstâncias de tudo.

Das interferências e das ações


da pedra
informe-se
o gesto bruto
de ser bólide
 
ou, à contraluz,
assim esculpida
deixe-se estar aviso
nas costas da vida.
 
 

Dissertação de espanto sobre a América Latina


desde os seios da Patagônia

que se estendem, assim, em andes desatados
montanhas que se queiram gritos

pedras que se digam tão cansadas

e que perdurem pela vida

como anseios e recados

que a terra dá aos homens

nos seus tempos de enfado
 
desde as costas de Guaiaquil
deitada em vã geografia

de casas e homens reunidos
na praça geral que não se quis
veleje por mares incontestes
a saúde dos desejos a que se apreste
aos que nunca a morte discutiu
 
desde os ombros do serrado
trançados a muque pelos ventos
desfaça-se o gosto do pecado
dos erros que se tem nas gentes
porque em vão desconsolado
o coração arquitete grave plano

de bater-se pelas ruas como soldado
de uma guerra havida impunemente
 
desde o colo da Argentina

gravado nos olhos dos infantes

que nunca se dizem retaguarda

como sempre se disseram avante
pendurados assim adredemente

nos sonhos que desfazem mansamente
como se fora a prontidão

de uma passeata quase urgente
 
desde os ombros de Cuzco
lavrado em pedra e pranto

um choro assim descontrolado
um riso sempre transeunte
e nem se disseram da cor

das dobras do horizonte

apenas cerziram à tua face

esse desenho ilógico de inca

que nem precisa amanhecer

para que a madrugada se pressinta
 
desde os sonhos de Bogotá

aranha tecida de fuligem

que sobe os morros em teu sono

e que em noites seu coração exige
nem bem trançaram suas veias

e te pusestes com gosto de menino
 
desde o raso da Catarina

que te tem serpente sem dizê-lo
e que já me diz das cores

que nunca trarás nos teus cabelos
porque morena

nem mulher se limite

com os sonhos que ouse pousar
em todos os seus cabides
 
desde Quebrada del Yuro

uma Bolívia entristecida

jogadas em camas que não queira
do tamanho de toda tua vida
 
desde Medellin

imóvel em seu paradigma
de parecer-se uma rosa
mesmo que não se diga
 
desde Brasília

adormecida em ângulos
na certeza de que o tempo
é sempre mais um tanto
 
desde o Titicaca

com seu jeito de mar arrependido
e a certeza de que a água

é mais um sonho indefinido
porque se se espalha

pelo vão do peito
melhor
morrer-se sonhando

da largura exata do teu medo
 
desde, enfim, essa América
abraçada em vão à natureza
permaneçam teus olhos como dela
como de si te venha tal delicadeza

do desejo e seus circunlóquios


o desejo

não é um jeito
de querer

o que não devo
 
o desejo

é apenas caminho
de espantar o mêdo
 
o desejo

não é um jeito
de desdizer

o que não creio
 
o desejo

é transeunte

de muitos mares
nas avenidas

e tudo que tange
meus olhares
 
o desejo

não transige

com a parcimônia
do que se vive
 
o desejo, enfim,

é quase um sobressalto

de quem mergulha humano
na certeza do que acha.

Do poema em cena aberta


o poema
aparenta
um discurso grave
de quem pensa

na verdade
o poema interpreta
todos os dramas
do poeta

é que ao verso não importa
que a emoção do poeta
seja uma porta
por onde os verbos mergulham
à procura de respostas

como ator resta
apenas ao poema
inundar o poeta
de seus dilemas.

do sonho e sua imanência


o sonho

é sempre coletivo
tudo que lhe tange
é infinito
 
e mesmo particular
dá-se ao desplante

de parecer viés

de todos os horizontes
 
é que lhe sobra uma nesga
de matéria itinerante

que passeia coletiva

nos sonhos de quem cante
 
sonhar é ver no outro
seu próprio horizonte.
 

Dos populares folguedos da esperança


o povo dança
todas as vias
da esperança
e nas veias avança
o sangue imaginário
do que planta
o desejo
é só um dardo
que atropela o fato
em raso desacato
como se fora íntimo
de futuros largos
resta a praça
e a vontade intensa
de aboletar-se inteiro
nos desvãos da paciência.

Indagação


por que suicida
se eu morro em mim
milhões de vidas?
 
por que calar
se a palavra insiste
em ser um mar?
 
por que fugir
dessa disputa
e não trançar pelo peito
o tricô da luta?

ode à amada em vésperas de eclipse


embora lua

nenhum sol será tanto

que desvencilhe teus olhos
de tudo que em mim assiste
 
e se mesmo triste

ousar a terra ser constante
muito mais será meu canto
por tudo que você é tanta.
 

Poema à morte da última filha de Júlio


assim como te postas
renhida a carne
desabotoas o tempo

no trânsito da tarde
loucas as dessemelhanças
que te puseram em século
de desumanidades
 
e eis que foste

trauma de músculos e vontades
uma vaga impressão de que a vida
vale aquilo em que se cabe
 
e travavas o dia

como uma larga bolandeira
que remisse os pecados
das noites em que estejas
 

Poema à transeunte


a mulher tinha nos olhos
punhados de felicidade
e poucas eram as sentinelas
que punha em seus olhares
e assim, a pouco e pouco,
eu a vi derramar-se pela avenida
como uma bandeira escancarada
do tamanho largo de toda sua vida

Poema de circunstância II


nada é nunca.
tudo é tanto

e tão sempre
que muda
como a fome guardada
nos sonhos de quem luta.
 
de repente

assim por descuido

o tempo atravessa a manhã
em largo curso

e decreta a liberdade

pelos ombros do futuro.

poema em revolução


quero-a revolução
como exercício

de amolgar a vida
como ofício
 
quero-a revolução

como norma e indício

de que a vida cabe inteira
em qualquer sentido
 
quero-a revolução
descontraída

que paste a tarde humana
e me decida
 
quero-a revolução

em cambulhadas
engolfando as manhãs
por que me arda
 
quero-a revolução
exata no seu ilimite

e que não me faça noite
mesmo quando triste
 
quero-a revolução
destemperada
amanhando a consciência
da madrugada
 
quero-a revolução

tão crua e tanta

e que não seja nem verbo
nem garganta
 
quero-a revolução

desde a aurora

pra que nasçam todos os sóis
pela história
 
quero-a revolução
adredemente amada
deitadas pelas sarjetas
porque tão vasta
 
quero-a revolução
ensandecida

nas esquinas mais gerais
de toda a vida
 
quero-a revolução

como armistício

das guerras que trazemos
nos sorrisos
 
quero-a revolução

porque definitiva

no atravessar dos horizontes
das vigílias
 
quero-a revolução

e simplesmente
cavalgando minha vida
impunemente.  

Reverso


O contrário de mim
sou eu mesmo
e é por sê-lo assim
que me transgrido
e deixo de ser meu avesso
na exata proporção
em que estou comigo
 
o contrário de mim
não é um avesso
é uma proporção incauta
em que transfiro de mim
o que nem falta
 
o contrário de mim
é tão urgente
que não há como mantê-lo
impunemente
 
o contrário de mim
desabita o próximo
com as intimidades de um tempo
em que me mostro.

Verso desconsolado


Desço dos teus olhos

com a mesma compostura
com que desinvento os rumos
nas manhãs das culpas
 
é que deixá-los

é tão doído

como desarrumar os horizontes
em que vivo
 
desço dos teus olhos

tão desnorteado

como quem procura futuros
no passado.

Balada aos pátrios meninos da miséria


quando boiavas
eras um decreto
de que, um dia, forro
nascerias pleno
e nem te ousaram
nas alegrias
porquanto a miséria
era teu dia

quando em ventre
te morrias
como se a miséria fosse
invólucro do dia
e contivesse na abundância
uma qualidade inata
de inventar-se como vida
pelo peito da pátria

e nem mentias
quando morrias
tuas células mais caras
tuas veias, tuas vias

e nem sonhavas
como mãe efetiva
mas as que te coubessem
na barriga

e te quiseram choro
quando sorrias
magras as sem razões
do que sentias

Da jurídica ação das ruas


pelas regras do processo
maternamente autuado
deixo meus autos no mundo
para todos os despachos

tramito pelas ruas
nos urgentes mandados
em que cobro meus sonhos
e as tutelas de serem fatos

e ouso despachar-me
das ações intempestivas
que teimam em alimentar
os agravos contra a vida
embargando o cumprimento
das manhãs não coletivas

as ruas apenas cobram
sua adimplência intempestiva

Das imanências e outras vertentes


o absoluto
é só um jeito
do discurso
falta-lhe
a imanência
e a presteza do uso
e, se às vezes entorna,
está precluso
a vida
é sempre relativa
guardadas as proporções
de todos os seus cursos.

Das infantes vidas em rumo aberto


a vida de Severino

tinha uns nós engraçados

quanto mais lhe apertava a angústia
mais lhe afrouxava a gravata

é certo que não tinha Londres

para remoer suas tristezas

ao som intransponível

e fluido das metrópoles

mas, no fundo de si,

guardava uma noite inteira

que bem poderia caber em Londres
com um quê de brasileira.

A alma que levava

presa no vão do cérebro

era dessas comuns

que pastam a Europa

e se empanturram da América.

Ah se lhe coubera

um futuro exato

dentro dos pés

no meio dos passos!

Mas o futuro

sorria complexo

travoso e irremediável

o gosto da liberdade.

Os cachos da mulher

que seu amor vestia

cheiravam a rosa

embrulhada nos abraços

corroendo o dia

mas o infinito

teimava em não lhe vir à mão

para que o despejasse

incólume e transparente

sobre seu corpo de flor

ou de mulher e gente.

Dos olhos de seus irmãos

como um concreto estranho
pendiam grossas lágrimas

que a custo desabavam

e se partiam amarelecidas

na espinha bruta das calçadas.
Tinha uns nós engraçados

a vida de Severino

quanto mais vivia o homem
queria ser menino

e empinar os sonhos

como uma pipa urgente

e não tão murchos

como os olhos do seu povo
queria coser os risos

numa imensa colcha

e deitá-la nas costas

da gente brasileira.

Queria ter um dia guardado
em cada bolso da camisa

pra jogá-los no meio das noites
que se teimam infinitas.

De cada nó

partia uma ponta do corpo

e eram nós desatáveis

apesar de muito esforço

tinha a largura tanta

do gosto da injustiça

costurado ao chão do mundo
como uma telúrica intriga.

De sentimentos e outros tais


há deles

de estranha geometria
que nem bem amanhecem
faltam pelo dia
 
há deles

de corpo avaro
resumo quase humano
de ossos e enfados
 
há deles

de profunda complacência
que nem tangem a idade
pela despresença
 
há deles

que se demitem da vida
como em emprego amargo
e sem saída
 
há deles

em cruenta luta

que suam pelos olhos
lágrimas e desusos
 
há deles

de latente suicídio

que trombam com a vida
em desatino
 
há deles

quão meninos

rótulas mal encaixadas
do destino
 
há deles

tão infantes
pendurados na alegria
e nos horizontes
 
há deles

desmanchados

em amores faltos

e persistentes boulevares
 
há deles

tão finalmente

que se dizem dízima
de contar a gente

de verbos e informes


A informação

se ajusta

aos moldes de quem a usa
forja na mente

uma desculpa

de quem navega

todas as notícias

de uma culpa

e se desconforma
adredemente

o conteúdo

de quem se procura.
 
A informação

abusa

de vínculos

tudo que lhe diz respeito

é como estrada competente
que tanto mais se caminha tanto
menos passos consente
 
a informação

é noturna em suas fontes

a claridade ofusca os verbos
de quem pune

e não se trai enorme
como quem se retrai

em tudo que não pode
 
a informação

é transversa

o sentido que indica

tergiversa e pondera

como as coisas que os homens
amiúde lhe oneram
 
a informação

é transeunte

nenhum caminho lhe estanca
ou resume

a expansão é sempre a norma
do que lhe assume
 
a informação
mais que sinapse
é contradita

dos pensamentos

que se tem em vista

pois escorrega do cérebro
aos borbotões

como se fora notícia

e rebelião

que os verbos arrumam
em todos os seus vãos
 
a informação

rasga a realidade

em contrafação

e o que é dito se escreve
com tintas desconexas
criando o teatro enorme
de uma vida paralela
 
mas no fundo

a informação carrega

tudo que ao homem

assim onera

uma certeza de gestar o mundo
por cima de qualquer pedra.

Desmedidas


desconfie dos tempos
postos em medidas
nada do que é exato
é totalmente a vida
 
sua matemática

é de estranha lida

nunca se contém números
mas em desmedidas
 
suas infinitudes

são tão restritas

que cabem quase sempre
nos bolsos da camisa
 
suas multiplicações

apenas recomeçam

as divisões que as horas
ensejam em seus tropeços
coisa de nem ser avaro
porque pleno e avesso
 
desconfie dos absolutos

e dos sempres invioláveis

por trás de cada infinito

há um susto mensurável

não com os metros do que se possa
mas com as réguas da vontade
 
desconfie dos relativos

e das vicissitudes dos espaços
tudo cabe num metro

apesar de incontrolável

é que a vida é quase absoluta
quando nela se cabe
 
desconfie da desconfiança
usada como arma

ela apenas se presta à razão
de quem se amarga
é que a vida não é dada
às incertezas de quem a traga
 
desconfie das manhãs arrazoadas
postas num tempo sem debates
nada do que é o tempo

resvala apenas em palavras
 
desconfie das amarguras
um tanto adredemente
nada que não respingue

na condição de contente

e na informalidade dos anos
que se tem como vivente
 
mas, sobretudo,

desconfie do tempo e dos verbos
em que se esteja navegando
sem os mares por perto.

Despedida


o adeus
murchou minha mão
e uma paz insurgente
fez-se à frente

chorei
e toda lágrima
era um lago exato
da prática

e como água
era um lago intacto
de quem sobrou da ausência
cheio de cansaço

Dissertação adjetiva do Sanhauá


nem por essa lassidão

que lhe devora o jeito e a forma

possa o Sanhauá desmerecer-se

de eventuais revoltas

que por ser assim pacato

enlaçando em vão a Felipéia

penda do seu ombro o gosto exato

das maravilhas de que pode a terra
nem por essa lama avara

que lhe rega o dorso impunemente
percam seus habitantes mais chegados
a condição informe de presentes

que por ser assim anônimo

na revolução de suas águas

seja um sintoma tão premente

de mascarar de paz a mágoa

nem por ser regaço de Felipéia

no gesto inato de serpente
encontre-se o mais rápido relance

de figura incompetente

que por ser assim tão plácido

no seu ofício dormente

não saiba dizer em suas águas

o gosto de sangue tão latente

nem por ter da terra a intimidade

e a consistência incauta de um grito
saiba engolir as contradições

sem a justeza efêmera dos dissídios
nem por ser tal condutor

de homens quase líquidos

deixe de reconhecer a lágrima

que escorre do vão do seu umbigo
 
que sabendo-se estrada
de tanger a solidão
invente pela memória
um punhado de razão
 
porque rio, saiba constante
que o baldio homem que leva

é muito mais uma distância
que trafegar ninguém se atreve
 
nem por estar pejado
do mais fundo sacrifício
possa não cogitar da fartura
em que às vezes se acredita
 
nem por ser das estrelas
um espelho avariado

não saiba trazer nas rugas
toda sua intimidade
pois de tão material

lhe venha a ser conteúdo
a estrela mais fugaz

que desabita seu futuro
 
nem por ser do universo

uma corrente sem volta

não saiba descabelar-se a tempo
nas lembranças que lhe tocam
 
correndo de si próprio

em maratona tão já gasta

o Sanhauá bebe a miséria

dos homens que lhe acatam
desce no frêmito mais lânguido
ordenhado em mãos tão avaras
que esquece que às vezes é rio
onde deságuam várias almas

e se nunca rompe o equilíbrio
entre a geografia e a sua calma
quem lhe cavalgará o dorso
com a presteza de astronauta?
nem por escorrer freqüente
não tenha lapsos de memória
quem distribuiu Felipéia

no peso de suas costas?
 
da maciez da lama

se tire a paciência

nos caranguejos enrolados

nos cachos da consciência

e da assembléia das águas

que filtram toda manhã

o sol nunca desconfie

de que trava uma luta vã

pois por mais vapor que construa
nas suas lanhadas costas

ele sempre volta rio

em águas que ninguém nota

e quando se alça bruto

no estômago das nuvens

ele leva além de vapor

os sonhos de quem se urge
 
da condição humana

o Sanhauá não cogita

por que levar tanto sangue
num feixe magro de tripas?
antes rio gordo dessa lama
queira-se mais comedido

pois por ser rio não lhe cobram
sonhar mais do que é preciso.
 
ao beber o Sanhauá

em geral não se pressente
o gosto rico dos homens

e a dúvida de seus viventes
 
no suicídio reconhece
uma lúdica insistência

de deixar de ser homem
de matéria incompetente
pra travestir-se de rio

nos sonhos-lama da gente
não tem a filosofia
dos suicídios mais compostos
pois a pose é sempre a lama
e como rio não lhe importa

a pouquidão dessas vidas
e a certidão de qualquer norma
 
de ser cúmplice da fome

o Sanhauá se redime

nos quilos magros de peixe
que os homens lhe retirem

e não tem a desfaçatez

das promessas mais nervosas
pois tem de si a compreensão
de um rio sem tantas forças
 
nem por ser interlocutor
das fomes mais atrevidas
deixe de engordurar-se

dos caranguejos da vida
que em sendo forasteiros
das águas que lhe socorrem
possam ditar o exercício
da crueza da revolta.

 
o Sanhauá e a inquirição da vida
 
que tal Martim Leitão
senhor assim da matéria
ousou limitar o rio

na corda de muitas regras?
 quem supôs o artifício
de decretar Felipéia

e trazer pras suas costas
o peso de muitas guerras?
quem compôs tal partitura
que na cabeça do futuro
faria o Sanhauá ter homens
pendidos de tantos muros?
que tão Martim Leitão
forasteiro da competência
ousou distribuir nestas terras
os palmos de sua crença?
quem forjou a brutalidade

de romper teu equilíbrio

e navegar tuas águas
com a intimidade do cio?

quem ausentou do teu corpo

a carne de Piragibe

e que nunca mais a carne

no teu ofício reteve?

quem lançou sobre ti

essa algema virtual

como se não tivesses da ponte

a desnecessidade de tal?

quem comprimiu o leito

de propriedade indisfarçável

e quis esmagar teu peito

com a selvageria das traves?

quem duvidou da conseqüência

do teu ofício informe

de levar a água pro mar

misturada aos sonhos de quem não pode?
 
que tal Martim Leitão
 amigo já de Piragibe
matriculou Felipéia

no dorso de tua crise?
quem te pôs acorrentado
entre cimento e miséria
pra iludir tuas águas
na mágoa intensa da guerra?
quem te forjou novo ofício
de amarga competência

de engolir tantos homens
esquecidos da consciência?
quem te pôs assim restrito
numa forma tão imensa
e atravessou o infinito

nos palmos de tua ausência?
quem te fez tão urbano

num foro tão agrário

quem nem soletras nas águas

a parcimônia do cansaço?

quem te fez transeunte

de uma vida regulada

em que poucos tem muito

e quase todos quase nem alma?
quem te fez tão concreto

nessa pátria movediça

e te engravidou dessa lama
de eficácia tão triste?

quem te usou como rio
explorando teus viventes

pra navegar no teu lombo

um magote de presenças?
quem te pôs sem vela

num mar tão incontido

e acorrentou tuas águas

aos pés desses edifícios?

quem te ousou sadio

nessa sala tão doente

que não perceba que o sonho

é quase sempre da gente?
quem te armou as costelas

de pedras e penas e gritos
e construiu na tua boca
palavras sem sentifo?
 
 
De Piragibe tirante a mágoa
 
corre o ano 85

de 1500 - vasta espera
escondendo agosto na barriga
cinco dias e outras léguas
 
quem é esse ouvidor

que Martim Leitão se engalana

como se o nome fosse patente

que pusesse medo em quem chama?
 
quem é esse ouvidor

que assim fustiga a consciência
e que se crê marido da terra

e quer lhe por em moenda?
 
quem é esse ouvidor

que de Olinda assim desfeito
trunca uma vontade inteira
na franja inata do peito?
 
quem é esse ouvidor

que dos passos não se afasta
e que palmilha sua distância
numa parca matemática?
 
corre o ano 85

de 1500 - quanta guerra
cinco dias de um tão agosto
muito chão e et ceteras
 
quem são esses indivíduos
parentes em vão da terra
que espelham suas rugas
nas rugas que já não levam?
 
quem são esses forasteiros
que revéis da cidadania
cosem a vida com o barro
sem lhe cobrar serventia?
 
quem são esses tabajaras
que nus da própria existência
teimam em deitar com a vida
nos cabides da paciência?
 
quem são esses tabajaras
que tecem com todo alinho
uma vida que mais medra
com a insistência do espinho?
 
quem são esses tabajaras
que mercê do seu aprumo
deitam com a liberdade
na cama quase sem rumo?
 
 corre o ano 85

de 1500 - magra era
engolido agosto já tanto
cinco dias, muitas trevas
 
quem é esse Piragibe

que sentado no seu sorriso
inventa a simplicidade

com a mesma força do rio?
 
quem é esse Piragibe
que presidente das horas
decreta o fim do dia

pela espinha da história?
 
quem é esse Piragibe

que à paz se tem afeito

e que arquiva guerras no tempo
como as tristezas no peito?
corre o ano 85

de 1500 - nave exausta
construído assim agosto
em 5 dias de pauta
 
quem é essa Felipéia

das neves de tal senhora
que cresta ao sol desse rio
como um infante tão breve?
 
quem é essa Felipéia
tão íntima da natureza

e que se forja com barro
de tão estranha certeza?
 
quem é essa Felipéia

que tão dolente nem nota
que já pertence a senhorio
de quem nunca foi devota?
 
quem é essa Felipéia

que rebento assim de repente
como aceiro de si mesma

se quer coisa de gente?
 
quem é essa Felipéia

que do futuro nem sabe
dos quilos de tanta fome
que vão encher sua face?
 
quem é essa Felipéia

que alheia a seu batismo
perdeu-se de boca em boca
e nas voltas do seu umbigo?
 
quem é essa Felipéia
que da postura se cante
como uma rede ancorada
nas paredes do horizonte?
há de essa criança

de gente e barro urdida
abraçar-se com o presente
com o futuro na barriga
 
há de essa demarche

ser mais longa e prometida

que os anéis que pendem do dedo
do ouvidor de Olinda

há de essa cidade

que agora se amamenta

criar com leite das pedras

as maltrapilhas presenças
 
há de essa estrada

ser feita em grave ofício

e que o destino lhe cubra os anos
com a displicência de um íntimo
 
há de essa morada
trazer para o leito do rio

a tez macia do açúcar

e um gosto de pau-brasil
 
 corre o ano 85

de 1500 restrito

agosto amanhã sem jeito
5 dias comprimidos
 
em que cartório e recinto

sua posse foi lavrada

pra que dispusessem de si
como as carnes de uma vaca?
 
quem foi tal tabelião

que em exercício truncado
registrou que sua pele
podia fazer-se mercado?
 
quem foi que dilacerou

a sua estada de virgem

e que a querem tão mundana
nas carnes que ainda exibe?
 
quem foi que desabrochou
numa tarefa fugaz

seu ventre de muitas coisas
pra coisas que vendem mais?
 
diz que em 85

de 1500 o tempo

agosto quis por inteiro

há cinco dias no ventre
desfazer-se de um terreiro
que lhe jazia urgente

e inventou Felipéia

na vida desses viventes
e assentaram como assim
no cartório dessa gente
que a cinco de agosto
Felipéia era presente
 
do braço do Sanhauá

como um músculo saltimbanco
Felipéia saltou na vida

com a presteza de um pranto
 
e desse abraço infinito
que o rio sempre lhe dá
molhou-se seu lábio verde
da incoerência do mar
 
que por ser só atlântico
não se acha tão disposto
a abraçar Felipéia

na proporção do seu gosto
 
antes se quisesse mais rio
 de compleição menos lata
 pra abraçar Felipéia

com a prontidão de um gato
 
mas mesmo com parcimônia
nesse exercício de andante
esquece um gosto de África
no ombro grave do mangue
 
e o Sanhauá com ciúmes

no leme já de si mesmo
ostenta um ranço da história
pelo desvão de seus dedos
 
quem foi esse ouvidor

que não previu tal desatino
romper o verdor da terra
com o equilíbrio do rio?
 
quem foi esse tal Martim
que se inventou do nada
e fez xixi nessa praça

no meio dos tabajaras?
 
esse xixi de ouvidor

tem utilidade bastante

pra te construir novo corte
te dar um novo horizonte
 
e Felipéia se alastrou

como canavial conseqüente

que mastigasse a moenda

na verdura de seus dentes

e pronto veio o costume

de ter retrato mais conforme

aos tijolos mais impingidos

que a mão do homem lhe adorna
 
e de ser mais urbana
lhe veio a vã teimosia

de lutar contra os viventes
que no seu peito se aninham
 
veio-lhe a solicitude

da concreta solidão

de tijolos alinhados

à custa de exploração

assim cresceu a ganância
de ser tão decomposta
lavrada num suor mais forte
que o rio que lhe comporta
 
e aprendeu nessa lida

que na vida a que se apresta
é preciso ser menos um

e ser muitos et ceteras.

Dizeres do sentinte


primeiro

divise-se um tempo
que não se apreste

a dizer-se menos horas
do que merece
 
ao sentinte

não é dada a culpa
de usar o tempo
como desculpa
 
primeiro

escreva-se nas veias
uma líquida moção
de que todo o sangue
está à mão
 
ao sentinte

é dada apenas a estrada
que nunca inventa

a retirada
 
primeiro

guarde-se a vida
como invólucro
 de tudo
que no outro
contradiz o ódio
 
ao sentinte

não é dada a ilação
de sofrer a vida
em solidão
 
primeiro

registre-se como possibilidade
a profissão de se morrer avulso
em benefício da verdade
 
ao sentinte

não é dada a perda
de se sentir menor
que suas quedas
 
por fim

diga-se a custo

que ao sentinte
 é sempre dada

a possibilidade
 de viver
a longo curso

do desenrolar das horas


o futuro

não é só um jeito

que o passado teima em dar
no pensamento

antes é viagem
descompassada

entre o que já foi

de tudos e de nadas
 
e mesmo futuro

ainda é passado

um presente grávido

de todos os passos

pois nunca é apenas um
é sempre vários
 
futuro

não lhe serve a carapuça
de retratar-se vazio

de qualquer luta
 
e mesmo tempo

é uma hora avessa
que vige apenas lúdica
no vão da cabeça
 
e no entanto

é razão inteira

de quem tem a vida
como certeza.

Do poema em contraste


meu poema
tem manias
tudo que lhe tenha fato
deixa-se via
estrada de melhor conter
o que dizia.

palavras são só contratos
sons de retratar os atos
pelas faces do dia
como se o verso engravidasse
as estradas que eu achasse
abertas dentro da vida 

e pusesse as palavras
nos ombros da ventania
assim como um recado
da minha intensa alegria.

Dos ventos nas madeixas da pátria


E quando o vento penteia
a cabeleira do mundo
o sonho sonha na gente
a nossa sede de tudo
 
é que o vento levanta
pelos ombros da paisagem
os cabelos fartos da terra
os das árvores e os da saudade.

elegia com vegetais e outros tantos


I

 
miosótis

quem te baste
que desate

o escândalo azul
de toda face
 
II

 
margarida

que te lida

rosa maior te queira
do que a vida
 
III

 
jasmim

porque assim

é bastante ser só
para estar sem mim.
 
IV

 
açucena

vale a pena

truncar o jeito de flor
em ser, apenas
 
V

 
dália

que te vista

teu vestido de planta
reprimida
 VI

 
boa noite

que te traga

o tempo escancarado
em que caibas
 
VII

 
girassol

que te deságuas

em ser um quê do sol
a que te abraças
 
VIII
 
flor-de-lis
porque te quis
rasgo das tranças
que te fiz
 
IX

 
sempre-vivas

quando queiras

inventar o sangue das horas
que incendeias
 
X

 
lirios

porque qui-los

estreitos assim em mim
os meus sentidos

 
XI

 
petúnias

assim forjadas

na dança maior
da vida desatadas
 
XII

 
rosedás

porque me dás

a culpa mais urgente
que me traz
 
XIII

 
orquídea

porque tanta

a desavisada floresta
da garganta
 
XIV

 
verbena

que te quisera

um tanto menos que flor
e muitas léguas
 
XV

 
trevo

porque me atrevo
a gerir meu riso
mesmo medo ?
 
XVI

 
espada de são Jorge
porque vige

esse jeito de ingratidão
em que se vive ?
 XVII

 
antúrio

assim pacato

quem te prende no sonho
que me faço ?
 
XVIII

 
palmeira

por que tal aprumo
em apontar o nunca
como rumo ?

 
XIX

 
araçá
por quem será

a razão de quem não é
porque está ?
 
XX

 
avenca

despenteada

quem te lavra tão basta
em quase nada
 
XXI

 
alfinete

nem te prezas

assim em vão
lançado para a terra
 
 
 
 
XXII

 
maracujá

por quem está
traçado um destino
que já nem há ?
 
XXIII

 
vagalume

quem te pune

a ser candeia de mundo
tão sem rumo ?
 
XXIV

 
grilo
que desandas

a gritar um amor
que nem proclamas
 
XXV

 
rosa

quem nervosa

rasgou o ventre do chão
por que se goza?
 
XXVI

 
pardal

por que do verbo

nunca te fizeste carne
apesar de tão sincero?
 
XXVII

 
jibóia

quem te apóia

a ser compasso de um mundo
que nem notas ?
 
 XXVIII

 
papoula

do teu ócio

quem te fez ofício
do que mostras ?
 
XXIX

 
capim santo

que nem tanto

te pareces maior
que meu espanto.
 
XXX

 
vitória régia

que nem é tanta

como se tamanha fosse
se não planta.
 
XXXI
 
homem,
jardim de tudo
quem plantará as flores
nos ombros do mundo?

Poema à Ravenala Madagascariensis


assim,

leque do mundo,
nem imaginas

o contraste de ti
com minhas retinas
 
revoltas a ti mesma

com a calma que anuncias

e nem permites que o tempo
traspasse o teu jeito de alegria
 
 

Poema de certa indagação


quantifico a vida

e nessa desmedida
tudo que me soma

me divide

nenhum número dirá
o tamanho do que vivo

Via operária


Era de ser pedreiro
seu destino mais urgente
e alinhar pedras e sonhos
no seu mister de vivente
 
era de ser partido
seu grito mais pungente
e engolir os soluços
sua tarefa latente
 
era de ser preciso
uma fome mais estreita
pra consumir outra fome
da morte que lhe isenta
 
era de ser tão fecundo
no exercício das fêmeas
pra vingar em outras carnes
o futuro que lhe convenha
 
era de ser maltratado
pelas rodas do engenho
pra descobrir no seu braço
melhor mister e empenho
 
era de ser emudecido
pelo coice do chicote
pra descobrir a largura
do que a palavra pode
 
era de ser humilhado
nos desvãos de cada dia
pra pescar no fundo de si
o que seja a alegria
 
era de ser entristecido
pela pouquidão do riso
que invertia seu canto
no sentido do martírio
 
era de ser sempre magro
habeas corpus da fome
gravado em poucas costelas
e num minguado nome
 
era de ser explorado
em cada palmo da vida
somando os metros de morte
chorando o peso dos quilos
 
era de ser comprimido
o seu trabalho tão largo
que até do suor se tire
algum lucro ou trocado
 
era de ver-se infinito
embora tão limitado
no revés do ser ofício
na produção encantado
 
era de ver-se gritando
no coice da passeata
enrolado em cada bandeira
numa intimidade inata
 
era de ver-se em grades
molde brutal do desfuturo
pungida a cada do povo
escrita em todos os muros
 
era de ver-se aos seus
cerzidos nos vãos das salas
traçando o gosto da vida
rompendo a face da alma

Da liberdade em rasa textura


A liberdade
é fática
tudo que lhe mede
é a prática
e nem se conta
por unidades
seu corpo é a forma
da variedade

A liberdade 
é relativa
por ter-se absoluta
pela vida

Das contradições e dos manifestos


meu olho
gruda no céu
com a mesma desenvoltura
com que, escafandro de mim,
revolvo minhas culpas
 
tudo é só distância
de medir amplitudes
sempre nasço de mim
quando pude.

Das larguras do sonho e seus detalhes


o sonho

é sempre coletivo

tudo que lhe tange

é infinito

e, mesmo particular,

dá-se ao desplante

de parecer viés

de todos horizontes

é que lhe sobra uma nesga
de matéria itinerante

que conjuga todos os passos
de quem esteja sonhante.
 

das vigências do poema e dos braços


o verso
assim resumido
é só um desconforto
dos sentidos

é que os fatos
para dizê-los
há que dos sentidos
construir atropelos
e inventá-los pelos braços
ante a vigência dos medos

o verso é material
apenas no seu enredo
construi-lo é só um desejar
de todos os desejos.

De gentes e carimbos


o funcionário

lança o despacho

como quem subscreve

um desabraço

nada do que é vida

lhe constata

apenas uma grave inapetência
e algum cansaço
 
o funcionário

nas entrelinhas

desmede a vida e a desídia
como se o carimbo fosse o leito
de todas as notícias

e urge em trânsito

pelos meandros do papel

e nos verbos de um chefe

de militares decibéis
 
o funcionário

assina sua sentença
nada do que é a vida
lhe convém
 
o funcionário

ao indicar-se tácito

alinha os carimbos de sua vida
em todos os seus atos

como se pudesse inventar

o trânsito de todos os seus passos
é que nada lhe sobra como viés
do que não fosse inexato:
palavras não serão verdadeiras
quando impressas em sobressalto
 
o funcionário lida com o papel
com a mesma solicitude

com que desmancha os borrões
de suas atitudes
o leito da sua lida

é de tamanha completude

que chega a parecer uma saída
das portas todas em que urge
 
o funcionário
tem da ordem a compreensão
de que o mundo se ordena
em todos os nãos

nada do que seja seu sim
pode lhe estar à mão
 
o funcionário

tem da lei

a exata compostura

de um verbo que não transita
no meio de suas ruas

é que lhe falta a textura

das grandes avenidas

com que os chefes alinham

o fulgor de suas vidas
 
II
 
o carimbo leva o funcionário

com os freios todos da vida

como se verbos fossem cadeias
que apreendessem adjetivos

que indicassem o rumo das gentes
ou que desfizessem os indícios
de que a liberdade é o destino
de todos os exercícios
 
o carimbo trunca o funcionário
na sua veia mais latente

que lhe joga contra a sentença
de tudo que não se consente
como se a vontade do homem
fosse matéria incoerente
 
é que lhe ordena a ordem
assim estabelecida

que um carimbo vale mais
que qualquer de suas vitimas
pois subentende a partição
das coisas todas da vida
 
o carimbo assim aposto

é um latifúndio resumido

dos verbos todos que o chefe
traz como subentendidos

e que lhe cobram os dirigentes
em todos os seus sentidos
 
III
 
o ente público

não tem veias

o sangue que lhe promove
é a certeza
de que os lucros serão privados
em sua toda inteireza
 
o ente público

por dentro da lei

é dito como se fora

a social sensatez

que vige em cada humano
na sua feição mais lúdica
com ares de particular

na sua razão mais pública
 
o ente público

é tão desnaturado

que um carimbo, às vezes,
lhe trai a incerteza

de que nunca foi coletivo
apesar da natureza
 
IV
 
a assinatura

posta no carimbo
comprova a razão

de todos os destinos
nada do que seja verbo
é tão cristalino
 
e mesmo quando não aposto
em sua forma mais crua

o carimbo informatizado

tem a mesma compostura
pois quando se assina a razão
se assassina a textura
de um carimbo tão avançado
apesar da escravatura
 
cada verbo do carimbo

é a contradição

de quem inverte a vida

com a mesma satisfação
com que se contém a ordem
nas vias todas do não
 
V
 
e assim o funcionário

nessa lida incoerente
destrava cada carimbo

e se trava em cada ente

em mostrar que toda ordem
quando posta adredemente
desvincula a vida da vida
e rói o sonho da gente

De lutas e dizeres


estava dito:

tudo que palavra

me exercita

deixa um gosto de luta
pela vida
 
estava dito:

tudo que luta

me instiga

a deixar o coração
pela avenida.
 
é que ao homem
sempre se dá

a possibilidade da vida.

De viver


a vida

em vão

é intifada do coração
 
e é difícil sê-la

assim à pulso

e dar-se jeito melhor
de mantê-la em uso
 
a vida

é rio de nado duvidoso
nas braçadas gerais
desse meu povo
 
e é tardio vê-la

não obstante

o que desregra o modo
de sê-la avante
 
a vida 
é piracema

de exercício adrede

e que não cabe numa lógica
onde não seja breve
 
e é não se ter tempo

de consumi-la vasta
guardada a desproporção
porquanto tê-la baste
 
a vida

é reticência

da grave compleição
da paciência
 
e é difícil tê-la
individida

e levá-la plena

nos bolsos da camisa
 
melhor é tê-la no peito
quase completa
numa certidão exarada
em muitos et ceteras
 
a vida

é navio e gaivota
nas âncoras gerais
em que aporta
 
e é constante vê-la

em voo conjugado

com os sonhos que se traz
em grandes cachos
 
a vida

é absurda

onde não exercê-la
em desculpas
 
e é trânsito

de rara urdidura

nas esquinas que o peito
em vão atura
 
a vida

é genérica

mesmo que seja única
sua matéria
 
e é de dar-se ao homem
na proporção exata

de toda sua fome.

discursos temporais da velhice


eis a sinergia:
a alegria é sempre maior
que a tristeza presumida
o tempo e o riso cabem mais
nas entrelinhas da vida

É que sua lavratura,
demandada pelos anos,
abrange todas as medidas
do envólucro humano

eis que consumir o tempo
é uma alegria orquestrada
ao homem cabe compô-la
das notas em que não se cala.

do cumprir o tempo em filosófica trama


assim retilíneo
o tempo é absurdo
as curvas das horas
desdizem seu curso

circular
não se admite
que as horas estejam
postas em cabides

vasto e helicoidal
resta a compostura
de vesti-lo sempre
como grávida aventura

Do povo em fluviais aportes


o mundo parece um rio
na foz de cada vivente
é assim como uma passeata
de tudo que a gente sente
 
ninguém possui a metragem
das réguas do que é novo
melhor dizê-las medidas
nas léguas do nosso esforço
 
navegá-lo é como naufragar
nas avenidas do povo.

do que transito


transeunte da vida
dou-me à liberdade
da compreensão 
exata
do que é tarde
 
transeunte da morte

não vejo em mim como tanto
a invenção do que é cedo
nas palavras em que me planto
 
transeunte do nada
melhor seria
ser um pouco do trânsito da terra
nos ombros da alegria.

Do Rio Capibaribe em capital desídia


Na palafita
o rio bebe
a injustiça
e do arranha-céu
assim à vista
os homens pagam a vida
em parcelas da dívida
o futuro apenas regurgita
nos ombros da notícia
os juros alfandegários
que escorrem na avenida

dos tempos e das vidas com parcimônia e gestos


o relógio de pulso

marca, descompassado

as diferenças do peito

as distâncias que não trago
 
em seu mister itinerante
de fundamentar o passado
nem lhe sobra um futuro
no meio dos meus passos
 
é que lhe move um tempo

em que não estou enquadrado
porque nas horas a que me apresto
nem sempre me desabraço
 
é que o futuro nada mais é

que um passado invertido

e que não cabe em qualquer ponteiro
dos minutos de cada vida
 

ode desenfreada de amor ao povo


coletiva a mente

constata a exatidão

de que não há por povo

o que se queira não

todo povo é resultado

de uma razão diferente

que não se encontra nos genes
nem nos corpos das gentes
mas transita quase sempre

na simples compleição

do espaço pouco amestrado
das fibras do coração
 
porque senti-lo no peito

é quase rebelião

por compreendê-lo a jeito
de cada revolução
que se amanha nos gestos
palavras do coração

e nem importa que o ritmo
de suas mágoas viceje
como uma flauta invertida
em música que nunca teve
a não ser o som avaro
de sua tanta alegria

que ri do peso das horas
e das curvas da agonia
 
povo se sabe a povo

em cada um comprimido
e mesmo que seja uno

é um pequeno infinito
que a duras penas se vive
com a força de um grito
 
 
povo grita no sangue

como uma mansa corredeira
que sobe o caminho das horas 
inventando um tempo à meias
e que deságua de repente
como uma nave inconseqüente
na imensidão das estrelas
 
povo grita na carne

como uma onda guerrilheira
que emboscasse no peito
a razão porque se queira
navegar nos mares tantos
de todas as suas veias
 
povo sabe a suor
derramado impunemente
nas maravilhas do ofício

de se saber tão urgente
coisa de um quê construído
pelos andaimes da gente
 
povo sabe a alegria

um riso desordenado
que começa pelos olhos
e se espalha pela face
é como sentir a ilusão
de estar encantado
 
povo é tudo que a gente
por mais que não se diga
guarda no gesto inteiro

traz no bolso da camisa
escondido pelo peito

como bandeira da vida

povo sabe a intimidade
coisa de não se sentir baldio
nos metros de solidão
que se costura a fio

cosendo as coisas da vida
nesse imenso navio

que trafega em mares não ditos
como um grande desafio

povo sabe a usina

de construir novos tempos

e de viver pelas horas
consumindo o momento

como uma grande bolandeira
dos destinos da gente

povo enfim é tanto

que nem se diga a razão

de não ser por muito pouco
todo nosso coração

trançado à força da hora

que não se vive em vão.    

pequena alusão ao meu País


lavro a esperança

com a mesma magnitude

com que a chuva cria

os mares que não pude

e se não me estranho

é que me permito

ser um impatriota

com todas as nações em riste.
 
é muito pouco

ser brasileiro

quando vai pela alma
o mundo inteiro.
 

Poema ao Camarada Maia no fragor da luta


quantos vulcões

restarão na tua boca

que ainda cuspirás a vida

em tão extremo desconforto?
 
Assim renhido

na batalha tanta

quem adivinhar
te possa a esperança?
 
És um infinitivo

que ninguém alcança
convulsa a realidade
enrolada em suas tranças
 

Ser


Traio o meu gesto
quando me permito
ser menor que os metros
dos meus sentidos
 
e sobro no tempo
em que não divirjo
das facilidades das rosas
das dificuldades do umbigo
 
traio a mim
quando não digo
a sem razão do meu corpo
em precipício
 
e sobro da vida
impunemente
quando a manhã que me cabe
anoitece de repente.

Solilóquio em torno da presença


A solidão
é só um jeito
de quem não se traz
dentro do peito
 
vivê-la
é exercício
de trazer-se à força
nas demandas do riso
 
a solidão é só uma parte
dos nossos infinitos.

Tribal


minha tribo

é tudo aquilo
que convence
meus sentidos
 
indígena
me desfaço

na aldeia geral
do que abraço

A Faris Odeh em palestina vigília


o tanque
embutido na guerra
nem sabe do valor
de tuas pedras

bólides morais
elas habitam
os infinitos da luta
que teu braço agita

ainda hoje assim gritam
e tangem a Palestina pelas vias
desses futuros que teus gestos
nas pedras escreviam

Ao meu filho André


a vida
companheiro André
é de uma alegria exata
não tão gasta
que não se faça triste
e que não seja alegre
por não ser tão vasta

contém no nosso peito
a latitude necessária
de fluir pela boca
quando se luta
de engasgar-se com a morte
quando se cala

construir o seu discurso
é o ofício de quem a guarda

Da Palestina e das intifadas


toda manhã
é palestina
e há pedaços do futuro
em cada esquina
 
toda manhã
é palestina
na exata proporção
do que se luta e se ensina
 
toda manhã
é sempre um vão
das intifadas
do coração.

Da saudade como futuro


Ah! saudade
que prende o tempo no peito
e joga a manhã pelo mundo
que brinca nos olhos da vida
que salta nos ombros de tudo

Ah! saudade
um dia será a esperança
de quem espera a verdade
por certo será no futuro
o canto da liberdade

Ah! saudade
um dia virá como paz
vestida assim na cidade
perdida nos sonhos da gente
vivida nas ruas da tarde.

Das avenças e dos ritmos


o absoluto
não existe
tudo por que se luta
está em riste
é como se nada do que é tanto
permitisse a exata medida
de dizer-se menos
que os ritmos da vida
 
tudo que é perfeito
talvez consiga
escrever-se incompleto
nessa medida
e aventar-se humano
na completude do que diga
 

Das inteirezas da luta


o infinito
é somente um tempo a mais
no meu percurso
nada do que me mede
sabe a dimensão
dos sonhos que uso

é que os alinhavo
impunemente
à contraluz
do meu discurso.

Das lucrativas misérias sistêmicas


a fome
é só um enredo
que o mercado, em lucro,
quantifica no medo 

O ágio, como dilema,
transcende todas as costelas
dos que o produzem
no curso da miséria 

parasitas,  insistentes,
inscrevem na história
sua aparência de gente

Das necessidades e dos mercados


a necessidade

é sempre humana
nada do que contrário
 lhe reclama
 
a necessidade

não se insere

num mercado fluido
e adrede
 
a necessidade

não cogita

de locupletar-se com bits
dúvidas e dívidas
 
a necessidade

não habita o mercado
tirante os que preenche
nos humanos dividendos
onde tudo que se soma
é um senão a menos
 
a necessidade

não se atira nos produtos
como uma garça retirante
o vôo que prescreve

é sempre humano

e um riso é mais rentável
que o fato econômico
 
a necessidade

não está estampada

nos neons coloridos

das madrugadas

ela se estampa no homem
grávida de tudo

na paz que se constrói
pelos mercados do mundo
 
a necessidade

destrói o mercado

tão completamente
quanto constrói a vida
nos mercados da gente

Das palavras do povo em sintaxe exata


uso a palavra
guardada em cachos
assim como em árvores
de uma extensa mata

o verbo me semeia
numa ilusão exata
de que homens cavalgam
os rumos das palavras

e exatamente público
engulo as gramáticas
que meu povo planta
pelas praças

Das presunções e da vida


até que
percebas
que a vida
está em cena
na exata proporção
do teu problema

a verdade é apenas
um jeito presumido
do que se apresenta

viver é quase tanto
quanto inventar a cena

Das virtudes teologais em avessa lógica


nunca creio.

o fato é invólucro

de relativos efeitos

o que era hoje

pode ser um ontem desfeito
sempre creio.

o fato é notícia

de tempos incautos

que permitem o povo

nos seus saltos.

O desejo

é só uma dança

que o futuro diz

da esperança

é que trazê-la avulsa

pelas praças

é o sentido da luta

em que nos lançam

o amor

sempre é um comício

nada do que lhe tange
é indício

sua razão é peregrina

de fatos e notícias

como uma estrada estendida
 da largura exata da vida.

Do capital em decúbito recorrente


o mercado
regurgita
as léguas da fome
que exercita.
Homens e lucros
em decúbito
estupram moedas
e debitam absurdos

o capital moribundo
estertora sua pança
e apodrece a razão
nas larguras do mundo

Do dirigir da vida


A vida
nunca é tarde
quando se tange a manhã
da liberdade.

Dos voos retóricos em ondas


minhas asas
são as palavras
que o poema entorna
pela alma
aves retóricas
só intentam
inventar nas frases
um vôo do pensamento
e assim lúdicas
iludem os verbos
traçando futuros
no peito do verso

minhas asas voam mansas
nos sonos que adormeço

Em futuros e tempos displicentes


a plataforma do tempo
é um imenso descampado
onde o povo cria fatos
na ânsia de completá-lo
é assim como um discurso
de verbos rastejantes
que vão comendo as palavras
e seus significantes
e construindo os andaimes
desses todos retirantes
 
é que a vida sempre boceja
os fatos que sigam avante
como uma cornucópia no espaço
dos futuros que adiante

ode central de amor ao povo


de ser composto assim
como uma grande semelhança
não lhe sobre porque vário
qualquer resquício de incontância

flua como um rio caudaloso
e que tão calmo, e grave, e forte
diga-se mais estrada do futuro
e que tanto caminho lhe comporte

junte em cada esgar e cada riso
as nesgas do humano que lhe importem
e medre como medra qualquer culpa
que se escapa de um grito de revolta

seja no seu peito e sua norma
um quê de pássaro, um tanto de resposta
e voe sua lida em voo raso
enviesado albatroz de nossa história 

queira-se lídimo apesar de inconstante
que mesmo legal seu estatuto
subverta a razão por que se invoque
a extrema tarefa de ser puro

e que seja lama de boa amolgadura
e lâmina frequente de seu susto
e que se construa numa mesma forma
guardada a compreensão de quem a usa

que osso e carne
seja pouco
como invólucro formal
do meu esforço

que carne e sonho
não contente
a exata medida
de quem sente

que eu e a consciência
convenhamos
o vasto estatuto
que nós somos

diz que o homem
é um prazer absoluto
desde que não mantenha
as medidas do seu susto 


Ode definitiva a Reich


minha emoção
preside

a assembléia geral
do que eu não tive
 
minha razão

assume

todo e qualquer futuro
que me pune
 
hei de andar assim
incontinente

como se a vida não coubesse
naquilo que se sente
 
e sempre me permito
ainda insolvente

cobrar o que da vida

gasto assim impunemente.
 
meu corpo

é o esforço

que minha alma
apresenta

ode em tudo


o primado da madrugada

decreta em sua instância

melhor distribuir-se em tudo

que ter da vida apenas a esperança
 
a primeira noite
é jazida avara
resto de manhã
numa tarde rasa
 
o princípio da vida

é quase, sobretudo,
um riso amanhecido
atravessado no mundo
 

odes animais e variados informes


I
 
a raposa

pulsa o pânico

e engatilha o mêdo
em trânsito
 
ergue a vida

em decúbito

e alinhava a paisagem
quase em susto
 
II
 
de ser elefante
saiba-se escândalo
de carnes, paciência
e espanto
 
anônima tonelada
sonhe nos quilos já leve
os átomos frugais

de paquiderme
 
e arquitete a tromba
como andaime inato

de construir a paciência
no meu olho raso
 
III
 
garça já não seja
apenas tanto pássaro
mais um pedaço urgente
de beleza
 
lírica não esteja

gravada apenas lúdicamente
nas costas da natureza
 
IV
 
albatroz

não se infinite
como um verbo desgarrado
da laringe
 
teça seu vôo

em pauta mais unânime

e reverta meu sonho em desalinho
do tamanho exato do meu sangue
 
V
 
formiga

ninguém se obriga
a subir a vida

em descida
 
minúscula

ninguém escuta

nos trovões do peito
a maciez da luta
 
VI
 
quando tigre

raie a madrugada

no limite mais incauto
de toda sua plástica
 
e flua fartamente
qualquer sonho exausto
nos dias que se arquivam
nas paredes do seu salto
 
VII
 
mesmo leão

não me disponha

a permitir que me perca
em tudo que é sonho
 
e cultive o rugido

com pertinácia e conseqüência
em cada e qualquer grito

que parta da consciência
 
VIII
 
se tão corcel

palmilhe a estrada

com a vasta sofreguidão
da madrugada
 
e revolva caminhos
por quem andara
renhida a solidão
de quem não para
 
IX
 
assim rinoceronte
me custe a carapaça

em me cobrir de passos
amarrotados nos sapatos
 
e me construa lídimo
apesar de gasto

e que me seja tanto
apesar de parco
 
X
 
e adredemente humano
me rascunhe no horizonte
com os traços que a luta
escreva no meu sangue   
 
 
 
 
 
 
 

Passeata


e no meio da luta
que o povo leva nos braços
caminha adrede o futuro
alinhavando nossos passos.

Poema à burocracia


os birôs

de militar postura
escondem dentro de si
mortes e amarguras

e se fazem urgentes

ao explodir a prática

num coito desinformado
entre o homem e a máquina
 
o documento

tem uma face lógica

e suores subentendidos
e risos datilográficos

e em cada ângulo de si
traz sempre a serenidade
de um efêmero processo
de negação da vontade
 
o funcionário

posto em sua função

de cidadão consentido
inventa no dorso das letras
um pretenso objetivo

de concluir contra o próximo
qualquer viés proibido

nessa estatal caminhada

de consumir seus sentidos
 
o funcionário e o birô
pastam letras e matemáticas
e se se dão à razão

se suicidam na prática

pois um birô requer

como arquivo latente

a vontade do funcionário
presa num documento
e se se forma a fração
nessa proporção burocrata
o funcionário torna-se birô
de estranha matemática
pois em não sendo mobília
é um móvel estatizado
com a mesma sem razão
do erro datilográfico.

Poema a Vovó Titinha em saudade posta


minha avó
dizia sem voz,
inscrita no retrato,
todos os verbos
e todos os caminhos
em que estivemos separados

doía em mim
minha presença
à falta de tê-la
como presente
nos descaminhos saudosos
da consciência

minha vó era um mar enorme
e eu nem pude sofrer sua ausência

poema ao meu avô


meu neto

dentro de mim

é um avô descontrolado
tantas as razões de células
que ainda guardo

e que entornam pelos olhos
quando em desagrado
 
meu avô

dentro de mim

é um neto inconcluso

tantas as faltas que reclamo
e que explodem no coração
quando as uso
 
eis a similaridade

todo avô é sempre um neto
em que não se cabe.

Poema de amar repente


É preciso amar
e amar tão precisamente
com a força do coração
e a certeza latente
de quem milita a vida
nessa constância de gente
 
não um amor comprimido
contado a quatro paredes
não um amor lacrimoso
contado no vão dos dedos
 
mas um amor combatente
tecido no chão do peito
e que guerrilheiro se apresente
e que da paz se acrescente
e que varando a manhã da pátria
afogue a noite que se sente.

Poema em tanta desproporção


Há manhãs destemperadas
em que minha pátria havia
em quase nada
 
lavrava eu
um quanto abraço
que abarcasse meu povo
em seu cansaço
e que se dissesse único
mesmo vário
 
e a compreensão
desse destino
fez-se contrária ao peito
que carrego em desalinho
 
não que a desavença
houvesse convencido
que o coracao é um decreto
que revoga todos os sentidos.

Srebrenica em plástica hecatombe


em Srebrenica
tudo agita
a condição humana
de quem fica

em Srebrenica
velhos não existem
mas a esperança jovem
de quem ainda é triste

em Srebrenica
ninguém admite
que a vida esteja posta
em cabides

em Srebrenica
não existe a mágoa
mas a grande compreensão
de que se tarda

em Srebrenica
a lógica resiste
a parecer fundamento
de quem vive

em Srebrenica
nada é da vida

Verborrágica vazão da dor em síntese


a dor
possui os resquícios
que as palavras lançam
em seus comícios

eis que avança
como dor e verbo
e flui em ondas
em destempero
lanhadas todas as ternuras
pelo chicote do medo

a dor é só um disfarce
dos verbos sem enredo



Da flor em quadrante


é que nos ombros da flor
por tras do seu colorido
navegam os sentimentos
na jangada dos sentidos
é como um feitiço do olho
que teima em ser abrigo
das tempestades da cor
explodindo seus sorrisos
como se à vida não bastasse
sua condição de ser riso
quando a natureza gargalha
a aventura de ser vista.

Da judiciária vazão da luta


Nos autos do mundo
lavre-se o despacho:
que seja lançado o povo
às vias correntes do fato.

Nos autos do mundo
crave-se a sentença
e sejam deferidas à pulso
suas conveniências.

E que assim feito em praça
nos desvãos do seu invento 
impetre ávido na luta
as curvas da consciência

Da morte em traços gerais


Na morte
esqueço de mim
e sou tudo
nada do que era outro
me fará de novo
meu plural é o mundo
e tudo que escolho
é a liberdade e a certeza
do genérico consolo
de todos os vãos da natureza

Da noite em vazão estrita


assim baldia
desconvocas a vida
e, de repente,
renuncias
a todos os mandatos
do dia
à contraluz
refoges da manhã
que te anuncia
e inventas a razão
da rebeldia

ainda bem
que em teu contorno
fulgura o sol
em que me jogo.

Das infinitas messes em jogral


era um tempo
de nem onde
era um campo
de nem quando

sopro, entretanto,
de quanto íntimo fosse
nesga de unicidade
que infinita messe

repente água
e movimento uno
salta a contração
dos calmos absurdos
a matéria esgota o tempo
e lança o espaço no futuro.

Das medições dos olhares


Os horizontes
nunca terminam
a gente é que esquece a régua
e as medidas
de trazê-los sempre ao passo
da vida.

Na verdade
contra os destinos
o horizonte é só mais um passo
a que nos consentimos

medir os horizontes é só tarefa
de réguas comprometidas
com os freios que se criam
nas andaduras da vida

só ao povo
cabem os horizontes medidos
pela certeza de que todos
cabem nos seus sentidos.

Das razões da caminhada


que aquilo que alinhavo pela vida

na extensão inteira do seu curso
possa dizer exatamente tanto
quanto de verbo tenha meu discurso
 
pois por te- la assim sob medida
em todos os seus vãos desenfreada
admita a hipótese de morrê-la

com a certeza de todas as estradas
 
é que o vão de te-la assim disposta
é um terçar de armas diuturno

em que o braço quase sempre tenta
atravessar o vão do seu discurso
 
e a meta de vivê-la fartamente

nos contornos mais simples da vontade
é quase um exercício dos abraços

nas avenidas do país que se abrace
 
e assim caminhem verbo e vida
pelas estradas grávidas do povo
construindo o futuro que vigia

a plenitude de tudo que é novo.

Das usanças do viver


quando o sol

embutido no mundo
desregrar sua luz

em cada ponto

e a mansidão dos homens
alardear a manhã

eu chamarei Sepé Tiaraju
para desbravar um tempo
em que estaremos juntos
na construção de todos.
 
Nenhuma pedra então
tomará seu curso

e a vida carregará a vida
apenas como uso.

das vertentes coronárias da dor


ah! esse meu peito
que balança
e que sente mais
do que é preciso
a esperança

e que porque sinta
deixe-me assim desavisado
de que a vida é só um tempo
que nem sempre é tarde

e nunca me perceba
como se recebe
essa mania inata
de sofrer em tese

De ações e direções


Empírico,

nada é tão lúdico
que me faça viver
a qualquer custo
 
é que viver

mais que um discurso

é a travessia de um tempo
a longo curso
 
é construção

de uma praça coletiva
guardada a proporção

dos singulares que se viva
 
empírico,

nada é tão lógico

que me faça viver

fora dos ossos

viver é apenas a função
dos verbos que eu possa.

de águas e almas e outros tantos


mares são planícies

de líquida andadura

não se prestam aos passos

e à rapidez dessas ruas

antes caminham lentos

nas rédeas desses seus barcos
resguardada a violência

de todos seus descompassos
é como se fora uma paz
lavada nesses abraços

que a água dá nos viventes
como um recado do nada
e nas velas que o vento penteia
como bandeiras desatadas
tremulam todas as ondas

da condição dessas almas.

Distrato da fome


a fome não prescreve.
como rasurar a vida
se nem tanto e pouco
é o que se deve?
a fome é intacta

nada que não seja tanto

lhe desarma.

a fome é avara,

tudo que lhe seja nada escancara

a vergonha de ser humana

na cara de quem cala.

a fome presta-se ao poema

como um quê intransitivo

que nem transige, nem constrange

o que se dera por arte sendo sangue.
É que a palavra

sempre se permite

a dizer-se esperança

mesmo quando em riste

é que os homens anoitecem

quando a manhã é pouca

e não se tenha do pão

como amanhar a desculpa

função que nem seja quanta

de quantas inda há

pra se inventar a luta.
 
a fome é invólucro

de uma carne inóqua e transitória

que tanto mais exista

tanto menos importa

a fome é uma instância

de um tempo inumano

de consumir os homens e a esperança

a fome não se contrata

seu projeto nem de longe se arquiteta
como um vão exeqüível de curvas e retas
antes é um aviso urgente

de quanto tudo não houve

a fome é bandeira

de escancarar o homem pela vida

e nunca é só desejo

apesar da desmedida  

Dizeres a Ângela Maria


ainda assim, Abelim

terás do tempo

a compreensão verbal

de quem ousa gritar o mundo
pelos dentes

porque se cantas

não admites

que anjos tramitam pela garganta
nas notas em que insistes

e é de vê-los insones

nos bemóis mais destacados
 inventando dizeres

cheios de pecados
 
quando cantas

nem adivinhas

que teu povo em tua voz caminha

 
como uma canção que tenta
construir um canto

de tudo que se lamenta.

Dizeres fantasmagóricos


as almas
não discursam
faltam-lhes o verbo
e a culpa
 
almas são assim
transeuntes

nada do que não seja
lhes assume
 
porque em vê-las
assim avulsas e em pânico

a ninguém é dado
o seu trânsito
 
as almas

não matam
faltam-lhes a parcimônia
e a vigência da prática
 
almas dizem-se assim

de distantes e de baldias

e nem as rezas lhes cobram
alguma serventia

por não tê-las acesas

nas desoras dos dias
 
almas são só trejeitos
de quem entorna energia
no quadrilátero estreito
dos inexistentes da vida

Do grito insubstituível da vida


Meu vínculo 
é o que sinto
pensar é só preciso
naquilo que o coração 
é meu indício

A razão é quase gesto
de que prescindo
quando o coração aponta
os verbos do que digo.

Meu vínculo 
é o que grito
na rua geral da vida
em que me infinito.

Do poema em navegante razão


o poema
delata
os debruns da vida
em passeata
funda mandíbula
de palavras
engalana verbos
e os desata

e nessa lírica procissão
em que desaba
é quase um enfeite da razão
um aconchego de palavras

dos caminhos insurgentes


O destino

é só um âmbito

de estar-se em trânsito
 
é que lhe sobra um jeito
de ser subversivo

tudo que lhe guia

é a vontade e o infinito
 
o destino, impunemente,
é só um tempo avaro
que o peito as vezes joga
nos minutos da gente

Dos oníricos assaltos


Dou-me
ao assalto
de furtar meus sonhos
do meio dos fatos
é que por trazê-los
assim rendidos
sobra-me o tempo
de tê-los pelos sentidos
como argamassa construtiva
de todos meus infinitos.

Memorando da consolação


eu boiei no teu corpo

como uma fragata constrangida
e habitei várias guerras
perdido no rumo com que lidas
 
eu me tangi na noite

com a descompostura dos prazeres
e nunca me tive como tanto
tiveste de mim nos teus haveres
 
e me amanheci noturno

sob as pálpebras do mundo

por tão apenas te sentir sem fim
e eu, concluso, tão sem prumo
 
eu mergulhei no dia

como um peixe descabido
naufragado impunemente

nas desfaçatez dos teus sentidos
 
e me rememorei em ti

em cada franja das calçadas

e tão sem peito, o coração em punho
discursando o verbo em toneladas
 
e rascunhei poemas

em cada ruga da estrada
perdidas as rebeliões

no leito avulso das palavras
 
e quase sem fôlego

tropecei nos advérbios

que teimas em derramar assim

na esteira cadente do meu cérebro

Ode à pequena Ana


Ana é lógico
que entre tuas tranças
mora o ócio
e que são cabelos
como impostos
na vida infante
que suportas
e jazem no dia
como óbvios
apesar das armarguras
que te informam

Ode circunstancial e palestina


balas não desenham a tarde
balas apenas descrevem

a indignidade.

balas não são balas
apenas indicam
uma morte desnecessária.
 
o menino

envolto em balas

é um dedo em riste
na cara dos canalhas
 
o menino

envolto em medos
é um tempo

de segredos.
 
o menino

envolto em morte
é a descontrução
de sua sorte.
 

Palavras a Haidée Santamaria


que meu coração

seja uma ilha

de receber todas as naus
de Haidée Santamaria
 
que teu coração
tenha em Cuba
todos os sonhos
de tua luta
 
que teu coração
seja na prática
qualquer tua razão
de camarada
 

palavras à morte no cosmos


a ciência
pulsa a nave
nos gritos humanos
do astronauta
seu enorme braço
de mecânica e fogo
seu medo escondido
no segredo do corpo
eis o espaço
pênis atômico
de quanta certeza
de parir ciência
pela natureza

a construção
morre no vão
todo braço podre
cava o chão
e funde-se e resolve-se
na composição urgente
de sua negação
e nega-se
envolve-se
de miasmas e pó
um cadáver de astronauta
cada vez maior
e quanta morte
no peso da inércia
o nervo líquido
achando-se matéria
e átomos
e antônimos
e antes
e anônimo

a máquina
revolve a mágoa
do astronauta líquido
na praça
e mágoa
na máquina
o botão calcado
pelo astronauta
e manhã
 nos boulevares
nas barrigas urgentes
de fome e de luz
e o astronauta
morto na cápsula
comprimido no espaço
das léguas da alma

a morte enfim
na noite quântica e cósmica
o eletron da vida
fugindo das revoltas

Palavras ao Camarada Arvid Pelsche


pois é, Camarada Pelsche
a morte teve o desplante
de desunir a soviética união de tua carne

no centro da página
na sua sílaba mais funda
eu vi o teu semblante rosa
na solidez gráfica do mundo

mas por essas razões
que ligam a sílaba à alma
meu coração desconheceu-se
com ganas de astronauta

e nessa desavença
entre a notícia e a vontade
eu te saúdo, ainda vivo
nas sílabas da vida que montastes.

Poema à mulher da bunda grande


quando não és

enches a rua de incertezas
e nem meu peito acha

de te perder na consciência
 
és uma crise

alheia a vãos desejos

e a exata incompreensão
do que eu nem vejo
 
porque a lúdica simetria
de tua glútea paisagem
enseja a exata proporção
de todas as miragens
 
e nesse escândalo de carnes
que transitas na avenida
nada do que é intransitivo
cabe em tal medida
 
e o ritmo em que incendeias
todas as vias e todas as veias
constrange a compreensão
de que nem és sereia

Poema de madrugada insólita e pátria solta


é de saber-se 

que a tarde é morta
no dia que a noite
traz à sua volta
 
noturno parecer

que trai a tarde

e estupra os céus de minha pátria
como a borboleta negra dos teus olhos
 
é de se saber

que o dia é vindo

quando a noite monta em madrugadas
nos corcéis infindos dessa pátria
 
castiça luz

que nem se sabe
amolgando os homens
que em vivos nascem
e morrem em cedos
quase em tarde

Ritmo de métrica duvidosa e dizente das coisas do poeta


todo poema é avesso
e avulso da vida e de si mesmo
e é maior que o poeta
em cada letra
e muito menor do que aquele
que não se cometa
 
o poema é um abraço ilógico
no vão da continência
e é quase uma razão
sem muita contingência
e, talvez, mais que palavra,
seja placenta
de embrulhar a vida aos pedaços
e sem muita paciência
 
o poema é desconforto
embora tenha-se porto
e nem mesmo é continente
quando adredemente posto
pois lhe sobra a aparência
de viscera enorme
no vão da consciência
 
o poema
é um transeunte da vida
tudo que lhe cabe
em qualquer medida
é insuflar a emoção
de quem se inventa pelas avenidas.

viver


vivo

e tudo que me vive
me explicita

nos risos que guardo 
no bolso da camisa
 
vivo

como quem acredita

que só a dúvida tange

as certezas da vida

e nem adianta vivê-las
em desmedidas

uma e outra constrangem
sua inteira medida
melhor contê-las avulsas
na incerteza do dia
 
vivo

como quem navega

num mar consentido

em que o horizonte de mim
viaja comigo.
 
vivo

como quem morre
intimamente consigo
nada do que me mata
deixa de ter-me vivo.

Da negra condição da liberdade


negra
a pele ausculta
o falar do peito
que o sistema anula
e assim na rua inaugura
os gestos das palavras
em que os passos fluam
montados na realidade
dos corcéis das lutas

e como grávidos serão os futuros
nas madrugadas escuras!

da negritude em áfrica vertente


as áfricas
que trazes em ti
são intifadas
negras razões
de tua fala
verbo itinerante
de batalhas
que ainda trovejam
nos ombros das palavras.

as áfricas que exercitas
nos desvãos da tua carne
são os músculos atentos
de quem se arma
com a certeza da vida
e a exata compreensão
das insuficiências da tarde

as áfricas que habitas
na noite de tua face
é a bandeira que inaugura
a humana eficácia
e a certeza irrestrita
da vitória que montaste

da procissão e dos descaminhos


a procissão
convoca
todos os passos
e todas as portas
como um roldão exato
de respostas
 
à frente
deus informa
todas as direções
e todas as lógicas
e, satélite de si,
nem se importa
com os metros de vida
que entorna
 
a procissão
é matemática
tudo que lhe marca
é o gesto intenso
de quem se gasta
nos trejeitos solenes
da passeta.

Da recorrência e das atitudes


recorrente
a vida nos remete
a tudo que o tempo
por tanto acontece
 
resta-lhe a vontade
nesgas de espaços
uma leve impressão das mortes
em que sempre cabe
 
seus ângulos
mentem à geometria
e desdizem as medidas
e as monotonias
 
recorrente
a vida explode
em todas as suas vias
como um rio desordenado
de todas as alegrias
ao homem cabe pescá-las
mesmo que não saiba
conduzi-las
 
recorrente
a vida é sempre o outro
porquanto dizê-la privada
descabe tê-la em uso
e nem medidas há de usá-la
como discurso
de construir a imensidão
de todos seus escrúpulos
 
recorrente
a vida é passageira
na mesma proporção
em que medeia
o curso de sua ação
a amplitude de suas veias
pois vias há de contê-la
em infinitos contados
da soma de todas as vidas
com que se constrói a verdade
 
recorrente
a vida é relativa
até por ser absoluta
sua face incontida
de não viver apenas em um
mas de ser vária e desmedida
conjugando todos os homens
numa ciranda incontida
 
recorrente
a vida é tão precisa
que é preciso não deixá-la
pelo bolso das camisas
melhor é tê-la guardada
nessa aventura coletiva
que faz os homens nadarem juntos
os mares todos da vida.

das larguras de mim e do futuro


lúdico

nada me
 joga público
 
andante

de mim

discurso

e súbito

deixo os repentes
em que me culpo
 
sou um barco,
enfim,

de todos os mares
do meu curso
 
o sonho

é só um jeito
em que me uso

Das temporais mutações da vontade


e quando faltarem as manhãs
saberemos anoitecê-las
e as traremos escuras
nos braços do povo
nada do que seja o tempo
saberá dizê-las
menos matinais e francas
que a vontade de tê-las
construídas assim à muque
nas avenidas em que sejam

do amor como avença e norma


o amor

é avença desregrada
tudo do que é tudo

é quase nada

e é boiar-se no sólido
como se fora bólide
de atingir as luas

de quem ame

e de faltar às tardes
de quem tarde
 
o amor

é avença desregrada

é um consumir-se sobrando

é um expandir-se na falta

é como se fora um oceano

que coubesse em todas as almas
e que restasse pelos dias

nas noites em que se declara
 
o amor

é uma avença incauta
nada do que é cautela
he desata

antes é imprevisto

como um intenso salto
que se dá às pernas
com ganas de astronauta
 
o amor

é uma avença sutil
como a felicidade
nada do que lhe tange
inventa-se pública

ou como concessão
de quem lhe invade
 
o amor

é uma avença avulsa
de veias e de vias

é convergência inata
de cada alegria

e um desandar de ruas
nas desoras do dia
 
o amor

é uma avença cogente
tudo que tange os olhos
atiça a alma tão sempre
que nada do que é humano
se desencarna da gente
 
o amor

é uma avença tardia

tudo que lhe chega a cedo

é de um tempo tão difuso
que chega até a ser noite
nas serventias do uso
 
o amor

é uma avença plástica
tudo que seja forma
o declara

na urdidura das normas
na ditadura da prática
 
o amor

é uma avença drástica
guardada a desproporção
de todas as almas

nada do que não seja todos
poderá sê-lo na prática.

do exercício da ida


a morte é nada

de repente

e a um tempo é tudo
quando se deixa de si
como ausente

é como construir a ponte
entre um futuro

que nem se sente

e um passado que pulou
no coração da gente.
 
morrer é um viver
de tempo diferente.

Do pintor em declarada ânsia


o gesto
repete o sonho
em tirar do bolso
o encontro

nas cabeças
restam chapéus
voando, borbulhando
no pincel

do ato
resta a vontade
de pintar a cor
da liberdade

Dos aviamentos e vieses


aviarás a vida
em receita avara
nas gramas do ser
dos teus pesares

aviarás a vida
em receita farta
nos risos bordados
nos desvãos da alma

aviarás o outro
em receita coletiva
em que te disponhas
a cometer a vida.

dos métodos e divisões da alma


subversivo
sobrevivo
entre mim

e o que digo
 
nada da ordem

me desonera

de ver no horizonte
o sentido das pedras
 
subversivo

me desfaço

nas léguas do povo
em que me acho
 
e as almas que tenho
amiúde

apontam todos os nortes
do que pude.

elegia prosaica ao caldo-de-cana com pão doce


o rio verde

é quase uma alegria

que amolga o instinto

na garganta

e como porto

tange a língua

como as mulheres tangiam
as panelas gerais

da minha infância
 
pão invente-se pão

menos por ser pasto
mas por trazer-nos à mão
um sentimento arcaico

e um gosto transeunte e laico

dos enredos disformes da razão
 
e ainda que pasto

seja a condição

pra se ter o peito livre
grávido da nação

Fidel hasta siempre


Morto
Fidel indica
que a história
é apenas
um degrau da vida
 
tudo que lhe leva fica
a revolução é sempre gesto
de permanecer invicta

ode aos meus possíveis adversários


ganhaste o jogo,

em qualquer circunstância,
não concorro
 
perco,
até adredemente,

pra me guardar em lutas
que a história me consente.
 
 

Ode do futuro e convicção perene


haverá manhãs

que serão tão claras

que nem será preciso sentir
o que se tem na alma
 
e haverá
madrugadas avulsas
que anunciarão
o dia como desculpa
 
e haverá noites
que de tão macias
flutuarão sem jeito
pelos dias
 
e haverá tardes

tão urgentes

que nos pegará com a aurora
ainda nos dentes
 
e haverá espaços

e contingências
prestante o riso do povo
à incontinência
 
e haverá um tempo

de uma laica textura

enrolada nas tranças
de gente pelas ruas
 
e haverá um muro
transponível

e murmúrios dilatados

e um discurso rascunhado
em cada passo
 
haverá montanhas razoáveis
e uma leve ilusão

de que nunca é tarde
 
e haverá futuros desenhados
nas paredes de cada muro

e a simples constatação
desses abusos
 
e haverá crianças

e cebolas

tecidas nas tardes

das paciências nervosas
 
e haverá lentidão

em quem se gosta

e uma urgência incauta
e sem lógica
 
e haverá rebeliões

em cada aorta

tecido o sangue
num grito de revolta
 
e haverá sangue

em cada juízo

vivida a terra da face
 em cada riso
 
e haverá egos

aos borbotões

renhidas as circunstâncias
dos senões
 
e haverá tudo

que não só seja

uns palmos de infinito
pela natureza.
 

Ode eclesial


I
 
na nave

deus

é barco

de tanger a vida.
 
o homem

em ondas

é mar que não se teve

e que apenas transita

entre um rasgo de esperança
e aquilo que nem se cogita.
 
deus e homem

apenas se contemplam
um esculpido em perdas
o outro em paciência
 
II
 
em oração

impune e mansamente

o homem constrói andaimes
pela alma das gentes
 
deus em si

constrói-se e se constata
como um verbo intransitivo
de estranha matemática
 
e deixa-se mínimo

nessa íntima sintaxe

que lhe conjuga tão incerto
em verbos que nem prolata.
 
III
 
na nave

a salvação é uma bandeira
de espalhar pretextos

pela noite brasileira
conforma-se à norma
decretada a priori
de que a paz é apenas um susto
que se reteve na memória.
 
homem,

deus é tanto

que teima em ser altar
imune à confiança.
 
na nave, entretanto,

deus e o homem escondem de si
qualquer desesperança.   
 
 
 
 
 

Ode preferencial à vida


da vida não se queira
ajustá-la adrede a uma norma
pois sendo única é muito mais
do que sempre nos informa
 
pois já de tê-la assentada

em planícies e em agoras

ninguém se tente a entendê-la
quando vige, ás vezes, em desoras
 
vivê-la é já não tê-la

como se era quando

pois há um futuro intestino
em cada desencontro
 
e é por demais sabê-la
transeunte vivaz do tempo
e cabê-la em cada espaço
que se desprende da gente
 
é de vê-la coração
ingenuamente
como se fora motor
do que se sente
 
é de vê-la razão
constantemente
alinhavada aos neurônios
desses todos viventes   
 
é de dar-se à vida

com o mesmo desfastio

com que os velhos canoeiros
fingem dominar os rios

Ofício aos 46 anos, com cópia para nenhuma autoridade em especial


nasço
porque acho
que a vida morre-me
aos pedaços
e junto suas partes
nas rugas que mereço
e meço minha carne
com metros do meu medo
e nem me digo morto
quando inválido
meu abraço jovem
já desmaia
e nem sei se vivo
quando sempre morro
e nem sei a morte
quando sempre ajo

Paisagem I


E o mar deitado na praia
vivendo as coisas do sonho
espera que a lua acorde
e pule nua em seus ombros

e cavalgue a manhã
com a presteza dos passos
de quem inventa uma paz
rodeada de abraços

Poema ao catador de papéis


catas o lixo

como te constatas
ausência de tanta
eficácia
 
carpes a vida
intransformada
repetição do que é tudo
em nada
 
buscas as letras

de verbos intransponíveis
que nem precisam de olhos
para serem lidos
 
fardos que sintas
em tuas costas

de consumir verbos
que nem notas
 
e lavras o lixo
em concordata
numa digressão
desmatemática.

Poema ao jazigo do meu pai


O jazigo de meu pai tem cordilheiras

que atravessam meu peito pela tarde

e que inventam amarguras no meu riso

e que gargalham no meu pranto quando tardo
 
o descanso do meu pai é óbvio
nada lhe reclama o exercício
de todos os seus ossos
 
o jazigo de meu pai tem bandeiras
que tremulam no vão de minha face
e que alcançam todas as palavras
das nossas eternidades
 
o descanso do meu pai é vário
ainda resta um interstício
entre sua morte e meu abraço.

Similitude


meço as minhas réguas
com a mesma infinitude
com que alinho os metros
do que eu nunca pude
 
e é de tê-las tantas
estendidas pela vida
no roldão das conveniências
em que as quero resumidas
 
meço as minhas réguas
pelos espaços do que posso
nunca pos as haver por avaras
fosse razão para dizê-las óbvias
 
e sou de aferir a todas
na relatividade dos ócios
a que me obrigo como cidadão
quando a vida ainda cabe nos ossos

Tempos e movimentos do sonhar


passageiro de mim
adormeço
em todos os sonos
em que me esqueço
 
é que lembrar no dormir
é esquecer-se avesso
e deixar os ombros do sonho
partir nos tempos do cedo
antes que a noite infrinja
a persistência do medo.

1º de Maio


a massa
era um coice exato
e grávido, de repente,
o trabalho deu um salto

não que, tão urgente,
se forjasse em tal aprumo
e saísse da barriga do dia
para o vão do mundo

mas que se jogassem
no singelo esforço
de trazer a força na mão
e o grito no bolso

eram tantos
e de uma paz tremenda
que roíam as mágoas da vida
agora feitos em moendas

não instrumento mecânico
de bruta consistência
que rasgasse o véu da história
em tão humana moenda

mas que fossem soldados
perfilados nesse mister
de tornarem-se moendas
da classe por que se é

Auto da razão


o verbo
é só resquício
de tudo que restou
pelo comício
o amanhã de todos,
a contraluz - quem sabe?
decide o trânsito urgente
e pertinaz da liberdade

Da felicidade e sua lógica


a felicidade
é só um jeito
de prestar-se a tanto
basta que se lhe dê vontade
é um quê de esperança.

é que de fluir baldia
nos tempos da vida
presta-se coletiva
mesmo indivídua
e cai nos braços do homem
sempre dividida:
uma parte é crédito
o outro tanto é dívida

é que a felicidade
em todos os sentidos
é sempre um débito
que ao outro é devido.

das intermitências do tempo


nem sempre
estou comigo
a largura da vida
é um grande indício
de que navegamos juntos
o infinito
e nem o passado
é tão conciso
há um futuro dele
impreterivelmente desmedido
 

Das mortes em dias de vida


nos dias em que morro
nem pressinto
o quanto de vida houve
nesse labirinto

antes a repasso
como complacência
para que a morte enfim
nunca me convença

e se não a aquilato
ou revelo seu jeito
é que é mais fácil morrer
com vida no peito

das tempestades tácitas e implícitas


a nuvem
posta no cosmos
é apenas postagem
dos meus olhos
tudo que lhe tange
é a rebeldia
dos ares de uma pátria
sem serventia
que teima em fazer do céu
subjetiva moradia

postadas aos montes
as nuvens dos homens
chovem num céu
ainda sem horizontes

Das vestimentas e suas vertentes


nas dobras
do teu vestido de tule
meus olhos boiavam imensos
em tudo aquilo que eu pude

e neste mister avaro
de ser-me ávido e manso
recolhi-me em meus sorrisos
a cada esgar de tua semelhança

em cada esquina
do teu vestido de tule
eu me catei inteiro
e me desfiz contente
e me contive a custo
quando não em mim
estive já presente

Do pantanal em chamas


A arara azul
leva nas asas
uma nação
em brasas

a onça,
pintada em sua chaga,
desmaia o fogo
que lhe mata

e a sordidez humana
escarra sua podre alma.

dos balanços vitais


hás de andar assim
incontinente
como se a vida não coubesse
no que sentes

e sempre te permites
ainda insolvente
cobrar o que da vida
gastas impunemente

Dos cangaceiros verbos da noite


no Raso da Catarina
o poema laça o cangaço
e o verbo procrastina
todas as vias de fato

o cangaceiro
nos ombros do verso
joga-se inconformado
ao encontro do verbo

e o poeta
na sua baldia gesta
tenta resgatar os fuzis
das palavras que emprega

dos tamanhos da gente


não caibo em mim
frequentemente.

é que, às vezes, a vida
sobra da gente

como se fora um rio

que procurasse corrente
pensando em todas as ondas
dos mares que se enfrenta
 
constantemente

a vida é um mar de outros
nos rios do que se sente.
 

encruzilhada


saio da inércia

em que me acho

a encruzilhada é uma véspera
do abraço
 
não é preciso que a tenhamos
como um caminho

que deixou de definir-se apenas
mas há que compreendê-la
na sua gesta insana

de conduzir a todas as razões
porque se chama

aliás
porque chama

a encruzilhada sempre é

de quem ama

nunca está onde se chega
nunca chega onde desama
porque é por tê-la na alma
que se é humano
 
há que sê-la na compreensão
de que a vida é problema
que sabe a solução

em cada dilema
e que se perde nas trocas
que o homem manipula
como se dar fosse moeda
que encontrasse recusa
 
na encruzilhada
me apercebo

que a coragem

é um tipo escancarado de medo
que nem chega a ser diferente
de todos os seus outros enredos.  

Ode de marujo e mar e substantivas tardes


Salgadas

já não trago

minhas mágoas

pois a bombordo
ninguém informa

os mares que carrego
em revolta
 
a tarde

nem é substantiva

é muito mais um tempo

que esqueço no bolso da camisa
 
marujo

nem me encontro
lavrando as costas do mar
quando me sonho
 
mar
nem me atrevo
a despejar as ondas
dos meus medos.
 

ode de um amor preciso


urdes-me a noite
com a dessemelhança
dos dias que trago embutidos
e que em vão me cansam

porque mesmo consumido
em suores mais urgentes
eu me queira tão latente
num desvão do teu sentido

porque mesmo amarguras
se as estraçalho em tua ausência
vige uma esperança intacta
na concatenação geral dos meus sentidos

que me levam avaro
a bastar-me em teu semblante
e das noites inteiras que desfio
na exata compreensão do teu sorriso

Onírica vazão de fatos e repentes


o sonho
é um veredito
que se dá ao futuro
como indício
de que a vontade
é só uma demora
em montar as peças
da história

o sonho
nada no presente
os rios e mares
que o sonhador consente

o fato é só um detalhe
do sono que se sente

Pequena balada militante


Caminharemos a história
com a feição dos ventos
nas mesma proporção
de tudo que fazemos
 
e os dias se dirão escassos
quando vistos de nós mesmos
e que serão eternos
na construção dos tempos
 
e haverá manhãs
em que não seremos tão poucos
pois nos sobrarão razões
para todos nossos outros
 
e haverá lembranças
dos que domados a si mesmos
cavalgaram a história
na estrada dos desejos
e construíram as manhãs
em que pudemos vê-los
 
a ssim somados
habitaremos o mundo
até que o estado
sejam todos,
abraçados o coração,
a razão e o povo

Pequena digressão


A distância
é apenas um jeito
que o tempo teima em dar
no pensamento
coisa de ser desatendida
vividas as horas todas
dos metros todos do dia
nada do que é tanto
pode ser tão lento
em qualquer medida
que não se tenha avulso
na imanência da vida.

Pequena digressão acerca do dia


que aquilo que alinhavo pela vida

na extensão inteira do seu curso
possa dizer exatamente tanto
quanto de verbo tenha meu discurso
 
pois por te-la assim sob medida
em todos os seus vãos desenfreada
admita a hipótese de morrê-la

com a certeza de todas as estradas
 
é que o fato de te-la assim disposta
é um terçar de armas diuturno

em que o braço quase sempre tenta
atravessar o vão do seu discurso
 
e a meta de vivê-la fartamente

nos contornos mais simples da vontade
é quase um exercício dos abraços

nas avenidas do país que se abrace
 
e assim caminhe verbo e vida
pelas estradas grávidas do povo
construindo o futuro que vigia

a plenitude de tudo que é novo.
 
 

Poemeto de razões e tanto


Mais não tenha a razão humana
que o invólucro inteiro de um fato
e que sobrepasse o mero espelhar
de tudo que o olho lhe retrata
 
e não se diga inteira quando farta
por lhe faltar um quê de completude
pois o ser assim quase completa
é que denota a escassez que lhe pune
 
e vague pelos sonhos mansamente
armada com os versos que lhe caibam
e adormeça em torno desse canto
com a presteza exata dos que amam
 
mais não tenha a razão humana
que os metros todos da verdade
e que só se perca e se encontre
e se eternize assim quando se invada
 
o mais é cabe-la pela vida
no grito, na palavra e na vontade
e consumi-la aos tragos quando cedo
e permiti-la avante quando tarde.

Poeminha desdizente das mercadológicas razões


a página do sítio
regurgita

a extrema modernidade
que explicita

tudo que lhe é invés
desacredita

coisas do passado...
trogloditas...

nada é mais tanto

que o botão dourado

da nova máquina

que se afirma
 
a notícia

na sua estampa

é muito mais fecunda
do que se disse

é que na bunda da atriz
ainda há celulite

nada mais profano

e nada menos humano
do que desacerto tal

a que se assiste
 
o sítio

terceiriza a vida
impunemente

nada do que é humano
perpassa sua mensagem
adredemente
 
o sítio

embora não diga
inventa um dia

de bytes coloridos

e consome o homem
no reclame geral

de seus sentidos
 
o sítio
não pensa

como dizia

antes convence

dessa simetria

que tenta igualar a todos
no mercado geral

da hipocrisia

produtos agora são homens

de manipulada serventia

que obedecem a suas máquinas
na estranha desarticulação

da lógica e da vida
 
nos bits

não há espaço

o bem e o mal

cedem o passo

tudo que é rentável

é capaz de ser abraço

há um fuzil sempre esperando

o alvo do seu desate

e nem importa que o assassinato
atinja a cidade

a morte é apenas um detalhe
que justifica o produto

e suas propriedades

o cantor

de bemóis tão resumidos

canta pelas roupas e é em tudo
o que consegue
vender
pelos mercados do mundo

e é de vê-lo resmungando

nos microfones da vida

os barulhos que inventa

com alguma música ao fundo
ludibriando os ouvidos
num estranho absurdo
 
o estado no sítio

religioso e terrorista

espalha balas traçantes

pela vida

tudo que lhe tange

é a simples constatação

de que deus é mais um soldado
da sua revolução

matar é quase um dever

da democracia latente

que teima em ser liberdade
inventar esse presente

de expandir os negócios

de forma mais consistente
levando à mercadoria

a condição de ser gente
 
a ética

restringe-se à norma

de parecer condizente
com o que o sítio informa
todo rei é um parasita
mas registre-se a certeza
sua majestade é apenas
um produto da natureza
e nada mais rentável

no mercado resistente
que a saia de uma princesa
num festa beneficente
 
do sítio

tem-se a impressão

de um futuro

que está à mão

é certo que um pouco podre
e com certo quê de ilusão
 
do sítio

registre-se o fato

de poder-se adivinhar
qualquer realidade
nem é preciso pensar
que a gente ainda pode
raciocinar com a razão
 assim como hipótese
 
no sítio finalmente

existe a contradição

de que ao homem não cabe
descontruir a razão

antes há de tê-la vivente
nos bytes do coração
navegando humanamente
a sua revolução.

Posologia das horas em trâmite


ao futuro presente
cabe um passado
contumaz e renitente

tudo que se luta
nas costas do tempo
como uma saudade
resvala lá na frente
assim como um girassol coletivo
esperando o nascente

Receita de abará


o feijão fradinho

quebrado assim em circunstância
de molho, reste como desejo

de toda temperança

no mais fundo desvão do homem
 em que se baste a constância
 
de como Obá enfrenta a vida
assim guerreira, assim santa
orixá de tudo que atinge
orixá de tudo que tange
de todos os Xangos da vida

em que se resume e se expande
 
pile-se em pilão sem tempo

das paciências em que se arvore
empenho de quanto se basta

para que não sobre qualquer senão
desmanchado assim em pasta

de perene e uniforme concisão
 
como em Oba é contrito

o ritmo de sua luta

por desfazer-se em Xango
de todas suas disputas
e construir-se mulher
com um quê de aventura
 
descanse a massa serena
na concisão do silêncio

e reste como invólucro

de tudo que lhe convenha
 
cebola em faca se agrida
cortada assim em pedaços
pra que espalhe o suor

de vegetal e de atalho
em direção aos caminhos
das bocas em que se valha
 
assim como Oba preenche
as lacunas de sua espada
com o ruído do inimigo
que lhe serve na batalha
como um alvo itinerante
de todas as suas mágoas
 
e camarões à mancheia
como se fosse num mar

de um amarelo dendê

que faz a vida inventar

esse gosto de aventura

que a língua teima em achar
 
e tudo assim em mistura
amolgado em pau e colher
mexa-se no conteúdo

o tudo quanto se quer
orixa, reza e paixão
Oba, desejo e mulher.
 
e quando assim travestida
em massa de tal afeição
embrulhe-se em bananeira
em folha e sofreguidão
como se fora um lençol
de guardar rebelião
 
é que por Oba se permite
sem qualquer contrafação
inventar-se um quase pecado
na palma de nossa mão
 
e leve-se ao banho-maria
com a certeza tanta do fogo
e no vapor das manhãs

a cozer esteja envolta

com a constância de nós

e a persistência do povo
 
e quando pronto enfim

apenas um esteja à mesa

com a vontade de todos os outros
de todas as Obas que se conheça  

Versos em deslavada assintonia temporal


molho meu poema
de suor e vontade
como transeunte verbal
da liberdade

livre, concluo
por sobre os muros
as insuficiências de mim
nas nervuras do futuro

e o verso, líquido,
posto em drama,
isenta todos os presentes
dos passados que declama

balada a minha terceira mulher em caso de urgência


nem a minha saudade
por ter-se tão vasta
preencha o quanto de tua ausência
em que se diga ávida
ou que fora pouca
ou que se faça marca

meu coração
é uma bandeira exata
de tremular em ti
na tua falta

nem a minha vontade
tenha-se controlada
em distribuir tua voz
no vão dessa cidade

meu coração
é um motor inato
de sempre ter sido
tão em ti
voraz e automático

não dessas energias
que se filtram aos pedaços
mas que em cada novo gesto
descubram assim tão de repente
que a vida sempre bóia nos teus olhos
comigo apenas navegante do teu peito

nem os infinitos
que se contam comumente
ousem desembaraçar em ti
aquilo que, em mim, é de te ter tão vasta
e condição de ter-me vivente

Caminhada de viventes em caminhos impostos


quando o caminho da vida
lá dentro da gente
é só um beco fortuito
daquilo que se sente

perdura exato na dúvida
como encruzilhada
e destrói as ilações
na dialética que abraça

caminhos assim serão sempre
essa ilusão das estradas
que nunca levam ao tanto
mas completam a jornada
como se o destino custasse
o desconforto da alma.

Da paciência em rompantes


os imediatos
são um tempo largo
se a paciência os traz
com o futuro nos braços
inconsumidos
assim a destempo
naufragam os fatos
no pensamento

e em contentar-se com o triste
a ninguém é dado alvoroços
quando o futuro existe

Da recorrente condição de ser todos


Todo singular
é tão coletivo
que mostra seus ancestrais
em cada choro, em cada riso.

É que não há como detê-los
nessa transeunte lida
onde nem preciso ser só eu
para me jogar pela vida

cada um,
a cada momento,
é só uma passeata do coletivo
no descampado do tempo.

Da vida e outros dramas


o entorno da vida
é também a vida
mesmo que a razão
a contradiga
coisa que enseje um tempo
à deriva
como barcos e verões
em contradita
 
o entorno da vida
é também um trato
nada que não seja eu
é meu compasso
minha régua é um tempo
em que sempre me abraço

Das avenças do tempo em célere movimento


há um tempo
de rever as empreitadas
e consumir como tudo
o que é quase nada

há um tempo
de recrutar a vida
e merecê-la plena
pelas avenidas

e há de haver um tempo
para pentear os cabelos
com o mesmo desfastio
com que os velhos canoeiros
fingem dominar os rios

há um tempo
de sonhar as madrugadas
como um dia inexato
pelas calçadas

e haverá um tempo
de rever os risos
não apenas como músculos
distraídos

e há de haver um tempo
no peito dos homens
em que a paz apenas seja
e adredemente se conforme

e haverá um tempo
a desoras
no mais íntimo grito
de quem chora

há de haver um tempo
que assim não medre
como as dessemelhanças
do que apenas deve

Das medições do caminhar


Desfaço as regras:
todo caminho
cabe nas pernas
 
o tamanho do passo
inventa o destino
do que traço
 
a vida é só estrada
de tudo que abraço.

Do luar de Puno com o mar subentendido


o mar

dói como a saudade

na consciência de quem sabe
do luar de Puno

quase se avista

o mar subentendido

que a cidade administra
 
o mar

tem a brutalidade

como uma herança

que restou nas tardes frias

como uma necessidade de esperança
 
o mar
dói pelo avesso

e - quem sabe? 

no vão de sua espuma
há sempre um recomeço
de todos os luares de Puno
e as memórias em que me esqueço

Dom Quixote


língua de seda
lança de angústia
lavra Dom Quixote
sua luta
 
bóiam no campo
ávidos misteres
estraçalhados vãos
dos seus prazeres
 
rola na barba

uma frescura inata
de sua alma precoce
de astronauta
 
amanha no riso
lavoura adequada

aos afazeres que a paz
escreve em arma.

Dos fazeres versejantes das esquinas da vida


de dedo em riste
decreto minha alegria
na aurora mais latente
das veias da poesia
e rompo o poema
com todos os abusos
guardados assim em mim
como um íntimo discurso
e, rompida a manhã,
alinhavada simetria
ressono na placidez informal
das certezas da vida

dos meus tempos e das minhas desmedidas


A manhã

me contradita

tudo que me amanhece

é uma noite irrestrita

todas as horas do meu sono
olham um tempo

em que me amanheço

em contradita
 
a razão de ser um modo
humano em sua dita
sempre deixa meu tempo
numa cota resumida
eu sempre sou o que digo
apesar da desmedida
 
homem é sempre um tempo
de todas as medidas

dos restos de mim pelos caminhos


as doses de mim
que não consumo
transitam frequentes
em todos os rumos

minha direção 
é sempre
aquilo que me lança 
na certeza de gente

viver é só um entalhe
ao esculpir o presente.

dos sentidos


meu ímpeto

é estar em trânsito

e distingui-lo das ruas
em que me espanto
nem todos os caminhos
me dirigem

no sentido exato

em que os tive

é que os passos,

às vezes, contradizem
todas as léguas

e todas as origens
 
caminhar

é apenas mais um jeito

do rio que guardo em mim
assim sem leito

no sentido da jusante

de mim mesmo.

dos tempos e das consequências


amanhã

é um tempo gasto
toda esperança
vige inexata

tudo que o tange
é a prática
 
amanhã

é um tempo consumido
tudo que lhe mede

é infinito

é como se fora régua
que medisse o intangível
 
amanhã

é um tempo vasto
cabe qualquer futuro
nos seus atos.
 
 

dos usos da verdade e seus modos


a verdade

nunca trai o gesto
de absolutizar a vida
em seu interno
 
a verdade

é tática

sempre lhe cabe um futuro
por inexata
 
a verdade, amiúde,

tem estratégias

é que lhe parece jovem
ser velha.

dos verbos e sua andança


meu verso

apenas tenta
derramar nas palavras
minha crença
 
não que o verbo

nas trincheiras da vida
tenha os mesmos metros
do que se acredita

antes delibera

nas esquinas do novo
aquilo que a palavra
mede em todos
 
meu poema

apenas convoca

todos os meus afetos
todas as minhas portas
e se os prolato

e se as invoco

é por ser o futuro
aquilo que eu posso.

Dueto botânico em humano relato


encontras o horizonte
com a mesma qualidade
com que explode o riso
pelo vão da tarde

ainda ssim
usina de ti mesma
nem adivinhas a razão
por que estejas

se já repousas
em noites que não vivas
o vento lavra meus sonhos
no ritmo em que deslizas

e quero-me planta
como se humana fosses
para caber num horizonte
com toda tua pose

Lapinha em lapso repente


a contramestra nem sabia
que o vermelho da vida
no seu vestido nascia
dos voos que a borboleta
em suas asas dizia

é que o sonho da borboleta
era de um azul declarado
que tingia o jeito da gente
como um farol encantado

e o povo todo cantava
os versos do seu enfado.

Metabolismo em rasante manifesto


meu metabolismo
é um trânsito intenso
das estradas que em mim
moldam minha essência

proteínas, glicoses
enchem meus neurônios
com a razão de admitirem
a montagem dos meus sonhos

a razão de minhas células
é a condição urgente
de estar ombro a ombro
com o que me sente

viver é só metabolizar
nas estradas de gente

Palavras a Seu Andrade na morte de sua amada


pelo olho
vaza a vida
salgada sem razão
da despedida

pelo verbo
jorra a alma
usina de muitas léguas
oficina que nem usavas

pelas rugas
escorre a mágoa
vadia emoção
agora inexata

pelo homem
corre o indício
de que a tarde
é um grande precipício

Poema em famélica pose


a vontade posta
nas pedras da calçada
é uma fome avessa
desenhada pela cara

o homem aos pedaços
íntimo do lixo
inventa em si
qualquer indício

nada de ainda humano
é o seu ofício

Quebrada del Yuro habita o mundo


outubro em oito
o tempo grita
no espaço da carne
comunista

o guerrilheiro
maior que a morte
inventa a história
e sua sorte

e as léguas de si
que joga no mundo
constroem o futuro
e a certeza de tudo.

Shakespeareana


Eis a questão:
no meio da filosofia
teus olhos nascem
e crescem sobre mim, aéreos,
como andorinhas reticentes
que pousassem no meu cérebro
 
a cada página
o teu olhar desmaia
e a custo eu invento
filosofias pela alma
 
sou e não sou
quando em ti constato
todas as possibilidades
dos meus filosóficos atos.

coplas desarticuladas aos meus bigodes brancos


nem que se quisessem cordas
de sofrear incautos movimentos
meus bigodes poderiam arcar com a norma
da vetusta compreensão do sentimento

pois de humanos em pretenso exercício
mas se digam invólucros defasados
de uma idade que se quer bastante
e que se diz tão pouca na saudade

mas de tê-los assim amanhecidos
pela brancura do tempo que me invade
antes eu queira senti-lo assim bastante
na compleição geral em que me ardo

Da largura do amor em larga pauta


A Lane Pordeus

Só ao amor
cabe o absoluto
guardadas as proporções
e as léguas do seu curso
é que não lhe trai
o uso moderado
de tudo que a razão
Interdita aos incautos

só ao amor
cabe o infinito
e a capacidade lúdica
de nunca medi-lo

o amor é só medida
de quem possa realmente senti-lo.

Da luz em contrário senso


No olho
a luz informa
que o universo é pouco
para conter o óbvio
a luz sempre será
um infinito inócuo
tudo que lhe é sombra
será lógico
pela mesma razão que tudo
é também o seu contrário
guardada a proporção
de sua história
 
ao homem cabe vivê-la
no seu contorno
esse trabalhar infindo
de construir o novo

Da ordem gramatical do ego


concreto
deixo-me estar
subjetivo
e publico a feição
dos atos
em que me adjetivo

abstrato
em lúdicos ofícios
largo-me presente
e me substantivo

a gramática de mim
é quase um comício

da wiphala em grávida fala


a wiphala assim tangida
é índio e alma de povo
da pátria grande
e das pátrias do novo

estandarte
não se presta à lida
de enrolar-se em mastros
mas nos braços da vida

a wiphala é um discurso
adredemente colorido
que se deita pelos Andes
inventando avenidas

Das andanças da certeza com nesgas de sonho


a pátria
é só um jeito
de constranger os limites
do que devo

dos mares
todos que declara
navega em jangadas
os rios do nada

até que chegue o tempo
de construir-se aos poucos
pelos costados da terra
a pátria geral dos povos

Das circenses conjecturas do ego


Fica decidido:
tudo que sinto
é o picadeiro
do meu riso

fica decidido:
nenhuma palavra
restará calada
no trapézio da fala

fica decidido:
o mundo será o circo
dos malabares que jogo
no meu grito

fica decidido:
todos serão a corda
em que me equilibro.

das contingências do poema em quadrantes


o poema é torto
em sua essência
pois as palavras são pedras
de estranho alinhamento
não tem a mesma solicitude
dos barros mais gerais
que se aninham na vontade
de gestos oficiais
palavras antes se arrumam
em circunstâncias mais latas
e navegam uma a uma
as profundezas da alma

mas, antes de ser torto,
o poema é vasto
e sempre existe a condição
de torná-lo plástico

Das saliências introspectivas do medo


No medo

rescindo meu segredo

e construo de tarde

o que era cedo




nada do que me é tanto

é tão discreto

mesmo que pública

sua razão e manifesto




no medo, ao inverso,

navego a coragem

do meu verso

palavra que seja planta

no verbo a que me empresto

construindo a paisagem

das estradas do que meço.

de mares e coqueiros simplesmente


nesta exata compostura
em que te postas no horizonte
árvore, nem te permitas
deixar minhas retinas 
nos teus ombros
é que deixá-las
ao sabor dos teus ventos
tangem meu sonho pelo mar
como nesgas do pensamento

coqueiro nunca te importas
com as sinapses e o tempo

De outros dizeres da vida


nem sempre

estou comigo

a largura da vida

é um grande indício

de que navegamos juntos
o infinito

e nem o passado

é definido

há um futuro dele
impreterivelmente
desmedido.

De sonhos como sentido


futuros
,
engavetados na memória,
sonhos dizem apenas

o óbvio:
 sonhos
são apenas
 os tempos
do que eu posso.

de tempos e verbos


nada

haverá
 em tudo

que não diga mais
que um verbo
 em desuso

guardadas as proporções
de todos os discursos
 
tudo

haverá
 em nada

que não transite incólume

como a madrugada
guardada a razão
de um tempo mudo
grávido de palavras.

Dizeres em torno do amor


ao amor é dada a vazão

de ser assim tão de repente
que não lhe sobra a feição

de matéria inconseqüente
pois por mais desavisado

nos verbos em que se assente
diga-se de tal constância

que palavras lhe acrescentem
apenas o invólucro

de parecer diferente
 
ao amor é dada a concisão
de parecer-se infinito

mesmo que se tenha à meias
nalgum desvão dos sentidos
é que lhe atesta a distância
a temperança do rito

quando descamba pelas mãos
num gesto mais irrestrito.
 
ao amor é dada a confluência
dos rios em que se navega

e mesmo sendo líquido

é tão parente à pedra
que resta quase montanha
no peito de quem lhe perde
 
ao amor é dada a economia
de parecer-se adimplemento
de tudo que se agregue

no peito da consciência
é que lhe falta a razão
de ser assim comedido

e bastar-se em medidas
em que se tenha contrito
 
ao amor é dado o desplante
de ser um carnaval invertido
onde nada do seu avesso
habita simples indício
de que é uma festa renhida
da plenitude do siso

nada do que lhe é próprio

é propriamente sentido
pois sempre escapa à razão
de ser quase um grito
 
ao amor é dada a diversidade
de ser um um divisível

por todas as abscissas

de qualquer algarismo
pois sua matemática

é de escorreita decisão
nunca se tem em números
mas em unívoca contração
que trama a franja do peito
nos traços de qualquer não
 
ao amor é dada

a estranha similitude

de parecer-se a si mesmo
embora tanto se cuide

de mostrar-se diverso
numa mesma latitude

em que o coração transita
do tamanho de sua luta
 
ao amor é dada, enfim,

em todas as medidas

a plena concepção do trânsito
que sempre acelera a vida  

Do comprimento dos mortos


os mortos de minha vida
tem léguas de sentimento
que é difícil arrumá-los todos
no exíguo espaço do peito

do eu lírico e das sintonias futuristas


a palavra
e seu dilema:
como não ser idéia
no poema?

a palavra
e sua norma:
como só vestir-se
da forma?

a palavra enorme
decreta no poema
sua lógica
basta vê-la displicente
nos verbos que informa

do mister da vida


diz que era preciso

tecer um dia fecundo

e boiar frequente em cada abraço
e entranhar-se nas coisas

e perder-se no mundo

diz que era preciso

truncar cada soluço

e beber os sais e as lágrimas

e espantar da face cada susto

diz que era preciso

engravidar a noite

e parir-se de lua

e beber os beijos que pulam
perdidos em cada rua

diz que era preciso

amanhar o corpo

e trançar no peito a saudade

e engolir no vão dos sentimentos
a textura bruta da vontade

diz que era preciso

empalmar o horizonte

com a nesga infinita

do olhar da tarde

diz que era preciso

consumir o dia

e dividir a boca

da largura da alegria
diz que era preciso

enfunar a vela dos cabelos

e partir-se do mar

e fugir-se do mêdo

diz que era preciso

amansar a incoerência

e afagar a vida

com a solicitude exata

com que se constrói a consciência
diz que era preciso

empregar o mundo

na placidez inconstante

dos sentidos

diz que era preciso

consumir o sonho

com a sofreguidão e a tática

dos grandes oceanos
diz que era preciso
nutrir-se do verso

e se achar palavra

e se nutrir do verbo

diz que era preciso

rasgar-se o peito

nos arames humanos

da grande incompreensão
diz que era preciso
amar-se o irmão

com a força do abraço

e o jeito do coração

diz que era preciso
suportar os fardos

e engolir as culpas

e inventar pecados
 
diz que era preciso
batalhar o pão

e compartir a fome
e fartar-se de não;
diz que era preciso
conclamar o povo

e fundir-se na praça
e fazer-se novo;
 
diz que era preciso, enfim
julgar o carrossel da vida
com a exatidão da anatomia
de quem se joga no mundo
com a força da alegria.

Do pátrio desconforto


a pátria
é quase sempre
um vago e efêmero
desconforto

e se contrange
a quem lhe ama
é que a pátria nem sente
aquilo que proclama

apenas resta no peito
como medalha indevida
desgovernada solução
das vielas da vida

no vão da rua
a pátria existe
como ícone

no vão do peito
a pátria insiste
em dizer-se norma
do que é triste

a pátria é só a certeza
dos futuros em que não esteja

Do poema e da luta em concisão


que o poema
não se constranja
em embrenhar-se na luta
que se tanja

que a luta
não se engane
que o poema é bandeira
de tremular pelo sangue

é que poema e luta
derramados nas ruas
são duas armas do homem
um atiça a verdade
que a outra consome.

Do riso em mim com mares e correntezas


Meu riso
é um jeito
explícito
de ficar comigo

é que me consinto
mesmo baldio
atravessar todas as léguas
do que desafio

nada como nadar meus mares
nas jangadas do que rio.

dos dizeres sobre a vida e outros


sobro

de tudo que me cabe

a vida é sempre maior
do que se sabe

e nem lhe resta

a contradição

de conformar-se cedo
com o que é tarde:

o tempo nem lhe cobra
os trâmites da liberdade.

dos ilimites do futuro


Eis a síntese:

tudo que acontece

finge

um lado é fato

o outro crise

o sonho é apenas a versão
do que insiste

ainda que a razão

me tenha triste.
 
sonhar é só palavra
de um verbo farto
que às vezes voa

na sola dos sapatos.

dos personagens e outros tãos


a bunda da atriz

é grave frontispício

de tudo que o sistema

faz comício

carrega em si

toda filosofia

enclausurada nas manchetes
de cada dia

o sexo passa a ser drama

de exígua tessitura

trançado nas entrelinhas

da ditadura
 
a democracia

cresce na imagem

do marginal dilacerado
na paisagem

o jornal regurgita

um sangue profano

no sacro desentender
dos seus enganos
 
na face do senador

existe quase a certeza

de que ao homem é dada
qualquer desnatureza

seu verbo é tão baldio

e alheio ao que destaca
que chega a dizer-se tanto
nos discursos que alinhava
 
a mulher na foto
carrega a maquiagem
como se fora a solução
de todas as miragens

e o cronista social

atiça a conveniência
pela própria condição
de despresença

é que lhe cabe muito
nos verbos que assenta
 
o gerente do banco
garante a simetria
entre a dama da corte
e sua grave revelia
destrava todos os cofres
invalida suas guias
como se fora um calote
nos ombros de cada dia
 
o governo aparece

em sua métrica enorme
de assassinar os civis

nos militares informes

é que não pode o sistema
abdicar da função

de replicar pelos campos
as normas da escravidão
salvando a democracia
na boca de seus canhões
 
e ao macaco da manchete
resta a vermelhidão

uma vergonha animalesca
das coisas e das manhãs.

em direções e laços


a bússola
é incoerente
pois nunca aponta o norte
que se traz dentro da gente

o sentido que aponta
é empre tão exato
que não cabe dentro do peito
ou na sola dos sapatos

e nesse conselho que traça
como irremediável ofício
não tem ainda a precisa candura
dos humanos exercícios

Memorando ao trabalho


prezado senhor
ou suor agora
queira tomar meu corpo
como escola

e não me pare
enquanto a vida
correr no meu punho
pelas avenidas

e não me deixe
sobrar do povo
que do suor da luta
constroi o novo

meu tempo em resenha flagrante


pela manhã
assim de repente
o tempo esqueceu
de estar contente
e eu chorei as horas
tão perdidamente
que esqueci meus olhos
nos ombros do presente

pela tarde
assim vadia
a vida boiou nos mares
das ondas que eu dizia

à noite
o futuro nasceu
como o novo dia

o âmbito da vida e outras refregas


o âmbito da vida

é a pátria humana

e não há que tê-lo

em limites frouxos

antes é vê-lo numa ordem
avessa a tudo que é pouco
 
o avulso da vida

é o desengano

o resto é apenas sonhar
a possibilidade do sonho
e derramá-lo pelos ossos
sem espanto
 
o inverso da vida

é um tempo plástico
esgarça-se num espaço
involuntário

onde nada se mede
pelos metros que abraça
 
o invólucro da vida

é a mágica

de construir a si própria
na prática

nada do que é retórico
lhe constata

a não ser o verso informal
de quem soletra sonhos
pela estrada
 
o espaço da vida

é quase um não
guardada a possibilidade
da revolução

e nem passos há

de exatidão

tudo que lhe caminha
está à mão  
 
 

ode a Havana no 495o urbano tempo


assim espalhada

nos ombros da américa
argumentas um traço

de urbana lógica:
paredes serão o limite
nas urgências da história
 
cidade não te contentas

em ser um feixe de pedras
que a teu povo convenha
melhor te dares um campo
medido assim impunemente
como se fora um jeito

de colorir seus viventes
 
Havana não reivindicas

nada do que seja fato

em tuas notícias

antes te constatas lenda

contadas em tuas esquinas

de um povo que constrói um tempo
com as certezas da vida
 
Havana estás presente
em todas as manhãs
daquilo que consentes

Ode ao carimbo


cada carimbo
traz dentro do peito
um funcionário inerte
eficaz e contrafeito
que ao carimbar
as faces do ofício
carimba antes a si
dos carimbos mais gerais
que carimbam seus sentidos

nesse jeito pertinaz
de bólide oficial
o carimbo engole vidas
em decúbito ventral
e comenta sua derrota
no arquivo morto
o homem como papel
e o velho como novo

e estando arquivado
sem classe ou garantia
o homem tange o coração
pelos decretos da vida

odes filosóficas e ditirambos desconexos


I

o princípio

não inicia

apenas esquece em si

o que havia

e é não sendo

como se permitia
construindo a descontrução
do dia.
 
e não é por sê-lo

assim avesso

que trai o jeito

de ser começo

mas por ter-se a prumo
em desafio
ao eximir-se dos fins
por que se cria.
 
II
 
o princípio

é um fim em vão
resta-lhe no tempo

um inteiro não

mas dá-se a futuros
com a mesma simetria
com que a noite
inventa de ser dia.
 
III
 
o princípio

não é resposta

antes se tem

como pergunta

de todas as portas

indaga

quando é

o que não sendo

na alma

e resta

no espaço

como adaga

que nem se dissesse lâmina
de cortar a fala
o princípio
medra

como uma ilusão
da pedra

um rastro manso
da matéria
 
IV
 
o princípio

tem-se a custo

como desrazão

do discurso

posto em palavras

não transita

uma verdade que se quer
absoluta

é-lhe íntimo

o curso

dos melhores rios

do uso

e acostuma-se

à corrente

como barco definitivo
que aparenta

singrar com jeito

o peito do infinito.

Pequena ode à coerência


A Wladimir Lênin

Fica o dito como dito

mas que dize-lo tanto

seja preciso
 não apenas
na balsa das palavras
mas no dorso objetivo do ofício.
 
Fica o dito como dito

mas que faze-lo tanto

seja infinito

enquanto perdure uma roseira amarga
pendurada no vão do nosso grito.

Poema ao falido rio


eu te percebo rio

no correr das minhas veias

e não importa que não o sangue
seja o deslizar de tuas cheias
 
eu te concebo rio

embora tu nem creias
que um dia foste corrente
de percorrer minhas veias
 
pois nem de águas

tens a postura e a certeza
de como te postas em vão
atravessado na natureza  

Poema ao meu povo em dias de premonição


há que vê-los joões
cerzidos à parcimônia
franzidos na consciência
embutida em seus sonhos
 
há que vê-los aos risos

nos prantos em que se lavam
construindo as manhãs

no desespero das tardes
 
há que vê-los transeuntes

de sonhos tão alheios

que entornam de suas mentes
com a certeza de vivê-los
 
há que vê-los civis

em militares continências
brandindo a vida à pulso
pelos vãos da inocência
 
há que vê-los marginais
trazidos à coerência

de lutar por algo tanto

que a simples sobrevivência
 
há que vê-los indecisos

nas certezas que navegam

como se fossem de um mar

que as ondas sempre lhes negam
 
há que vê-los urbanos

nas suas rurais investiduras
como se fossem os campos
de sua eterna escravatura
 
 
há que vê-los incontidos
nas desmedidas do tempo
pelas certezas de que tudo
caminha sempre aos ventos
 
há que vê-los em paciência
nos horrores da batalha
tangendo sua miséria

com a urdidura da fala
 
há que vê-los resumidos
num infinito incoerente
que trava o jeito do mundo
no peito aberto da gente
 
há que vê-los marias
trançadas pelas lembranças

das mulheres que apenas vigem
nas dobras da esperança
 
há que vê-los imberbes
na senectude da face
meninos quase senis

nos desvãos de sua idade
 
há que vê-los tão magros
como interrogações urgentes
como se ossos fossem razão
de construir seus viventes
 
há que vê-los nas noites
embutidos nas madrugadas

como se a vida fosse um pingente
que tramitasse no nada
 
há que vê-los condenados
na alforria de todos

como se toda liberdade
fosse uma espécie de cobro
 
há que vê-los passados
num futuro tão incômodo
que pulsa pelos seus passos
como um eterno retorno
 
há que vê-los alegres

nessa exata pantomima

que enche o andar da vida
com os risos de quem caminha
 
há que vê-los materiais
no imaterial desconforto
de subverter o espírito
nos combates do seu foro
 
há que vê-los absolvidos

das sentenças mais incautas
que julgam o raso dos homens
com ganas de astronautas
 
há que vê-los reticentes
na multidão de juízos
que atropelam as gentes
quando viver é preciso
 
há que vê-los combatentes
nas guerras mais combatidas
rasgando seu coração

nos peitos das avenidas
 
há que vê-los senhores
numa terra sem escravos
como se fossem da praça
os seus sonhos mais avaros
 
há que vê-los, enfim, libertos
pela força dos seus pulsos
nas praças em que o tempo
tenha o povo como discurso.

Poema de manhã e luta


nem toda manhã é absurda
tirante o jeito da vida

e a solidão de quem luta
 
manhãs nunca serão bandeiras
mas um tempo definido

na vontade de quem queira
 
e o tempo nem se ajusta
ao que quero manhã

num tempo de culpas
 
 

Poeminha de limites


meu âmbito

é estar em trânsito

e anunciar-me à vida
e nem tanto

e nem ser adrede
em cada pranto

por cada grão de riso
que encontre
 
meu âmbito

é estar humano

e parecer-me crível
a tudo que eu canto.

Rondó de verbos em palavras e vertentes


palavras não são entes
palavras são, de repente,
os barcos e portos da gente
num mar que já se pressente
e que se teima em atravessar

palavras são fatos diferentes
resvalam nas almas e, geralmente,
escorrem da garganta impunemente
como se fossem cachoeiras displicentes
que jorram nas costas desse mar

palavras são fardos inconsequentes
que jazem na língua adredemente
como um destino que se consente
aos verbos que queiram voar

palavras têm da memória
a mesma compreensão
de um esquecimento compassado
nas curvas do ser em vão

palavras têm vida
quando postas em cabides
quando teimam em ficar nas línguas
onde nunca se admitem

palavras são roçados
de um aceiro incontrolado
que se limitam com céus
e mares desgovernados

Sonata de introspecção


eu quero o aval de tuas coxas
para atravessar tranquilo

as noites de mim mesmo

e ouvir o gosto de tua voz
nas paredes de minha pátria
eu quero o aval de tuas coxas
para encontrar os caminhos
que não pude
e fruir os jogos de minha consciência

e me desmembrar urgente a memória
eu quero a sombra dos teus olhos

para estende-la nos varais do meu bairro
e tê-los sempre apontando o dia

ainda mesmo que não haja.

eu quero o aval de tuas coxas

para engolir os tragos da vida

com a infinita calma dos teus sonhos.
 
 

Acróstico a Mandela


Mais que a vida
A luta se levanta
Nos ombros
Da esperança
E a cada passo
Lembra no povo
A possibilidade humana

Da favela em corrente falar


a favela,
nau desordenada,
navega a vergonha
dos mares de quem cala
ruga urbana,
exausta, desabrocha
as fomes que esconde
em suas portas
e a usina do tempo
escorrendo pela cidade,
amanhece o povo
e um futuro em que caiba

Da luta e seus enredos


Não me submeto
aos limites
do meu medo
 
a ação
é a exata proporção
do que eu devo
 
morrer é apenas um desfavor
na vida em que me escrevo

da paixão em interstício


de cada paixão
resta o desuso
essa preguiça de amar
a longo curso

Da Pedra do Tendó em larga cena


Na Pedra do Tendó
a vida voa
ávida garça pétrea
pousada mansa
nas asas da pessoa
como se fosse âncora
de sonhos passageiros
que o olhar, às vezes, solta
como uma pipa, sorrateiro,
e explode no cérebro
como reflexo e brinquedo

Na Pedra do Tendó
o infinito é sertanejo
e tramita suas léguas
transeunte de si mesmo.

Da sinergia e da alma com ligeiros falsetes


minha alma
tem avarias
de que nem percebo
a sinergia
é que lhe sobra
um jeito sectário
de ser só alegria
 
antes fosse trazê-la
circunspecta
nos desvãos da filosofia
que toma sempre
como arcabouço
de qualquer sabedoria
 
mas é que o mundo
antes dessa antinomia
faz-se muito mais dos risos
que o futuro anuncia.

Das circulares em torno do tempo


de modo algum
é muito sempre
para medir os modos
das incertezas do tempo
 
de modo algum
é quase sempre
um jeito comum
de desalento
 
é que a matéria
tem modos e momentos
de sempre escrever a história
nos avessos do tempo

Das estadias em mim e tantos


vivo e transgrido
como bólide
o instituído
pela razão exata
de lutar comigo
nada do que fosse tanto
é proibido
quando se declara
pertinaz e coletivo

o plural é só um tanto
de estar comigo

Das feituras do verbo em rompante


ao verbo
dê-se a vazão
de navalha lúdica
de gramáticos vãos
e flua recortado
no burburinho tenso
da palavra
como se fora terra
sob a canga dos arados
 
e instale no homem
a urgente oficina
de inventar nos ombros da fala
todas as suas rimas
 

Das medições da vida e outros afazeres


a vida

por inexata

nunca explicita

o que prolata

tudo que lhe teima

é a estranha mania
de ser plástica

a vida

por sonhar

nunca se basta

tudo que lhe é futuro
é o exato tamanho
da prática.

Das usinas da vida no fragor do tempo


usineiro da vida
quem se engane
a dizer do homem
o que lhe tange

porque de rês assim caiba
a magra intransigência
de consumir-se avaro
num mar de opulência

usineiro da morte
quem assim garante
uma vida engastada
num desvão do horizonte

dão-se como bastantes
usineiros do futuro
nas vidas que amontoam
derrubando todos os muros

de tempos e tantos


assim que a vida invente

tudo que de novo se procure

nunca se tenha como isento

aquilo que o tempo inaugura

é que assim talvez a sintonia

do que tange um futuro prometido

possa restar assim como um passado

que não se derramou em vão pelos sentidos.

Descaminho


a ponte estava lá

entre mim e a verdade
quanto menos pudesse

mas havia a possibilidade
não que a houvesse definitiva
como um estatuto

que contivesse a saída

mas um tênue indício

de que a vida pode, às vezes,
ser vivida ex oficio
 
a ponte estava lá
dentro de mim
inconstruída

como se fosse um caminho
de inventar a vida
 
a ponte estava lá

e, no entanto,
distraída
permanecia assim

como uma lembrança esquecida.

Do futuro e suas saudades


nada do que vivo
sempre morre
guardo em baús
uns futuros enormes
que chegam a fingir saudades
quando, cedo, tardo
é que lhes aturam insones
os tempos em que lhes lavro.

do poema em trânsito fugaz


o poema costuma
voar dos lábios
e pular nas almas
nos ombros das palavras
roi entranhas
e desarma
quando, engatilhada, a vida
lhe desfralda
e é bruma e brame
encapela-se nas tardes
quando sangue
mas, antes de mais nada,
o poema tece em chamas
nas rendas do peito
os bordados da alma

Do sono em marinha lógica


O mar assim espalhado
como uma rua de tudo
espelha no meio da gente
as maravilhas do mundo
 
e dormir em suas areias
é um sentir tão profundo
que o sono chega a sorrir
por cima de nossos ombros.

dos 70 Maria em anos


aos setenta

nenhuma catarata
embotará o rumo

que o riso marca

assim Maria

quis o exercício

que dela não fosse o caos
mas um grande armistício
 
porque de sê-la tanto
não possa o vão vivente
aguentar a química exata
de tê-la como presente
 

Dos arruados da vida em caravana


o dia para mudar
é agora
basta laçar a vida,
montar na história
e derramar os neurônios
nas estradas das horas
tangendo o tempo de todos
como se fora caravana
que a gente inventa no peito
e pelos campos derrama

há que entornar a vida
como se fora uma dança

dos dizeres em regra


Eu me explico
em tudo aquilo
que não digo

é que fazer
é quase tanto
daquilo em que vivo

dos grávidos adeuses


quando o dia chegou
nos ombros da madrugada
eu parti do teu amor
perdido pelas estradas
é que teu cheiro ressoava
pelas léguas da memória
como se a vida fosse um mar
que corresse em desafio
e que se perdesse em mim
abraçado com teu riso

Dos trilhos e trens em seus viventes


os trilhos
que trago em mim
são caminhos da vida
dos trens que o futuro tange
com suas locomotivas
e que restam pelas ruas
em espirais de viventes
nos meandros que a estrada
constrói em suas vertentes

maquinista de mim, admito,
ouso os trilhos de quem sente.

Insinuações impatrióticas e alguns senões


frequentemente

desalinhavo o destino nas manhãs

e destravo a vida tão impunemente

que o futuro é como se fora um edredon
por onde cabem todos os viventes.

e nesses alinhavos

desvencilho- me da nação em desalinho
o universo sempre é a pátria

de todos os meus caminhos.

na minha morte


na minha morte

estarei presente

mesmo que não a tenha
compreendido

habitarei o fogo

em carne e ossos

e desabitarei a vida

o melhor que possa.
 
minha morte

não existe

os homens é que teimam
em dize-la triste
 
na minha morte

a vida estará presente.

a minha e toda outra

que leve de mim

a compreensão do tarde

e a não compreensão do que se sente.
 
na minha morte

desarquiteto o limite

deixo de ser só homem
adredemente restrito

e caibo na rebelião

de todos os meus sentidos
aqueles que trouxe à mão

e todos os outros que nem tive
 
na minha morte
me definitivo
passo a ser um ego coletivo.
 
 

Ode à mulher das esquinas


neste teu mercado
de tão viva tecitura
trazes o amor à tiracolo
como te trazem à mão
nas noites nuas
e não te dizes tão noturna
quando assim na cama despetalas
as últimas frações de gente
com que a vida te declara

e neste químico mister
de tecer o amor em cada esquina
coletivizas um prazer exato
distribuindo em vão tuas albuminas
é assim como um parto fictício
das profundezas de tua sina

Patriótica


o raciocínio não medra

quando a bruta fome ensina

a sofreguidão de todas as pedras
que vige tão latente e intestina
qual a definitiva pose

como se fora definitivo

o que não houve
 
e rói o peito da pátria

a pan-nacional sentença
de que cada pátria

é apenas um instante
da hora definitiva

da humana consciência
 
e há de viger o coração

no brasileiro drama imbuído

nesse pulsar da exausta consciência
que pulsa em vão todos os sentidos
 

Pequena Balada Jungiana


dentro de mim
vivem todos
desde sempre
e tudo de novo se inventa
 
o que penso

nunca é apenas

a manhã é que por tanta
ainda orienta

um dia de sentidos
e dilemas
 
dentro de mim

vige a multidão

como um deposito

de todos meus senões
e arrumá-los todos
é um ofîcio imanente
de quem traz a vida
no meio dos dentes
 
dentro de mim

caminham muitos passos
em pés que nem adivinho
como inventar outro de mim
pelos caminhos?
 
dentro de mim

todas as soluções

e uma leve compreensão

de que eu sou um

pelo rumo de minhas mãos
trançadas todas as vias

traçadas as rebeliões

em que eu me invento quase todos
em plena revolução

Poema ao retrato de Olga Benário Prestes


na casa do sapateiro Francisco
nunca espaço te coube

e murchavam todas as horas

e marchavam públicas as dores
 
na casa do sapateiro Francisco
havias em fotografia

como se fosses tão tanta

que Chico inventava os dias
 
na casa do sapateiro Francisco
no exercício do que não dizias
eras um rosa arquitetada

no juízo de quem te via
 
na casa do sapateiro Francisco
apesar da objetividade do retrato
 tinhas um jeito de história

e um gosto intenso e farto
de memória.

Poema de considerações e amores


que tua carne
infrinja minha alma
com a exatidão
com que me ardo
 
e que sejas vã
porquanto passageira
das viagens não ditas
de ilusões intensas
 
assim, quando olhas
não me caibo

e nem desfaço em mim
o teu abraço
 
toda retina

é um laço

que desprende o olhar
de quem abraça

Rapsódia em termos


Rapsodo
deixo-me estar no jogo
a história é só um mar
impune e revolto

rapsodo me convoco
a estar na palavra
em que me jogo
verbos são fatos
transeuntes dos passos

rapsodo, enfim,
me desconstruo e ouso
estar menos em mim
quando o outro.

Súbitas apreciações acerca do verbo


admito

a palavra é quase sempre
o que digo
 
é que, às vezes,

no meio dos abraços

a palavra entorna gestos
em que não se lavra
 
admito

a palavra é muito mais
do que um simples rito
 
é que, às vezes,

no meio dos verbos

há sempre alguma coisa
de subversivo
 
tudo que a palavra leva
traz no seu bojo

um infinito

Da coronariana vazão da vida


o coração
nem sempre é pouco
que um pouco de razão
não lhe dê fôlego

o coração
caminha avaro
nas razões que pulsa
em seu resguardo 

o coração
quase nunca é pouco
que não caiba em seu vão
um pouco do povo

Da crise em galope


tudo avança
o pensamento
é que recua
sua instância
a sela da crise
é montaria e alarde
de quem atiça no peito
as esporas da vontade.

Da desinformação e outros dramas


primeiro
é dada ao incauto
a ilusão de que comanda
os seus dados
fluem argumentos
pretensos fatos
a mídia cobre de favores
o desinformado
em poses graves
a informação pontua
tudo que os senhores
querem das ruas
o desinformado
já não discursa
veste a camisa de uma verdade que nem é sua
e a abraça
com a sofreguidão
de quem utiliza a vida
à contramão
tudo que não é seu
é seu refrão

então o moderno
é ser latente
estar sempre
num trânsito diferente
o homem passa a cursor
dos mouses de quem nem sente
bebe os bites transversos
de uma verdade incoerente
aquilo que é a paz
bebe a guerra de repente

engenheiro ineficaz
o incauto nem pressente
que a base da construção
é sua vida inconsequente
e a democracia é apenas
uma palavra morta
e incoerente

Da prática em vínculos tácitos


a prática
divide
a suficiência do fato
e a humana crise

a prática,
como que  avisa,
tudo que é verdade
é matéria prima 

e lúdica
no desdizer da vida
a prática ensina a luta
em suas oficinas

Da urbana sina


A cidade
regurgita
tudo que lhe tange
é à vista
 
a cidade
explicita
uma ordem morta
que desordena
sua lógica
 
tudo que é de todos
não importa
a cidade mesmo viva
morre seu futuro
em cada porta.

Das íntimas refregas


a vida

é um armistício
entre o que faço
e o que digo
 
o verbo e o braço
apenas consolidam
esta dimensão
dos meus indícios
 
a guerra é só um descompasso
do pulsar do meu ofício

De Nínive em mísseis e história


o míssil arquiteta
por sobre Nínive
uma reta
ângulo tenaz e reticente
como se fora esquina
do coração da gente
e lança-se fulvo
em eletrônica voragem
e nem se pergunta da vida
como há de

Nínive, assim deitada,
é, no deserto de si,
uma quase paisagem
rouca arquitetura
de ingente norma
Nínive não comenta
apenas informa

e na cabeça do míssil
afoga-se
como uma rosa que explodisse súbito
no rio da história.

Do poema em franca sintonia


ao poema
dê-se o sentido
de semear recados
pelos sentidos
e nessa inflexão
entre o verbo e a carne
nesse contrato lírico
dê-se a combustão
de todos os comícios:
aqueles mais da alma
e os subversivos.

Do saci e do povo em fantasia


o saci claudica,
assim pererê pela vida,
a perna que o povo escreveu
nos ombros da notícia
e montou pelas matas
nas razões de sua lida

o povo inventa pernas
que nem administra
apenas ressoam na cabeça
como vestimentas da vida

dos 62 em anos


Aos 62

tanjo a vida

na mesma direção

das desmedidas

tudo é tanto

e tão restrito

que me resto na contradição
do que morro e vivo
 
aos 62

meço-me menino

nas léguas de mim

que adivinho

e o riso

é uma bandeira escancarada
nas portas do que digo
 
aos 62

invento a tarde

na manhã

em que me invado
e vivo tudo de mim
desenfreado.

Dos Andes de mim e adjacências


os Andes
que trago em mim
nas veias e nas vias
ressoam pelas matas
destravam avenidas
nesse pulsar intenso
das mortes e das vidas

das montanhas de mim
que escalo adredemente
nos aconcáguas que trago
nas encostas da mente
de onde desaguo latino
na exata cachoeira desses rios
em que subverto as razões
de todos meus desafios

dos avanços da rebeldia


a revolução
nunca é utopia
tudo que lhe tange
é sempre alegria
coisa de ver-se  o povo
inventando a energia
de tudo que se enfrente
no peito de quem sentia

rosa da manhã urgente
lavrada na contramão
como se forja um compasso
no meio da multidão
medindo os passos de todos
no rumo do coração.

Dos etílicos vincos da madrugada


saio da noite
montando madrugadas
com os restos da lua
que vigem nas calçadas
e esqueço os caminhos difusos
que a razão intromete pelos passos
como um surto duvidoso e insolúvel
para indicar os rumos do que traço

aéreo como um astronauta
mirando as voltas do mundo
a volta é só um desperdício
das viagens a que nos propomos

Dos virtuais autômatos da inconsciência


primeiro

é dada ao incauto

a ilusão de que comanda

os seus dados

fluem argumentos

pretensos fatos

a mídia cobre de favores

o desinformado

em poses graves

a informação pontua

tudo que os senhores

querem das ruas

o desinformado

já não discursa

veste a camisa
de uma verdade
que nem é sua

e a abraça

com a sofreguidão

de quem utiliza a vida

à contramão

tudo que não
é seu
é seu refrão
 
então o moderno

é ser latente

estar sempre num trânsito
diferente

o homem passa a cursor

dos mouses de quem nem sente
bebe os bites transversos

de uma verdade incoerente
aquilo que é a paz

bebe a guerra
de repente
engenheiro ineficaz

o incauto nem pressente
que a base da construção
é sua vida inconsequente
e a democracia é apenas
uma palavra morta

e incoerente.

dos vôos do povo nos ombros do futuro


garças tecerão o céu
entre as palavras do povo
e os ventos abrirão

as avenidas de todos
 
e o tempo estará nas algibeiras
com a solicitude inata

de quem constrói as horas

nos desvãos da prática
 
todos estarão em todos
pela lógica exata

de que a razão dos homens
permanece intacta

como se fora procissão

de todas as almas

Exercícios


garçon

quase não sirvo
os restos da vida
que admito
 
pedreiro

já não sento

os tijolos da alma
que aguento
 
magarefe

não me atrevo

a matar as reses
do meu medo
 
motorista

não insisto

em guiar os passos
do meu grito
 
caseiro

já não guardo

as casas que em meu peito
trago
 
engenheiro
não construo
as pontes

dos meus usos

Frevo II


assim no frevo desatado
das amarras todas da vida
quem poderá não descobrir
o rumo tanto da avenida
 que se alarga pelo peito
como um imenso grito
que sonha todos os mares
e afoga todos os sentidos
 
é que ao frevo compete

um dançar tão renitente

que chega a molhar a liberdade
dos ossos todos da gente

como se fora rebelião

de tudo que se consente
 
não lhe cabe a desfaçatez
de parecer-se inanimado
pois antes fora um pendão
pela avenida desfraldado
juntando todo perdão
terçando todo pecado
 
assim se faça compostura
de quem lhe traz pelos pés
como uma escrita inventada
em que lhe caiba o viés

de parecer-se deflagrado
nas costas de quem lhe usa
como uma bomba-relógio
dos tempos que se procura
 
urdido em todos os cantos
cantado em todos os ócios
caiba-lhe a contrafação

a tudo que seja o ódio
por lhe restar a candura

das humanas composturas
como se fora bandeira

de tremular em quem lhe cuida
 
o som seja o indício

de que a vida vaga e prossegue
rompendo todas as cercas
cercando todos os medos
construindo um quê de sonho
no meio dos seus segredos
 
o frevo assim desatado

é uma forma indefinida

na rua tanta do nada

de construir todas as vidas
como se o passo fosse razão
 pra derramar-se tão frequente
como um caminho aberto
no peito todo da gente

indagação adverbial do mar


água em sono

quem te constrange
a não te dares por rio
mas um mangue?
 
rio em concordata

que compreensão terias
se te fizessem credor
de alguma alegria?
 
teu primado

em tudo rebenta

jeito de onda morena

que meu olhar

amanhecia

jogo de homem urgente
devedor da alegria

saldo de coisa que a gente
teima em dizer
da valentia
 
teu primado

dá-me a compreender os olhos
como instrumento

de te fazer serventia

como flecha

que destrava o arco

nas manhãs sem garantia
 
teu primado

está presente

em cada onda

que cometes

num desfastio freqüente
 
o mar

nem bem parece

os rios que não se cruzam
das mágoas todas da gente
 
no teu cartório de águas

nem lavras a certidão

de que te compreendem vasto
apesar de tanto não
água que nem comentas

o que de sólido urdistes
quando em meu peito dissestes
o teu jeito de triste

quase de alguidar

quase de louça

que me truncasse a razão

no vão da boca
 
meu corpo

não intenta

engenho maior

que me contenha

morte que me seja tanta
nos bordados da consciência

madrugada a tempo solto


os galos

noticiam o dia

com a postura indefinida
de jornalistas da rotina
 
e construindo as horas

no fundo dessa América Latina
eu ouço o jornalismo inato

das aves de minha pátria.
 

modernidade


como moderno

o aparelho móvel

é o tamanho exato

do homem e seu interno

o verbo que transmite

é claro e desconexo

nada do que ele é

está interno

antes se transmite

alheio a seu ego

nos programas em que a telefônica
lhe externa
 
avançado

o homem vira acessório
do nada

cada celular

é um trânsito infecundo
das palavras perdidas
pelo mundo
 
cai-lhe a vida

em programas

que tecem um sonho

e estabelecem o drama:

o homem é sempre menor
que aquele que o chama

a iniciativa da chamada

é o aval da dominância
 
apenso ao aparelho

o homem alinha

passos que nem são seus
pelos caminhos

falta-lhe pensar uma razão
por que caminha

guardada a desproporção
da inumana companhia
 
de resto

pela cidade

o homem acompanha a solidão
em direção a nada  
 
 

Ode a Marie Carida Roman (sobrevivente do Haiti)


a vida

nem sempre é estrangeira
há que cantá-la sempre
com a intimidade tanta
daqueles que fazem do riso
a essência da esperança
 
dize-la assim avara

sem jeito de caminho

é não compreende-la

em todos os seus vãos

porque há de sabe-la

qualquer um que a exercite
pois cantos há que a encantam
e os há mesmo quando triste
basta dizer as palavras

das vidas a que se permite
 
a vida

quando em riste

jeitos há de compreendê-la crise
a inventar-se como tanto

coisa de trazê-la em revoluções
por caminhos inatos e bastantes
 

ode ao retirante


o coração do retirante
é um sol falido
na concordata geral
dos seus sentidos

não se crava no peito
como uma âncora de sangue
é muito mais uma medalha
que teima em ser do homem

e se ainda tramita
pelos passos da vida
é porque teima em ser carne
de armazenar alegria

Ode cardíaca


I
 
nenhuma agulha

nem eletrodo tal
navegará meu coração
em todo seu vau
 
porque de sê-lo assim

às vezes e tanto magro
ainda me baste a compleição
de tê-lo sempre aos saltos
 
porque em sendo bólide
de alada contextura
possa dispo-lo à vida

e à sofreguidão das ruas
 
nenhum doutor

de tê-lo assim em mãos
compreenderá suas esquinas
com qualquer exatidão
 
porque em sendo bomba

nem se lhe aquilate o conteúdo
porquanto explodi-lo baste

na compreensão do que me pude
 
e, ao invés, não seja

de explosão tamanha

como para guardá-lo intacto
nalgum desvão da esperança
 
porque de tê-lo ao peito
ajuize-se bandeira

de afagar adredemente

a extrema noite brasileira.
 
II
 
nenhuma agulha

compreenderá minha mitral
pois, válvula, não se diz de tanto
como se fora descaminho tal
em vão eletrônica

não lhe cabe a compostura

de esquadrinhar vãos alheios

de complexa urdidura

antes lhe sinta o caminho

de parecer-se andadura

de tudo que em meu peito afaga
a estranha vazão da aventura.
 
 
 

Odes psicológicas


I
 
o desejo
instaura
artifícios
pela alma
 
flui,

e, farpa,
rasgadamente
sobressalta
 
material

nem se consente
andaime do pensar
impunemente
 
o desejo

exara

certidões do tempo
e da carne
 
intui

adredemente

aquilo que nem se tem
e cala
 
o desejo

me repõe em atas
que nem escrevo
nas palavras
 
urde

uma vontade

com a mesma compleição
da liberdade
 trai um gesto

que nem se cabe

na finitude das mãos
porque há de
 
II
 
do desejo

tem-se a impressão
que arde
 
do desejo
tem-se a ilusão
de um alarde
 
do desejo

tenho a compreensão

de que sou sempre tarde
 
III
 
desejo

quando singro a razão
do que não digo
 
desejo

quando pareço
ser um tanto eu
do meu avesso
 
desejo, enfim
quando desejo
ser diverso nas curvas
em que transcendo.
 
 

Palavras ao felino Zeca


toda noite

é parda

om Zeca correndo
atrás da alma
 
apenas a cova

e a felina saudade

restaram na esquina do muro
como uma planta

que miasse ao infinito

e parisse vaginas

e fosse antes de gato

um homem primitivo
 
em Zeca

existiu a solução

de toda a dialética
entranhada nos seus olhos
 
Zeca, como homem,

via o sono e a morte
como uma forma de fugir
do desencontro
 
e hoje

faz-se consciência
daquilo que ficou
gatamente

como ausência

pequena intrusão nos tempos


o passado só arde
quando invade
aquilo que já não se quis
porque é tarde

o futuro
só não há de
quando a manhã é pouca
para ser tarde

futuro e passado
são tempos à deriva
esperando que o coração
urgentemente os viva

Poema às paredes de vidro


nem sempre a transparência

deixa de ser cortina

se não se escrevem nos meus olhos
os materiais que adivinho
 
e paredes mais não sejam
que invólucros mal inscritos
nos muros gerais

dos meus sentidos

Poema de circunstância tempestiva


o velho chorava
e nem vivia
os séculos líquidos
que a lógica do seu olhar
amanhecia

o jovem ria
e nem sentia
os quilos de razão
que a lógica de sua boca
pressentia

Primeiro verso à minha pátria


Primeiro verso à minha pátria

I

no peito da rua
a pátria existe
dilacerado vão
da vida em riste
meu verso
apenas trata da pátria
como da sofreguidão
das amantes tardias
minha terra
ainda não tem a compostura
que a pátria que eu sonhei dizia
ela escapa dos dedos
como o trigo mais fugaz
como o suor que acende
o riso dos canaviais
minha pátria é compulsória
com a mesma desfaçatez
das grandes auroras
antes que azul
melhor pensa-la e
dize-la ensolarada
assim em ondas
numa luz que coubesse
em todas as sombras
e que tivesse a semelhança
de um ato incalculado
onde o humano fosse a razão
de nunca se estar calado.

II

minha pátria geral
apesar de tanta
vive-me engasgada
na lembrança
como um sonho inconsumível
e uma vasta esperança
minha pátria
não diz na geografia
os quilos de meus irmãos
que consumia
apenas aflora-lhe à boca
um verbo intransponível
que teima em ser palavra
na sua face de míssil

III

minha pátria difere do povo
não pelos seus jeito e gestos
mas por tudo que em sua ação
teima em ter um gosto inverso
e mesmo nas vezes
em que é joões e marias
esconde nesgas de enfado
em ver-se ssim em teimosia
minha pátria consome
em seu mister mais avaro
o coração desses homens
que lhe sabem amarga

IV

mas no seu íntimo
como um grande escudo
minha pátria resguarda
a prontidão do seu futuro
em que estará liberta
de ser pátria em tudo
e habitará somente os homens
como um universo único

Trajetória


nas ruas da vida

como ser exato

se todas as manhãs

cabem nos meus passos?
como não cabê-los

nos desvãos do mundo
explodindo em tudo o coração
navegante desses rumos?
como não sabê-los

estradas de mim mesmo

na direção exata do povo

que me coube tê-lo?
 
é que a humano

sempre se permite
amanhecer todas as manhãs
por que se grite

e é de tê-las avulsas

como tempos recatados

das razões de nós mesmos
que tenhamos projetado

A toque de soneto em quase verso


nem do só viver morra o presente
naquilo que sobrou pelo passado
e que se tenha futuros renitentes
nas construções do tempo desejado

que a vida inteira se contemple
como um devir presente no espaço
em que todos avançam adredemente
a construção coletiva do abraço

flua desembestada, assim como corrente
dos rios todos e tantos desses mares
que navegam o jeito de todos os viventes

deite-se na instância tardia e quase urgente
em que se tenha futura em seus olhares
abraçada aos fatos de todo seu presente

Da insônia em ritmos


A noite
adredemente
avança coisas do dia
pela mente
e o sonho
engatilhado
foge dos olhos
de repente
é que num desvão da noite
incoerente
o sono esqueceu
de amanhecer a gente.

da intrínseca paixão dispersa


no vão dos teus cabelos
eu ouço o Dnieper vagindo
a sua líquida e sincera
profissão de peregrino
eu vejo os ares da Ucrânia
acobertando o horizonte
com a ânsia irresoluta
das grandes saudades
e, no meio do mundo, 
repleto do teu cheiro
eu me completo impunemente
na maciez inata do teu verbo

Das coletivas vazões de cada um


vírus de mim
dou-me à empresa
de desfazer-me coletivo
em todas as minhas cepas

e de trazer-me tanto
a memória é tanta
que multiplica minha vida
como lúdica esperança

tudo que vige enfim
é um controverso destino
saio cedo de mim
nas tardes em que vivo

das comoções em racional desplante


minhas emoções
comovo-as
com as pitadas de razão
com que as movo

minhas razões
pressinto-as
assim que me têm à mão
as adrenalinas

Das conveniências do sono em ritmo alheio


jogo às manhãs
os restos da noite
como quem garimpa o tempo
na luta do povo

e nas costas da madrugada
perdura o conforto
da certeza do futuro
e a ilusão intensa do novo

como é bom acordar
no sonho dos outros !

Das itinerâncias de mim


A máquina atiça

um jeito monótono
de mostrar a vida

e o mundo

no cartório dos trilhos
sonha velocidades
nos meus risos
 
o trem de mim

na sua lógica itinerante
inventa estações

por onde eu ande
 
como não amar
tudo que me tange?

Das origens e povo de rosa e gente


rosa
originalmente
de proteínas humanas
plural processo e drama
do  progresso: substância

rosa
plural menina
contrariamente
embrião e albumina
do processo e do futuro
constantemente

rosa povo
futurável e urgente
da fruta do novo
como semente

Das paisagens em rítmico estar


o horizonte
aponta o rumo das pupilas
como uma bengala itinerante
de todas nossas vistas

a montanha
escala nosso olhar
com esses desejos suspensos
de quem quer voar

o mar
esparramado no mundo
molha os cílios da terra
adivinhando o futuro

e o homem, vislumbrando a vida,
monta os horizontes que consiga

De bordados e sonos em rápido olhar


Tanger o sono para os olhos
inventa um sonho apressado
que mistura o jeito do dormir
com os futuros do passado
é assim como se o tempo
fosse um imenso bordado
em que se bordando o amor
com as agulhas da calma
espetassemos as linhas do coração
nos bastidores da alma.

Do futuro como presente


nas manhãs do futuro
estarei presente
nos ombros de todos
apesar de ausente
é que pedaços da gente
perambulam no tempo
como íons intrometidos
em memórias viventes

e o futuro começa hoje
na luta de quem o sente
é assim como uma cachoeira
caudalosa e recorrente

do mundo em gestão perene


o mundo deita os dias
com a certeza inata
de que é um tempo
largado no espaço
com a conivência das horas
e a permanência dos braços

e os andaimes montados
desses viventes em romaria
são sonâmbulas passeatas
de inventar alegrias

Do ser e outros


moenda de mim
invento o novo
nos saltos que construo
no jeito do outro
 
moenda de mim
giro inconcluso
em todos os nadas
que existem em tudo
 
parecer-se humano
e só invenção do uso.

dominical


eu guardei
o domingo nos teus olhos
para mirar impunemente
a transcendência do dia
e assim carnal
o tempo arquivou-se
e do meu peito brotaram manhãs
com o gosto de tuas atitudes

e nem me importa
que teus olhos se limitem
pois cabem exatos no instante
dos infinitos em que sempre me contive

dos anacronismos e dos rumos


tudo que era a guerra

virou assim, de repente
uma paz desse tudo

no quase nada da gente

é que a vontade obedece

a quem é, assim, coerente
e constrói as portas do novo
por aquilo que se sente.
 
e se não der a vontade

de um só, em desalinho,
junte a vontade de outros
sempre no mesmo caminho

e construa a razão

como quem mede esse grito
com todas as léguas da gente
estendidas no infinito.

Dos avessos de mim em trânsito


meu avesso
é o esforço
de parecer em mim
tudo do outro

o próximo
é o vínculo
entre o que sou
e o que sinto

a vida é só o laço
entre o avesso e o que faço

dos direitos e modos


de qualquer modo

a vida é sempre um jeito
de construir o novo
dentro do peito

basta dar ao coração

a liberdade e o direito

dos enredos lacrimais e outras facetas


A lágrima do riso
tem um jeito diferente
é algo assim como um rio
que não tivesse corrente
e que ancorasse a paz
na alegria da gente
 
e esse cartório de águas
nem lavra a certidão
de que permanece corrente
apesar da mansidão.

dos largos e da convivência


o que às vezes
não consigo

é viver

sem todos os meus mortos
 e todos os meus vivos
 
não que o que projeto

seja assim incontrolado
mas uma tática que guardo
no mais fundo do que ardo.
 
e se há vivos mortos

e mortos desenfreados

não há como senti-los

sem a estranha defasagem

que há entre a morte viva

e a defunta vida dos que jazem.

Dos plurais de mim em rasa feição


o que me coletiviza
é a multidão que trago
na singularidade exata
dos palmos da vida

é que a tenho
assim indivídua
guardadas as proporções
dos plurais que me diga

trago em mim,
assim, escondidas,
todas as auroras do mundo
pelas noites da vida.

sou um singular
adredemente coletivo.

espacial


qualquer lugar

é sempre onde

curso que se queira perto
mesmo longe.
 
é que ao homem é dada
essa sintonia

de querer-se pleno
mesmo baldio
por derramar-se pela vida
em desfastio.
 
 
 

Grávida manhã em lauto percurso


se faltarem as manhãs
nas alegrias da tarde
escalaremos as horas
em militar estado
e as traremos continentes
nos braços da madrugada

manhãs são fragmentos
postos à mercê do espaço
para que o homem discurse
os anoiteceres e as tardes

é assim um parto do tempo
em todos seus avatares

índios sentidos


indígena
quase me permito
trazer a vida

no que digo
 
palavras

tão a destempo

que melhor vivê-las avulsas
na felicidade do que penso
 
indígena
transmito
-me
com a mesma compreensão
do que nem grito
 
humano

quero-me índio

nú de todos os obstáculos
do que sinto

notívaga contração


é que o bordado da noite
quando inventa nosso riso
cria luas no infinito
nesse claro exercício
de criar com nossos olhos
a aventura de ter vivido.

Ode à catarata


meio cego
o poeta exalta
o que da luz escapa
em sua alma

é-lhe estranho
o que divisa
o palmo que vê
e multiplica

meio cego
o poeta estanca
nas esquinas do olho
as esperanças

e não lhe agride a norma
de estar entre neblinas
o que o vento discursa
em tempos e adrenalinas
como resta no peito
uma vida embranquecida 
mas que estertora de luz
nas lembranças que avisa

Ode a minha amada por qualquer data inexpressiva


as horas

não serão possíveis
enquanto em tua boca
não vicejar o verbo
em que me ouço
 
e arrancarei

meus segundos

na inadiável felicidade
de perdurar em tua face
em qualquer tarde
 
e as datas

serão imprescindíveis

apenas para conter na sua forma
os risíveis instantes da vida

em que me entornas
 
nenhum tempo
constrangerá meu riso
à vista do teu corpo
 
as horas mais enormes
flutuarão

e comeremos o tempo
na frugal rebelião
de todos os insones
 
e ainda por muitos corpos
viajaremos amiúde

na exasperante dialética
de tudo aquilo que eu pude
e assim

por todos os momentos
as datas fluirão solertes
na ponta de nossos dedos
 
de teus olhos

fugirá a bruma

que embrulhará meu peito
e afagará meu sangue
 
e em tua veia
latejará impune
meu riso

de poeta amordaçado
 
calarei o sonho

com a noite em riste

e esquecerei que às vezes
algum poeta é triste.

Ode aos serventes de pedreiro de meu país


quem levará esses homens
que abrem com o corpo a madrugada
e que bem antes de amanhecer
amanhecem a pulso essa cidade?
o que os guiará nessa lavratura intensa
que a cada passo não se esgota
e que a cada pranto
a vida nunca convença?
que naves levarão dentro do peito
enfunados, assim, diariamente
que os faz engolirem como contentes
os metros de desgraça à sua frente?
em que esquinas esconderão seus risos
arqueados assim sob o peso dos edifícios

talvez não sejam tão crianças
quanto o limite dos seus corpos dizem
mas que tragam pedaços de esperança
que escondem dos olhos das crises

quem levará esses homens
que rasgando a face da manhã como ofício
transferem o futuro dos seus corpos
para a fachada desses edifícios?

que tempo beberá seus anos
sobre a sombra intransigente dos andaimes?
quantos afetos ainda boiarão
na liquidez de sua humanidade?

Ode florestal


da mata

não concluo

um indivíduo planta
absurdo

madeira 
que nem esteja

para cobrir um vão que seja
 
o cedro

desacata

o quê de pusilânime
na mata

e lavra o verde

do seu colo

com a concisão
desse seu ódio.
 
o baobá

nem se merece

das larguras que não traz
 porque se esquece

que basta no seu peito
um quê definitivo

e as maçãs que nunca deu
tão dividido.
 
pau d’arco

já se mostre

na franja da manhã
em que explode

roxo lençol

da ventania

na luta dessas pedras
contra o dia.
 
 cerejeira

tão incerta

em ser madeira

que se apresta

a moldar-se em mãos

de outras terras.

 
cipó

nem se desculpe

por ser mais vário que a terra
que ocupe
pois se perde dos caminhos
com a mesma compostura
de quem traz o destino
esculpido em sua culpa
 
cacto

sabe a cordilheira
apontando seu grito

como bandeira

e se não é árvore

antes se acha

sangrando o peito do vento
e sua mata.
 
pinheiro

é grande continência
resumo de si mesmo
em urgência

e escava o dia

sem intimidade
porque melhor
seria ser a tarde.
 
vento

já se basta

em ser espada sem gume
dessa mata

e corta a si mesmo
engolindo a madrugada
num gesto de tão conforto
da paisagem
 
folha

apesar de pouca

é uma concisa floresta

que se culpa

pois tem a compleição

de estandarte coletivo

do batalhão dessas árvores
em desabrigo
 
a mata

mesmo que não queira
é um quê definitivo

da noite brasileira. 

Ode n° 2 à Intifada


todo ângulo

é palestino

guardadas as proporções
de cada esquina
 
toda vigência

é libertina

rasa manhã da vida
palestina
 
toda morte

é cordilheira

andes desatados

da manhã vermelha
 
toda estrela

é um abraço

do dia maior
dessa bandeira.

Palavras a Osagyian


o pilão anuncia

que o mundo em vão
tem duas vias

pois outras há

e vidas tantas

que é como não tê-las
em todas as gargantas
quando osagyian
inventa o dia
 
o pilão

nem há

quando o inhame

é outro altar

que se espalha no dia

ao deus-dará

como se fora contradição
entre a razão e o orisá
 
osagyian

por sobre a vida

é uma razão inteira

de se dizer da fé e da fala
como uma estranha bandeira
de inventar um pilão

que pilasse a alma brasileira.

Pandêmica jornada


e o ar da noite
nas costas do tempo
infla a solidão
no pensamento
a pandemia
impede a vida
consumida no povo
e nas avenidas
o futuro só espia
pelas frestas da luta
a proximidade intensa
da imensa alegria.

Pequena digressão com laivos de poema


sósia de mim

me desconheço

nos outros tantos eus
em que me teço
 
é que viver

é só um jeito

de trazer multidões
dentro do peito
 

Sou


sou.

penso.

e divirjo de ser e pensar
constantemente:

os medos me caem entre os dedos
de repente
 
sou

e sempre

a vida finge pensar
aquilo que nem se sente.
 
estou

impunemente
naquilo que nem sei
se sou tão sempre.

Tributo ao Camarada Pablo Neruda


no Chile
as pedras voam
rompida a gravidade
entre os segredos das ruas
e o peito da cidade

Neruda,
gerente do poema,
arquiteta palavras,
ainda morto,
na exata relva
que lhe cobre a alma

e as pedras
encenam seus poemas
grávidas de amor
em seus gestos de arma

urgências energéticas e vazante humana


era uma manhã inteira
nada do que era noite havia
do vão da luz
o homem percebia
uma estranha urgência
de energia
e como não soubesse
da agonia
Oxalá inventou-se
da alegria

era uma manhã inteira
o sol dizia
o verbo inconsútil
que em nós vigia.

as parcelas do tempo em simetria


pela manhã
ainda caibo
nos caibros
em que meu sonho
pendura meus enfados
e deixo-me estar pelo dia
com tudo aquilo 
em que me desato

pela tarde
faço-me a um tempo
em que me desuso
e deixo-me ser o espaço
entre o povo e o muro

à noite
permito
que a vida vá além
de um tempo restrito

Balada camponesa com parcimônia


nas costas do camponês
assim desapercebidos
repousam todos os roçados
no meio dos seus sentidos

é que a terra
quando assim bolinada
constrói crateras profundas
nas faces de quem a trata

e o camponês irradia
nos campos em que esteja
essa vontade invencível
de dar-se à natureza
e produzir todas as vidas
nas suadas enxadas que maneja

Cantar do Brasil pela América infinda


cantar o brasil
eis o ofício
afogar-me nas palavras
e repetir o indício
da paz por que se luta
em cada palmo do grito

cantar o brasil
eis o emprego
e mais que cantar compor
as curvas do seu enredo
e lavrar a vida com o povo
e lavar o peito do medo

cantar o brasil
na tarefa mais urgente
de abraçar o povo na praça
e vivê-lo assim latente
no rumo claro e preciso
de levar a vida nos dentes

e tange-lo pela américa
com a força dos sentidos
até que a Pátria Grande
prescinda do seu ofício

Carta XXVIII


no amor
é-se sempre unânime
pois de fartar-se tanto
ele em vão reclame
um sítio onde não exiba
a solidez do sangue
e se flui conciso
nas paredes do infinito
engolindo as horas
na extensão dos gritos
não se queira nele
diagramar o sentimento
ou tê-lo impunemente
em rédeas impossíveis
antes preste-se à navegação
em veículos passageiros
que cortam rápidos os corações
de quem consiga vivê-los.

Cordel camponês da Pátria Grande


e dos campos regados
com o suor de seus homens
cresce uma nesga de fartura
pelos ombros da fome

dos frutos que engravida
compare-se à tristeza
das coisas que não se dão
tão conformes à natureza

e se um dia cansa
de gerar tanta abundância
a morte tem mais de tática
de protelar a esperança

não trai o jeito do arado
que lhe sulca todo o peito
e isenta-se das amarguras
nos leirões em que é desfeito

e quando mesmo brasil
um roçado compulsório
sustenta a força da terra
em cada palmo de ócio

e escancara para o mundo
lambida por esses mares
que lhe roem as entranhas
apesar dos seus pesares

de sua geografia
pensada em seus botões
sente-se mais uma américa
sem nenhuma divisão

e as linhas das fronteiras
nos caminhos do seu corpo
as tem como grilhões
levados com muito esforço

e não cansa de achar
uma insensatez exata
que se divida seu corpo
quando permanece intacta

se por acaso lhe ferem
na ânsia de consumi-la
mais transita combatente
nas encostas desta lida

e molha-se no suor
caído de suas trilhas
transpirando essas matas
em recorrente vigília

e da-se por contente
quando no fundo da alma
arranca um riso camponês
que se espalha pela cara

e vê o futuro geral
em que escreve sua fala
assim meio escondida
nas palavras que guarda

Da pandemia em oníricas visagens


e as razões baldias
soletradas entre os dentes
dizem o grito que havia
no vão desses viventes
como se fora um clarão
num céu inconsequente
é assim como um riso
que chorasse de repente
e jogasse pelo mundo
uma tristeza contente

é como se uma pedra
furasse o sonho da gente
nessas dialéticas futuras
que enxovalham o presente

Da taba geral da vida


e haverá um dia
em que assim como indígenas
habitaremos unidos
a taba geral da vida

haverá um tempo
de todas as tribos
um genérico mar
sem possessivos

e a horda humana
enfim composta
tocará o mundo
em todas suas cordas

Das mesuras da vida em tamanhos


é que lhe falta o tamanho

de se dizer tão pouca

como se não lhe bastasse a razão
de se dizer avante

e contradissesse qualquer número
que lhe soubesse bastante
 
a vida, quase sempre,

é um contrato recorrente
nada que lhe constranja
entorna o tempo da gente

é que lhe sobra um certo quê
de parecer diferente.

Das mundanas matanças em revista


Auschwitz insiste
em declarar-se presente
na monetária hemoptise
e os privados pulmões
vomitam a mundana crise

tudo que lhe tange é a notícia
de que o sistema cogita à vista
permitir-se matar os homens
como avanço da estatística

e o mundo embarga o futuro
nos autos do processo absurdo

Das nuances históricas dos usos


das ruas
nuas do povo
resvalarão angústias
e uma urgência do novo
vielas dar-se-ão avenidas
estendidas em escombros
nos ombros da vida

das ruas
grávidas do povo
rebentarão placentas
e a luta entornará futuros
como se fora uma usina
no paciente desmoronar
de todos os muros.

das plurais manhãs do futuro


a manhã plural
abrirá as sombras
 nas ruas surgirá
e o povo em ondas,
como marighellas
despejados pela vida,
engolirá o medo
e inventará avenidas
e aninhará em seu colo
o curso exato das medidas

é que a luta é um amor
apropriadamente coletivo
que se esconde nos ombros
dos que andam consigo

Demarches da construção do mundo


a mais-valia
escondida, habita
o concentrado êxito
da notícia

em curso
os valores usam
todas as trocas
e todos os abusos

o suor do operário
é só efeito
dos salários despejados
em seu peito

a produção é uma usina cínica
de notícias e seus enredos



Discurso dos 29 anos


a vida
aos 29 anos
diz que está dada
nos metros engolidos
na certeza da estrada

não que esteja presumida
em uma moldura intacta
mas que começa no peito
e se engravida da prática
explodindo o coração
no amor urgente da massa

a vida
aos 29 anos
carrega mil sonhos no bolso
misturados a afetos
molhado nas amarguras
mas intensamente transparentes
nos ombros da ditadura

a vida 
aos 29 anos
é de um amor patente
que se derrama pelo vão dos olhos
que esmaga o coração por entre os dentes

dos 29 anos
digam-se mil
sofrendo dessa américa
no meio do brasil

e neste tempo debulhado
por entre os nós dos dedos
por sobre o chão da face
murcharam todos os medos

a vida agora é uma luta
vivida frequentemente
no meio da transformação
que habita essa gente

Dissertação à bandeira do meu partido


nesses ares de pomba
nenhuma mansidão é tanta
que possa calar o grito
que drapejas nas gargantas

não um grito que apenas boie
na balsa intensa dos ouvidos
mas um clamor que em si confunda
a instância mais pública do infinito

nesses ares de lençol
estendido pelas avenidas
com o vasto sonho das dúvidas
e as certezas mais empedernidas

e nos ombros do comício
assim flutuas a jangada da vida
nos mares que o povo inventa
em todas suas contraditas

do tempo e mais dizentes


o tempo

é um disfarce da alma

tanto mais agora

tanto mais acalma

não que fuja da lógica

dos números e dos nadas

mas que tenha a compreensão
de que não tarda
 
o tempo é ofício
de tanger a calma
e descobrir o vau
dos rios da alma.
 
o tempo

é invólucro do espaço
e toda hora e lugar
em que me abraço
 
não tem do rio
qualquer semelhança
pois o rio nunca para
na lembrança
 
não tem da rua

a mesma simetria

pois passos não lhe andam
apesar de via
 
o tempo

rói a intenção

como um rato

que quisesse roer

o seu retrato

pois falta-lhe a concisão
de parecer-se uno
quando imagem não seja
o que degluta

mas a própria carne

que desusa.

do versejar e suas lâminas


versos
os escrevo
como quem maneja a alma
na caneta
e de tudo é tanto
que não se perceba
o músculo apenas retórico
que seja

versos
os prolato
como uma grávida sentença
de qualquer tarde
guardada a proporção
do que nunca há de

versos
os constato
na franja íntima da noite
em que me ardo

dos barcos de mim


Dos mares que velejo impunemente
perdido assim em teu abraço
tolerarei as ondas que não meça
dividirei os tempos assim farto
e de nada-los assim sem medo

talvez consiga em teu encalço

restar infinito em teus segredos

na complacência exata dos teus braços

dos barcos em mar com fingimento


assim noturnos
barcos são bandeiras
de tremular a esperança
pela noite brasileira

assim dançando
pela noite inteira
escrevem no peito
os mares que se queira

e nem a lua
no mar se arrime
para conter qualquer soluço
daquilo que se finge

Dos egos e das avenidas


É que a vida
posta na avenida
antes de ser minha
é sempre coletiva
as larguras do eu
medem exatamente
onde se souber nos outros
tão completamente
que trazê-los no coração
seja um jeito da gente.
É assim como uma procissão
de tudo que se sente.

Dos índios saberes como tikuna


quando faltarem pernas
serei tikuna
e caminharei todos os passos
dessas ruas
quando faltarem olhos
serei tikuna
e enxergarei os futuros
nos ombros da luta
quando faltarem verbos
serei tikuna
e inventarei as palavras
e as razões de tudo
quando me faltar
serei tikuna
e celebrarei a vida
solto no mundo.

Dos sonhos rápida instância


dá-se a ilusão

tão facilmente:
sonhos são tentáculos
tão a destempo

que escavam o futuro
de repente
 
nunca lhes cabe
ordenar o presente

há um passado sonhado
impreteritamente
 
dá-se a ilusão

tão de repente:

o sonho que montamos
nos cavalga impunemente.

Elegia com saudade e ânimo


era primeiro
o que não se tinha
mas que havia e tanto
um gosto avulso na cidade
um tempo atravessado na garganta
era um fastio grave
e uma greve enorme
de tudo aquilo que se sabe

logo depois
num raciocínio mais afoito
o que se tinha, tem-se e tanto
na caverna mais rasa do esforço

salta nas mãos
um objetivo magro
de rasgar os sonhos com os dedos
e remoer a vida num trago

e de repente
a uma nesga do que se tinha
grava-se o coração urgente
num grito concreto
de ânimo, carne e repente

Gestos e efemérides


traio meu gesto

quando me permito

ser menor que meus sentidos
 
e sobro no tempo

em que não divirjo

das facilidades da rosa

das dificuldades do umbigo
 
traio a mim

quando não digo

a sem razão do meu corpo
em precipício
 
sobro da vida

impunemente

quando a manhã que me cabe
deixa de ser da gente
 
e quase me permito

nessa geografia inexata
dos pontos cardeais

de todas as minhas mágoas

Interlóquio matinal


súbita

a manhã nem é tanta
que me cubra o peito
de esperança
 
súbita

a manhã nem é humana

que esconda o ranger de dentes
e a inconstância
 
sórdida

a manhã nem se levanta
no estandarte do peito
de quem desama
 
sólida

a manhã se inflama
se se constrói a razão
por que se ama
 

Itinerário da URSS, com piracema implícita e outras impressões


I

desde Kurkino
meu olho me dizia
que a felicidade congelava
como o dia
Moscou, indormida,
nem era tanta
que não fosse lógica
da esperança
colher futuros
era apenas serventia
dos prazeres que a vida
sempre urdia
e se roubava o céu
o jato nem mentia
aos que dos olhos cobravam
a rapidez da alegria
Moscou, em inverno posta,
era um iceberg vagando
em todas as minhas portas

II

Mikhail trazia Moscou
na algibeira
e a desmontava em verbos
pela noite inteira
e os cachos de sonho
que empilhava na mesa
tinham um gosto de futuro
e alguma coisa de cerveja

Mikhail, em continência,
era uma bandeira
empalmando a vida
com íntima certeza

III

desde Vyborg
rugia o exercício
de estar com a alma
em constante comício

Leningrado
deitada ao Neva
era uma saudade estendida
no peito das pedras
eram-lhe íntimos
os francos motivos
que as ondas dão ao mar
quando em seu ofício

de repente,
a catedral de Santo Isaac
arrepiou-se de fé
nem quase exata
de sua porta
como uma ave
voou a pássara manhã
de tanta tarde

por dentro do Smolny
em corredores afeito
singra o sentimento
a franja incauta do peito
e descabela-se a razão
numa fração desconforme
em que o numerador é o mundo
e a divisão é a sorte


IV

Em Kiev
a pátria anuncia
que a noite é, apenas,
disfarce do dia

deitada de bruços
a Ucrânia é serventia
de qual cidadão permita
urdir-se em alegria

Tchernovitsy alinha as horas
na quântica feição da tarde
e nem se teima universo
porquanto basta-se cidade
não dessas baldias
que nem se chegam à vontade
mas uma urbana atitude
de campos desregrados

Tchernobil ainda vige
no coração do seu átomo
como uma química vontade
que em cada cidadão ainda cabe

V

e meus moldavos sentimentos
eram contraponto do espaço
quem em mim a Moldávia urdia
retirante quase de meus passos

o trem solfejava o caminho
numa lauta liberdade
e a Moldávia era um campo
arquivada alma das cidades

VI

O Rio Prut lambia os beiços
da Ucrânia em vão incontrolada
e eu nem sentia a dor
da brasileira trama em mim gravada

VII

Mikhail Egorovitch
carpia verbos
como quem roesse as lágrimas
do universo

tinha a compleição
de um exato camarada
e o pranto fácil
de quem costura a alma

Mikhail Egorovitch
era tanto e pouco
espargindo pelos corredores
todo seu esforço

o partido em si vigia
como uma nave desgarrada
nos mares que seu verbo
teimava em molhar de alma

VIII

em Kurkino
o sol é lâmina
de cortar o todo gelo
que é sempre chama 

a neve na vidraça
é uma felicidade idônea
que nem consegue gelar
o coração em chamas

IX

Wladimir em sono
é uma morte acampada
nas cabanas dos Haslivs
que se tem na alma

Wladimir deitado
é bandeira consumida
de tanto drapejar nos ventos
que se tem na vida

Wladimir é um eletron
e uma saudade infanta
na grave química da pátria
em que se derrama.

memória


A memória

não preside

apenas auxilia

as dores que não tive
é que vivê-la
pode ser um jeito

de trazer o fato

pra dentro do peito

e tê-la como assente
no cartório da vida
coisa de ser quase falsa
mesmo objetiva
pois tange a franja da alma
como uma tristeza

que apenas deixou de ser alegre
por desnatureza.
 
A memória

não existe

é apenas um navio

que teima em trafegar no fato
dos mares que nem vivo.

É que em suas ondas

não navegam propriamente
antes inventam águas

em que nem se está presente.
 
A memória

é um cabide

em que toda a paciência
está em riste

cabe apenas trazê-la
muito amiúde

e consumi-la adredemente
naquilo tudo que eu pude.

A memória

não se anuncia

antes é propaganda

do que não vigia

e esse seu jeito de fato
é apenas alegoria

que as sinapses jogam
pelo vão dos dias.
 
A memória

é sempre intacta
basta não tê-la
como matemática
é preciso cabê-la
sempre avulsa

e em números
em que se caiba.
 
A memória

é uma gestão pacata

nada lhe gerencia

mais que a alma

porque é de tê-la própria

assim aos borbotões

que se distingue quando em paz
que se atinge quando não

é maneira de viver morrendo
inventando vivas as razões.
 
A memória enfim

é quase um não

que nem chega a ser exata
quando próxima da razão.

Palavras ao georgiano Stalin com cópia para o Camarada Maia


no vão da resolução
a emoção flutua

e a Geórgia bóia

na liquidez da rua
 
e é difícil saber

se pela rua

os perdões caminham
à luz da lua
 
mas é preciso saber

que a emoção é gasta
quando consome a razão
sem matemática.

Pátria locução em transe e esperança


não!
as manhãs não se cerraram
o povo ainda é o norte
mesmo quando as vozes calam

não!
os sorrisos não murcharam
ao contrário, vigem
é que se fazem tímidos
é que se fazem tristes
na pouquidão humana
dessa noite em riste

não!
os amores não marcharam
de dentro do peito
como uma catapulta
voam pelos soluços, à espreita,
e brotam enormes 
na grande aurora brasileira

Poema ao inconstruído rio


eu te percebo rio

pelo que contas de minhas veias

e não importa que incolor
exemplifiques o rubro dos meus medos
toda tua trajetória

é um desembocar inato

do mar que trazemos no peito
guardado a sete chaves

Poema ao sagui Jesualdo


Era um tempo escasso

Jesualdo tinha as mesmas horas
de um abraço.
 
Era um tempo tarde
Jesualdo inventava a alegria
nos seus saltos.
 
Era um tempo escuso

Jesualdo e o dia nem amanheceram
sobre o muro.

Poemeto a Manuel Marulanda


da Colômbia

medra a dança

de um exército

de homens e de tempos
Marulanda
 
guerrilheiro da vida
Manuel avança

os metros todos

de sua larga esperança
e o bolivariano povo
cuida de estar atento
ao futuro a que se lança
 
e por trás da vida

há uma latina prontidão
de todos os marulandas
em rebelião

Portas de tudo


até que não retoques

aquilo que não notas

e que no fundo do olhar

está à mostra

como quem escancara a vida
em todas as portas
 
é porque a razão

nem sempre importa

mesmo que o verbo seja tanto
e que nem tanto se comporte
como a simples compreensão
de que tudo é uma amostra

do que o homem carrega em si
 como resposta
 
até que não retoques
aquilo que mostras

porque mostrar é uma sina
de tudo que importa
 
e que de tanto pensar
a gente nunca volta

a gente sempre está
onde nem nota
 
é que ao homem

não é dado

esquecer todas as portas

quando idéia


quando idéia,

já tão velha

a matéria,

saio de mim

em aventura

e chego a dizer-me verbo
de estranha criatura
 idéia que nem seja tanta
como o músculo
que sustenta a garganta
 e me propõe ações

de esperança.
 
quando matéria,

já tão gasta

a idéia,

ouso dizer do mundo

a razão que meu braço
carrega verbos e fardos

e trunca a rota da fala

com a mesma simplicidade
com que a esperança se deita
na paz de quem nem sabe.

Versos a Amanda


o sorriso
nem é bandeira
de espalhar-se todo
nas faces de quem queira

antes é preciso
que, menina, esteja
gravado em fibra e coração
de quem a queira

e que seja Amanda
como bandeira
tantas as noites e tantos os risos
na noite brasileira

Atômicas razões dos caminhares


o íon
balança o àtomo
nas redes incautas
dos fatos

a matéria
diversa e grávida
dilacera seus àtomos
nos muros da prática

e os homens
nessa atômica pauta
carregam os encômios
de suas passeatas

é que palavras são elétrons
que se jogam nas marchas

Da espacial revolta dos bólides


a cápsula 
como bólide liberto
deixa-se espalhar
como um largo gesto

eivada de cálculos
em seus trajetos
inventa labirintos
como manifestos

e nesse passear, 
como um protesto,
lança no espaço
uma foto 3x4 do universo

Da esperança em tratos concretos


a esperança
é, antes de tudo,
um jeito assim de sonho
um gosto de futuro
a gente alinhava esse tempo
como uma tatuagem
construída dos fatos
que todos montassem
e no exato andar da vida
fosse uma grande paisagem

Da poesia em livre curso


a poesia tramita
na palavra montada,
nos verbos dizentes,
e na matéria insubmissa
é como se fora um barco
à uma adrede deriva,
navegando os mares
de quem sabe as ilhas,
que atraca o peito do homem
no porto urgente da vida

a poesia é armadilha
das coisas que adivinha
e joga assim pelos sentidos
suas fartas entrelinhas

Da renitência da vida


nasço, às vezes, assim
como um futuro antigo
das coisas de mim
e quase nem me esqueço
dos passados futuros
que na vida teço

Das humanas contrações do sentimento


humano
deixo-me estar amando
simples usina e chama
daquilo que sonhamos

do coração
aos pulos
pula a razão
todos os muros

e usineiro de mim
amo o povo e a amada
com todos os laivos
da urgente madrugada

de tantos pelos caminhos e outros dizeres


quantos oceanos tragarão meu povo
neste imensa solidão noturna
em que a morte veste-se de alegria
e a vida tange amarguras?

que tempo beberá seus anos
na intransigência de seus corpos magros?
quantos afetos repousarão inertes
na complacência de seus enfados?

quem levará estes homens
tangidos pela consciência
para aplacar a fome
de todas as evidências?

quando chegarão arfantes
suando uma pátria a cada descaminho
na extrema medida do horizonte
que alinhavaram com seus risos?

dos coletivos e das vertentes


a cada um sou todos
desbragadamente

como tão farta aja a forma

na singularidade explícita

de gente

é que me cabe o desapego

de não tanger a vida
impunemente

mas concebê-la em cada norma
como exercício implícito

de tudo que se sente
 
a cada um sou todos

tão completamente

que nada do que me falta
seja tão latente

que desborde do coração

tão simplesmente

como se fora condição

de ser um único inadimplente
 
a cada um sou todos

tão flagrantemente

como uma notícia estampada
no frontispício de vivente

dos ganhos e das perdas em singelo enredo


ganho 
o que perco

o que resta em mim

é apenas o que meço
tudo que não seja tanto
por ser de menos

o que prezo
 
a vida, enfim
,
é exatamente
tudo que o peito
grava na gente.
 
não há avesso
naquilo que se sente.

Dos lembrares originários em efervescência


memórias
trago-as engavetadas
no centro de mim
desde a áfrica
impulsos, reflexos,
instintos, risadas
e uma certa compreensão
de que lembrar
é só um jeito
de vivê-las pela alma .

em torno do meu país


na favela

as balas vão
aquelas do coração
e as da guerra
 
na favela

chora-se em dobro
as lágrimas de pedra
e as do choro
 
líquidas

as últimas
são mares

em que se afoga
a vida e seus pesares
 
sólidas

as de pedra

são os gritos de quem luta
melhor dizê-las verbos
pela rua suja
 
na favela

o poema se escreve

com o sangue e a vontade
de quem deve
 
poema em dobro
retroativo

que teima em ser de pedra
apesar dos sentidos
 
na favela

a palavra medra

como o sacrifício
semente que não plantada
pergunta que nem se diga
 
na favela

a morte habita

uma intimidade
comedida
parente que nem seja íntima
da vida.

Espaço


meu âmbito

é estar em trânsito

e anunciar-me à vida
e nem tanto

e nem me ser adrede
em cada pranto

por cada grão de riso
que encontre
 
meu âmbito

é estar humano

e parecer-me crível
em tudo que eu canto.

Ile Ifé


Obatalá

quem te dirá

de te dizeres tanto

como há

cabeças que nem sejam outras
das bandas de Ajalá

inventos de outros destinos
nas andanças de Ifá
 
Obatalá

que deitas em branco

como brancas há

as esperanças de todos

em algum lugar

em todas as giras do mundo
coisas de um bem que virá
 
Obatalá

que melhor não sejas

nessa energia

que trança a vida dos povos
nessa agonia

porque serás a solução

de todas as vigílias
 
Obatalá

que tens o mundo

em branco

de brancas as nuvens

que contentas

estendendo o teu alá

por todas as conveniências
 
Obatalá

que atrasas o tempo

nas desoras da vida

e que inventas os minutos
de todas as minhas lidas
 
Obatalá

que já redizes

o que não dito

e que perduras
alinhavado

nas entranhas do infinito
 
Obatalá

que viges

com a mesma complacência
com que teus filhos
soletram

as nesgas da paciência
 
Obatalá

que me predizes
antes de dito

e que me pões a salvo
do meu próprio grito  
 

Ode ao Rio Mundaú


no Rio Mundaú
a infância escorria
como uma peça quente
numa noite fria

a alegria pulava
as léguas de seu canto
num teatro em que a vida
era um saltimbanco

o rio era só um cordão
no pescoço do horizonte

Ode aos 54


aos 54

nada me convoca

a não me sentir ausente

da discórdia

fluo impunemente

pelos vincos da idade

como um barco que ousasse
todos os mares.
 
aos 54

permito-me a simplicidade
de militar na vida

com certa intimidade
nada que não seja nunca
e que só seja sempre
quando tarde.
 
aos 54

desaviso-me das vaidades
ainda que me seja franca
a inexatidão da verdade

e que navegue pelo peito
a imensidão e a filosofia
de todas as vontades.
 
aos 54

meço as minha réguas
com a tranqüilidade
de quem sabe
todos as léguas
em que se cabe.
 
aos 54

transijo com a vida

ainda que não a compreenda
como liça

mas como um grande acordo
que a natureza fez consigo
 
aos 54

palavras são um rito
a não ser que o verbo

seja pouco e tão restrito
que nem o grito sobre
nos ombros dos sentidos  
 
 

pequena concisão da vida


a vez que nascer
é quase tanto
que morrer
 
e desde viver
que não se finja
de prazer
 
o quanto morrer
da sempre luta
de nascer.
 
 

Poema


poetas não serão presidentes
falta-lhes a mania
de construir presentes

poetas não serão presidentes
porque suas manhãs
são noites transigentes

poetas não serão presidentes
é que presidir verbos
é coisa de quem sente.

Poeminha filosófico com travos de incoerência


A possibilidade de tudo
nunca é definida
não há tempo que lhe caiba
sob medida
o curso de sua hipótese
é só perspectiva
que enche o peito de uma paz
etérea e presumida

Para havê-la era preciso um futuro
que contivesse todos os tempos
e se contasse em passados
embrulhados em presentes

e coubesse no desconforto
de ser um tempo a desoras
e inventasse todas as razões
nos ombros largos da história.

Quantificação da alma ou filosófica aproximação de tudo


primeiro
há o indício
de que a paz
é obra do ofício
e por assim disposta
não se há de tê-la avulsa
como se fora troféu
de qualquer disputa
antes é de vê-la
cerzida ao sacrifício
de construir de cada alma
um grande armstício

primeiro
há a constatação
de que o mundo é adrede
como a revolução
não lhe trai o munus
de ser assim evidente
como se fora adaga
que se cingisse aos dentes

primeiro há o desvario
de tentar numerar o cosmos,
a inconstância dos rios
e dá-se em científicos discursos
como se possível fora da alma
quantificar qualquer uso
e a mister tão avaro
dá-se o status absoluto
de parecer que a verdade
é matéria apenas de discurso
não que não haja indícios
de uma verdade relativa
que se teime em absoluta
quando em verbo se invista
pois por retratar a realidade
com uma certa parcimônia
lhe sobre essa completude
de tudo o que se sonha

primeiro
há a persistência
de que o homem nunca cabe
apenas na consciência
pois lhe sobra pelo jeito
uma vontade aguerrida
de não contar pela alma
os tempos todos da vida
é que lhe permite a razão
de ser assim inconstante
a simples determinação
de tudo que lhe é avante
pois lhe sobra a simplicidade
de ser um tanto complexo
e amanhar a liberdade
com um deságio completo

primeiro
há o contraponto
de toda contrafação
que teima em dizer do homem
os contrários que estão à mão
como se fosse um avesso
que chegasse a vão
pois é espaço avulso
no chão de cada pensar
como se fora um discurso
escrito assim pelo ar.

quereres


quero trazer

meu coração á mão

como uma bandeira coletiva

pra espalhar pelo mundo

os pulmões de rosa do meu povo
quero medir o infinito

com os palmos do meu grito
quero arrepiar meus cabelos

nas ruas gordas de gente

quero dançar com meus irmãos
alguma valsa do futuro

ou, talvez quem saiba,

borbulhar na rua

como um hidrante de afeto
 
quero empalmar minha alegria
como os jovens empalmam a vida
e os restos de angústia

que se entrançam no peito

quero lançá-los ao vento

pelas frestas dos cabelos.

Quero pousar na paz
indefinidamente

e sonhar todos os sonhos

que se dêem a gente.

Resenha dos 69 em idade e volição


aos 69
tanjo o tempo e a liberdade
com a simples compreensão
de que sou tarde
mas trago ainda nas mãos
a chave exata da vontade

o resto é remar a vida
nos barcos em que me caiba

Virtuais intentos da crise no composto verso


em crise
o poema assiste
as ranhuras da vida
e as do poeta, inclusive

o eu lírico
adormece a fala
nas esquinas verbais
em que se declara

a vida, o poeta e o eu, todos líricos,
inventam a madrugada
como um tempo urgente
de montarem nas palavras
e escoicearem pelo mundo
os verbos todos da alma.

Antitético


não quero a estrela da manhã.
Por que quere-la?
Há dias que o céu só mostra
como usa-la qual bandeira

antes quero os poetas
com versos nas algibeiras
para sonhar com as palavras
as infinitas noites sem estrelas

Aos tambores da pátria



            A Nana Vasconcelos 

O tambor
talvez não diga
tudo que inventou
nos desvãos da vida

mas na sua sina
de tocar  o mundo
resta-lhe a certeza
de ter-se em tudo

o tambor
impunemente
é um coração itinerante
nos passos da gente

Averbações da vida em flagrante contubérnio


averbo-me de nauta
nos cosmos que habito
janela que nem se fecha
com a presença do infinito

e tenho-me em medidas
que nem conheço
e deixo-me nos ilimites
em que nem tropeço

averbo-me de livre
quando nem a madrugada
é ainda a razão
de tardias palavras

e compreendo-me à meias
rendeiro de almas
e as proclamo coletivas
como um saldo farto

Caminhos do poema em trânsito corrente


que o poema
mais que palavra
seja panfleto e paz
além de arma

e diga-se, 
transeunte em seus vãos,
pedaços de vontade
esculpidos pelas mãos

e sinta-se
qual metralhadora e lógica
em espalhar-se informe
pela história

Da arte em hipotenusas e malabares


a arte enfim
não é só um contrato
de afagar o cérebro e arrepiar as emoções
em lúdicos sobressaltos

é uma mentira exata
tangendo uma verdade
que a gente traz por dentro
e nem sabe

é uma verdade plena
de quem constata
sua feição de pluma
e de máquina

a arte cabe inteira
em todas as matemáticas

Da vida em ombros de verbos


o dorso da vida é largo
cabe tudo quanto vivo
e nem lhe sobra espaço
para não conter o que digo
é que palavra é um tempo
num espaço tão contido
que às vezes explode a razão
de se dizer o que disse
e o verbo toma partido
na deslembrança de tudo
como se fora um discurso
que não quisesse ter curso
e se perdesse nas ruas
das inconstâncias do uso

Das constrições ritmadas


a mulher
terça o terço
como se debulhasse
seu avesso

as aves
todas marias
cavalgam a ansiedade
em romaria

à distância, no discurso,
os pais nossos
indispostos anunciam:
fica decretada a remissão
dos terços, das horas e dos dias.

Das flexões da alma em lúdico rompante


os exercícios da alma
são flexões diferentes
o músculo é o juízo
como ofício de gente

é assim um exercício
que explode de repente
e nas esquinas do mundo
apascenta os viventes
nesse consumir-se largo
de futuros, passados e presentes
nos saltos que o tempo dá
nas sinapses urgentes

dos limites da certeza


a vida

nunca é pouca

quando o futuro nos olhos
e a palavra na boca
 
sonhar é só um jeito
de guardar a vida
e o tempo
dentro do peito.

dos passos da vida e suas ingerências


o amor não é apenas
a desculpa

para manter as manhãs
da nossa luta
 
o passado

é apenas um disfarce

que o futuro teima em dar
quando se gasta
 
o futuro

é um tempo baldio e conciso
tudo que lhe tange

é a possibilidade do riso
 
o suor

é apenas um passo
na construção

de todos os abraços
 
O pranto

é apenas um impasse
dos risos todos da vida
em que se nasce
 
a vida é sempre infinita
apesar de todos os pesares.

dos raciocínios e suas portas


o olho nota
a forma e em volta
todos os outros olhos
que o notam

segue: afirma-se
num olho
a conclusão: síntese
de outras portas

e cai do cérebro
envolto em palavras
e certo bate como bomba
no asfalto: sobra

raciocinar é só um jeito
de garimpar em portas

dos sonhos e das destemperanças


Tudo em mim

é flagrante

a vida sempre teima
em ser avante

não que o sonho
possa descaber-se

e traçar um futuro
em que coubesse

é que ao tempo

é dada a contradição
de parecer-se um sim
mesmo não.
 
e se, às vezes, por fim
desborda do sentimento
nada detém mais espaço
que os alvoroços do tempo.

dos viveres das gentes


quando se vive
humanamente

a vida sempre inventa

de inventar a gente

é que lhe invade um jeito
de ser completamente.
 

Famélica introspecção com ligeiros traços de fuga


quem me tirará da boca
o gosto amargo da miséria?
e essa cabeça
que boia no juízo
como uma balsa incompleta?
quem mastigará o pão
que cresce nas esquinas do tempo
e que nas mãos soluçam
como aves fartas?
quem balançará nas redes
que a alegria arma
no peito das inconsequências?
quem chorará os risos
que do mais fundo surgem
como palmeiras debruçadas
nos ombros do mundo?
quem amolgará tanta matéria
nas pontas de rosas desses dedos
que desabrocham as manhãs
com a obesidade das circunstâncias?
quem porá rédeas nas carnes
para que elas não sufoquem
os quilos mais tangidos da felicidade?
em que horas mastigaremos
as peças mais exaustas da angústia?
quem soluçará por nós
as horas passadas em desespero
quando o riso escorre da boca
com a mesma intimidade do medo?
quem suspirará de saudade
quando não mais restarem
todas as chagas da cidade?
quem, por fim,
soletrará o meu discurso
quando os pães soterrarem minha boca
e a vida tornar-se um valor-de-uso?

herança


perdura em mim

o gesto mais frugal
a lógica intrinseca
do ancestral
 
e quando cometo a vida
em desalinho

permito uma razão

que sempre insiste
em desfazer-se da lógica
de tais lides

inventando a razão

do que é triste.

Indagação em torno de viventes


à deriva,
quem ousará viver
mais que as léguas
que se tenha da vida?

à deriva,
quem usará morrer
sem consumir com todos
essas léguas reunidas?

viver é uma estrada
que só cabe em desmedidas

Inversão


inverto.

sou aquilo

que nem me conheço.
 
invento.

sou o contrário
do meu medo.
 
intento.

ouso amar-me
como invento.

memento


Nem mais uma excelência
entre no paraíso

sem antes que provar se tenha
que haja combatido
 
nem mais uma excelência
entre no paraíso

sem antes que provar se tenha
que exerça os sentidos
 
nem mais uma excelência
se preste ao exercício

de fabricar da pele alheia
as premissas do seu riso
 
e que assim seja

pela noite resumida

por todos os dias que o povo perca
do vão de suas vidas.
 

Ode ao carnaval de Olinda


assim inventando a Ribeira
o bloco nem tem enredo

é um punhado de sonhos
que caminha sem segredo
na doce flauta do frevo
no frevo incauto que vem
rasgando assim a ladeira
daquilo que não se tem

e que se escreve nos passos
e nos jeitos do coração

como uma música infinita
que coubesse na própria mão
 
não tem o sabor distante
das coisas mais coerentes
porque lhe falta ser rosa
no peito desses viventes
por condição de ser flor
desapartada das gentes
e que se queira mais povo
de fervor mais consequente
por se escrever pelas ruas
com a história na frente
 
às vezes nem se pressente
que o frevo é quase manhã
é condição de ser nada

é mansidão de ser tudo
é urbe descompassada

é Olinda passageira
atravessada no mundo
as ruas tremem na canção
com a coerência de um grito
e aninham a multidão
 
como um colo irrestrito

é como se cada corpo
com a intimidade precisa
se entranhasse pelas ruas
em todas as desmedidas
 
o povo dançando o tempo
desgarra lá da Ribeira

com a mesma força da vida
que se compara à certeza
de uma vida tão alegre
apesar das correntezas
dos rios que tangem todos
no rumo exato do medo
 
e cada um quase encontra

uma felicidade embutida

nos quatro cantos que o mundo
teimou em ser de Olinda

e até parece que o frevo

se engancha no coração

e os pés escrevem nas ruas

um quê de rebelião

como se criasse a vida

nas vidas que não se tem

e permitisse que o homem
deixasse de ser ninguém
 
e as ondas desse compasso
na praça do jacaré

são os bemóis desatados
de tudo quanto se quer
é o povo rompendo a rua
com a força da sua dança
como se fosse passeata
em favor da esperança
 
e os que escutam Olinda
tangidos por seu sorriso
inventam uma verdade

do tamanho desse grito
que vige assim nas ladeiras
 e nos desvãos da cidade
como se a vida fosse enfim
um jeito da liberdade.   


Ode de infância em passo


A pipa que eu soltava

era um sonho encabrestado

tudo que era de mim

voava tanto

que meus olhos projetavam

os futuros todos da vida
embrulhados num jeito de passado.
 
Eu voava tanto
que meu tempo
criou asas.
 
 

pequena consciência


primeiro era tanto

de se dizer que possa

um animal inconseqüente
transcender a norma

de parecer-se singular
como eventual resposta
 
primeiro era tanto
de se dizer monera
vínculo de tudo

que a vida era

sobra de outro tanto
indizível primavera
 
primeiro era tanto

de se dizer latência

do fluídico fato

da consciência

embora ainda indisposto
às razões da desavença
 
primeiro era tanto

de se dizer inteira
mesmo denominador
de frações urgentes
que menos lhe queriam
como só número
de qualidades tão presentes
 
primeiro era tanto

de parodiar-se outra

como substância imanente
e de feição avara

que teima em ser de um
mesmo quando vária
primeiro era tanto

de se dizer de tudo

que nada fosse verbo
quando não fosse o mundo
 subtraído das entranhas
dos planos e dos tudos
 
primeiro era tanto
de se dizer adaga  
alçada à palma da mão

com a mesma lavra

com que a boca diz um beijo
sem dizer qualquer palavra
 
primeira era tanto

de não se parecer verbo

que funcionasse como química
de tudo que é eterno

e que apenas se joga no mundo
com a suposta imanência do ego
 
primeiro era tanto

de não conter variedade

mas que permanecesse inconsútil
nessa singularidade

que trava os desvãos do homem
num vão que nem lhe cabe
 
e dito assim presente

nas quadras de tal matéria
fez-se o homem subjacente
a tudo que não lhe dera

o feitio mais urgente

da mais ingente primavera
 
era-lhe o siso mais assente
a um equilíbrio inverso

que quanto menos lhe sabia
mais fluía seu interno
nas coisas que não vivia
e que na vida eram verbo
 
era-lhe o amor mais ausente
tanto mais se considere

que o sentimento é uma ponte
de prumo urgente e adrede
que se joga sobre o rio
de tudo que se percebe

e que não se tem a custo

de químicas mais trabalhadas
que devam ser construídas
num singular em que não caiba
a multiplicidade urgente

de todas as nossas almas
 
amor que não seja tanto
que destempere a medida
de confluir nossos risos
no sentido da vida
que se abre em todo peito

em cada veia, em muitas vias
mas que seja controlado

na medida do infinito

que cabe quase sem jeito

nas bordas do nosso umbigo

e que teimamos em mantê-lo

do tamanho apenas dos sentidos
 
primeiro seja o homem
de tudo e tanto assemelhado

a tudo que não seja único

mas que também não seja vário
por pertencer a uma noção
que se mantém incendiária
de que o homem é bandeira
de tremulação planetária
que sabe a revolução
no seu íntimo mais preciso
como os cheiros de sua infância
que lhe sobram nos sorrisos
 
e tanto assim finalmente

se diga o homem construído
com a mesma urdidura

com que vigem os edifícios
nos andaimes todos da gente
na precisão dos ofícios

que antes de se dizer ave

de indizível equilíbrio

seja um bólide que inverta
os rumos de seus sentidos   

pequena dialética de mim


de ser-me só
que seja tanto
que não seja eu
quando não tantos

que me seja um
assim tão vário
e que me faça tantos
assim tão único
e que me cobre poucos
assim tão muito
e que me saiba avante
nos meus recuos
e que me faça parco
quando tão vasto
e que me sobre infinito
quando limitado.

Pequeno itinerário


Eis a simetria:

a vida é maior

que qualquer dia

é que sua metragem
deve-se ao tempo

como se fora régua

de medir cada momento.
 
Eis a simetria:

o amor é maior

que toda ventania

é que sua paisagem

no peito dos viventes
constrói assim um amanhã
nos ontens da gente
 
Eis a simetria:

morrer é quase um tempo
de alegria

é que sua metragem
quando houve vida consome
todas as réguas
de quem fica.
 

Poeminha de certezas latentes


Sempre haverá um povo
nos arredores do futuro
mesmo que não haja tempo
para dizê-lo em tudo
 
sempre haverá um tempo

nos arredores do povo

mesmo que não haja um futuro
guardado em cada bolso
 
tempos
são
 apenas arquiteturas

de quem constrói as manhãs
nos descaminhos da luta.

quero meu amor à mão


quero meu amor à mão
como o gesto mais frugal

e comete-lo impunemente
seja no ócio ou em ofício tal
 
que nunca se distinga

o que lhe seja avesso
mas que se traga ao largo
de todo o meu medo
 
e que lhe sinta a carne

e uma virtual saudade
porque me seja tanto e farto
pra distribui-lo à vontade
 
quero meu amor provisório

como a estrela mais precoce

que vive apenas da tarde

o limite da luz que não lhe guarde
 
e que lhe sinta as entranhas

como um discurso latente

que construa versos na praça

em gramáticas que nem se consentem
 
quero meu amor teúdo
apesar de coletivo

e tê-lo na exata proporção
de tudo que eu não digo
 
quero meu amor subjetivo

como os adeuses que não dei

e remoê-lo pelo chão da tarde

na imprecisão de tudo que não sei
 
quero meu amor não meu

mas que se faça variado

e que tenham em mim limite tanto
por tanto que se faça vasto
 
quero meu amor

sem ilimites

perfeitamente desatado

e que encontre pedras em seu leito

e que encontre leito em seus enfados
 
quero meu amor desesperado
na falta e na presença

farto pelo que de tanto

gasto pelo que de menos

Terrena jornada


latifundiária de si
a terra nem acredita
das cercas que a consomem
em larga investida

e nos contrafortes
dissemina-se em ondas
inventando defesas
em desatada vergonha

a terra amarga os dias
e nem lembra de que sonha
essas nesgas do futuro
em que estará risonha

A coletiva messe da paz


entre aflitos
ninguém é neutro
e sem grito
tudo que tange a aflição
ressoa coletivo
desde a multidão
até o indivíduo

a guerra é plenária
de todos os sentidos
nada subverte o modo
de sabê-los decididos

Caminhada em brasileiros dramas


No peio da noite
como um líquido incontido
borbulha a aurora brasileira.

E no mais fundo das ruas
e nas declarações entre dentes
a liberdade veste-se de palavras
e na ação faz-se repente.

Cúmplices da história
caminham esses viventes
no alvoroço grávido da luta
concubinos da esperança.

E não importa que a fome é tanta
pois um breve riso ainda avança
na certeza geral de todos os seus sentidos.

E a boca que não come
sacia o discurso
enchendo a barriga de vida
alimentando o futuro.

No peito da noite
como um líquido incontido
borbulha a aurora brasileira.

Eram tantos
na singularidade de tão poucos
pois enfeixavam nas mãos
como uma certeza bruta
a solidez da história
a certeza da esperança.

E caíram na luta
como nos rios os meninos 
nos dias de felicidade:
e alinhavando a história
pelas ruas da cidade
eram todos combatentes
de uma intensa verdade.

Caminhar em clara insistência


e quando alinhava
os degraus que consumia
a escada  era só o beco
que a vida permitia

e toda a caminhada
pelas ladeiras impostas
era só um acostumar-se
a desrespeitar todas as portas
que a luta teima em colocar
quando o futuro é a resposta

os passos são só detalhes
do peso que se suporta

Carta X


cada hoje
traz um ontem no peito
e um amanhã adormecido
no meio dos cabelos

mesmo os hojes amargos
de ontens incontidos
trazem manhãs de mel
e futuros escondidos

Coletivos de mim em plena messe


quanto mais eu perceba
como tu percebes
mais ainda o coletivo
me persegue
é que vário
não me entregue
a ser só indivíduo
em cada messe

a pluralidade de mim
é só um aviso
dos coletivos 
que a vida tece

despejá-los em mim
é só uma tarefa adrede

Da contrição e seus teatrais invólucros


os céus de que me visto
têm todas as dúvidas
dos infernos que tangem
minhas culpas
e por tê-los inventados
nas rugas dos enredos
hei de tê-las enormes
nas lacunas do que devo

é que o céu é só um jeito
dos infernos que criamos
no avesso do mêdo

Da passeata em avanço


a passeata navega as ruas
com a exata compostura
de uma nau que singra as praças
dos combates, dos verbos e da luta

cada transeunte em passo
é um descompasso consentido
das dores todas que atiça o povo
e joga os homens na avenida.

a passeata navega também as luas
que o futuro dos passos realiza.

Das vaquejadas informes da mente


rápida a mente
salta no fato
e virtualiza o tempo
do seu ato

lúdica
em sinapses
joga um riso público
pela face

e o homem,
vaqueiro e privado,
tange o mundo em si
com seu jeito de gado

De Olinda recatada no calado do frevo


o frevo assim calado
nos ventos da pandemia
estanca milhões de passos
nos ombros das avenidas
e leva, assim de roldão,
um bom pedaço da vida

é que o grito do carnaval
quando se alastra no peito
é uma represa de gente
prendendo o passo do frevo
é assim uma coragem
fantasiada de medo

Olinda engole calada
a sombra do seu enredo

do ofício da distância


estes pés
que tem por ofício a distância
e que largam no mundo
enquadrando a natureza
tem a comoreensão exata
dos passos engolidos a muque
pelos pés de qualquer raça

a cada gesto
como comprimento da vida
tentam lavrar o corpo
no rumo da vontade
mas se por vezes vacilam
e não completam o movimento
engolem um passo em si mesmos
e explodem a consciência

no seu mister viajante
encontram mágoas e pontes
e um sol que, lá no fundo,
espera que avancem

excertos do tempo


não há um tempo

de dizer as horas

na compreensão intensa
dos momentos

não há um tempo

de demoras

quando vai-se levando

a consciência

é que a vida é pouca
nas ausências.
 
não há um tempo

de discórdias

mas a exata compreensão
ilógica

de que o homem apenas luta
contra a história

não há um tempo

de sofreguidão

pois as horas teimam

em se dizerem não
é que a emoção é campo

de se ter à mão
 
não há um tempo

de reformas

a revolução é o único tamanho
dela própria

não há um tempo

de facilidades

a mudança é apenas uma flor
que há-de

é que os olhos são curtos

para sentirem o infinito

da verdade
 
não há um tempo de mares

mas sonhos e navios pelas tardes
não há um tempo de águas

nos homens

há um leve rumor das cachoeiras
em que deságuam
é que a vida nem sempre

escorre pelas mágoas
 
não há um tempo de poesia
em que se caiba

o poema sempre tamanha
o que lhe invade
é que o discurso do homem

é de uma métrica

ainda tarde

que sobra no peito das gentes
como um sol de alvaiade
e a vida nunca é completa
por mais que verso haja
pois quando plena

apenas pela palavra
quem preencheria os metros
da fluidez dessas almas?
 
não há um tempo de poesia
apesar de sua tática

de discursar a coisa em verso
 transitada pela alma
como forma mais condizente
de se dizer a palavra
é que a prosa tem viés

de estranha matemática
que soma verbos e veias

em equações inexatas

que sempre esquecem um pedaço
do que se vai pela alma
 o verso pelo contrário

tem o tamanho da vida

pois sempre tende ao infinito
apesar de tão contido

nas meias dúzias de palavras
que o homem leva consigo

e que é sempre bem maior
que seu próprio sentido
 
não há um tempo a desoras

todo tempo é permitido

nas curvas em que se faz da vida
 um desacato aos sentidos
é que o tempo não acata

o que se faz sem seu juízo

pois as horas que lhe são próprias
deságuam na própria vida

e o homem tem seus minutos

na circunstância não dita

de que é apenas um

numa nave coletiva
 
mas há um tempo de necessidades
em que cada um é preciso

desde o resgate dos homens

à medição do infinito
por terem os dois o tamanho
de todos os nossos gritos

Indagação II


e tudo está claro

a vida e as mãos

apenas sobrevivem

onde nunca estão

pois por mais que no corpo estejam
envoltas no tempo e nas luvas
ninguém consegue entendê-las
no espaço exato em que as usa.

Minudências da vida em relance


o triz
é só um descuido
do que por um triz
não se quis futuro

é como se o passado
perdesse o compasso
e esquecesse no futuro
só um pedaço

a gente, por um triz,
deixa um triz no espaço

Nacional tramitação de povo e liberdade


à deriva
o país aderna
como uma nau envergonhada
e introspecta

os homens
nessa viagem
naufragam em si e trôpegos
engolem a realidade

e o tempo ainda novo
constrói a moenda da verdade
adivinhando no povo
as quilhas da liberdade
nesses mares tempestivos
em que só a luta nade

Onírica menção aos deveres da razão


o sonho
singra a vida
como um transatlântico furtivo
que navega todos os mares
de todos os sentidos

é como uma resposta
sem pergunta
no calendário desajustado
dos meandros da luta

ao homem cabe apenas
isentá-lo de suas culpas

Palavras a Rita Nunes


de onde não estejas
inventarás um riso enorme
e anunciarás a vida
mesmo na morte

e dos degraus do tempo
em que te convocas
haverá manhãs risonhas
batendo em nossas portas

tua fuga é apenas um gesto
dos risos em que te postas.

Pequena digressão do ilimite


Só se é indivíduo
quando coletivo

pois é preciso ser dito
o homem vive sempre
embrulhado no infinito
pois é preciso ser vasto
para ser limitado

e é preciso ser único
para ser vário
 
é preciso levar em conta

que a matemática de mim
não é espontânea

mas é preciso, assim mesmo,
ter vontade na substância
é preciso estar perto
pra se ter distância

é preciso ser humano
para ter esperança.
 
 

Pequena toada de sono e madrugada


o olho não fecha
apenas lavra

os restos da vida
que ficaram
 
e a noite não dorme
apenas acha

no vão de cada sonho
uma urgente lágrima

Poeminha filosófico


nada é tudo

não obstante o jeito

que a vida teima no mundo
 
tudo é nada

não obstante os infinitos
de que sabe a madrugada
 
ao homem

descabe a feição

de parecer-se pouco
porque tanta a revolução

Progressão


subo

e nem me iludo

de que chegarei a um céu
de que nem pude

antes

prefiro na subida
construir os paraísos

dos passos todos da vida.

Renitência


insisto

o tempo me repete
vitalício

nada do que vivo

é vestígio

de que há um tempo
que permito

tudo que me tange

é um tempo definido
em que distribuo à vida
todos meus indícios

Tratado geral do mar


nenhum verbo
conjugará teu jeito
pois as palavras desmaiam
nas ondas do teu medo

e de ser assim
conciso infinito
restas diante de mim
com um quê definitivo

as ondas que desarquiteto 
são apenas meus gritos

Verbos e tons da vida


o grito
é um precipício
de verbos não ditos
obscuros e intransitivos

crava palavras
como pregos
que voassem da língua
em busca de martelos

a calma
é só uma esperança
dos gritos que morrem
antes da garganta

viragens temporais em claro sentido


todo hoje
é um ontem expandido
tudo que lhe trai de tempo
é apenas o simples exercício
que o homem traz nos ombros
e na fluidez dos seus sentidos
no derramar-se, assim, avulso
na imensidão de todos seus indícios

Algoritmo temporal dos futuros em tese


vivente das horas
o tempo trafega
como um lapso temporal
de nossas esperas

urde no crânio
um labirinto exato
dos futuros que guarda
em seu regaço

e quase sempre anoitece
quando ainda somos tarde

Cachoeiras em trânsito nos desmaios do mundo


a cachoeira
desmaia o rio
como uma cabeleira
de líquida textura
e franze a natureza
nesse desmaiar
seus saltos das alturas
é que é pouca sua calma
nas costas do mundo
seu rugido é só anúncio
da sua ânsia de tudo

a cachoeira nem sabe
que é um rio em decúbito

Chopin em degraus e enchentes


Chopin criando
no meio dos tons
tece palavras e claves
nos ombros do som
e a música
drapejando nos ventos
desemboca lírica e lúdica
no pensamento
e o ouvido
dorme ternamente
e vira cachoeira
em nossa mente

a música é chicote manso
de tanger a gente.

Comícios em declarada vazão


nas larguras dos gestos
as mãos deflagram
todos os protestos
nos ombros da praça

sobre a multidão
como uma garça
a liberdade aponta
os trejeitos da massa

e o verbo voa nas horas
uma sofreguidão incauta
de quem monta a história
com as vestes da prática

Concerto preferencial à vida


haverá bemóis
tranquilamente resgatados
e uma profusão de notas
nos ouvidos arrumadas

o som encherá as ruas
de claves e compassos
e uma tênue impressão
de que o tempo é um abraço

e os homens cantarão
seus gritos mais ousados
e inventarão o novo mundo
com a música nos braços

Da bailarina em passos


a bailarina
nas esquinas dos sustenidos
inventa todas as ruas
e afazeres dos sentidos

como uma andorinha
a bailarina flutua
e inventa nas asas
uns trejeitos de lua

satélite e garça
no seu corpo declara
todos os cosmos
do engenho e da alma

e adormece no ócio
como uma frase exausta
que suas pernas escrevem
nas entrelinhas da valsa

da inconstância das fugas em mares próprios


por que fugir
quando ainda a hora
é pouca para ser tarde
e muita para tanto cedo
se ainda nem cabe no peito
o artifício do mêdo?

fugir é admitir os rios
que os mares da gente fingem
como se fossem artérias gastas
em praças impossíveis

fugir é só um atalho
que o medo da gente exige
quando a vontade no peito
naufraga os barcos possíveis

Das excelências em paradisíaca feição


nem mais uma excelência
entre no paraíso
sem antes provar
que haja combatido

nem mais uma excelência
entre no paraíso
sem antes provar
que exerça os sentidos

nem mais uma excelência
preste-se ao exercício
de fabricar contratempos
aos desejos do infinito

nem mais uma excelência
deixe de ser seu grito

Das filosóficas parcimônias das verdades


haverá verdades
meio relativas
e uma absoluta razão
de estarem lícitas
é que suas origens
como noções avaras
deixam absolutos
no meio das palavras
e trovoam apenas o presente
em que se declaram

o futuro as dirá apenas
assim perdulárias
como parcelas de outras
em adjetiva fala

Das guerras em mim e armistícios


das guerras que cometo,
assim pacífico,
melhor contê-las desarmadas
em largos armistícios
é que as armas da razão
atiram artifícios
calados verbos rasantes
nas costas dos gritos

das guerras que cometo
apenas identifico
essa necessidade da paz
em que me habito

de posses e possuidos


em posse de ti
me despossuo
na exata medida
de achar que a noite é balsa
de atravessar a vida

cúmplice de ti
me absolvo
das muitas vidas
que cometo e absorvo

e convoco em mim
os metros de alegria
que adredemente preparas
na garganta do dia

De Valentina Tereshkova a céu aberto


dos céus que viste, Valentina,
ainda resta a urdidura
da vontade dos homens
construindo seus futuros
os que apenas cabem em si
e os que cabem no mundo

que teu céu permaneça guardado
para as aventuras do novo
que navega os ombros do tempo
singrando o peito de todos

Do futuro em vegetal rompante


na árvore do tempo
pendurados em seus galhos
os homens balançam
o futuro dos fatos

o vento anuncia
o farfalhar da vida
e as escaramuças
das galhas perdidas

na noite do tempo
montados em muros
os homens inventam
de amadurecer o futuro

Dos açudes líquidos e viventes


o açude
é um mar retraído
todas as suas ondas
estão contidas
é que o esforço
em parecer pacífico
cobra-lhe dos ombros
o sacrifício
precisa sempre estar calmo
apesar de todos os conflitos

o açude da alma
é extremamente lascivo
arrebenta todos os mares
para estar consigo

dos quereres de futuro


a utopia

é um sonho

que se leva na mão
embrulhado na luta

tudo que seja novo

é só um traço

dos metros todos de povo
a que me abraço

Dos viveres insabidos


sobro
de tudo que me cabe
a vida é sempre maior
do que se sabe

e nem lhe reste
a contradição
de conformar-se cedo
com o que é tarde.

viver é sempre um tempo
de conjugar a liberdade

eletrocardiograma


nenhuma agulha
discursará meu pulso

na proporção do amor

na pauta do meu susto
nem se dirá nervosa
apesar do meu soluço
antes se queira rosa

de todo esse meu uso
porque mecânica

na sua estadia avara

poupe meu coração

da brutalidade da máquina.
 
nenhum coração

de propriedade tão exata
restará na ponta da agulha
nessa estranha matemática
que reduz meu peito impune
a se fazer de tão frequente
que me jogue as emoções
pelo vão incauto dos dentes.
 

Excerto das notas acerca do presumido nada


a morte é apenas

uma notícia da vida

jeito de ser cometida

a nossa revelia

nem tão plena

que não seja avara

nem tão triste

que não seja comedida

porque de tê-la pelos tempos
nessa simbiose constrangida
ao homem descabe tê-la

como um avesso do nada

é que a morte sempre cabe
em cada desvão da madrugada
 
assim de sua feição

como viés da vida

nunca lhe cabe a semelhança
de um gesto comedido

é que lhe trai a razão

de ser sempre conteúdo

de um não atravessado

na garganta de tudo
 
a morte é apenas

um descomeço da vida

e continua seu exercício

como uma praça infinita

onde habitassem todos os ausentes
no tamanho exato

de todas as suas lidas
 
assim de sua gesta

em contrafazer a desmedida
nunca lhe sobra a confissão
de ser compreendida

é que de sua feitura

nas dobraduras da vida
nunca lhe sabe a homem

o que não é medido

antes lhe sobre a compleição
de um exato infinito.

Menção a Frederika


assim como Frederika
cerzida ao coração holandes
Filipéia quase se estanca
com seu destino de rês
 
nem porque Frederika

se ousasse menos urbana
mas que se quisesse alegre
no exercício do drama
 
porque galões encestados
no seu ombro mais rural l
he ditassem um ritmo lento
qual vento em canavial
 
e Filipéia quer-se rápida

na sua viagem sagaz

que empreende como bolandeira
nos engenhos do nunca mais.
 
pois mesmo sendo cidades
em contrafortes definidos
Filipéia nunca é Frederika
apesar de todos os indícios
 
assim partida Filipéia

em Frederika amordaçada
nunca que uma palavra
pesasse mais que um fardo
 
já quase Filipéia

ainda tão Frederika

o tempo lhe dita ordens
como chefe de polícia
 
revolvida sua terra

por pés tão passageiros

onde os índios que amanhavam
seu jeito de verdadeira?
 
é que lhes sobram os suores
dos homens que lhes atiçam
construindo uma história
envoltos em seus ofícios

Ode ao Cometa Halley


até que não cometas

o incrível absurdo

de refletir na tua cauda

a palidez de nossos muros

seguirás urgente em tanto espaço
constrangido no brilho que discursas
por ver os homens ainda consumidos
na lavratura intensa do futuro
 
cometa, não comentas,
nessa tua caminhada,
os sóis que brilham no tempo
nos passos dessa estrada. 


Ode ao meu cachimbo, chamado Misaque


era o fogo
serventia aguda
da coisa menos formal
prestante à luta

era o tomilho
matéria exata
de guardar restos dos sonhos
que desato

era a fumaça
magra continência
do que eu poderia queimar
nessas ausências

Misaque era só uma arma
de inventar paciências

Ode ao não-ser


minha paixão não permite

que meu horizonte seja um dia
posto em cabides

minha paixão não admite

que o inverso de mim

seja somente o que não tive
minha paixão não se permite
ser um amor em tese
impunemente indeciso

minha paixão não se omite

em ser da revolução

até que deixe de ser triste.
 
 

Ode ao urso polar em nado esvoaçante


hás de ser alvo
de minha retina ingovernável
na compostura engenhosa e incauta
com que desenhas o teu nado

e hás de remoer a paisagem
e inventá-la em ti mesmo
com a desfaçatez e a lassidão
com que alisas meu cérebro

hás de ter a monotonia
de uma revolução inerte 
na contração de tua paz
nesse quê de paquiderme

pequena dialética


nada do que é pronto
me convoca

se não trago o caminho
como resposta
 
é que caminhar

é todo o encontro
de dizer construído
o que escondo
 
nada do que é a vida
nasce pronto

andar é sempre o sentido
de todo meu encontro.

Sinopse noturna


o bar

remói a vida

bêbado de gente.

Os sonhos

postos nos copos

têm agora

uma feição azeda

já não faiscam nos olhos
como chama

mas ainda murcham
líquidos de mágoas

no resto de madrugada
que se desfaz em cama.
 

Sonata II de introspecção


nem a minha saudade
por se ter tão vasta
preencha o quanto de tua ausência
em que se diga ávida
ou que se fora pouca
ou que se faça marca

meu coração
é uma bandeira exata
de tremular em ti
na tua falta

nem a minha vontade
tenha-se controlada
em distribuir tua voz
no vão dessa cidade

meu coração
é um motor inato
de sempre ter sido tão em ti
voraz e automático

não dessas energias
que se filtram aos pedaços
mas que em cada novo gesto
descubram assim tão de repente
que a vida sempre boia nos teus olhos
comigo apenas navegante do teu jeito

nem os infinitos
que se contam comumente
ousem desembaraçar em ti
aquilo que em mim
é de te ter tão vasta
e condição de me ter como vivente

Teatro


meus olhos
diluíram-se na tarde
como reticências absurdas
que completavam em vão
os aparatos da noite
e mastigando os palcos do planeta
o tempo arquitetava rugas
na face indormida dos homens
meus passos
quilometricamente derramados
bebiam o tato da areia
com a displicência 
dos andares anônimos
da luz
aconchegada aos poros
subia o hálito e o verbo
dos discursos não ditos
e pela minha cara
passeavam gestos
e a profunda compreensão
da aspereza da tarde

União dos tantos como um coletivo


ombro a ombro
a vida se abraça
e a unidade grávida
quer-se infinita e plástica

e nesse contrato
a manhã de todos
é a véspera formal
do grande ato:
todas as noites do mundo
caberão nesse espaço

ao homem resta somente
distribuir seu jeito nesse abraço

Versejantes dilemas em sono desatado


com verso em mim
como dormir?
abotoado o peito
ressono impropérios
grávido já de sono
e faminto de verbos

palavras são albuminas
na química mansa do cérebro

Antropofágica procissão em termos


antropofágico
o sistema delata
as ruas da morte
que asfalta

exato canibal
enganoso e mórbido
desenha iscas
para humanos bólides

e no meio do caminho
nas rasuras do medo
a vida regurgita o espaço
na esperança de rompê-lo

Auto da Vila Regina


no prumo da alvenaria
nem dizias
que um dia foras suor
de amarga serventia

e palmilhas os olhares
dos viventes que te cabem
com a desfaçatez e a culpa
de quem já não há de

e te acocoras na montanha
com a intimidade das alturas
como um monte mor reunido
que nem mesmo se atura

Da crise em rápida viagem


a crise
é só um levante
que a vida constrói
como uma ponte

no seu desarrumado
há uma ordem constante
em que as respostas explodem
nas dúvidas dos ontens

e as vidraças quebradas
são janelas bastantes
por onde o futuro voará
como uma garça no horizonte

a crise é só um esgar
em que a felicidade se esconde

Da dízima do tempo em clara sinergia


a velhice
é só um jeito
que a juventude dá
dentro do peito

é que o tempo
é cachoeira fecunda
dos rios que se inventa
nos fatos do mundo

envelhecer é só cursar
a mocidade de tudo

Da insuficiência lírica em discurso


meu eu lírico
é louco e indeciso
nunca administra unânime
os verbos de comícios
é que faltam palanques
para ter-se contrito
nas orações em que o poeta
debulha seus escritos
nesse rosário intransigente
de tantos adjetivos

é que o verso às vezes intenta
muito mais do que é preciso

Das avenças vitais em grave solilóquio


hei de querer assim
o quanto me caiba
dos contrários que tenho
nas esquinas da alma

é que assim inconcluso
completo a sentença
de parecer-me humano
com grave insistência

a vida é só um plano
de construir o que se pensa

Das demarches do rito vivente


a vida
é uma crise lógica
distribuída nas ruas
pelo vão das portas

inexata
nem lhe chega ao exercício
a mesma compleição
de um grande comício

torta
vige a prumo
em ruas que não dita
em todos os seus rumos

a vida
é uma crise lógica
que se finge vasta
em limitada posse

incauta
não se presta ao rito
de desmanchar-se isenta
pelo infinito

urgente
nem se admite
como coisa temporária
e sempre em riste

a vida
é uma crise lógica
e, quase sempre,
só desagua em ombros
de quem sente

talvez a vida seja só uma serpente
que vige em moratória
e enrosca-se na gente
como pose da história

Das felinas razões do exato


o gato no salto
é arquiteto nato
dos metros que define
quase exato

de suas abcissas
prolate-se
qualquer lacuna do tempo
em que o desate

porque em ser felino
nem se aperceba
das exatidões que põe
sobre a natureza

Das inadimplências focais


o olho em ondas
cronometra a paisagem
como um labirinto indigente
das culpas da imagem

joga ao cérebro
como uma ciranda
os verdes do mundo
e todas suas sombras

a mente, exausta,
procura o jeito da vida
e no peito da mata
foca, sombria e dividida,
o retrato queimado
de todas suas vistas

Desejos em arrazoada latência


simbólico
o caminho argumenta
todas as estradas
que os desejos tentam

fluem
em doses intensas
como uma cachoeira enorme
na consciência

e desembocam
em trilhas e medos
como um pensamento baldio
perdido pelos becos

ainda bem que há deles
em que dirigimos seu enredo

do amanhã em largo espectro


o amanhã
é só um ontem reprimido
é um tempo que esqueceu
de ser vivido

pousa na memória
como bólide inconcluso
à espera das estradas
em que possa estar em uso

O sonho é só o cordão
que lhe atraca no futuro.

Dos climas de mim em trânsito


nas secas de mim
chovo tão adredemente
que chego a naufragar
em todas as enchentes

é que os navios do peito
estranham mares recorrentes
antes deixam-se levar
pelos rios da gente.

Dúvidas em crescente jornada


lírica e enorme
jaz a pergunta
nas dobras do saber
ou da desculpa

finge-se cristal
indeflorável
virgem racional
e formidável

lira cognoscível
presta-se à conquista
um indagar-se recorrente
de encontro à vida

Filosofia em ritmos e fatos


a filosofia
é uma verdade arisca
tanto mais esconde
mais explicita
o que vem do homem
nos fatos que exercita

em verdade
dá-se à vida
como uma lente
incontida

a filosofia é um fardo
atado em desmedidas
impunemente plantado
nos roçados da vida

Índios passeios


como indigena,
dou-me itinerante
dos voos todos da vida
e seus rasantes 

e por te-los assim
como transeuntes
deixo-me estar recorrente
em tudo que me nutre 

a vida é um voo enorme
nas asas do que pude

Ode à renitência


por que fugir
quando ainda a hora
é pouca para ser tarde
se ainda hoje mesmo cabe
todo centímetro do coração?

há um tempo
de rever as empreitadas
e consumir como tudo
o que é quase nada

Ode aos 40 anos, retirante da mágoa


a vida
é um trânsito enorme
e nem é preciso
que o corpo lhe informe

sou aos borbotões
meus gestos mais próprios
e um verbo que teima
em dizer-se lógico

apanho
as 15000 madrugadas
que lavraram o tempo
em minha face
e as empilho largas
numa eventual felicidade

e consumo as horas
já tardio
emborar rebentem indícios
de que ardo
apesar do frio

Palavras ao guerrilheiro Osvaldão


o Araguaia vagando
rasga líquido a terra
sentindo o gosto da pátria
nos meandros da guerra

Osvaldão vigente,
ainda camarada,
vive coletivo e guerrilheiro
em todas as estradas

aquelas que o povo inventa
nas lutas, com seu jeito,
e as das guerrilhas
que trazemos no peito

Pensar em debandada marcha solene


a razão
é só um disfarce
que a verdade intromete
nas nervuras do fato

joga a palavra
em sonoras teses
como co-autora
do que a vida tece

pensar é um caminhar solene
naquilo em que, humano, se esquece

Procissão em passos e forma


em roldão
a vida grassa
em carne e paciência
pela praça

verbos
nem se admitem
que se tenham à custo
nas laringes

apenas o céu
no andor das normas
resplandece um divino
que apenas desinforma

Usucapião vivente sem escalas


a vida
tangida em vagas
nunca deixa os mares
de suas marcas

e flui no tempo
como jangada
dos lemes que cada um
maneja em sua fala

e de vê-la só um tempo
em recorrente escala
o homem esquece a vida
nos ombros das palavras

Caminhos, veias e vertentes


ruas 
são veias do povo
um rio de sangue
em alvoroço
que molha a história
e pressente
os futuros que caminham
nessas vertentes

ruas
são destinos urbanos
num agrário panorama
que traça a terra dos homens
nos passos e nos dramas
que a vida carrega pelo ombros
até que seja chama.

Da constância do verso em diferente âmbito


no papel
o verso deitava
com a ilusão intacta
de que a caneta
era o caminho
por onde passeava
e o poeta dirigia
o fraseado da alma

no teclado
o verso salta
com a ilusão intensa
de que é astronauta
e voa um cosmos informático
com um algoritmo nos braços

ainda bem que a poesia
permanece em seu encalço

Da dialética pretensão conjuntural


a síntese
resvala
nos descaminhos
das teses que propala

a antítese
nem se cala
nos ombros das sínteses
que ataca

as teses apenas indagam
em manifesto
a solidão dos homens
em seus nexos

Da fome em trânsito de lucros e vergonha


amarrotados,
em colo materno,
o menino e a fome
enchem a rua de berros

o cenário
estampa nos autos
uma vergonha grávida
de horror e sobressaltos

e a fome transita,
envergonhada e incólume,
nas cordilheiras dos lucros
das ruas em que corre

Da verdade em factual vigência


a verdade,
seja dito,
monta no fato
escondida:
é que há uns tempos
de parecer relativa

a verdade
acredita
que o fato é só um barco
onde se explicita
nesses mares avaros
em que habita

ao homem
restam os indícios
de vive-la como fato
nas esquinas do possível

Das clandestinas salas da luta em transe


no canto da sala
o argumento aflora
e a idéia flutua
os neurônios e as horas

o silêncio
de repente invade
os tramites urgentes
da clandestinidade

e os homens
guardam incertos
as ansiosas gargantas
de seus verbos

das datações impacientes da espera


1o de julho
já estava
cravado no espaço
que eu me dava

e de repente
fez continência
e já nem era julho
na paciência

tinhas mais de abril
um jeito atrasado
de um presente em que eu me fiz
com o futuro atravessado

das pendências regulares da vida


de tua face
pende a vida
insuspeita ordem
de tua lida
em construir um tempo
em que decidas
tê-la presa aos outros
numa intensa desmedida

De la vida y sus camiños


y la patria
siguirá jugando
el juego de la vida
Maradona

y para el pueblo
siguirá el sueño
de darle gol
a su dueño

Digressão sobre a culatra


talvez nem a bala
como pássaro conciso
compreenda tua lógica
paciente e contida

assim avessa
à precisão e ao tato
tens mais de impulsão
do que é exato

pois se revelas o mister
em que te tens inata
permites aos autores
o constrangimento das balas

a vida nem adivinha
o quanto tem de culatra

dos esconderijos recorrentes


A felicidade

é compacta
nada lhe mede
além da prática
 
se, às vezes, tarda
diz-se tão frequente
como se escondesse tudo
no meio da gente
 
a felicidade

em contradita

é apenas um jeito
que se dá na vida.

Dos muros e seus descaminhos


o muro
planta-se no tempo
como escaninho
de conquistas
que se dão às avessas
da notícia

o muro é pouco
pra conter a ação
do que lhe trai
como usurpação

o muro salta
e, súbito, some
por conter em sua sina
a coletiva sina dos homens

dos ofícios de mim em crescente


meu indício
é um contrário
e a certeza que vige
nas certezas em que me guardo

meu ofício
é ser um trânsito
em tudo aquilo
em que me caibo

guardo
os dias sem guarda
e a luz mais íntima
das madrugadas

creio no engenho das estrelas
e na compreensão inata
de que tê-las é não tê-las

guardo as alegrias definitivas
como as canetas que trago
pelos bolsos da camisa
e as incluo no meu dia
com todos os verbos
a que me apresto à alegria

meu ofício
é ser meu sangue
pulsando todos os rubros
e todos os instantes

Dos vietnãs da gente


em cada coração
borbulha impunemente
um Vietnã escondido
engavetado na gente

e se sobe à garganta
engasgado na palavra
esse Vietnã não mata
mas frequentemente arma

e em cada cidade
num inventário sem fim
vige uma rosa exata
como herança de Ho Chi Min

em braços de almas baldias


algum dia
eu tinha uma alma
e não sabia

não dessas que se soletram
em verbos continentes
e que se prosternam aos ventos
como dormentes

não dessas instituídas
na solerte noite da insapiência
e que transitam inócuas
no exercício da consciência

não dessas imerecidas
pelo que de humano se sinta
e que não traspasse o vau
dos rios que não se pressinta

algum dia
eu tinha uma alma
e nem sabia
alma histórica
definida
do tamanho das emoções
que alinhavo na vida

alma país
desenfreada
nas geografias que o peito
às vezes há de

alma manhã
atemporal
basta como a cabeleira
do canavial

alma usina
adrede armadura
de conjugar os risos
e a amargura

algum dia
não terei uma alma
apenas uma porta
por onde escapará a noite
como ineficiente gaivota

indígena apreciação da vida


indígena
assim primitivo
deixo-me estar futuro
em todos meus indícios

a vida
que transito sem datas
é a intrínseca razão
da humana prática

e consumo
como uma planta que invento
as patentes das matas
e as mercadorias do tempo

é que a vida é assim simples
como um cocar ao vento

No calor de tuas abcissas


no calor de tuas abcissas
meu corpo é uma grande norma
que me lavra no tempo
e que me informa
que o prazer é quase exato
e estranhamente desconforme
resvala pelos infinitos
como uma saudade enorme

Ode ao amanhecer de Coxixola


nem és manhã
quando aportas crua
no vão mais impotente
de quem apenas sua
essas mágoas mais pungentes
das usinas e das ruas

nem és tarde
nos olhos mais avaros
que enquadram o horizonte
com um gosto amargo

nem és noite
guardada a proporção
de que nem usas o tempo
para fomentar a ilusão

Coxixola
deitada em manhãs
nem adivinha a lassidão
de quem vive em suas costas
como um tremendo não

antes compactua
com esse jeito informe
de quem apenas cumpre a vida
com parcimônia e lógica

e vige desmesurada
na sua pouquidão
engolindo quilos de fome
rasgando a prática em vão

Ode informática ao negro Manassés


dos eletrons
nem sabias 
que teus dias
não eram dias
mas noites que em ti
traziam auroras
sem serventia

teu átomo
se tão exato
perdeu-se na concepção
que tinhas dos teus passos

e foste cursor
do drama em que estavas
lavrando apenas a insurgência
na raiz de tua alma

Passado em desoras


o passado
é só um descuido
dos futuros que se larga
nos ombros do mundo 

como tempo
resta-lhe o rompante
de viver dançando
na cabeça dos homens 

deixar-se pelas horas
é a lógica de seus planos

passeatas de pernas e passos em confluência


minha perna
não intenta
estrada maior
que a que convenha

é que o passo
arquiteta
o espaço que a gente
pelo chão decreta

não assim
a conveniência
de decretar passos mais gerais
para a consciência

Pequena ode panglossiana com facciosa conivência


a tristeza

é só um jeito

que a alegria teima em dar
dentro do peito.
 

Poema aos meus filhos André e Lisete


de sabe-los em mim
assim tão profundamente
possa a vida transigir
tudo aquilo a que não se consente

é que vivê-los é tanto
mesmo assim distante
que a razão dispara
quando o coração descansa

é que o amor encanta
as lonjura de quem ama

Poema de circunstância III


o relâmpago
traça na noite
seu jeito de dia

a mulher
envolta em sono
resume em si
todos os meus egos

e a baía
sestrosamente adormecida
enleva seus barcos
com os arrepios solertes
de seu dorso farto

a síntese
trai um infinito
tardiamente acabado

simulacro


eis o simulacro:

o outro não será tanto
que não seja como

no meu abraço
 
eis o simulacro:

a manhã nem toda

é uma fração do tempo
em que se baste
 
eis o simulacro:

razões serão já todas
as que eu tenha

e as que me constatem
 
eis o simulacro:

nem tudo que é a manhã
é um dia que me baste.
 

Alagamar em verbo solto


a terra abraça o sol
na largura exata
de quem mede um futuro
com os palmos da prática

Alagamar acende a chama
de um tempo absurdo
e decreta a liberdade
nos ombros do latifúndio

camponês, o tempo grita
por todos os rincões
as infindáveis emoções
de quem extruma a vida

Cachoeira da vida em sono desatado


e nas encostas do sonho
assim como uma nascente
o futuro é quase um rio
de extravagante corrente
que sobe e desce o espaço
na vontade do vivente
e perde-se inteiro no sono
nas cachoeiras da gente

é difícil navegar exato
nas oníricas vertentes

da chuva e da água em nordestina trama


a água
é uma alegria intensa
que chega a inventar línguas
no vão da consciência

e, assim, exercício da esperança
há quem a sinta pouca
por não sabe-la tanta
deitada no vão da terra
quando é chuva e planta 

e não lhe sobra uma fome
mesmo as mais etéreas
por não pode-la consumirem
com o vazio das artérias

Da divina inclusão dos viventes


e deus
na sua inexistência
desgoverna o mundo
em contritas avenças
como se fora exata
sua liquidez e permanência

tudo que lhe delata
é uma breve consciência
e a necessidade urgente
de conformação e paciência

e dobram os sinos da vida
na procissão do que se pensa

Da midiática vazão do sistema


na manchete
o sistema diagrama
os centímetros ineptos
de neurônios e enganos

a frase inóspita
posta necessária
cabe no homem
como resposta vária

e a informação
como um fuzil troante
dilacera a razão
do pretenso pensante

informação é só um disfarce
semeando letras e sangue

Da pandemia e da morte com ressalvas


vazio
o mundo trancafia
a possibilidade humana
pelas esquinas do dia

a morte anuncia
o panfleto recorrente
de que jaz entristecida
nas pupilas dos viventes

e o alvoroço do futuro
intrometido nos desejos
desenha sonhos de vida
pelas frestas do medo.

Das bailarinas danças do infinito


a bailarina
tramita no palco
com todos os favores
de astronauta
é que seu cosmos
flui de seus braços
nos infinitos que escreve
nas sapatilhas e nos saltos
é como se fosse um navio
atravessando o espaço
e jogando todos os mares
pelas esquinas do palco

a bailarina é apenas
um sonho ingovernável
tudo que lhe mede
é profundamente imaginário

Das direções do medo e outras vias


as manhãs do medo
nascem vadias
nas entrelinhas das horas
em que não se vivia
tangendo a memória
por passadas vias

e a ânsia desborda
a simples monotonia
de quem sonha um tempo
em que não se dizia

lembrar adredemente o futuro
é consumo exato da alegria

Das mediações ensimesmadas


normalmente transito
entre o que faço e o que digo
o resto é só um jeito
de estar comigo

Das notícias em debandada


as notícias
caminham lúdicas
em busca de neurônios
e de culpas

arrastam fatos
como arapucas
e desdizem direções
nas suas curvas

e os verbos
em revoada
laçam o homem
pelas calçadas

a notícia é quase um ato
de criar razões e fatos

de Zumbi nos largos da luta


no meio de tua lembrança
haverá viventes
construindo a esperança
com a faca nos dentes
e nas entranhas da vida
e nas encostas de tudo
as fagulhas de teu grito
rasgarão os absurdos
e falarão da manhã nascente
nas correntezas do mundo

Do amor em bússolas e tempos


no silêncio
dos mapas gerais
do pensamento
a vida flutua unânime
todos os barcos do tempo

e o amor
é um timão confuso
que teima todos os nortes
das bússolas do seu curso

amar é um projeto
trançado na paciência
de quem constroi no outro
os andaimes da presença

Do amor em vaga militante


o amor
é um poema avaro
deixa-se estar a dois
e perdulário
comete-se nos infinitos
em que se declara

o amor
é um poema caro
custa todas léguas
que decorram
dos enredos das palavras

é que o amor assim militante
é uma usina inteira da alma

Do perdão em rasa cena


e na mente
as pegadas da culpa
inventam os atalhos
em desculpas
tudo que é vontade
da-se às escusas
da liberdade grávida
das escutas

o favor do perdão
é só uma bandeira difusa
que tremula a palavra
como um gesto de luta

Do peso dos passos


o homem
traz preso nos passos
o peso da sua ausência
tudo que não foi passo
e quase pensamento
deixa de inventar espaço
na dosimetria do tempo

caminhar é só uma urgência
quando o fato é complemento

Dos passos e demoras do fim


a conjuntura
é só um passo
dos caminhos que o fim
põe em nossos braços

vê-la sozinha
nos ombros do tempo
é não tê-la só atalho do momento
o fim gosta de demorar
todas as conjunturas
em que combatemos

dos quantos josés nas avenidas


quem agora José
por não se-lo há muito
resta no vão da vida
de sentimento em punho?

quem agora José
por não se-lo tanto
tinge os ombros da alma
em desencanto?

quem agora José
por sempre te-lo sido
é maior que qualquer dor
de todo e qualquer sentido?

Estradas em invenção desatada


caminhar
é só um passo
das estradas que pulsam
em nossos braços

espalhá-las
pelos caminhos
é como consumir
todos os destinos

transeuntes
de nossas direções
o vento desarruma
os arrepios das emoções

inventar estradas
é só arrumar o nosso vão

Favelas em decúbito rasante


favelas
pulsam os rompantes
de quem humano
vasculha a fome

favelas
fatiam o custo
e a vergonha gasta
dos parasitas do lucro

favelas
guardam um futuro
alinhavado no tempo
contra os absurdos

Fracionária feição do tudo


a fração escapa
como um gesto inteiro
de quem não calcula
os meandros do seu jeito

e da matemática
desfaz-se em tangentes
como se fora atalho
das estradas da mente

é que o tudo é fração
de quem é vivente
e nos bordados da vida
nem se pressente

Itinerário lírico da cidade de Salvador


o semblante das casas
trai um certo desejo
de afogar mais o homem
no vão do seu próprio medo

não parecem imóveis
destarte a constatação
de que, em seu bojo, habita-se
a salvo da opressão

e mesmo aquelas que riem
um riso de cor e cal
carregam um pranto escondido
nas faces dos seus degraus

e se nas ruas arrumam-se
organizadas só mentem
pela desordem dos quartos
pela fome dos viventes

e quando estão barracos
mendigando a gravidade
mais a fome arquitetam
nos limites de seus quartos

e as que são trançadas
no melhor material
guardam resquícios do medo
na liquidez do seu mal

e em tudo são parentes
daqueles que lhes invadem
num futuro em que, por fim,
explodirá o combate

II

as ruas não se alinham
como os problemas dos homens
e parecem certas correntes
nos elos das muitas fomes

e desenham-se sorrisos
na cara dessa cidade
e escondem nos passos das gentes
uma nação entre grades

desde a 7 de setembro
de uma parca independência
às ruas mais meretrizes
ou mesmo as da inocência

Salvador não se sustenta
nestes caminhos gerais
que sugando muita fartura
da fome nutre-se a paz

e se meninas vestem-se
de roupagem mais pagã
guardam nos seios escondida
a timidez da manhã

e se urbanas se dizem
no seu urbano trajeto
não escondem o que de agrário
repousa em seus tetos

Salvador é só um encontro
das ilações do concreto

O tempo em suas contrações e usos


há dias
em que não vou ao futuro
deixo-me passado
nos presentes que procuro
e esse tempo
como um abuso
torce as horas que crio
dos futuros que uso

é assim como um mergulhar
nos mares do meu discurso

País dizente das pátrias gerais da vida


o país
é só um mapa
que traçamos no peito
como marca

na verdade
é confluência
dos enredos que a vida
constrói na consciência

o verdadeiro país
é o infinito
a pátria geral dos homens
em todos os sentidos

vive-lo agora é só um momento
enquanto o futuro não vingue

Poema a Lane Pordeus em natal pensar


talvez o tempo
nem aquilate o recado
de tê-la deslumbrante
em todos os seus atos

eis que, mulher e pássaro,
voa todos os meus ares
como gesto permissivo
de todos seus olhares

remido, pelo tempo em afetos,
construo ondas de amor no peito
e deixo-me estar em privilégio.

Provecta ilação


idoso
dou-me ao tempo
como um passarinho
nas costas do vento
tudo que me conta
é o futuro que invento

dos anos
sei apenas da história
da cordilheira de sonhos
que vivi nessas horas.

Tempos em declarada força da vontade


rasuro as manhãs tristes
com o riso declarado
de quem espana o tempo
como um sobressalto

tudo dorme calado
quando a vontade insiste
em ter-se enclausurada,
posta em cabides

e assim que se estampa
como chicote da angústia
constrói usinas de tanto
abraça o jeito da luta

e o homem consome em ondas
todos os tempos que disputa

A dor em quadratura alheia


minhas dores
tenho-as resumidas
num espaço avulso
das frestas da vida

é que dizem mais
dos sentires do outro
que desaguam em mim
como um largo poço

a dor que é minha
em privada propriedade
descontruo no peito
com o cheiro da liberdade

a dor do outro é menor
quando ainda nos cabe

A sólida noção do tempo


o descaso do tempo
em ter-se como tarde
mistifica a noção
da velocidade

tudo que despreza
vira saudade
pedras esvoaçantes
transeuntes da vontade

o tempo é quase sólido
e nem sabe

Contrita sujeição das estacas do mundo


descerá das horas
um jeito submisso
de tornar-se escravo
de ritmos e ritos

a vontade
guardada em trânsito
imagina-se num desmaio
de todos os ângulos

e o homem ajoelha-se 
na contrição dos rumos
como se fora resposta
às dores de tudo

e nem repara nos braços
que carrega o mundo

Da palavra em diverso plano


a palavra
é um tanto avara
nem tudo que diz
às vezes declara

é que espelho
de um ato profuso
voa como simples
em complexo uso
e soa como presente
adivinhando futuros

e quem a traz
fugindo da boca
nem percebe a viagem
e as inversões
de quem a ouça

Da vivência e seu caudaloso rumo


admito
a vida é só um exercício
há que tê-la no próximo
e vivê-la num ônus coletivo

a razão de sofrê-la
é só um indício
de tangê-la sozinha
por descaminhos e ritos

admito
em tudo que se explicita
viver é só um espetáculo
da construção coletiva

ao homem cabe apenas
arrumar o jeito da vida
trazê-la nas cachoeiras
dos rios em que desliza
e desembocar nesses mares
dos mundos de onde grita









Das humanas vazões do futuro


dê-se o contrato:
tudo que do homem
permaneça em atos
cumpra a função de tantos
em favor de todos
como cláusula de fato

cumpra-se o dito:
tudo que vier do homem
assim construído
permaneça em todos jacente
como definitivo armistício

e siga a vida a mudança
que persegue o infinito
de sermos todos nós
abraçados neste rito

o conflito que precede a trama
é só um alvoroço coletivo
e o caminho que lhe derrama
é compostura do humano ofício

Das índias funções do simples


na taba
a liberdade grava
o rito exato
da palavra

em passos
a tribo instala
a dançarina ética
das almas

simples
e desmedida
a aldeia comenta
a própria vida

Das letras em manchetes avaras


Pravda já não és
na tua página
salvo o futuro
em que caibas

jornal e gesto
já nem anuncias
a grandeza humana
que há no chão de cada dia

morta, tua letra
é ainda persistência
de que habitas ainda, e tanto
o escancarado vão da consciência

Das medições cósmicas em singela vazão


o universo
é só um distrato
da ordem finita
de todos os esquadros

tem-se em réguas
por desacato
àquilo que por léguas
dá-se como palmos

e o homem avaro e imediato
mede apenas seus sobressaltos

Das mortes e vidas em trajeto


volto à terra meus neurônios
em estática pose
de quem cumpriu a história
e não mais se coube

passo de animal
a mineral e outros
estudado em cartilhas,
genérico e quase todo

mas saio da vida
um tanto endividado
por ter arrecadado emoções
em infinitas quantidades

morro como homem
para viver no que me caiba

De Camilo Cienfuegos e a história andante


Camilo Cienfuegos
em póstuma vigência
espalha inventos
pelas consciências

é que a história
arma-se no tempo
como um gesto etéreo
dentro dos viventes

e atiça todas as avenças
como um desejo isento
que enfeita a luta do povo
nos rumos do momento

nada como reviver
fuzis, palavras e inventos

Do povo como tangente


o povo
escrito na praça
é um verbo isento
da mordaça

os passos
ensaiam o futuro
como um manifesto
valor-de-uso

e a história bóia na rua
como uma bandeira exata
de todas as larguras

dos brasis da vida


A terra
de país apenasmente
trai um gesto de pátria
que a geografia lhe consente

e hoje a vida estanca
na nacional monotonia
que faz a manhã ser negra
embora cheia de dia

mas do ventre do país
construído assim a muque
começa um país mais vasto
até enquanto se lute

Em aditamento ao trâmite das horas


nos dias
em que as noites não terminam
e cumprem esse tempo
como recorrentes oficinas
construindo a escuridão
das vidas e das esquinas
há que tanger os fatos
pelo curso da memória
e retorna-los intactos
aos braços da história
para tece-los novamente
com as linhas das horas

ao homem cabe um tempo
de adiar todas as demoras

Em dialética junção das vias


a dicotomia
é só um disfarce
dos milhares de gestos
em que se nasce
trazê-los expostos
em cada riso
é um pranto exato
e diverso grito

nada é tudo
tão tenazmente
que a gente, às vezes, esquece
de ser perene.

informes e batalhas no campo da massa


plástica
da forma
elástica
norma

plural
estrutura
famigerado
informe

a luta
enorme
bruta 
e intensa

da moenda
no canavial do povo:
p(r)ensa

insônia verbal


ao invés de ovelhas
pulam no meu sono
alguns verbos incautos
e adjetivos sem dono
e os versos que se ajeitam
nas colunas do que sonho

itinerário avante


ao riso

dê-se a fala

de quem habita inteiro
sua alma
 
ao povo

dê-se a palavra
de quem cogita
todas as praças
 
ao mundo

dê-se a vontade
de habitar impune
a liberdade
 
 

João Sebastião Bach, camponês de pautas


Bach
bastava-se nas notas
como um camponês errante
nos roçados da pauta
e tangia bemóis
como um astronauta
que tocasse no cosmos
os sinos da alma

João Sebastião
nem percebia
que a música, eterna,
jorrava pelos dias
e jogava-se nos tempos
como ventania

e ao fundo, transitava as mágoas
como um leirão de todos seus roçados

Marítima locução de ondas e viventes


quando rola na praia
no colo de suas ondas
o mar apenas discursa
os ventos e suas sombras

é que no leito, deitado,
dessas areias e pedras
dá-se como resguardo
destas grávidas terras

e transmite ao vivente
esse desejo fugaz
de inventar todas as ondas
dos mares em que se traz

e ao homem resta ser o mar
das ondas todas do que faz

O pulsar da prática em coletivo instinto


a prática divide
como oficina
o homem e o próximo
em matérias-primas
tudo que lhes alcançam
dá-se por paradigmas
uns dados no exercício
outros dados à míngua

tudo que versa a prática
é o fato como estigma

Olga Benário em rápida preleção


Olga
tinha nas faces
todas as verdades
em que lutasse

íntima do futuro
discursava a luta
como um verbo farto
livre e sem culpas

e num abril
morta em sua carne
deixou-se pela história
como uma grande nave

Olga era um rompante da vida
em sua grave humanidade

Pedras em constante intermédio


as pedras
usam o tempo
como um invólucro
inerte e displicente

é que lhes custam uma memória,
quando descuidadas,
dos tamanhos da vida
das histórias que guardam

e testemunhas, constrangidas
nem declaram
as vicissitudes do homem
que as espalham

Pequena balada da vergonha


no lixo
um pedaço de queijo
é uma rosa amarela
enlaçada nos olhos
do menino que a revela.

nunca que soubesse
que todos os seus medos
medem mais que seus sentidos
amarrotados, assim,
nos seus cabelos.

nunca que soubesse
das possíveis traições
que as rosas tecem
nos vãos de seus perfumes

do veneno 
restou a morte, o acinte 
e uma infinita vergonha
nas ruas do Recife.

pequena exposição da possibilidade


no medo
, publico
meu segredo
e construo de tarde
o que era cedo
 
nada do que me é tanto
é tão secreto

mesmo que pública

sua razão e manifesto
 
no medo

ao inverso

navego a coragem

do meu verso

palavra que seja tanta

na vida a que me presto
construindo a coragem

nas entranhas do que meço

Poema à máquina datilográfica


a tecla
tem a postura
a mecânica e a forma
das ditaduras

cada toque
estrutura
apenas o que máquina
atura

urde a palavra
invólucro de carne
das sensações mais sentidas
que o homem arme

e foge dos dedos
às palavras mais cruas
ungidas no medo
dentro da máquina geral dessas ruas

Poema ao guerrilheiro assassinado


agora
transitoriamente horizontal
nesta química inoperância
não trazes mais que o aval
daqueles que te fizeram substância

nesta geométrica mudança
em que de prumo fizeram-te horizonte
apenas humanizou a tua queda
uma pequena lágrima, uma gora de sangue

subtraíram a vida
como uma infinita soma
onde teu corpo engoliu os anos
e teu povo engoliu as sombras

mas mesmo assim
impreterivelmente indefinido
estarás vivo em qualquer praça
do povo que sonhaste livre

Toda praxe, toda vida


toda praxe

é suspeita

nada do que é novo
lhe enseja

é que não cabe
tradição e futuro

no exercício

de quem quer que seja
 
a praxe

é um avesso

de tudo que avante
se diz começo
 
é que ao futuro

cabe a lida

de parecer-se impróprio
nas praxes da vida
 
a praxe

é apenas um obséquio
de tudo que no passado
foi impretérito

não lhe cabe a medida
de soletrar-se avulsa
pois tudo que lhe tange
é uma constância bruta
 
a praxe

desmede-se dos homens

pois lhes tornam inconclusos
tudo o que lhes movem avante
é uma cordilheira de desusos
 
e desse usar frequente

que lhes fustiga à corrente
nada do que a praxe siga

será estrada consequente

pois o novo é sempre caminho
dos rios todos da gente. 

Ao Camarada Stuart Edgar Angel Jones


na pista gelada
sem pouso
Stuart arrastado
é a cara do novo

flui para a morte
como uma bandeira
que drapejasse nos vincos
uma saudade inteira

Stuart morto
pesa todo um futuro
e é quase uma montanha
no peito do mundo

da coca cola e outras efervescências



é preciso
que a morte sobreviva
no lucro inconteste
de todas as medidas

na garrafa de Coca Cola
a morte explicita
os líquidos todos
que nos habitam

há que molhar a garganta
de quem se suicida
morrer é quase um viver
quando o sistema diga

e no cartaz luminoso
subverte-se a desdita
de quem foi incapaz
de alinhar-se à vida.

a coca cola
efervescente
engole a razão
adrede(mente)

Da insônia em transversa pose


o sono raso
escorrega do olho
e escuta a cidade
como desconforto

o sonho
nem se apercebe
que a realidade
é uma pálpebra inerte

e o tempo
monta a madrugada
como um quebra cabeça
dos  cochilos de quem tarda

Da mendicante subtração da vida


no meio do grito
a fome soava a vida
nos decibéis montados
pelas avenidas
e nas ranhuras do tempo
assim como esquecidas
os viventes trançavam
suas desmedidas

e dado às calçadas
como um marco atônito
o homem apenas gritou
a pandemia da fome

Da racional feição do caminho


a vida
é exato invento
quando em porteira aberta
do pensamento

é que o pensar
é um viver diferente
que se esparrama no verbo
tão flagrantemente
como uma usina tenaz
de tudo que se sente

tanger a razão no peito
é navegação recorrente

Das amortizações humanas no tempo


a palavra
posta em fios e íons
atravessa o mundo
em desvarios

morse
agora engavetado
escuta a cibernética
em dígitos desesperados

e os correios da vida
esparramados no tempo
vivem a ânsia fugitiva
das ondas do pensamento

e o homem digitaliza
todos os sentimentos

Das metragens do amor em claro rompante


o amor esparramado pela cama
transcorrido assim dentro da gente
diz que se faz de quase drama
de atores que criam o presente

e ultrapassa o retângulo da cama
no matemático limite reticente
de que os infinitos quase medem
as larguras daquilo que sente

Das origens em profundo vão com ligeiros arroubos



2000000 de anos
entre mim
e meu macaco
marco
da idade
do meu parto
há aeroplanos
entre meu olho
e meu engano
e asas de pterodáctilos
a somar retinas
nos meus vasos

3000000 de metros
de veias
e estradas
entre o grito do medo
e o grito das harpas
há vozes
encalhadas nos portos
e vezes
encalhadas nos braços
há futuros
em pedras e pontes
e avisos plantados
sobre minha fronte
há vermes
funcionando
destarte a burocracia
do luto
há horas
e momentos
escondidos nas rugas
do pensamento
há miséria e fartura
no campo e nas barrigas
dos irmãos
e das lombrigas
há morte e vida
e facas e feridas
entre o morto
e a sanha do corpo
há distâncias
e, perto, o encontro
há discrepâncias
e a certeza de estar
cada vez sempre
em mudança
há luto
no peito dos finados
pela revolução
em seus gargalos
há susto
nas barrigas gerais
das crianças da pátria
há custos
para que a curva
suba mais nas paredes pintadas
dos edifícios centrais
há cédulas e medulas
sangrando nas marginais
de povoados em escuta
e de morticínios tais
há defloramentos e amores
escorrendo nas vielas
espalhando dores e flores
pelas cancelas
há verdades
espalhadas nas praças
nos olhos da história
nos gritos do povo
há indústrias paradas
e suores trabalhando
há a festa das máquinas
e dos parasitas
na desgraça humana
há tumores e humores
nas mãos da multidão
há versos e música
nos olhos do povo
nas curvas da luta
há milagres
na constância
da humanidade sorrindo
em busca de sua substância.

De Eldorado dos Carajás em bruta rima


agrária 
a vida permanece
no leito moribundo
de suas vestes

a terra
assassinada
perde seu jeito
de ser estrada

até que um dia
de repente
o povo desarrume
tudo que enfrente

De Maria Pajeú em bailarina urgência


na dança
em bailarina avença
Maria Pajeú
é uma África imensa

em sua pose
os tambores gritam
todas as esperanças
de uma massa aflita

frente ao divino
como uma garça urgente
Maria Pajeú
dança todos os sonhos que pressente

Desencontro em marcha compassada II


em cada morto
há sorrisos
em cada porto 
há desencontros
em cada adeus
há a chegada
em cada deus
o nada
em cada pranto
há o desconto
do salário geral
de cada fome
e cada posse
é restrita
a cada posse
coletiva
e cada dedo
é preciso
a quantos dedos
no gatilho

Dos deveres quânticos da fala


no meio da sala
como partícula ou onda
o futuro habita a matéria
como uma aguda sombra

o tempo
exposto a impropérios
esquece a performance
do novo e do velho

e o mundo
gravita quântico
todos os sonhos
em que estejamos

Dos tempos em mudança


mudar
é só um jeito
de construir andaimes
nas larguras do peito

é como inventar o novo
em atos e desejos
como figurante intenso
das artimanhas do medo

é como deixar-se tarde
nas parcimônias do cedo

Estudo XII


antes que me deite
dou-me sempre à lida
de tecer um sonho exato
e desenrolar-me da vida

Gritos, bandeiras e as mãos do futuro


gritos serão bandeiras
em gargantas hasteadas
para construir as esquinas
da grande madrugada

mãos serão bastantes
para todos os abraços
e os afagos urgentes
na liberdade que nasça

e os homens
viverão a estranha matemática
que faz de todos só um
no dorso unânime da prática

alinhavar o futuro
é jeito de astronauta

Nos virtuais degraus da vida


a lógica virtual
mede a urgência
como se fora um degrau
da paciência

quântica e translúcida
a energia violenta
como se fora um cabresto
dos campos da consciência

e o homem clonado
esquece a memória
no invisível carrossel
de sua história

Pacífica redação de uma paz ausente


ainda bruta
a paz labuta
em todas as guerras
que a lutam

bólides e bulas
de acordos e rusgas
canhões pacíficos
da mortal disputa

marcos e marcas
de monetárias alças
dos fuzis comprados
com o suor da massa

e assim adredemente difusa
nas entrelinhas do mundo
a paz abandona todos
pelos caminhos de tudo

Pequeno excerto de coletivos modos


A verdade é só um jeito

que a multidão teima em dar
dentro do peito

é que sempre vige na gente
entornadas pelas avenidas
as passeatas que teimamos
em construir pela vida.
 

Poeminha em física contração do tempo


a velocidade
freia o tempo
nos elétrons que lança
pelos ventos

e as horas
pastam o espaço
com a parcimônia temporal
dos desacatos

a física acelerada
tenta ouvir os minutos
e quantificar sua estada
como se fosse um espaço
de tudo ou quase nada

Verões insurgentes


no cair da chuva
o verão espreita
todos os sóis
em que se deita

como uma usina
estilhaça o tempo
e tinge as manhãs
de seus comentos

e adentra o mundo
escorreito
como uma frase solta
ao sabor dos ventos

Voos e vagas da vazão pensante


no estômago da nave
o sonho aderna
e num desmaio
desce dos ares 
aos acenos da terra 
o céu em sua busca
traga o viajante
como um pássaro volátil
em sua sina pensante
e a imensidão aérea
em voos rasantes
espatifa o medo 
nessas asas brilhantes

é coisa como sonhar
montado nos horizontes

Além da vida humana e suas idas


depois da vida
há que viver a mudança
de todos os outros modos
de parecer substância

e se não mais humanos
deixem o verbo como fala
que os elétrons discursem
as mutações em que caibam

em verdade
o que realmente importa
é viver o gosto de humano
abrindo todas as portas

Carta XXIX


se, por acaso, a dor não cumpra
as razões que se saibam adversas
muitas vezes queira converte-la
no contrário que luta por vive-la

e na metamorfose agora do seu jeito
possam os homens convencê-la
de que a paz cabe nessa dor
na proporção exata de conte-la

e da construção da nova forma
engendrada no vão do exercício
possa o homem convencer-se
de que o amor é sobretudo um ofício

Coach e compliance em frugal demanda


cheia de coaches
a vida estremece
em compliance estado
do que a tece
o cifrão das esquinas,
adredemente estabelece:
todas as vidas
renderão suas preces
e os juros serão dos poucos
que cogitam em números
o que exercem

aos tantos resta a fome
dos construtores da messe

Cordel de viver frequente


há que girar o mundo 
como navega a mente
e em cosmos encontrar
um dorso competente
para balançar os futuros
de todos esses viventes

e assim como uma ciranda
das coisas que se sente
possa o tempo alinhavar
as horas em que assente
como um bemol esparramado
na pauta de toda gente

e viaje todos os rumos
em sentido consequente
frutificando a razão
com a luta nos dentes
como se fosse um sertão
saindo dessa nascente

e que os homens sejam, enfim,
uma alegria somente

Da africana feição humana


africano
deixo-me estar inteiro
nas curvas do povo
em que me aceito

nessa dança
que abraça a vida
meus passos sejam estradas
de consumir todas as lidas

e no rosto da terra
perfilado nos ventos
voem os cabelos da história
nos abraços do tempo.

Da chinesa menção da luta


a luta
é um ba-guá recorrente
pinta todas as cores
do futuro que se sente
e ainda inventa bandeiras
com as certezas das gentes
e quando solta nas ruas
joga o mundo lá na frente

Da natureza em descalabro


a natureza
estendida no lucro
desfaz-se humana
no absurdo

como a vida,
tramita o mundo
na incoerência formal
de seu conteúdo

o homem
engole o futuro
nos atos que intromete
em seus discursos
e caminha célere
um tempo de abuso

Da propriedade em mundial avença


a propriedade
privada em seu recato
esconde a origem
dos seus pactos

fogem-lhe da memória
antigos fatos
da pertença geral
dos seus estados

e o mundo explode
todos seus enfados
na disputa da vida
pelas antigas vias do contrato

Das delações da vida em trâmite privado


nos meio dos atos
cada um retrata
as várias razões
em que naufraga
e pulsa nas ruas
os rios e rumos
dos sonhos que navega
nas costas do mundo

no meio dos atos
cada um tremula
as bandeiras da vida
nos mastros da luta

e a vida é uma serpente
rastejando aventuras

Das individuais igualdades do todo


comum, deixo-me diverso
pelo diferente que nem somos
nesse humano manifesto
que nos faz parecer um
na singularidade repentina
de quem individua o todo
na igualdade coletiva
que teima em ser diversa
apesar de incontida

é como se fora um verso
na crônica exata da vida

Das internações lacrimosas do tempo


minha lágrima
internou-se
como quem foge
como quem descobre
que a vida
antes do encontro
é apenas a procura
da ausência
é morrer a cada vida
e sentir a vontade
de entrar na partida

e entrando
morrer-se de encontro
sobre a praça
sobre a cama
sobre a arma
sobre a chama

Das lágrimas em diversas sendas


minhas lágrimas
são os mares que posso
e naufragá-las pelos dias
é ofício dos olhos

minhas lágrimas,
assim à outrance,
são um riso liquído
nos descaminhos da face

prenhe de dores e de risos
lágrimas são apenas rios
que riem, que choram
e desembocam nos sentidos.

das leis e armas e privado canto


minha lei
é a vida
e tudo que a diga
coletiva

minha arma
é a luta
e tudo que a grite
pelas ruas

minha fala
é o tempo
e a palavra de todos
em que me tenho

meu viver é tanto
o quanto de mim eu canto

desencontro em marcha compassada


em cada ponto
em cada canto
em cada morto
em cada pranto
em cada triste
em cada negro
em cada risco
em cada preso
e cada ponto
e cada canto
e cada morto
e cada pranto
e cada triste
e cada negro
e cada risco
e cada preso
cada ponto
cada canto
cada morto
cada dedo
da triste
do canto
da morte
do medo
há triste
há canto
há morto
há cedos

ao homem cabe inventar
todos os seus enredos

Do berço em memória


do berço em diante
trago a diretiva
de respirar o mundo
no sentido da vida

e esse sentir vivente
se esparrama em nosso ombro
e faz da prática um sentir
como uma fábrica de sonho

é que o berço humano
tem um quê dessa plástica
que faz de cada transeunte
um intenso astronauta

Do carnaval em pandemia desatada


o Homem da Meia-Noite
pisando os ombros da vida
caminha os passos não dados
navegando pelas esquinas
como se fosse um pedaço
do que restou de Olinda

e o carnaval tão calado
ensaia um frevo dolente
que escorre pelas ruas
como se fora corrente
que navegasse um futuro
de desejos recorrentes

é que o frevo é a memória
que tange esses viventes

do óbito visto das palavras


agora
de animal a mineral
passas na lembrança
de quem levou a vida
na mudança

agora 
não hora, apenas pó
e na face gravado
o último suor

agora
não tuas e não suas
as conceituações
das ruas

agora
apenas óbito
és a não circulaçnao
de teus leucócitos

e habitas
tua morte
como usucapião
de tua sorte

e reclamas
agora estrume
um gesto das plantas
um quê de verdume

de caminhante
a estrada
contas apenas os passos
da massa

tua mão
é anti-arma
um osso plástico
e sem plasma

enfim
és poesia
irmão, agora, do vento
a liberdade tardia.


Do poema em formas e substância


o poema
não é milagre
mas pode estar cedo
quando tarde
é que o verbo é conteúdo
mesmo quando a forma
nem sabe

o poema
não se deixa indiferente
é sempre um discurso
mesmo desarrumado
e reticente

a forma é só uma palavra
dos conteúdos em que assente

Dos degraus vigentes da lei


a lei
solta nas ruas
é uma ordem avessa
ao que pontua

é que faze-la
é só um tempo
de remendar o poder
e seus intentos

a lei
quando só palavra
é apenas um indício
dos futuros em que acaba

Dos solilóquios do tempo


esperar
não é penar
é só um jeito
de estar consigo
é que a gente esquece
nas gavetas do tempo
de concentrar os sentidos
e remoer as esperas
nos degraus da vida
como um prazer consentido

em pássara consciência


de bólide

não se avoque

por pássaro se ter

mais a molde

enseje continência

quando infinita

e se preste mais a pulso
quando incontida

tenha no jeito

a concisão e a urgência

de um sonho gravado

no vão da paciência

do tempo

não se provoque

a ser apenas fração

que me console

que seja bólide

e que não seja

engastada na conveniência
de toda a natureza.
 

Encruzilhadas em diversa visão


Nas esquinas da vida
há sempre várias rotas
umas de abrir o tempo
outras de fechar as portas
é que a vida é encruzilhada
de infinitas respostas
tudo que é de todos
é o que, em nós, importa.

Escaramuças de partes


o todo
escondido na parte
deixa resquícios
por onde passe

é que infinitos
brincam de pedaços
quando a razão habita
os ombros dos fatos

viver como tudo
é só habitar esses lapsos

Poema automórfico


onde
minha ruga
saiba ser velhice
da luta

onde 
minha forma
queira ser humana
e lógica

onde minha voz
diga-se comício
na voz e nos braços
os ossos do ofício

e onde minha morte
ouse-se só indício
da necrose geral
dos meus sentidos

e que morto
urgente e sem peso
eu deixe pela vida
a marca dos meus dedos

Poema de amor flagrante


é preciso afogar a noite
na simplicidade do ato
em que me visto de amor
dentro do teu abraço

é preciso arrastar a madrugada
das entranhas urgentes deste cama
e tecer no infinito um novo abraço
e viver o flagrante desse drama

e beber o dia
eventualmente aparecido
como uma noite cintilante
de todos os sentidos

poeminha de construir futuro


o amanhã
é só um jeito
que o tempo esquece
pelo peito.
carga que não seja tanta
quanto o futuro que se declara
nas mãos e na garganta

Protocolo da rebelião


compra-se um futuro
em bom estado
e por moeda dá-se o punho
revolucionário

compra-se uma vida
em boa marcha
e por moeda dá-se a luta
em urgente prática

compra-se uma paz
por toda a praça
e por moeda dá-se a força
dessa massa

Regras do vindouro em mansa simetria


no raso da vontade
mergulho fundo
os mares que intrometo
nos ombros de tudo

raras as manhãs
em que me percebo
assim construído
nas àguas do medo

ainda bem que o futuro
é meu eterno brinquedo

Visões


dentro deste espelho
no mais vão desta ruga
a vida da-me um nó
desde a ponta dos cabelos
não que em minha face
habitasse alguma morte
antes que fosse uma dúvida
com ares de derrota

mas subindo na garganta
com a conjuntura de um grito
ousou parir-se um gemido
que antes de impertinente
mais parecesse infindo
e borrou minha cara
de arquitetura ainda gente
e num salto suicidou-se
e a luta fez-se repente

Arquitetura do morto


sente-se a carência
neste gesto filantrópico
de dar-se à inconsciência
apesar de todos os ilimites
da paciência

e nessa pose imóvel
deitado ainda em células
sabendo-se desobrigado
de todas as idéias

vives a morte inaugural
de tua complacência
em deixar-se levar, assim imune, 
da existência

Canto à Zona da Mata


as canas são fuzis
de verdes cabeleiras
são imensos gritos rurais
são cordilheiras
onde o homem habita
a fome e as incertezas
e se são meninas
na sua doce aparência
servem de chicote
à pela camponesa 

o canavial
em toda e cada cana
é a soma do suor
do sangue e da chama
que esse povo nutre
com as léguas de seus braços
e que se hoje é privado
amanhã será mais largo

e antes de canavial
essa vegetação é povo
trançado à força da vida
do verde que se faz o novo

Da passeata em corrente pulsação


na passeata
o coração procura
inventar as pulsações
no ritmo da luta

a marcha
como uma bandeira humana
drapeja todos os risos
como uma intensa chama

e o homem
trazendo-se à vida
acaricia o futuro
no peito da avenida.

Da permanência das ruas e dos sentidos


de tua face
pende a vida e o riso
e o jeito imenso
dos sentidos

engoles o mundo
quase à vista
em prazos do amor
em que tramitas

e assim transeunte
dos sentidos e das ruas
deixas tuas pegadas
nos verbos que discursas

deixar-se inteiro no tempo
é o exato apelo da luta

Da vontade em frações sem conformes


a vontade
é usina
um motor lógico
e quase oficina
tudo que lhe tange
é um desejo enorme
de embrenhar-se-se na vida
como bólide
e construir as razões
de quem a molde.

a vontade é numerador
de frações enormes

Das metragens do ser


as metragens que trago
dos sentimentos
é só um disfarce inexato
dos limites que tenho 

é que amar sempre prescinde
do calcular seus intentos 

Das pedras em continência


assim empertigada
nos ombros da natureza
a pedra apenas comenta
uma incauta certeza
os ventos que equilibra
em estática paisagem
tem a insistência das pedras
e a fluidez das miragens
é como se o espaço montasse
o tempo em que viaja

Das tangências da angústia em largos atos


os anos que não trago,
encarcerados na angústia,
pesam os quilos de mim
e as ausências da luta

é como se fosse um hiato
entre o corpo e a vontade
e um desejo inadimplente
de consumir a liberdade

ao homem cabe a palavra
e os comícios de si em que caiba

De rumos em simetria coletiva


tuas pernas
são estradas internas
que alinhavam destinos
pelas costas da terra

caminham
sob a governança
das certezas avulsas
e das esperanças

bota-las em marcha
é intuir como rumo
aquilo que o peito inventa
como caminho de tudo
e juntá-las ao caminho do povo
é descobrir-se no mundo

Do amor como profissão inata


o amor em ondas
é uma presença exata
da construção humana
nos desvãos da prática

flui como um rio
que trafega incauto
por todas as direções
em que se diga farto

e aporta nos viventes
como um desespero
de construir um mar de todos
e ama-los em tardes e cedos

cada homem é um feitor
dos campos do seu enredo

Do beijo em gramatical enlace


o beijo
é um verbo mudo
sua gramática displicente
é conjugar o tudo
e entorná-lo grávido
nas encostas do mundo

Do poema em militância


que o poema
se permita
derramar-se farto
na politica

e não se proste
só nas formas
num gotejar esnobe
isento da história

é que a arte
abarca o mundo
e todas quantas peças
debrucem sobre tudo

Do poema em vazão compulsória


o poema,
como não fazê-lo,
se suas sanhas
fazem cócegas no cérebro?

e nem importa
que entorne pelas canetas
desafogar o pensamento
é como varre-lo pelas letras

o poema é só um cacoete
de quem navega o que pensa

Dos amores em tropeços e construção


o amor nem sempre é tão vasto
que não tropece pelas avenidas
nem nunca seja assim por gasto
que deixe de prender-se à vida
vivê-lo é não apenas sorrir
mas mantê-lo sempre com tal zelo
como a construir-se no ser amado
a extrema aventura de nós mesmos.

Dos ébrios encômios do ócio


no copo
a cerveja é o invólucro
das espumas que trago
em meus ócios

é que tangê-los
entre os goles
é habitar os mundos
em rotaçōes enormes

e no fundo
do copo e das poses
giro como um marciano
à procura de luzes

Espelho diverso em destravado drama


tardo em mim
quando não cedo
às distâncias difíceis
das vias do medo

e tenho-me distante
quando tão perto
ouso discursar de mim
as distâncias que esqueço

e tenho-me tanto
quando tão pouco
deixo de mim o jeito
para ser o outro

Factual ensejo do poema em exegese


o fato
como navalha
corta o jeito
da palavra
e avança afoito
como declara
a imunidade
intrínseca do que fala

o poema
como uma lança adrede
só enfeita seus ombros
com o dizer do que tece

Introspecção


sou agora
o tão empírico
no comício geral
dos meus sentidos

sou
além da certeza
a dúvida e o achado
pela natureza

vivo o cosmos
com a filosofia no bolso
a distribuir em cada sentimento
o povo

sou
exageradamente antigo
essa certeza intacta
das mortes que consigo

Inventário em bemóis e disfarçadas claves


o violão
inventa nas cordas
um transeunte contumaz
que arquiteta notas

os bemóis são gorjeios
que revogam as claves
e suspiram acordes
nos ombros da tarde

o violão é inventor de calmas
e nem sabe

O futuro como unidade quântica


cada um
será tudo
na estrada coletiva
do futuro

cada todos
será uno
a compleição geral
de todo rumo

os contrários serão tantos
na dialética feição do nosso canto

palavras a Bebeto e Miriam Verbena, heróis do povo


o futuro
atrás do muro
espreita as razões
dos seus discursos

o futuro
em suas veias e sustos
entornam a vida
pelos viadutos

o futuro
grávido das ausências
enche de verdade
tudo que se sente

o futuro
simplesmente
é um pedaço de vocês
dentro da gente.

Pandemia em ritmo e amostras


a morte expurga
os detalhes e indícios
de prorrogar a vida
em claro genocídio

bestas tangidas
como humanas cópias
atravessam as ruas
como falsas lógicas

e os homens
tangem a história
na exatidão dos tempos
abraçados à demora

pequena digressão latinoamericana


por sobre a américa,
latina terra consentida,
o povo inventa a tarde
aos solavancos da vida
 
relembro o sentido
nada do que fora tanto
dir-se-ia maior

do que aquilo que vivo
 
por sobre meus ombros
os fatos se acumulam
como uma escolha insone
das estradas que pude
 
e todos os caminhos

levam ao povo

com a mesma simplicidade

do que é e como se constrói o novo.
 

Pequeno dizer sobre a alienação


a informação

inventa teu crânio
como bólide urgente
e estranho

tudo que repetes
como de ti parido

é uma ilusão externa
a todos teus sentidos
a verdade

posta em fórceps
emagrece as nuances
do que podes

bovino

segues um saber

de que nem sabes

e terminas carcereiro
da tua liberdade.
 

Pião de mim em brinquedo


infante
meu pião sabia
todos os verbos
do que me dizia

é que girando
rodava meu mundo
e pintava na terra
os destinos de tudo

hoje, meu pião cogita
declarar-se guerrilheiro
rodando no vão dos sonhos
em que me semeio

Poema em amor desenfreado


até quando a morte me retire
da imensa praça do teu corpo
eu me direi guerreiro, mesmo morto,
de tudo quando em tua vida tive

e mesmo que carbono eu te reclamo
amante mineral do teu espaço
por muito de amante ainda eu ame
os sonhos que andei nesse teu passo

assim talvez eu me construa
dessa água que acaba tua sede
e estarei vivendo mesmo líquido
nos lábios de quem em mim perdeu-se

e caminharei, agora infinito,
em amores cada vez mais tanto
que mesmo a ausência do meu grito
sussure em seu ouvido o meu canto

Universal roldão dos caminhos do mundo


o universo
em seu andar e desfastio
é uma eterna recorrência
de todos os seus ritos

corre em sobressaltos
nos descaminhos e largos
em que se derrama pelo homem
como um infinito contado

o homem em seu pulo
na razão de que se vista
deixa-se pensar absoluto
na condição de sempre relativo

é que o universo galopa sozinho
as léguas que nega a seus finitos

Da palavra em síndrome diversa


as palavras são pombas
desarvoradas voadoras
que enchem a balsa dos ouvidos
e que se estraçalham
pelas fendas do grito
más navegantes
enroscam-se no juízo 
e bocejam na língua
um nó corrediço

e se às vezes fingem
no seu sopro canoro
outras vezes atrasam
o dispêndio das horas

e ainda vigem desatentas
nos atos falhos que explicitam
e murcham no céu da boca
as verdades escondidas 

Palavras são pombas
dos verbos todos da vida

Das bigornas do mundo em confluência


as bigornas batiam no meu peito
e as cores desmaiavam em confins
e com a morte, monstro afeito
às diagonais do universo em mim,
a febre dos contrários me insuflava
jogando milhões de bombas no meu peito

Das gradações modais da pátria


o homem desce da noite
e incorpora a pátria
como um grito ilógico
de quem se cala

a terra em marcha,
no coração vivente,
é um gesto cívico
de continência recorrente

e a pátria
no meio do tudo,
é só um transeunte
esperando o futuro

Das Ligas Camponesas em memória


no comício
o discurso escorria
como uma cachoeira exata
nas encostas do dia

em chapéus e palhas
assim circunspectos
os camponeses bebiam
o grave manifesto

e, menino, no palanque
inadimplente de tudo
eu assistia a vida
trafegar meus olhos pelo futuro

das urgências de ser


no útero
eis-me futuro
no dizer-me feto
inconcluso

íntimo
eis-me insurgente
ávido de parto
e de repentes

e digo-me gente
simplesmente
com o pranto nas faces
e verbos reticentes

De Pablo e do povo


de Pablo
nota-se urgente
a cor material
da consciência

de Pablo
nota-se o povo
urdido no pincel
cheio do novo

de Pablo
lê-se o corpo
flutuando no quadro
com esforço

do povo
lê-se Pablo
com uma mão na vida
e outra no quadro

do povo
urge Pablo
a preencher lacunas
dentro do quadro

do poema
surgem povo e Pablo
e um poema maior
solto no quadro

do poema
resta a palavra
na testa de Pablo
e do povo em armas

e da morte
restam pó e Pablo
e a assinatura do tempo
viva com o povo no quadro

Do mar de Olinda em memória


no mar de Olinda
a onda sempre fingia
que era um abraço apertado
nos ombros largos do dia
e a gente boiava na gente
como num sonho pensado
e inventava o presente
com o futuro ao lado

e o que rugia nas ondas
eram bemóis absurdos
o mar de Olinda era um canto
na garganta líquida do mundo

Do vazio em declarada sugestão


o vazio
é só um indício
dos esconderijos
do infinito

pesa
no indivíduo
todas as montanhas
que estão consigo

palmilha-lo
é artifício
de quem é transeunte
de seus precipícios

ao homem cabe brincar
todos seus infinitos

Excertos da trajetória


os olhos

laçam a manhã
e pela pátria
resta no cérebro
a sensação exata
de que é pouco

o que lhe falta
 
os olhos

laçam a manhã

e pela lógica

há ainda um tempo do povo
navegando a história
 
os olhos

laçam a manhã

e pelo futuro

caminha o passado
desobrigado dos muros

Ex-votos


na parede da alma
em registro discreto
repousam ex-votos
como panfletos

soma a vontade
e um certo descuido
em transitarem pelo cérebro
como avaros recursos

e quem os tramita
nem cuida do mundo
apenas reverbera
uma saudade de tudo

Futurista intenção da temporal jornada


o amanhã
será tanto
que sobrará futuro
pelos cantos
e o tempo
dir-se-á por todos
como se fora um riso
na boca do povo

o amanhã
será quase um hoje
em que nascerão sementes
do que já nem houve

viver esse amanhã
é senti-lo desde ontem
nas avenças do novo

Genocídio com crápulas e dores


tanger a morte
é o indício
da passeata maior
do genocídio

crápulas
em comício
matam a verdade
e assassinam os gritos

e a dor
como um ofício
ressoa nas ruas
como triste armistício

historicidade em comento com alusão à forma


e somos tanto
a cada hora
em que o peito pula
para afagar a história
e consumi-la avante
como uma bula exata
de tudo que a manhã
resvala pelo vão da pátria

Materialidade em discurso corrente


a matéria
que por ser eterna
conclui-se na não conclusão
de suas perdas

força de si mesma
figura plástica do sempre
marca causal das energias
que vivem variavelmente

menina eterna
gestos indefinidos
na revolução carente
em busca dos sentidos

fotons e fatos
geridos nesse ventre
de máquina mater
do desenvolvimento

Meninos da pátria


o corpo menino
marca o tempo
e a fome é só um lapso
que infinita a dor
no pensamento

a razão
é um relance
que escorre do olhar
como uma dança

o menino tange a fome
numa monótona esperança

Ode aos 70


aos setenta
dou-me à rebeldia
de armazenar as horas
como dias 

a emoção, urgente,
um pouco gasta,
derrama-se incauta
no vão de lágrimas 

o tempo nos anoitece
como uma grande dádiva

Ode aos professores


no meio da sala
o homem discursa
os verbos da paz
as palavras da luta

nos ouvidos,
em calados gritos,
a fala intenta
todos os sentidos

o professor, grávido do mundo,
ensina a si o seu ofício

Os simulacros correntes em norma coloquial


eis o simulacro:
nem sempre me encontro
onde me acho
o corpo apenas responde
uma razão 
que nem me basta

eis o simulacro:
palavras são pavões
que se embaraçam
nas cores indefinidas
das humanas caudas

eis o simulacro:
as circunstâncias nem admitem
o que ainda se tenha de razões
ou simplesmente de desfalque
tudo atiça a ilusão
de uma pretensa liberdade

eis o simulacro:
os dias ainda são manhãs
que renitentes se declaram
e o futuro sempre cabe
nesse intenso desabraço

Palavras à Cidade Ho Chi Min


em  cada coração
borbulha impunemente
um vietnã escondido
engavetado na gente

e se sobe à garganta
engasgado na palavra
esse vietnã não mata
mas frequentemente arma

e em cada liberdade
como um recado sem fim
viceja uma ilusão exata
da cidade Ho Chi Min

Palavras a Fadi Abu Saleh


a pedra
escreve ondas
de quem as ilumina
contra as sombras
e voa, transeunte da paz,
na guerra compulsória
de quem declara a honra
como trajetória
e as pernas da vida
são os passos e a norma
de quem nem as usa
para fazer a história

Pequena história do meu país


burros de carga, cangas
cio do futuro
vermelhos mandacarus, réguas de prumo
e a noite alinhando-se lenta
na esquina transitória da tarde.
Quem guardou o tempo no bolso?
Dizei, camponês, 
para que não ardas
nessa saudade intensa
daquilo que não sabes.
Era um dia um menino curvo
turvo como sua fome
e que tinha num desvão do peito
uma semente curva de homem.
Brancos acenos, velas de cera 
e o Amazonas debruçado
chora essa noite brasileira.
Quem regou os olhos dessas marias
para que se desfizessem mansamente
nessas léguas de pranto?
Dizei, mulher,
para que não caibas,
assim impunemente,
nessa lagoa rígida
de sentimento.
Travaram o dia
com uma noite dentro.

Razões internas em claro vaticínio


I

o começo
é um fim avesso
ambos medem-se
pelo tamanho do medo

o fim
é o começo de tudo
o começo
é o fim do nada
basta molhar a palavra
com a certeza da alma
e tanger como sempre
os rumos da vontade

II

trago no bolso
uma vontade intacta
de nunca parecer-me
à matemática

de meus ângulos
sequer admito
que os tenha postos
em prontidão e jeito
de tornar possível a soma
daquilo que vai pelo peito

meu número
é intranseunte de frações
sempre sonho-me intenso
pelas manhãs

fujo de hipotenusas
pelo concavo das mãos
e moldo meus números
com a desfaçatez e a parcimônia
de quem nem dorme
quando sonha

Tempos natais em terras de luta


I

as tardes de minha terra
nunca estão distantes
pois se tardes elas ousam
muito mais cedo encontram
com o dia que se descobre
das profundezas do homem

II

e se descansam o tempo
com suas tardes circunstâncias
não escondem dos homens
a necessidade da esperança

III

e se ainda dia parecem noite
o tempo não se descuida
pois arranja sempre um jeito
de forjar o homem na luta

Conjuntura em trâmite diverso


o comum
é só um trâmite
que o complexo avança
a cada instante

é que em cadeias
como fugitivos
os comuns apascentam
os sentidos

e tangem o complexo
como garatujas
para que o cérebro projete
no meio das lutas

o complexo em verdade
só depende das ruas

Das tangências do triste em comento


minha crise
é estar sorrindo
e em riste
mesmo quando triste

nada do que não é futuro
me permite
ter o tempo à mão
quando a tristeza insiste
é que rir é um projeto
dos caminhos intensos
de quem espanta a dor
com trejeitos de vento

sorrir deixa rastros
nas estradas do tempo.

Das vivências e suas maquinações


rasuro minha angústia
com o riso ininterrupto
de quem convive farto
com os cheiros do futuro

nado nas manhãs
em que lágrimas baldias
tecem um desejo de tange-las
montando alegrias

é que viver é um formulário
preenchido a cada dia
remetido aos ombros do tempo
com o gosto do que se vivia.

Do amor em GPS


é preciso saber
quando se ama
que o infinito está
por sobre a cama

em mesmo céu
ou mesmo quarto
o amor está sempre
no lugar exato

apenas não se concebe
quando se ama
que amor desconstrua
tudo que é chama

Do arquivo morto em súbita convalescença


nem tanto os papéis
de que te nutres fatalmente 
fluirá das rugas de teus muros
como se fora assim uma nascente

mas, por certo, uma massa informe
grávida de humanos argumentos
cimentados agora nos ofícios
tumulados em teu corpo finalmente

palavras prensadas à força
gordas de magros memorandos
cravada nas faces dos homens
em soluções ainda trafegantes

morrem espremidos na moenda
que cada bureau possui em seu estômago
e que vomita uma morte oficiosa
envelopada em cada memorando

tuas manhãs tardam comprimidas
engolidas nas noites burocráticas
em que a fome passa a ser vida
num simples erro de teus funcionários

Ode ao Trabalho


vestidas de esforço
existem oficinas
que se sabem sangue,
suor e albuminas

e vigem como gente
a parir o futuro
e sentem-se músculos,
maiúsculos e muros

dentro dos músculos
existe a luta
do quanto de liberdade
essa sina custa

e dentro da liberdade
existe o mundo
de quem constrói a verdade
de dentro do próprio punho

pequena alusão ao meu país II


no meu país
por sobre a face dos homens
cresce uma vergonha intensa
que mesmo muda, às vezes convence
de que é preciso à força
assassinar o sentimento

no meu país
as palavras já não bastam
seus sons perdem-se nas madrugadas
no cansaço dos corpos
na ausência dos abraços

no meu país
existe uma fome infinita
espreitando os homens
nas esquinas

e a terra
com um soluço imenso
guarda o peso dos homens
no mais vão de sua consistência

no meu país
os homens já não choram
as lágrimas boiam perdidas 
nas estradas da memória

Poema a José Deodato em calmaria andante


José Deodato
era um herói singelo
em tudo que não tinha
deses heróis modernos
que se vendem pela vida
que se constroem lépidos

não fazia da anatomia
seu ângulo mais externo
pela simples razão dos quilos
que arrumava no cérebro

e este vasto peso,
quilos de sorrisos,
caia de sua via
no peito de seus amigos

e se algum dia chorou
algum pranto fugitivo
essa era a forma branda
de acalmar os seus sorrisos.

Poemeto em gramatical aclive


os adjetivos
substantivam
quando em mim
estou escrito

pesco a razão
nos estribilhos
e distribuo verbos
em armistício

o poema é só um tempo
de estar comigo
montando advérbios
nas letras que consigo

Sandino ayer! Sandino hoy! Sandino siempre!


és novamente jovem Nicarágua
do peito de Sandino, dos braços do teu povo
o sangue afogou as tuas rugas
e, em tuas ruas, tu és tu de novo
da magreza dessa aurora americana
embrulhada na escuridão da vida
tu saltastes com tua gente
nos ombros do dia sandinista

és novamente terra, Nicarágua
nos risos dos teus camponeses
trançada neste vão da América
pelo amor de teus guerrilheiros

és novamente vida, Nicarágua
desde Manágua até o infinito
pois dormes agora com a alegria exata
de quem sonhou com o seu próprio riso

Tecituras da felicidade em humana gestão


tecer a felicidade
é um mister que se aloja
e que se sonha e que se sabe
nalgum meandro da história

não tem a facilidade
dos misteres mais pacatos
que se alojam nos olhos
ou na curva de algum braço

antes possuem a desfaçatez
dos mistérios simplificados
que, quando não são, são urgentes
e quando existem são temporários

podem boiar no espaço
de algum átomo distraído
e podem conter-se nas léguas
de todo um infinito

e repousa latente
nas marcas do exercício
do coração dessa gente
que se presta a tal ofício

Viver é jeito de montar no tempo


as amarras do tempo
quando soltam
fecham o corpo
criam portas

e ressoam no juízo infante
como resposta tardia
ao que se tem de livre
no meio da alegria

e a tristeza
é só uma filigrana
do que escapa do riso
no meio dos anos
a vida sempre carrega
a aventura nos ombros

Carta XIV


meu poema
não se acostuma
a não ser alado
e viver inerte
embrulhado numa página

e se não se alça
em exercícios celestes
permanece impaciente
nas parcimônias do verbo

e animal
despede-se do dia
sem alarde
na incoerência gráfica
e verbal de alguma tarde

Carta XV


pus-me relativo
diante da tarde
e o tempo roeu os meus cabelos
desfeita já em lua a mocidade
e satélite de mim
palmilhei o espaço
entre a razão que me pungia homem
e a facilidade infinda da vontade
sorvi o meu país
em grandes talagadas
não soubera eu que me bebia inteiro
na dessemelhança da idade
hoje
um pouco rarefeito pela tarde
construo andaimes em mim mesmo
para alcançar o grito da cidade

Clandestinidade I


no meio desta sala
no espaço entre cada companheiro
o tempo enche-se do futuro
e abarca-se com a mão o mundo inteiro

no meio desta sala
embrulhado nas palavras
o futuro amanhece nas faces
de cada camarada

as léguas desta sala
resumidas a minúsculo vão
engolem a tarefa exata
de ser útero da revolução 

como é bom tanger o mundo
na palma de nossa mão

Da mulher em grávida menção humana


a condição mulher
diga-se grávida
das coisas do humano
em tudo que declara
as que venham do corpo
as que tenham da alma

é que usina do mundo
em fêmea estrutura
é um parto até de si
nessa humana urdidura

a mulher alinhava a vida
como uma jornada lúdica
em que constrói os homens
na vastidão de suas ruas

Da vacina ideal em rumo de tantos


vacino a vida
com o vírus vivo
de tudo que me faz
plural e coletivo

e navegando em tantos
imunizo-me farto
das incoerências humanas
dos ditos e dos fatos

e deixo-me são
embora outro
gravado em mim
nas costas do povo

Das enchentes de vida e viventes


os rios de todos
em enchentes
desaguam nos mares
como nascentes

um oceano maior
de humana consistência
como se fosse um vendaval
das brisas da consciência

é que só se é tanto humano
quando todos são tanto
que naveguem a vida nos rios
que todos navegamos

Das mortes sob encomenda


o homem em tubos
joga-se à certeza
de respirar todos os ares
e todas as empresas

os cifrões
pousados em sua morte
levantam arrepios
nos debruns da sorte

e navegando seu fim
como um barco perdido
o homem tenta alcançar
o oxigênio em precipício

a nuvem do seu óbito
é um cheque permitido

Das ranhuras da pele em saga vigente


insubmissa e gasta
a pele retratava
as léguas da vida
em que se gastava

seus desenhos
humanamente alinhavados
retratam as costuras
que futuram seu passado

a pele é só uma moldura
que habita nosso quadro

Das verdades em lógica e trama


a verdade
não transita em verbos
antes tramita
naquilo que fizermos
é que palavras são só ritmos
que espalhamos pelo cérebro
e atos vigem permanentes
nos fatos que pudermos

Do 1º de Maio em evasivas


ao trabalho
dê-se a angústia
de construir a vida
como uma luta

é que ao dar-se
em leis adversas
constrói a vida alheia
preso a moedas

e eis que traz o mundo
como um ofício
por construi-lo unânime
em todos seus indícios

ao trabalho resta dar-se
tudo que seja coletivo

Do morto em indolores torturas


a morte
escapa do porto
no espaço biológico
do morto

no navio
insurgente
o torturador mergulha
os restos de gente

e a vida segue
decadente
até que uma quilha
arrebente 

Do riso em pranto desatado


pranto que se leve
embrulhado na impaciência
deixe-se estar escondido
nos risos que lhe convençam

é que o riso sempre carrega
uma lágrima baldia
que derrama pelas faces
as maravilhas dos dias

o riso é também um jeito
de chorar as alegrias

dos passos e destempos


a bailarina
em segredo
voa nos passos
nosso medo

nos seus saltos
desavisadamente
o olho pulsa um tempo
de repente

a dançarina
impunemente
dança o futuro
e nem pressente.

Gaza em pedaços


atravessada na noite
Gaza é uma síncope
uma vergonha humana
estraçalhada em seus limites

bombas e humanos
entrelaçados
explodem a razão
de econômicos enfados

e assim que é dia
Gaza é um tempo estrangulado

Litúrgica introspecção da vida


a vida profana
todos os sacros
em que se ama
e sacraliza em ondas
como chama
a cachoeira avulsa da esperança

viver é quase uma liturgia
nos altares de seus dramas
em que sacerdotes de si
os homens tecem sua dança

Mulher em declarado encanto


quando mulher
repleta do mundo
queira a manhã sabe-la
em dizer-se tudo

e nasça a vida
na gravidez do tempo
em que esteja posta
em cada movimento

e assim, cheia de luz
no espalhar de suas tranças
possa apaziguar a vida
no colo da esperança

ser mulher
é ser bandeira
de drapejar em todos
os caminhos que se queira

Paisagem em humana lida


a paisagem
é balsa
nos rios do olhar
em que se basta

curva
mente-se reta
no horizonte agudo
em que se deita

e o homem
como usina de tudo
inventa paisagens
nas costas do mundo

Para Isis


a menina, no seu riso,
tange quase o mundo
como se fora um brinquedo
das larguras de tudo

das léguas de seu jeito
espalhadas no tempo
ressoa a humanidade
nas faces e nos ventos

Isis é sempre uma bandeira
de inventar-nos  contentes

Sonho em manifesta gestão


a poesia
é um arrepio da palavra
em verbos que agitam
os cabelos da alma

a poesia
é um recado adrede
alinhavado nos corações
em que se perde

a poesia
é um gesto
e tudo em que o sonho
é manifesto

vive-la é só o manuseio
do onírico protesto

Viagens póstumas em deslizes


a manhã da morte
é uma noite avessa
tudo que lhe tange
é a controvérsia:
quem habitará o céu
naufragado na terra?
os deslizes do tempo
resvalam em palavras e perdas
e respiram as desculpas
por tudo que não seja.

A Thiago de Mello, pássaro verbal


Thiago,
fora da cena,
dorme nas palavras
seu último poema 

nos verbos que voou,
pássaro, agora avulso,
desmancha-se pleno
em todo seu discurso 

Thiago agora é viajante
em todos os seus cursos.

Artifícios luzentes de olhares e fatos


as luzes artificiais
não apontam
todas as paisagens
do que contam

antes adormecem
os olhos incautos
deitados ansiosos nos clarões
das artimanhas dos fatos

a escuridão, às vezes,
no seu viés mais farto
aponta todos os futuros
das luzes de seus atos

Batalhas ensimesmadas com ligeiras fugas


quando estou
já me sinto
matéria e norma
meus instintos

e digo-me repente
na dor e na fuga
e nas formas mais gerais
dessa ditadura

e sou,
com a faca nos dentes,
a revolta do homem
contra esses repentes

Das andanças do tempo com a paz em trama


e nas madrugadas
boiando no povo
o futuro argumenta
um mundo novo

resvala nas ruas
num comício exato
de palavras e gestos
de inventos e atos

e a paz, guerreira,
sobe aos ombros da noite
e tremula um canto
como bandeira

e, por fim, acostumada
dorme com o futuro pelas calçadas

das indivíduas razões presentes


fica assim assente
ninguém há de consumir
a solidão da gente

pois de querê-la tal
como imberbe exercício
melhor seria te-la solta
como pássara notícia

fica assim assente
ninguém há de carpir
o pranto da gente

pois de te-lo avaro
no útero dos olhos
melhor compreende-lo
como ineficácia do ócio

fica assim assente
a gente é sempre tudo
quando nada é melhor
que ser presente

Das rotinas da vida em memória


nos trilhos
como uma notícia
o trem era o jornal
das novidades da vida

a cidade
navegando a rotina
ansiava pelos gritos
da locomotiva

e os homens
embrulhavam a alegria
quando na madrugada
seus trilhos partiam

o trem era só um tempo
de fingir que o novo havia

Das sirenes declaradas na praça em reminiscência



as sirenes, em gritos,
narravam apenas
o zumbido dos fatos
em adrede urgência

na praça
onde verbos eram atos
as palavras açoitavam
as urgências dos fatos

e no leito da vida,
no contorno da disputa
havia um gosto do futuro
e as certezas da luta

De mim no cosmos em trânsito


sou-me urgente
neste espaço limitado
de matéria e razão
em que me instalo

sinto-me urdido
por uma certeza
das forças mais gerais
nos ombros da natureza

e sou do cosmos
de uma forma inacabada
da concepção universal
da matéria organizada

Do povo em marcha resumida


e no roldão das ruas
cerzido às horas
o povo caminha a vida
em faltas e demoras

esmagado pelas vias
permite-se em licenças
e ri um rito atônito
de quem vive em urgências

e há dias tantos
em que acorda
e dá um laço enfeitado
nos cabelos da história

Do riso como vontade


tanger os ventos
com o riso
é como inventar
todos os indícios
de que a vontade
é um precipício
onde desembocam
todos os atos
em que sejamos coletivos

construir o futuro em suas costas
é trafegar o tempo em comícios

Histórica vazão em rasa conversa


a história a cada dia
pousa na verdade
como uma andorinha tenaz
da liberdade

pousada
nos ombros da razão
dói os quilos de vergonha
de quem a tem em vão

e seus reclamos
na pauta da vida
resgatam os viventes
em suas investidas

cavalga-la a cada momento
é percebê-la pelas esquinas

humanas razões das humanas gestas


até enquanto meu coração não possa
bater mais do que é preciso
e que só reste uma nesga da verdade
que se preste, assim, a estar comigo
esteja no seu posto sempre a liberdade
rasgando o vão dos meus sentidos

até enquanto meu coração não possa
viver impunemente coletivo
na harmonia desse intenso abraço
que aos homens deve-se como ofício
nunca eu possa discursar as vias
da solidez humana do que digo

Impetrações da vida em ritmo corrente


lavro a petição
em verbos urgentes
ante todos os embargos
que a vida apresente

e nesse pugnar
eis que me advirto
que o sonho é ação
impetrável e decido:
sonhar é um direito
de estar sempre comigo

ao próximo reste a luta e as ações
que construo como ofício

Indagações sobre o mundo


com que palavras
estrangularei a noite de dentro do povo?
o vão grávido
de greves e gritos
a resposta do homem
ao infinito?

com que pão
nutrirei meu poema
no gesto de faca
que sendo verbo
é futuro e palavra?

eu que apenas
chamo-me aurélio
um nome escrito em rugas
e um corpo velho.

Oníricas vicissitudes


esqueço-me nos sonhos
como tentativa
de construir andaimes
pela vida

o fazer onírico
talvez sirva
para medir as léguas
que eu consiga

o sonho é só um trampolim
das necessidades da lida

Operária transição em citadina cena


no ônibus
em vasta confluência
o operário alinhava
sua paciência

as carnes
e uma ansiedade exata
lavram os suores
de quem se sabe máquina

e a cidade
murmura apressada
os sons da exploração
pelas paradas

o operário tramita a vida
como uma estranha debandada

Palavras ao mar num dia qualquer de novembro


não saberei nadar nos teus tormentos
nem a alegria beber nas tuas ondas
que esfaceladas jazem no peito dessa praia
em que nenhum pirata emergiu das sombras
nenhuma nau aportou no meu cansaço
sou simplesmente mais um navegador anônimo
espactador informe desses teus abraços

negra a noite cobre o corpo e o mar descobre
a insuficiência fatídica da tarde
boio na alegria escura dos teus líquidos
e na escravatura dos teus cabelos d'água
assim deitado sobre meus pensamentos
cooptastes minha felicidade
e em vão procuro registrar a vida
no vão de molusco dos teus avatares

assim parado em ti não me ouso homem
mas uma engrenagem a mais na tua imagem
e se me perco assim do teu retrato
é que já não caibo mais em teu espaço
quero ter braços de infinitos
e cabeças cheias de eternidade
para abraçar contigo todos os universos
e deitar-me sujeito dentro da tarde

quero cavalgar teus oceanos
abraçado ao corpo do meu povo
e como mar beber essa cidade
e como gente tragar o meu esforço
quero afogar-me em teu mister
de abraçar o mundo ternamente

quero, enfim, tornar-me onda
com uma rota enfim tão definida
e espalhar-me assim pelo meu povo
e me espatifar de encontro à vida

Palestina em jornada


na Palestina
as pedras voam -
pássaros da luta -
como garças vestidas
de um horizonte intenso
em que o povo dorme
nos travesseiros do tempo
escutando a voz e o curso
das vontades largas
das estradas do futuro

Poema em urgente lógica


eis o grau
de asfalto e povo
de olhos dentro do chão
e bocas dentro do bolso

joões do vazio
magros apêndices
de grávidas severinas
da paciência

do irrentável ofício
de calar o peito
do calado indício
do direito

do urgente alvitre
de guardar a fome
nas rugas da rua
nas ruas do homem

da chegada hora
de proibir o medo
e esmagar o pranto
pelo vão dos dedos

Profissão de fé em rasgo intenso


mesmo que o chicote
corte-me toda a face
eu seguirei cantando
pois não sou um, sou vários
habitam em mim meus irmãos
e tudo que lhes cabe
e não será uma simples morte
que cortará esses meus passos

Rabiscos em torno da mudança


quero a morte
em seu lugar e medida
pela mesma razão
porque a vida

quero não morrer
assim infinitado
mas apenas partir
numa forma de salto

e não que a vida pese
ou que a morte nutra
mas porque, ainda humano,
eu dependa desta luta

Correntezas em abalada chama


branca
a injustiça
escorre como negra
na notícia

tudo que lhe tange
é a ânsia exata
de instalar a escravidão
pelas calçadas

o tiro
é só palavra
de quem apodrece a vida
nos desvãos da fala

um dia, de repente,
a multidão nem cala
construindo, multicolorida,
a vastidão das almas

Da virtualidade e seus prospectos


virtual
a vida prolata
todos os desejos
como uma máquina

o olho
é só instrumento
de alinhavar pixels
no pensamento

e a vida
boia em eletrons
como se fora um barco
de fluidos projetos

e o homem segue como mouse
de todos seus infernos

Do genocídio em degraus correntes


as mortes
restarão escancaradas
como as portas da culpa
e as janelas da fala

os verbos
riscarão a história
com as fissuras da honra
e as rasuras da lógica

e pela multidão
em declarada lida
afundar-se-á a prazo
o que cresceu à vista

Dos amores itinerantes do tempo


e quando em vez
e já não tarde
resvala meu discurso
pelas estradas da carne
que teu corpo ousa colocar
de encontro ao meu abraço
e que abraço lutando
e nunca me desfaço
do jeito manso de fera
que labuta pelos campos
e que nos lençóis é estrada
com o amor sobre os ombros

Inteligência em artificiais escambos


artificial
a inteligência estaca
nos meandros vocais
da máquina

sussura
renitente e escolástica
algoritmos incapazes 
da prática

e o homem desata
como figurante
todos os nós 
da primitiva e artificial jornada

Marinha descritiva


nos mares que navegas
mesmo em segredo
há que deixar em terra
as jangadas do medo

é que dentro de nós
a onda é só um jeito
meio desarrumado
do mar estufar o peito

Ode ao paralelepípedo


simplesmente construção
de pedra, cal e calma
o paralelepípedo não discursa
mas arma

e gesto e face
de mineral postura
o paralelepípedo nem sente
sua ditadura

e nem foge dos passos
quando posto nas ruas
para dirigir os pés
de quem em si flutua

o paralelepípedo nem sabe
da pretensa modernidade a que se curva

Paisagem , Bahia e outros movimentos


Na Ladeira do Quebra Bunda
a vida não esmorece
pois quanto mais diz-se rua
mais descaminho parece

e se guarda algum resquício
dos passos de sua gente
a fome logo atrapalha
as coisas que sempre sentem

e as passadas que engole
logo são confiscadas
pela vida que engole os passos
dos homens e das madrugadas

um dia a Bahia arrebenta
as rédeas dessa jornada

Paisagem II


Por trás das nuvens
o sol olhava escondido
as luzes que havia posto
nos ombros do infinito

Palestina vida de todo futuro


no vão de toda vida
há sempre uma Palestina
engasgada nas palavras
nos poemas e nas esquinas

e nos ombros das praças
pelos cantos do mundo
campeia uma semente
dos roçados de tudo

palestinos plantam a luta
com um gosto de futuro

Pássara manhã em canto desatado


ao dar-se à manhã
no sibilar da garganta
o passarinho edita o tempo
nos jornais da vizinhança

aos ouvidos do povo
como bemóis compassados
o canto enche a cidade
de todos os compassos

e o pássaro nem percebe
que dentro dessa cantiga
inventa um jeito displicente
de abraçar-se com a vida

Amorosas vazões em tempos largos


a manhã nascente
é só um laço
que a noite dá, vencida,
em nosso abraço
é assim como um futuro
entre um tempo em distrato
e a noturna ilusão do sonho
que se deixou pelo quarto
eu perdido em seu jeito
você perdida em meus braços.

Avatares em telefônica lida


em poses 
como um candelabro
os olhos buscam olhos
e incendeiam a vontade

humanos, confortados
em seus avatares,
deslizam soluçōes
em longos celulares

perdidos entre telas
jazem como algoritmos
e transitam suas idéias
como um encalhe do infinito

Beja-flor em sedução itinerante


o beija-flor em seus voos,
como nave itinerante,
nunca se diz bailarino
dos palcos em que ande

consultor de flores,
navega substâncias
como um intenso sedutor
nessa urgente trança

o beija flor apenas engravida
as flores em que dança

Da lua em cheia recorrência


a lua nem sabia
que no avesso do tempo
com a lembrança do dia
a noite cortava o espaço
com seu jeito de guia

e os homens montavam sonhos
e enfeitavam-se da vida
com a certeza recorrente
de suas desmedidas.

Da preguiça em desordenado prompt


dos ombros do céu
vaza a manhã, já tarde,
e uma vontade baldia
de exercitar a vontade

dormindo todos os sonos,
no corpo, esquecido,
jaz um trem estacionado
em todos os seus trilhos

a preguiça é quase um desdém
aos reclamos da vida 

Da virtual incandescência dos fatos


a marcha virtual
da-se à tecnologia
como um voo rasante
de aeronaves sem vias

etereamente composta
brinca de realidade
nos debruns que desenha
em cérebros e cidades

nuvem de gigabytes
é fantasia da liberdade
de fatos que apenas resvalam
nas composturas da verdade

explosivas razões do contente


num desvão da vida
espremido nos soluços
o futuro vê-se adiado
na pressa dos minutos

e o sorriso anoitece
num canto do juízo
como a querer dormir
nos ombros dos sentidos

ao homem cabe acender
os pavios do seu riso 

Genealógica fração de todos


transgrido
a genealogia
toda multidão
é a família

por tê-la na praça,
pública e arredia,
dê-se ao comício
a exata serventia

o homem é uma multidão
de todos seus convivas

Ilações em jangada e olhares


a jangada
borda o mar com sua vela
e transborda nos olhos
como ondas e vazantes
esse nosso desejo intenso
de horizontes

e assim como flutua
nas esquinas do olhar
adormece todos os sóis e luas
lavrando as costas do mar

e deixa dentro do homem
as velas que inventar

Jornada itinerante em ondas


raso de mim
mergulho
as ondas que, por fim,
construo

a onda
como uma espada
indica líquida
minha estrada

é que navegante
de mares controversos
transito retirante
os caminhos que meço

Leituras da vida em regras literárias


e de ler-se a vida
em cada dia como página
traga-se como rasgada
a dos destemperos da alma

siga folheando
com a vontade nas costas
e consumindo-se farto
nos calcanhares das horas

e nesse folhear
resgate-se a esperança
de escrever-se futuro
nos passados que alcance

My time


May be the time
be always on my mind
because I'll never be
without my fight
I'll ever have
in the shine
the same solutions
of my tryings
Perhaps the time
on the other hand
will be a hope
that I put in my mind

Novamente aos torturados com indícios


o corpo moi a tortura
no vão da consciência
e o ferro que fere a razão
explicita a luta
que se engravida da prática
sem as doses de culpa
que tangem a inocência
de quem habita as ruas
o ferro grava chamas
na carne escorraçada
mas do vão da razão
como uma nesga de força
a consciência explode um grito
engravidado do povo

que essas grades virem pão
nos braços do povo
e que a liberdade
louca pelas ruas
transite todas as alegrias
e deite-se confortável
nos braços dos torturados
como uma grave bandeira.

Palmares em futuro gesto


o homem
com a África na face
debulha a memória
dos vincos de Palmares

navegando risos
Zumbi projeta
todos os futuros
em que se gesta

o tempo é só um detalhe
nos caminhos da espera

Para quando a manhã surgir


de quando as manhãs
não trouxerem sustos
possam raia-las meus olhos
e arquitetá-las em tanto
que sobre luz nas retinas
para desenhar novos horizontes

de quando as manhãs
não tiverem uso
diverso dos da noite
em que se beba todo seu discurso

de quando as manhãs
não se souberem crônicas
e que tussam o dia
com a simplicidade da esperança

de quando as manhãs
não se fizerem palco
de um punhado de lágrimas
itinerantes de teatros

de quando as manhãs
não se disserem horas
mas um colchão de aventuras
onde durma a história

e se assim raiarem
nem que seja e quando
possa despencar outra noite
na cabeça ávida dos insones

Pequena autocrítica


minhas culpas
trago-as todas
em desculpas
quando melhor não fora tê-las
como justas

minhas culpas
levo-as todas
em desuso
quando melhor não fora vive-las
como sustos

Ravel em bemóis de garças esvoaçantes


Ravel
desafia o destino
nas notas que repete
como um labirinto

e desacata o ritmo
com a sofreguidão intacta
de todos os bemóis
que alinhavam sua pauta

e o bolero
ressoa no horizonte
como uma garça introvertida
que tenta, aos poucos, no seu voo
voar todos os ares da vida

Terrena constatação das vias


as faces do mundo
assim escorraçadas
tendem a admitir
o fim das madrugadas

pendurada no céu
a terra regurgita
todas as mágoas
desenfeitando a vida

e segue esperando os gestos
de quem navega o futuro
como fruto da revolução
nas encruzilhadas do seu curso

Aos meninos da pátria


Sossega menino!
Do dentro deste teu país
crescerá uma infância vasta
embrulhada na  paz
e resolverás a tua prática.
Não importa que agora
a vida seja um nó no teu juízo
no centro dessa podridão
no seu vão mais infindo
haverá dela tamanha
nos ombros de suas curvas 
que sonhos dir-se-ão inúteis
porque, vivos, estarão nas ruas. 

Não importa que hoje ainda não sejas
trançado no meio dessa sanha
cuspida nas esquinas desse canto
cerzido a amargura líquida do teu pranto

Não importa, menino!
Os homens já constroem o teu sono
escondidos nas noites mais de luto
forjando as novas pecas do teu sonho.

E da imensidão dos camaradas
tecendo fortemente a alegria
borbulha um afeto imenso
nos vincos violentos do dia 

Bachelard em prompt mínimo


Bachelard
já pressentia
que na origem do nada
tudo havia 

a criação
era só desritmia
entre o inverso do tudo
que o infinito dizia 

ou era só um tempo
que tudo admitia 

Baião compasssado


do meio do tambor
assim como um recado
o som partiu a noite
com um baião compassado

dizente das batidas
das cordas do coração
a sanfona concertava
os verbos da canção

os homens viviam a música
como um rastro da emoção

Da morte em circunlóquio


no cadáver
a paz existe
antes da matéria
posta em cabides
que fez-se assim velha
que cansou de ser triste

não dessas tristezas
que se jogam no lixo
mas a tristeza construída
dos ossos do ofício

uma pedra jogada
com rumo inconsciente
e que de paz somente guarda
um ato já ausente

Das materialidades intensas e energias


quando o tempo 
teima em descansar,
no transverso dos fatos,
o mundo é meu gongá

e a vontade permite,
num jeito de resistência,
trazer no meio dos passos
os enredos da consciência

e o orixá aparece,
como energia sem fim
como se fosse um decreto
que a paz joga em mim

De rosas e homens em sequencial jornada


a rosa
devastada
esconde a primavera
que navegava

o homem
explorado
esconde a existência
como um fardo

homem e rosa
irmanados
vegetam humanamente
um futuro claro

homem e vegetal
alegoricamente disfarçados

dos caminhões-pipa em nordestina jornada


a água do caminhão
é um intenso comício
pois traz as palavras da sede
num discurso tão líquido
que agita as massas
grávidas de sua fome
e que se fazem repente
pela ilusão de homens
que tangem a necessidade
pelos caminhos que os consomem

Operação


negra
a noite estreita
os alvos negros
em que se deita

a morte
oficial e insuspeita
alinhava o crime
como enfeite

e segue a vida
envolta em fardas
matar é só um estado
de canalhas

Paisagem avara do torturado


suas mãos
grávidas de sangue
cuspiam manhãs no futuro
envoltas em sonho
e o fogo do coração
lanhado e em farpas
queimava o medo
como aval do segredo
de todos os camaradas

Procissão da vida em torno do futuro


e eis o futuro
a comer-nos
com seus olhos

e eis o amanhã
germinando nas calçadas
nos esgotos
e nas portas

e de ti, parado,
não seja mais que tumba
no deserto dos ossos
no ruído do esforço
de todos os lumumbas

e eis-nos
céleres humanos
a roer a nossa carne
cheia de anos

e de ti a idade
eis-nos aproximados
pelo muito de morte
que levamos nos braços

mais eis-nos vida
mesmo com a morte
a vencer a partida
quando se é mais ao norte

e eis-nos fracos
vencedores da idade
pelo muito de futuro
que existe na liberdade

e eis-nos gente
grávidos de vontade
a febre infinita
de toda liberdade

e eis-nos martelos
de pregar a história
no quadro mais geral
de nossos olhos

Viagens de mim em simetria difusa


adredemente,
arquivo-me no mundo
como um decreto exato
dos gestos que pude

e viajo em mim
com o cheiro do futuro
nos mares que invento
nas penínsulas de tudo

ente, mandarim da vida,
durmo os eus que consiga

Vivências


o inconsciente
é ciência exata
tudo que lhe afasta
sempre falta 

filogênico
o homem exala
todos os detalhes
da coletiva fala 

ontogênico
deixa-se único
do exato dedilhar
de viver-se músico

Volitiva feição com futuro em curso


a vontade
é só um distrato
entre a inércia
e o fato

querê-la fundamento
de conjunturas
é descontruir os atos
no correr da luta

o futuro só dispara
na concretude do custo
de aliar o tempo ao espaço
quando traçamos seu curso

Africano mote de memória bruta


as Áfricas que trago
no berço do coração
remontam todos os anos
que trago pelas mãos 

assim trançadas no peito
como uma memória infinita
mede todas as léguas
que a gente guarda na vida 

a África é uma cachoeira 
de todas as medidas

Da intercorrência onírica da humana mercadoria


o trabalho
cheio do mundo, em sinergia,
rompe músculos e sonhos
em urgentes mais-valias

o homem, desapropriado,
producente investida
é um decreto intransigente
da recorrência da vida

o tempo só argumenta
os futuros em que vigia
como uma nave imensa
nas pistas oníricas do dia

das alegrias e tamanhos


desinvento minhas culpas
nas sombras do asfalto
e permaneço incólume
em cada passo
nenhum carnaval é tanto
que desatenda o vão do meu abraço

vida é sempre do tamanho
de todos nossos palmos.

Das intempéries dos fatos


o acaso
é só um salto
que a vida inventa
pelos fatos

surpreso e crente
nos limites da alma
o homem calcula
os alheios dessa prática

o acaso é só um modo
da vida dar-se aos fatos

Das legalidades em avesso trânsito



direitos e humanos,
o sistema trucida,
na farsa legal
de sua investida

do cont(r)ato coletivo
a norma decreta
todas as sem razōes
engravidadas na gesta

a lei apenas consolida
as vontades encobertas
e as retrata como coletivas
nas clausuras manifestas

das mortes em que vivi em tanto


das vezes que morri
quando nem lembro
a vida tomou as rédeas
desse esquecimento

e dei-me à dialética
nas carnes e nos ventos
como montado na vida
debruçado no tempo

hoje, morro e vivo
todos os momentos

Do grito em arrazoada messe


eu quero
que o grito
queira ser palavra
no comício

eu quero
que o grito
possa ser palavra
no infinito

e grita-lo sempre
no meio dos sentidos

Dos coletivos singulares


o particular
é só a divisa
entre o coletivo
e aquilo que ele cria

achar-se plural
ensimesmado
é descompor o tanto
por meros singulares

compor-se coletivo
é uma vigência total e unitária

Fala ao Lajedo de Pai Mateus


Mateus, solitário,
nem imaginava
que suas pedras,
um dia, libertavam

seu lajedo, ancestral,
deu-se ao futuro
como um estandarte
cravado no mundo

as pedras sempre falam
da energia de tudo

Raios da manhã em pátria avessa


a manhã
nasce lacônica
nos restos de noite
que ainda sonha

na varanda
o homem fita o tempo
desembrulhando a vontade
como argumento

nas nuvens, a pátria despeja
uma paisagem grávida
de contratempos e de perdas

Veredas em sertão dizentes


o sertão,
adredemente calculado,
comenta todos os sóis
em que esteja espalhado

e no trânsito dos gestos
dos ventos que pressente
deixa calores escondidos
nas chuvas que consente

o sertão é um mar vazio,
encabulado e reticente

Baobá em remissão fecunda


assim cerzido à paisagem
como um descuido do tempo
o baobá entoa seu farfalhar
nos braços mornos do vento

a àfrica que traz em si
nas energias que comenta
remonta o inventário
de todas suas lendas

e abraçando, intenso, o homem
joga-lhe paz na consciência 

Das constatações factuais repentinas


a aparência do fato
resolve-se pronto
no deslizar da razão
a seu encontro

cômoda, repentina,
deixa-se pelo verbo
com ares de conceito
absoluto, incontroverso

a feição exata do fato
escorre nas ondas do cérebro
como uma sinapse perdida
esquecida e controversa

Das imanências do verbo


o poema
nem imagina
deitar-se apenas nas palavras
que declina

antes
há de sabê-las postas
nas entrelinhas do juízo
em que se acosta

não é de dizer-se só enfático
nas nuances do seu corpo
mas nos bilhetes que emite
no verborrágico alvoroço

Das parcimônias do querer


e no jogo da luta
a vontade não desfaz
um passo à frente,
um salto, dois atrás

a ânsia pelo futuro,
num presente sem comportas
naufraga a realidade 
contra todas as portas

só a vontade é pouco
no tanger da história

Dos velejares históricos da vida


a história
nunca é antiga
tudo que lhe rege
é a vida

o dize-la passada
é só disfarce
de quem não a faz
com todas as artes

a história é a cama
em que sonhamos nossa face

Etílicas refregas


etílico
deixo-me nos bares
nos sonhos que invento
nos copos, pelas tardes

onírico
dou-me à vida
como uma realidade
proposta e definida

nada como sonhar
os caminhos dessa briga

Factual consenso da memória


desenhada no tempo
no desconforto das horas
a memória pesa na lembrança
todos os quilos da história

e avoluma o distrato
de dizer-se inconsumida
quando fora uma morte
a quem dá-se a vida

os fatos teimam sua lógica
apesar de todas narrativas

Felicidade em auto construção


a felicidade
brinca de rio
nas cachoeiras que joga
nos ombros do riso

vivê-la
nos barcos que encerra
é construir em si
todas as caravelas

a felicidade é só um jeito
de abrir nossas janelas 

Interligações em verbos e constâncias


o poema
imprime cicatrizes
as que venham do verbo
e as que se digam raízes
umas a doer no cérebro
outras a construir marquises

o poema entorna o mundo
como uma grave cascata
das contradições e do futuro
que põe no colo das palavras 

Manifesto dizente de razões pulsantes



a energia, urgente,
orixá tão distraído,
tropece plena no tempo
e espalhe em mim o infinito

aqueles que eu consiga
e os que eu nem sinta
pelas curvas do ego
pelos ombros das avenidas

e assim num jeito manso
entorne o universo pela vida

Obras ensimesmadas


os becos da alma,
vielas escondidas,
entornam as mágoas
nos escaninhos da vida

tê-las arquivadas
como ressurgentes
é só um dispersar
dos risos urgentes

aplainar vielas de si
é um renascer intermitente

Palavras ao meu povo


por certo que a liberdade
ainda dormita nas rugas destas praças
e nunca que parecesse tão urgente
nos verbos que tramitam pelas placas
premida nas dobras da consciência
permanece intacta e coletiva
e a cada ação que repensas
a nova ação que se pratica
borda o esmero 
de histórica tessitura
que cobre a rua de razão
na constância de quem luta
e das sementes dos passos
urdidos nos calcanhares das pedras
surgirá uma grávida multidão
e a cada dia, por cada fome,
explodirá nos sonhos
um futuro que esteja à mão

Poema de circunstância avulsa


nos ombros do céu
a lua deslizava
e escrevia nos sonhos
as luzes que bordava

o mar, displicente,
fazia-se em ondas
como um vendaval
de águas e de sombras

os homens, adivinhando a vida,
sentiam o futuro
como uma lua adormecida

Remanso do povo em clara sinergia


meu povo
pulsa o país
como uma enchente
dos rios todos da vida
em que se consente

voa por ares
que nem sabia
e pousa sempre liberto
no peito da ventania

é que o futuro ri o mundo
mesmo que agora grite
assim como quem em tudo
mantém a vida em riste

Sonâmbula refrega


o sono
é um descuido
que o tempo dá na razão
como um discurso
de todas as decorrências
do seu uso

o sonho
é um exercício
de quem dormindo
está sempre consigo

Um passo à frente, dois atrás


a vontade,
posta como fato,
esquece a necessidade
da concretude dos atos

a realidade, 
aceita apenas o desejo
como ação explícita
de todos os passos do enredo

o desejo e a vontade afoitos
são um descuido do medo

Volteios verbais em íntima cena


despachando verbos,
em sua sina, a mente
atira todos os dardos
nas miras do que sente

no dizer, em pontaria,
encapa a palavra
com o molde das vidas
em que se lavra

a mente larga-se no tempo
como um gesto escancarado
nesse permitir-se ao homem
gritar-se compassado

Ao Camarada Stuart Edgar Angel Jones II


Camarada Stuart
do vão da tua lembrança
chovem todos os brasis
que guardamos na esperança

Camarada Stuart,
mesmo que não pressintas,
teu jeito preenche o tempo
da luta que o povo habita

Camarada Stuart, 
nada como navegar, assim explícitos,
nos mares de todos,
a condição de comunista

Cachoeiras em crises deflagradas


nas cachoeiras
os rios apenas tentam
mostrar que, às vezes,
é preciso a incontinência

subir as crises
deitar nas ondas
e consumir o futuro
como escambo

despejar-se na vida
é o parametro do sonho

Constâncias do tudo


o universo não cresce
assim quando muda
e enseja corridas
nos telescópios do mundo

o infinito parece aumentar
quando se arruma
e despeja pelos ares
os eletrons que conjuga

dizê-lo como crescente
é só uma desculpa

Da coletiva essência do ser


a vida
é só um compasso
na pauta geral
dos meus abraços
tudo que me leva
é a textura do que faço

essa vontade de todos
embutida nos atos
é a urgente razão
de tudo em que me acho

Da vigência matinal do tempo


nos ombros da noite
dorme a manhã sua sina
enrolada nas nuvens
como uma menina

a matéria viva
em fótons, elétrons e o nada
arma todos seus esquemas
como uma múltipla jornada

o sol, cúmplice da vida,
despeja o peito no mundo,
vestido de madrugada

Dos cursos da felicidade


no Riacho dos Cachorros
a água consentia
na necessidade de dizer-se
no curso da ventania

e debruçava nas margens
como um gesto delicado
que levasse nossos sonhos
nos trilhos que desenhava

o riacho nem pressentia
as felicidades que molhava

Ensimesmada vazão


esqueço-me nas horas
como um astronauta
flutuando as demoras
nas gravidades incautas

e saio de mim
como um bólide intenso
alinhavando as curvas
em que me tenho

chegar ao outro, como nave, 
é o início do que lembro

Famélica intrusão


a fome corta a alma
como um precipício
tudo que lhe tange
é um desejo infinito

dói nas ruas
como uma ferida urbana
construída nas fissuras
de sistemas e de tramas

a fome é o solstício
da inexatidão humana

Poema em flagrante lavra



o poema
perde a calma
tudo que o impede
dói na alma

e como dor
inventa a arma
de constranger verbos
em sua lavra

o poema é também fuzil
de detonar palavras

Previsões consentidas


o destino
é só um caminho
que a gente, no tempo,
vai consentindo

Provecta ilação de facial mirada


os dizeres do tempo
espalhados na idade
discursam  a vazão
das tecituras da face

intestinas horas
armazenadas na luta
desenham seus favores
no fontispício das rugas

o tempo esquece na face
todas suas procuras 

Provecta juventude


menino
desde cedo
dei-me por velho
em certezas

velho
desde tarde
dei-me por jovem
dúvidas que guardo

a certeza é uma dúvida
que a vontade resguarda
enquanto a natureza
desencapa a verdade

Teatros em escala


as cortinas da vida
são palcos esquecidos
onde as coxias do mundo
ensaiam seus gritos

e viajantes da peça
cumprimos os compassos
das ações que nos deixam
atores sem espaço

o teatro do mundo
é um futuro esperado

Vívidos ensaios da existência


os ensaios da vida
restam no tempo
como um exercício tenaz
dos sentimentos

querer-se todos
nas asas da liberdade
é consumir a manhã
nas costas da tarde

ensaiar a vida
é vivê-la à vontade

Absoluta relatividade do todo


o absoluto
tramita dividido
nas aparências do todo
e a parcimônia dos sentidos

traze-lo definitivo
nas curvas do juízo
é não reconhecê-lo
simples artifício

o absoluto é só um jeito
de conter-se relativo

Alternâncias


a vida segue
suga e saga
levita dramas
nas palavras

o verbo
assim, arma
transita o medo
pela alma

deixar-se vivo
é morrer-se lentamente
no colo da calma

Campesina forja de escritos



o camponês
nas terras que lavra
enterra razōes
em sua alma

a enxada
é uma caneta avara
que escreve suores
em urgentes falas

o camponês nem sente
o tamanho dessas páginas
a terra é só um discurso
das sementes que instaura

Certame da vida


a bola
nem sabe
do povo que a leva
na vontade 

faminta
a multidão chuta
todas as razões
e todas as culpas 

o futebol repete
a necessida da luta 

Compassos vitais em fluxo


meu compasso
é sentir a vida
e transferi-la ao mundo
nos raios que permita

mantê-la inexata
nas exatidões que sinta
e permiti-la avulsa
em toda sua química

a vida é um recurso
dos rios que a consintam
nesse exato pincelar
de todas suas tintas

Completude unitária de todos


meu universo
a contra luz do verso
é o mesmo de todos
em atos e gestos
sonha-lo diferente
é só um manifesto

tudo é sempre todos
mesmo que diverso

da nova predição em laica visagem


os reis, já magros,
incensam o ouro
desesperados

os reis, mirrados,
amputam o futuro,
parasitários

e o mundo resolve,
nos céus que consiga,
desembestar a verdade
nos braços de toda vida

Da objetivação do triste


a tristeza,
quando vontade,
é só um disfarce
da alegria em que se cabe

sofrer
é um nó mal feito
que o prazer desfaz
dentro do peito

sempre cabe um riso
quando o triste é feito
das construções objetos
do sujeito

Da prevalência real da conjuntura


a ação
alardeada apenas na vontade
consome todos os fatos
como vã realidade

a ânsia,
vestida de verdade,
constrói apenas fugas
dos caminhos da tarde

abraçar o real
é um exercício sem alardes

Das pedintes razões da igualdade


o semáforo, alheio,
nem explicita
as cores da fome
que o homem exercita 

no colo da rua,
como um anuncio cárneo,
o homem é um cartaz
das mágoas de que se invade 

estendida, a mão é só adereço
de assassinar a igualdade

Dialética menção das quantidades em trânsito


num salto informe
explode a quantidade 
e deita-se, assim diversa,
em libertar-se qualidade

dos vincos da matéria
escondida nos números
a generalidade da vida
arquiteta futuros

a dialética é um revoar intenso
das possibilidades em curso

Formais enredos da razão


laico,
deus cogita
em trazer-se fático
pela vida

enérgico,
dá-se à equação
de ter-se quântico
na razão

deus tramita o mêdo
com a culpa à mão

Fulgores em rasa simetria


o sol, displicente,
entoa luzes
como um farol
intermitente 

a noite, paciente,
nem se importa
de tê-lo como lua
nos olhos da gente 

o fulgor exagerado
é uma luz inconsequente
que espelha muito mais
as sombras de quem sente

habeas corpus em auto sentença


os habeas corpus
que me concedo
dizem das prisões
nas muralhas do medo

e saio ao tempo, 
diverso e incólume,
quando o humano,
debruçado em mim, resolve-se

meu tribunal é a vontade
de libertar todos meus modos 

Indígena tração dos fatos


indígenamente farto
dou-me ao desacato
de retesar na mente
todos os meus arcos

e sei das flechas
que alinho nas palavras
e as debruço no tempo
como um grito d'alma

meus cocares apontam a história
como um afã de inventa-la

Infinda lembrança em desate


no navegar o tempo
não esqueça a vontade
esse jeito de transigir
os rumos da liberdade

a eternidade
é só um escape
que a esperança dá
enquanto cabe

Laçadas oníricas em recorrência


menino,
envergonhado,
eu sonhava o futuro
como um grande laço

nas cordas que pude,
laçava o tempo
e todos os desejos
do pensamento

esse brincar do futuro
é um sonho recorrente

lavratura em versejante informe


verso
o que nem meço
das vísceras alegres
do universo

lavro
o que guardo
como um infinito
posto em bocados

e lavro o verso
em menoscabo
a tudo que não versa
as alegrias em que me constato

Pantomima em humana cena


no palco
a farsa empolga
todas as verdades
que na coxia elabora

a cada ato
como uma corrente
o teatro constrói diverso
os palcos todos da gente

o ator é uma cachoeira
dos atos de quem sente

Vaqueiro em vertente jornada


relativo e urgente
como um elétron baldio
o vaqueiro tange o tempo
nas esporas da vida

o boi é detalhe
na rural avenida
em que resta absoluto
o peso da lida

eletrons, vaqueiros e bois
nem contentam suas vidas

Viagens rasantes em coletiva ação


das vezes que fujo
dos contornos do ego
deixo-me completo
nos mares que velejo

e deixo-me exato,
habitante do que vivo
nas diferenças humanas,
como um ser coletivo

as viagens todas de mim
são o tempo que habito

A Josefa Ferreira da Silva, centenária


Petinha, olhando ao léu,
no arco do seu corpo,
carregava quilos de tempo
e um certo alvoroço

dava-se a ver o futuro
voando todas as horas 
como se a tela do muro
fosse uma imensa gaivota

Petinha media o passado
com o futuro nos olhos

A Wladimir Ilyitch Oulianov


em passos desatados,
nos ombros do Kremlin,
ouve-se um caminhar
de camaradas e de Lenin

é que a memória
pela história espalhada,
preenche todos os vãos
de cada camarada

navegante  do povo,
nos  meandros do discurso,
Wladimir é um transatlântico
nos portos do futuro

Cálculos em gestão intensa


problemas
quando declarados
são só trejeitos
de algum cálculo 

trazê-los contidos
nos degraus de certezas
é quase consumi-los
em duvidosa represa 

a matemática inteira
em cálculos e premissas
é só um desconforto
da dialética da vida

Concerto em auto gestão


no concerto da vida
em meio aos sustenidos
há que haver os bemóis
de todos os sentidos

a regência do ritmo
na batuta do tempo
há que juntar os pespontos
das amarguras do peito

no mais é montar no som
e derramar-se por inteiro 

Da genérica mudança


tudo habita em mim
no panorama manifesto
que a matéria guarda em si
em sua máscara genérica

e dou-me ao geral
quando, disperso,
deixo de estar nas sinapses
em que me esqueço

a morte é só um desalinhar-se
da genérica função do que, hoje, teço

Das itinerâncias do verbo


o verbo, grávido,
desmaiado no comício
inunda os ouvidos
como um precipício

engolindo as palavras
a multidão, contrita,
como um vendaval
varre a avenida

os homens bebem o palco
e sonham, militando a vida

Das metragens do tempo em retrato



o tempo da história
como serpente
tramita todas as horas
numa estranha urgência

largo e descontraído
engole nossos minutos
e ri dos tamanhos
que pomos no futuro

a ânsia de cometê-lo
é só um desconforto
dos mares que navegamos
em busca de porto

Das rotas em futuro


homeostático
o prazer informa
a rebelião urgente
da reforma

claudicante,
nos debruns da forma,
a razão espreguiça
suas normas

o homem caminha lúdico
toda sua rota

Das vazōes intrínsecas do homem


nas costas do tempo,
como uma ameaça,
a vida dói nos homens
pelas suas praças

de seus desejos
embrulhados em desculpas
ressoam magras razōes
e um certo quê de culpa

tudo que lhes atiçam
é o tempero da luta

Do amor em fundamento dado


o amor,
mais que desejo
é pedra fundamental
do nosso enredo

vive-lo pleno,
nos humanos atos,
é borda-lo pela vida
em todos alinhavos

amar é costurar um mundo
com todas as linhas do afago

Do poema em fluvial deslize


o poema não é um rio
sua correnteza é fictícia
tudo que lhe navega
são os verbos da vida
suas cachoeiras
nessa empreitada
são os vulcōes verbais
embrulhados nas palavras
entornam a poesia
como uma jornada
daquilo que se sente
quando o tempo fala
e joga sentimentos
no colo da alma

Dos metanegócios em rasantes bytes


virtual,
a notícia
deixa-se à margem
do sujeito e da vida

o metauniverso
franzindo a verdade
arrota cifrōes e megabytes
pelo  vão das cidades

e o homem, retirante da terra,
conta só os bits jogados na tela

Dos relâmpagos comícios da vida



o discurso, ao vento,
em pássara sintonia
voa no entendimento
os gestos que cometia

os homens, absortos,
presos aos ouvidos,
engolem as palavras
e os ares do comício

amanhã, quem sabe?
haverá fatos e indícios

Dos sinistros gestantes do futuro


o fascismo
em chagas
enche a culatra
dos canalhas

a terra
feita em chamas
inventa um incêndio
como trama

o povo em fagulhas
é o grave discurso
da vitória do mundo
nas planícies do futuro

Dos vindouros concertos


quando a vida,
estiver em solo
abra todos os compassos
com o tempo a tiracolo
como se o refrão desenhasse
as permanências do óbvio

tanger o tempo nos fatos
como se fora um introito
do concerto de todos
abraçados à história

Geografia de mim


quando choro
dou-me por rio
em busca dos mares
em que sorrio

meu riso
é um mar aberto
com todas as penínsulas
em que me confesso

meus sentimentos
são uma geografia de gestos

Infringências oníricas do sonho e seu enredo


das margens do desejo,
em profundas ondas,
o homem navega, adredemente,
tudo que se sonha

o sonho
na jusante do seu desejo
navega o sujeito, farto,
nos recalques do medo

desejo e sonho, abraçados,
constroem as tardes do cedo

Intermediação de tempos e fazeres


das manhãs que invado
com a noite nas mãos
sobra um tempo nos olhos
e restos de sonhos pelo chão

das tardes que desfaço,
já nos ombros da noite,
restam desejos assumidos
num constante alvoroço

assim, no meio do que vivo
visto-me das horas e do novo

Kurkino em rompante memorial


nas costas de Kurkino
a neve aquecia
todos os sonhos
que a vida permitia

no meio da noite
tangendo o mundo
o homem olhava o céu
com a certeza de tudo

Kurkino ainda nem nevava
os descaminhos do futuro

Meus flagrantes alinhados


meu flagrante
é estar comigo
em todos os sempres
que consigo

os ajustes
dou-os à vontade
de estar preso
a toda liberdade
as que construa
e as que me invadem

Nordestina razão do cuscuz


o cuscuz
sobre a mesa
tremula um povo
como bandeira
não pelo gesto
de haver-se farto
mas pelo que de símbolo
de vontades e de fatos

o homem
debruçado no tempo
tomba a fome com gosto
nas curvas do pensamento

Operária fuga em vertente declarada


o operário,
cerzido à máquina,
recolhe os produtos
de suas mágoas

botão virtual em série,
de quase humana lógica,
engole algoritmos
no vão de suas portas

construtor do mundo,
dá-se ao rompante
de alinhavar o futuro
nos sonhos que tange

Pássara evolução de aves e sonhos


o pássaro
nave consentida
projeta os céus
que os olhos sintam

no vôo
desejos são medidas
embrulhados nos ventos
ao redor da vida

os olhos, pássaros informes,
voam os sonhos todos que podem

Poema em trânsito versejante


no papel,
debruçado em sua lavra
o poema entorna, lúdico,
todas as falas

os verbos que alinha
nos rasantes e na calma
sobrevoam os desejos
aflorados nas palavras

as que venham do verso
as que estejam na alma

Recomeços recorrentes


os restos da vida,
que vagarem em mim,
não serão despedidas,
lembranças do fim

serão consumidos
com a exata compostura
de quem abraça em si mesmo
uma grande luta

o riso será a estrada
dos caminhos do futuro

Reminiscências de águas infantes


em ondas, desarrumada,
a cheia monta o rio
como um carnaval de águas
em busca de navios

o menino, maravilhado,
vestido das margens
imagina seus açudes
em todas essas águas

a cheia, o menino e as águas
nem percebem a tarde
e a disposição da vida
em se tornar saudade

Siá Luzia em áfricas intensas


Siá Luzia, temerosa,
quando sorria
espalhava áfricas
nas faces do dia

em suas panelas
como gestos intensos
desabrochavam vivos
todos os desejos

Siá Luzia era uma montanha
na planície dos seus medos
tudo que lhe tangia
era a paz do seu enredo

tráfego recorrente


transeuntes das almas
a multidão caminha
todas as calçadas
em todas as rinhas
as que iludam os passos,
as que trafeguem a vida

os limites são os pulos
que a história decida

Vegetais em grave fala


plantada no tempo
a árvore vegeta
chuvas e razões
fincadas na terra

dá-se pública
nos desperdícios que exala
pedaços de seus ares
espalhados pelas matas

a árvore joga no mundo
o tempo de suas falas

Vivências em sentido largo


na vã dosimetria
de avaliar os percalços
tudo que seja história
está delimitado

a vida ainda flui
apesar do descompasso
nesse emaranhado brusco
entre o futuro e o passado

viver é tanto sempre
nunca um desabraço

Andanças em mim em atalhos


quando passeio por mim
nas estradas que consigo
deixo-me a caminho
de estar sempre comigo

das encruzilhadas 
postas como discurso
dou-me mais a vê-las
grávidas do futuro

e tanjo-me nos atalhos
que mantenham meu rumo

Atabaques em vazão corrente


o lé configura o batuque
no fraseado da gira
e solta pelo espaço
as energias que usina

rumpi engrossa a vertente
dos africanos sentidos
jogando restos de tempo
nos ombros do infinito

e o rum entoa o rompante
das humanas cachoeiras
derramando no vão da vida
as  energias que penteia

bancos do tempo em ritmia


o tempo
não se gasta
sua propriedade
é discurso monetário
só em voos distópicos
dá-se como lavra

o tempo é sempre corrente
nunca diz-se avaro
quando entornado em todos
sem qualquer gargalo

poupar o tempo no peito
é só um jeito de contá-lo

Claudicante ensejo dos caminhos


pela calçada
minha bengala pontua
os voleios da velhice
pelas faces da rua

em sua rigidez,
intrépida e pacata,
pode dar-se ao luxo
de tornar-se arma

minha bengala nem percebe
os conflitos de quem lhe guarda

Da africana Nyakim, modelo e graça


Nyakim, desfilando
as áfricas que consinta
é uma noite acampada
nos braços da vida

e o mundo primevo
gravado na sua face
delata toda a origem
do humano desenlace

Nyakim transita no tempo
como um africano disfarce 

Da alma e do desejo em claves


a alma
é uma pátria intensa
todas as fronteiras
avançam limites
pela consciência

o desejo
é uma pátria avulsa
todos seus poderes
a vontade pulsa

a alma e o desejo
são apenas partituras

Da camponesa feição da terra



no limite dos olhos
o campo mostra exato
a camponesa providência 
de ter-se como ato

raízes em verdes mastros
rasgam a terra insistentes
como uma canção rural
na pauta de mãos urgentes

o mundo engravida da paz
nos roçados que consente

Da intrometida vazão do tempo


a eternidade
é só um disfarce
que o tempo apregoa
nos ombros da vontade

resumido
e inteiramente plástico
brinca de infinito
nos desvãos do fato

o tempo é uma intromissão
em todos nossos laços

Da Praça Vermelha em memória


na Praça Vermelha
bordava-se um tempo
espalhado nos passos
e nos pensamentos

Lenin, um tanto arredio,
dormia na história
perscrutando as emoções
criadas pela memória

a Praça Vermelha compulsava
todos os sonhos à sua volta

Das altitudes humanas


nos degraus da vida
a escadaria mente
subidas e descidas
são apenas aparências
tudo humano é planície
naquilo que se sente

as altitudes humanas
são as montanhas do povo
os picos largos da história
com as artimanhas do novo

Das divinas criaçōes humanas


dos céus que cria
no colo da alma
o homem delata
o sujeito e o drama
de repetir-se criador
e criatura da trama
tudo que lhe importa
é a ilusão da alheia chama

os deuses que prolata
decretam seu engano 
e percorrem, quase divinos,
as facetas de humano

Das fronteiras recorrentes


atrás dos limites
como um pássaro
o infinito brinca
nos ombros do espaço

tempo grávido
de matéria e horas
tange os limites
no vão da história

ao homem cabe limitar-se
aos infinitos que possa

Das impaciências postas em contraste


a impaciência
é quase um disfarce
que a calma teima em usar
quando não nasce

ancorada na vida
a vontade acalma
e não há como não tê-la
construtora da alma

a vida é só um desenlace
das vontades e das calmas
cerzidas à amplidão
de todos os constrastes

Das linhas em horizontes postos


o horizonte
é uma linha intrusa
tudo que lhe traça
é intensidade da luta 

vê-la assim tão firme
nos olhos e na mente
constrói as dúvidas
e um futuro reticente 

melhor vivê-lo transeunte
dos futuros urgentes

Das pugnas do eu lírico


o poema, ressabiado,
em todos seus indícios,
determina a Fidel
não chegar a seus limites

o eu lírico, onipotente,
como obstáculo,
põe nas entrelinhas
todo seu sobressalto

Fidel, desavisado,
constrói poemas
com o povo em seus braços

Das temporais medidas do mundo e da vida


ao tempo
dê-se a insistência
de ter-se no  espaço 
até na ausência

tudo que lhe ocupa
é a constatação e o rito
de teimar em ser medido
pelas réguas do infinito

o tempo é só um discurso
das léguas em que habita

Divagação em torno da mudança


e quando viram a manhã
desenrolar-se da noite
os homens amanheceram
todos seus pernoites

romperam o céu
em todas suas frestas
e construíram a manhã
da coletiva gesta

as auroras da história
são um tempo de festa

Do acaso intenso do destino


o destino,
à contraluz do tempo,
é só um acaso
solto no pensamento

sua trilha
segue a narrativa
da necessidade extrema
de medir-se a vida

o acaso, nos fatos que abriga,
é uma construção fugaz,
anonimamente consentida

Do amor em caminhada


por essa rua
grávida de caminhos
todos os meus nortes
eram teu destino

viajante de mim
pus-me a passo
inventando o ninho
dos teus braços

Do coletivo movimento do mundo


quando a terra
estranhar o tempo
haverá multidões
em largos movimentos

a energia da vida
extraida dos futuros
os povos armazenam
nos escaninhos do mundo

o universo dá-se ao verso
nas estrofes de tudo

Do humano tráfego


trafegar a vida
em trânsito largo
é deixar-se avulso
no tempo e no espaço

medir as curvas
com empatia,
nos atalhos profundos
construir avenidas

o curso do humano
é uma coletiva medida

Dos bólides em volitivos rasantes


a nave, incandescente,
morde o céu em seu repente
como se fora um pássaro
de voo intransigente

desenhando o tempo
em seu rumo, declarado,
invalida todos os ventos
nesse pulo apressado

dos destinos a que se presta
a lua é só um recato
da vontade de, máquina,
deixar-se sempre no espaço

Dos caminhos em povo recorrente


na praça
o povo avança
a cada grito
de cada esperança

monta sua luta
em sonhos vastos
dos tempos que tange
como um recado

o futuro é um beco largo
da vontade como trabalho

Feições em relato subjacente


o espelho
é quase um trânsito
entre o homem
e o seu espanto

ver-se,
um tanto outro,
no desfazer-se de egos
em alvoroço

o reflexo, às vezes, singra
descaminhos interiores
como uma nave alheia
de sentimentos e poses

Ferroviárias moçōes do verbo


o trânsito das palavras
é quase um algoritmo
de mostrar nos homens
os becos do infinito

arrastadas,
no trem do verso,
carregam emoçōes
como um vagão moderno

tudo que as levam à mente
são os trilhos do universo

Indígena fração do mundo


perfilado
o índigena gritava
todas as selvas
em que se sonhava

de seus olhos
chovia o gesto
de perscrutar o mundo
como manifesto

o indígena guardava em si,
como um panfleto,
a origem exata do universo

Indígena jornada em vívida gestão


indígena
marcha a vida,
aos ombros do futuro,
como dívida

grávida e pública,
ao tentar-se livre,
dá-se à condição
de ter-se simples

a vida é uma razão infante
adormecendo sua crise

Infantes caminhos


o crivo de Eratóstenes
jazia desprezado
no ventre do caderno
como um fardo

o menino
dado às palavras
embutia nos números
suas faltas

nada do que era crivo
atestava sua alma

Mercado em flagrante infração


a mercadoria
carrega nos ombros
a opulência do trabalho,
a rasura dos homens

configurada, avessa,
numa relação intuída
dá-se mais aos parasitas
contra àqueles que a criam

a mercadoria é relação
de impróprias altitudes
fração desordenada
em todos seus ajustes

Mundana caminhada em sistêmica ruína


o sistema 
regurgita
um lucro insano,
parasita

a terra
irmã estremecida
alinhava o direito irmão
de manter a vida

e o mundo estertora
ao encontro da saída

Normativo em acelerada vazão


a norma,
nos artigos deitada,
marcha suas ordens
em imposta caminhada 

grávida de interesses
em alíneas e notas
tange os homens
aos parágrafos da revolta

e a compreensão de si
é tudo que a revoga

Palavras e poemas em vazão


a palavra, sentida,
salta do peito
como um verso exato
em que se deita

o poema, contrafeito,
arruma-se em verbos
como se não fossem palavras
seus trejeitos

a confrontação, verbal e lúdica,
nos aparatos de quem sente,
é só um desacato da disputa

Pátrias manhãs da fome


a manhã larga
cabia pela praça
como um aconchego
da madrugada

deitado,
no colo da marquise,
o homem consome
a fome armazenada
e retrata nos olhos
nos palmos da crise
uma pátria enxovalhada

Patrice Lumumba em trânsito


Lumumba, dissolvido,
engravida a história
e pesa todos os quilos
no porto extenso da memória 

no vão de seus ombros,
o Congo passeia negro
a luta intensa do povo
em milhares de enredos 

a África soluça e ri
na dança de seus medos 

Poema de circunstância IX


dos olhos, nublados,
escorriam chuvas
como um temporal urgente
de algumas culpas

a fome tremia em ondas
e das mãos, magras lanças,
os ares enchiam a manhã
de navios da desesperança

o homem, esfaqueado pela vida,
discursava pedidos numa triste dança

Poema de circunstância marinha


o azul do mar
reticente
tangia jangadas
e viventes

de seus fardos
de barco e de gente
resumia-se uma alegria
fugaz e displicente

o peso da vida, na alma,
era uma onda renitente

Poema de circunstância XI


assim descampado
o sertão cogita
em encher de tanto
os p(c)actos da vida

pula exausto
nos ombros dos sentidos
e declara em seu calor
todos seus comícios

o sertão é uma varanda larga
dos recantos em que se agita

Poema em mansa beligerância


o poema em riste,
como uma centelha
tramita todos os verbos
pela incerteza

roldão de palavras,
da-se ao esforço
de atiçar no poeta
um certo alvoroço

o poema é um levante
das ruas em que se diga
guardadas as proporções
do verso, do poeta e da vida

Sentidos rurais em franco senso


rural e baldia
a paisagem fixa
os limites do infinito,
da paz e da vida

indígena e original
como uma ventania
tange os olhos do povo
pelos ombros do dia

a terra é um grande comício
de todas as alegrias

Tchaikovsky em lances


na valsa, em flores,
Tchaikovsky intenta
navegar os mares
da consciência

burla o tempo
cria infinitos
e constrói balsas
pelos ouvidos

a música é só um disfarce
da profundidade dos sentidos

Temporária distração da vida


o tempo tem disfarces
o jeito de senti-lo
é a régua exata
que lhe cabe

avesso a pouco espaço
resta-lhe a eficácia
de permanecer incólume
mesmo assim variado

a física que cuide assim
de mantê-lo inalterado 

trânsito na tarde


nem por tê-lo urgente
pelas curvas da face
dê-se ao tempo a chance
de assim aquietar-se

as ranhuras que causa
nos desvãos onde nasce
são apenas caminhos
de intensos combates

viajar ainda esses becos
é um trânsito largo de saudades

verso em contrição


como o universo,
deixo-me aflito:
para onde expandir
todos meus infinitos? 

como um pássaro 
avanço resumido
as léguas de mim
que contrito exercito 

tudo que me basta
é navegar este exercício

Volitiva inação


o infinito
talvez nem caiba
nos senões da vontade
que se tem na alma

buraco negro
de vazão avara
engole o tempo
como máscara

nada do que tem de tanto
dá-se pelo menos que declara

Amazônica incursão


o Amazonas
deitado na mata
finge ser rio
nos mares que desata

lambe o mundo
em sua plástica
desenhando nas águas
sua ânsia de astronauta

o Amazonas é só um militante
de todas as pororocas
nada do que lhe atinge
cerrará imune suas portas

Bailarina em algoritmica gesta


entornada no palco
em ombros de bemóis e fusas
a bailarina veste o mundo
dos recados da música

e nos voos construídos,
como uma nave do tempo,
espalha os infinitos
pelo vão dos pensamentos

a bailarina é um algoritmo
das alegrias dos ventos

Capoeira em registro largo



no avesso da armada
o capoeira descobre
todas as abcissas
que seu passado recolhe

e habitando o passado
cerzido, assim, ao presente
inventa todo o futuro
no povo que lhe consente

olhando as gingas do tempo
nas meias-luas de frente

Coletivos em urgente lógica


o viver humano
por fazer-se lúdico
tenha-se por vasto
nesse estado público

a vida
quando coletiva
dá-se por completa
nas origens que milita

o todos que é de tantos
é só um pouco de tudo
o presente é só a fábrica
das possibilidades do futuro

Da África em passos e povo



a África pelas ruas
nem é continente
é uma bailarina furtiva
tangendo sua presença

é que nos passos
em que cabem todos seus viventes
passeia a dança do povo
nos ombros do continente

como não ter a África
tatuada em cada mente
nesse roldão de andanças
que o povo em dança consente

Da caatinga em clara jornada


a caatinga, assim paisagem,
pedaço da pátria recolhida,
revolve em si militantes
das longas curvas da vida

e nesse dar-se à vista
como sobrevivente
constrói um jeito de si
nos olhos de quem sente

a caatinga é um morno abraço
alinhavado em seus viventes

Da fome em sol, dias e calçadas


o sol,
translúcida vertente,
engole a noite
mansamente

a calçada, impunemente,
já em madrugada,
guarda humanos em seu leito
em fomes aprazadas

o dia, intensamente faminto,
deixa-se fluir envergonhado

Da matéria em largo trânsito


na curva da existência
em ensaios lúdicos
a matéria transborda
seu destino público

vaza transformações
como um meio-fio largo
e enche de emoções
as mudanças de seus átomos

ao homem resta comemorar
a virtuosa leveza desse fato

Da menina e do mar em rasa cena


o mar, nos olhos da menina,
ensaia-se infinito e ilude
nessa indumentária de oceano
tido como um largo açude

eis que o sertāo pontua
em sua pauta líquida
a impossibilidade marinha
de ter-se em águas infinitas

os açudes de sua infância
a menina apenas quantifica

Da notícia como fato avesso


a notícia, posta na vida,
é apenas disfarce
das embutidas razōes
das tarefas de classe

o conteúdo
é uma forma avessa
de alinhavar o pensamento

em adrede pressa
o fulcro da verdade
é um caminho de avenças

Das cachoeiras de mim


minha lágrima,
rio de mim,
é cachoeira avulsa
em que entorno
todas as minhas culpas

quando inocente
na jusante da razão
resvala pelo tempo
como um riso chorão

minha lágrima sempre sou eu
na liquidez da emoção

das construções temporais


minha vida
chove a cântaros
nos roçados gerais
da esperança

essa espera afetiva
de abraçar o tempo
remói alegrias
nas tristezas do sempre

plantar futuros na história
é um espreguiçar-se do presente

Das crenças em alada fantasia


o homem
dá-se ao rompante
de fazer dos aléns
seu horizonte

garça metafórica,
imune às asas,
como voar as distâncias
em que se declara?

navegar o inexistente
é o engodo da batalha

Das razões e freios do medo


das inflações do medo
rasuras do sujeito
dê-se tardes ao tempo
nas sanções do peito

deitá-lo na vontade
como um gesto largo
é ato dos movimentos
de mantê-lo estático

o mêdo é só um laço
que antecede nosso brado
reconhecê-lo é só início
é mantê-lo ultimado

Das últimas jornadas


sairei da vida
como um astronauta
num voo de ser único
aos foguetes da genérica massa
tudo que me leva
é uma história exata
e o pouco do que fico
é a saudade de quem me guarda

De Bolívar e da Pátria Grande


Bolívar, adormecido,
visto assim, ao longe, 
é um vendaval festivo
da liberdade que tange

imensamente latino,
dança todos os Andes
como se fora um carnaval
de todas as falanges

Bolívar é toda uma américa
deitada na Pátria Grande

Do espaço-tempo em largo abraço


há tempos constrangidos
perdidos na pauta do espaço
nas horas que as léguas gritam
a falta recorrente de abraços

é que o tempo é teia
gêmeo do espaço
trânsito exato da vontade
de trafegar nossos braços

a todos de-se a condição
de conviver um tempo desatado

Do poema em prosaica andadura


há de haver ritmo
nos degraus da paciência
nesse abraçar o mundo
nos verbos que contenha

a palavra, grávida da terra,
como um sonho, em ondas,
mergulha no poeta
como uma grave sombra

o poema apenas regurgita
os verbos exatos do que sonha

do riso como semente larga


o riso não é um disfarce,
tudo que lhe trama nasce
como se fora um vendaval
nas curvas da face

é uma alegria semeada
nos ângulos do rosto
nos leirões montados
nos roçados do corpo

sorrir é tanger o mundo
nas estradas de tudo.

Do todo e suas minúcias


o fato
como um todo
detem minúcias
nos seus modos

vê-las soltas
do plural conjunto
é não percebe-las
parte do mundo

não basta a vontade
para lutá-las como tudo

Dos escapes intensos da vida


meus muros
sequer os construo
deixo-me às planícies
abraçado ao futuro

bato às portas do tempo
com as horas que guardo
na constância humana
de inventor de abraços

tudo que me encontra
são os encontros que traço

Dos montantes do amor em clara lida


ao amor
dê-se a consistência
de conter-se infinito
em suas continências

e que permaneça
nos mínimos detalhes
um amontoado de chamas
nos desvãos dos olhares

consumido em grandes talagadas
deixe-se tanto pela vida
construído assim artesanato
trabalhado em todas as medidas

Dos sinais verbais intermitentes


acosso o poema
com certo embaraço.
Os verbos, nem sempre,
dão-se a abraços

fustigam o senso
com certa ironia
como se fossem noites
travestidas de dias

o poema é transeunte delicado
do verbo e do poeta em suas vias

Dos terrenos crimes da vida


Gaia, deitada em si,
engole, entediada,
os palmos da tragédia
nos ombros da madrugada

ao dar-se amante à paz, 
absurdamente atacada,
assiste aos seus pedaços
em vulcões e nas estradas

Gaia dá-se combatente
humanamente envergonhada

Escala da vida em tom frequente


nos acordes da vida
o punho é a vontade
a espalhar os bemóis
nas escalas da verdade

o tom transforma o refrão
numa viagem tão urgente
como atalhos que o tempo impõe
nas difusas que se sente

a vida é um grande som
que se alinhava na gente

Frevo desatado



no frevo rasgado
a multidão inventa
no colo dos passos
uma grande moenda

e o moinho de Olinda
triturando a saudade
convoca o peito da gente
na alegria do passo

o frevo assim derramado
leva o povo nos braços 

Geriátrica ilusão da vida


o menino, arredio,
inventando o tempo,
teimava em ser velho
nas rugas do pensamento

doía-lhe a juventude
como um desacato
a tudo que envelhecia
em seus contratos

o menino nem sabia,
a contrassenso,
que a velhice é uma juventude
esquecida no tempo

Impretéritos rompantes da pertinência


e nessa imperfeição
trago-me perfeito
com o sonho nos olhos
e vontades no peito
todas as minhas retas
são as curvas em que deito
como se fossem estradas
a que me dou direito

imperfeita é a perfeição
e os disfarces dos defeitos

Infante contemplação do riso libertário


os olhos da menina
como um farol urgente
tecia largas visões
nos olhares da gente

as nesgas de riso
jogadas pela face
inventavam a beleza
como um disfarce

a menina quando ria
gargalhava a liberdade

Infantes descalabros


na infância, encabulado,
nos meus versos
o crepúsculo era, assim,
um torcicolo do universo

o que faltava da vista
no horizonte retorcido
era só um trejeito
das larguras do infinito

o mundo era um discurso
com os verbos de menino

Infinitos em curso


o céu
nem desconfia
dos pedaços de deus
em suas vias

espalhado no mundo,
assim inconfesso,
delata os infinitos
que convivem o universo

o céu é um recado exato
da matéria em seu nexo

Medições em verbos de dizer mundano


ao poema
cabem os milímetros
e todos os infinitos
que pressinta

dá-los a verbo
é unicamente sintoma
de que a palavra, sem medidas,
às vezes, sonha

o poema é um arbítrio lato
de liberdades e de clausuras
desde que trafegue, intenso,
a indizível lógica das ruas

Minha mãe em utópicas rimas


minha mãe dói em mim
como um lírico abismo
tudo que já não é
permanece infinito

senti-la assim
como uma memória infinda
é poder cria-la
em todas as rimas

minha mãe é uma utopia
debruçada em todas as esquinas

Nordeste em rabeca renitente


a rabeca
nem consente
em sentir-se um violino
incoerente 

a fala antiga
verbos medievais
pontua nordestes
pelos quintais 

a rabeca é um informe
plantado dos ancestrais

Paisagem em memória


na escuridão
o olho comenta
os azuis que possa
em larga cena

é um sentir
em que se trama
afundar a alma
na esperança
como se fora a vista
uma eterna dança
no palco irrestrito
da lembrança

Pedra do Ingá em resenha avulsa


na Pedra do Ingá
o passado futura
todas as razões
por que se luta
as que estejam claras
e as que, nas escuras,
precisam um certo jeito
de resumir as culpas

as pedras do tempo
são resenhas assinadas
dos ancestrais que habitam
todas nossas estradas.

Poema de circunstância XII


no frio fardo,
envolto da cidade,
o homem tarda
em mostrar-se tarde

o corpo, em ondas,
pinça os ares árticos
e desaba na fome
com a morte nos braços

a cidade nem percebe
partirem seus pedaços

Procissão em agudo transe


o mundo dói
como uma farpa
que aponta, unânime,
para os canalhas

peças do engodo,
como navalhas,
raspam a face do sistema
à custa alheia de trabalhos

o futuro espreita
no escaninho da vida
as demarches do tempo
os atalhos da saída

Regramento solfejado em açōes contadas



o mundo
é engenho versátil
de reprimir o nada
de construir-se em atos
como se fora um lampião
de chamas exatas
ou um farol reticente
de luzes engendradas

tudo que lhe encaminha
é uma vontade intensa
adredemente deflagrada

Rio Capibaribe em tragédia


o pranto
que o céu derrama
entorna o Capibaribe
como um rio em chamas

o povo e Pernambuco
abraçados aos barrancos
mergulham em rio e morte
salpicados de vergonha

assim transposto em arma,
o Capibaribe apenas sonha
em vestir-se de seu leito
e amansar suas ondas

Risos lacrimais em larga camuflagem


a vontade de chorar
talvez pressinta
os risos amontoados
nos ombros da vida

as lágrimas, às vezes,
rio camuflado
são risos que escapam
da simples risada:
desembocam cachoeiras
nos infinitos que declara

Sideral flagrante


o buraco negro
adormecido
sonha a estrela
que havia sido

nesse divagar
nas costas do infinito
inscreve nos radares
todos os seus gritos

a matéria pulsa, incauta
as delações de sua vida

Sono em profusa travessia


meu sono
é só jornada
dos sonhos que enfio
pela madrugada

e de vê-la displicente
tangendo impune o dia
abraço seus recados
em todas suas vias

e lanço-me, farto, ao tempo
com as oníricas iguarias

Temporais divagações ensimesmadas


será o tempo
só um conceito
do espaço não medir-se
no eterno do seu jeito?

assim posto corrente
nos ombros claros da luz
chega a perder-se lento
no espaço que o conduz

o tempo é só um distrato
posto assim à contraluz

temporais vivificantes


e quando forem manhãs
as tardes que eu sinta
deixem-me organizar
os tempos que pressinta

é que arrumá-los
nos armários da vida
deixam um gosto de tanto
nos contratos que persiga

a vida é um litoral intenso
dos oceanos largos da lida

Transeunte destino


peregrino de mim,
alinhavo o destino
como um navio à deriva
nos mares coletivos

revolvo as ondas
como um garimpeiro
que caça nas manhãs
todos seus parceiros

na curva dos meus atos
como um indizivel afã
permito-me exercê-lo

Transverso sentimento em avessos fáticos


rasgo minha tristeza
com os risos que alinhavo
e os pensares que construo
das cicatrizes que trago

cada riso, 
assim atravessado,
lambuza o pensamento
de futuros e passados

nas circunstâncias da luta
o tempo é um rio desatado

Verdade em refluxo renitente



posta, assim, à meias
com a realidade,
a verdade é um tempo
de liberdade

é que lhe sobra o custo
de encachoeirar-se
e entornar-se no tempo,
nua da veracidade

a verdade é só um jeito
de construir-se na idade

Vivência em declarada métrica


viver
não é apenas ofício
é um tanger avulso
dos abraços dos sentidos

apontá-los exatos
proporcionais ao tempo
nos espaços abraçados
no vão do pensamento

beber todos os seus tragos
e habitar todos seus momentos

Voluntária medição dos quereres


dentro de mim,
germino
todas as vontades
de que vivo

pousa-las
nos desvãos da vida
da-me a compleição
das investidas

dosa-las é só o instante
de aprofundar essas medidas

Da construção sistêmica da felicidade


a cada palmo do perto
que a vida esteja do riso
deixe-se estar navegante
montado em seus sentidos

é que nas léguas distantes
dos impropérios do tempo
cabe surfar todas as ondas
nas jangadas do pensamento

a felicidade é uma construção
da nossa coletiva consistência

da incondição compulsória


de cócoras
o homem concebe
diante do prato
toda sua verve

a palavra
misturada na fome
esconde a mágoa
em que se some

o homem nem admite
que ainda é homem
sobram diferenças
naquilo que consome

Da lua em exata miragem


lambendo o céu,
viajante de luzes
a lua inventa um tempo
no meio das nuvens

e resvala no mundo
como uma vontade
embrulhada nos braços
de todos os olhares

a lua nem se dá conta
dos abraços em que cabe

da placidez tonitruante


o silêncio
nas ruas do pensamento
pesa como um grito
alinhavado nos ventos

é que a mudez do verbo
traz pedaços da vida
e os envolve de nós mesmos
nas cicatrizes sentidas

o silêncio é um rompante
infenso a medidas

Da tristeza em ritmos e clarões



a tristeza
dói no tempo
como uma pedra
solta no pensamento

tê-la como urgente
nos tropéis da fala
é só um desconforto
das instâncias da calma

consumida, passageira,
vislumbra, lenta, pela estrada
os pedaços de riso
amontoados na alma

Da unidade ampla de todos


nas varandas que cria
na morada da vida
o homem constrói a si
nas campos e avenidas

e de ser assim humano
tangendo tentativas
deixa-se estar coletivo
em todas as medidas

nas varandas de todos
há uma multidão em revolta
gritando aos quatro cantos
o construir da história

Das construçōes intimoratas


quando esquece o tempo
montado em si mesmo
o homem inventa horas
nas curvas de seu enredo

e desfia-lo pela vida
como um novelo
é embrenhar-se de futuro
nos passados que teve

o homem constrói a si
com a constância de ter-se

Das correntezas da vida


o aplicativo
é estar consigo
todas as horas
que persiga

e dar-se a tantos
no condomínio
de construir a história
como destino

e mergulhar no tempo
e abraçar os caminhos

Das dores do mundo em vias de levante


o mundo
é tão flagrante
que chega a doer
quando distante

resolvê-lo como comum
numa razão constante
é percebê-lo uno
em nossa circunstância

tudo que o leva
é a certeza do levante

Das guerras em civis milícias


civil, dou-me à guerra
tão militarmente
que a farda da alma
é uma desculpa aparente

militar, dou-me à paz
tão civilmente
que os canhōes do peito
explodem sentimentos

soldado ou paisano
guerreio a paz
com a vida nos dentes

Das inatas inquirições da vida


a balsa navegava
com a fluência inata
de todos os rios
que trazia na alma

e por vive-la líquida
no vão do pensamento
derramava suas ondas
pelo sentimento

o rio era só o sonho
em que eu criava o tempo

Das pontuais dívidas das horas


o relógio
nem sentia
as horas que levava
pelos dias

antes, pressentia
ponteiros reticentes
quando atrasava minutos
em horas displicentes

o relógio só desconta
uma dívida corrente

Das temperanças do tempo


nos risos da face
eis o tamanho da luta:
acoitar o tempo
e lavrar as rugas
nas certezas transitórias
e no enxame de dúvidas

tramar os impossíveis
quando o possível ajude

De todos em si


das tribos, assim dispostas,
tenha-se o exato plano
de que todos as habitam
como um e como tantos

não há o si mesmo
sem o outro
tudo que nos define
é esse alvoroço
de querer ser um
sendo todos

de voos em Andes desatados


os Andes
espalhados na vista
pareciam as américas
dispostas em avenida

e do veio da terra
como uma desculpa
brotaram todas as razões
dessa imensa luta

eu, em ares transposto,
bebi, avaro, o prazer da disputa

Diagramação da vida


os prefácios,
nas páginas da vida,
requerem verbos
e uma certa malícia.

dos escritos vitais,
traçados em egos,
pululam as pressas
a que se entregam

os introitos da vida
anulam a essência do mêdo
como se o viver dispusesse
de todo seu enredo

Do balançar dos gestos em rasante rebeldia


dos ventos
tenha-se a compostura
de espalhar o tempo
no vão das lutas

brisa e furacão,
adredemente,
como se fora aurora
de todos os poentes

a vida é um vagão
de todos os trilhos que consente

Do falar como invento


a norma culta
traduzida pelo povo
alimenta as razões
das imanências do novo

a gratuidade verbal
dos desejos avulsos
apenas inventa verbos
de elásticos cursos

é como gramaticar a vida
com os suores do seu uso

Do futuro em atos e esperança


as ondas do futuro
em sua dança
aparentam, displicentes,
 o jeito da esperança

em verdade, 
como antevisões de atos,
desenrolam o presente
como cordões de fatos

o tempo gosta de ver-se
nos reflexos que exala

Do poema em poeta corrente


ao poema cabem os voos
mergulhos compassados
no insubstituível esforço
de gramaticar a alma 
em alvoroço

ao poema cabe o poeta
como astronauta itinerante
de todas as palavras
em que se plante

a retórica é só um modo
de consumir o horizonte

Do poema enquanto falar



meu verso
em seu avesso
é só um verbo
em que me esqueço

dizê-lo,
nos ombros do tempo
é vislumbrar horizontes
nos mares que comento

o poema é só a manhã
das noites que intento

Dos caminhares da vida


a vida transcorre
num conjunto complexo
entre mim, o outro e o futuro
nuns agoras dispersos

unir como transeuntes
todos os convivas
é espalhar pelo peito
as continências da lida

caminhar o viver
é viagem consentida

Dupla inspiração da fantasia vital


os verbos
não assustam
quando discursam fartos
a disputa

os gritos
tangem os enganos
das pazes que trazemos
em culpas e planos

a luta é fantasia da vida
e um tanger infindo dos anos

Enxada em lavratura mansa


a enxada repetindo a terra
em contraçōes avulsas
espalha o suor do homem
nos roçados das culpas

agrária e informe
como um pássaro estático
voa nas mãos do homem
as terras todas que prolata

a enxada nem se dá conta
dos tratores que traz na alma
e que perduram nos sonhos
que o camponês afaga

Espiritual demarche


o espírito
concreto invólucro
caminha a vida
em nosso colo

deitá-lo em risos
em praças e ruas
é entorná-lo unânime
nessa aventura

vivê-lo assim adredemente
é o sentido exato da luta

Fugitivas demarches da palavra


o poema
é fuga planejada
deixa-se da vida
para embarcar na palavra

porto semântico,
adernado no tempo,
o poema navega alvoroçado
os vincos do pensamento

e cai nas letras,
enquadrado,
habeas corpus verbal
do poeta e seus enfados

Geometria em lapsos


as retas
tem-se em curvas
na inconstância
de quem as usa

a geometria,
avulsa da vontade,
dilacera as prontidões
das urgências em que cabe

permanecer corrente na vida
é só uma curva de quem sabe

guardados do tempo declarado


e deixo-me assim,
em riso largo
de quem achou o futuro
em seus guardados
como um arranjo geral
de todos os abraços

a história é só a demora
de tê-lo assim abraçado

Histórico memento


a história
é um descuido
que os fatos espalham
pelo mundo

farta do tempo,
como uma relíquia,
entranha-se no cosmos
como enfeite da vida

e nas escaramuças do povo
a história sempre engravida

Infante enlace do medo


rasgando a noite,
bólide intruso,
a coruja tece os ares
sobre os ombros do muro

pousa em galhos
íntima de tudo
e solfeja mortífera
seu pálido discurso

o menino,
em rasante enredo,
sonhando apariçōes,
conta aos olhos o seu medo

Jornada


dou-me ao passado
como transeunte
que armazena no riso
os futuros que pude

dou-me ao presente
como navegante
que consome no riso
todos os meus antes

dou-me ao futuro
como intrometido
que teima a alegria
com as nuances do infinito

largas passadas em urbana jusante


assim atravessada
entre os edifícios
a rua pulsa em ondas
os ventos do comício

verbos em suores
uma grave massa
revolvem o passado
dos futuros da pátria

a nação humana goteja
todas as chuvas que caibam

Legislação em espécies e tramas


a lei,
deitada em letras,
entorna nos homens
uma ordem alheia

tudo que proclama,
em decibéis armados,
é uma clara continência
a todos os seus brados

a legalidade humana,
como uma lei avulsa,
promulga-se nos homens
como artigo da luta

Leitor em ritmo crescente


ler o mundo
livro contundente
é restar nas páginas
dos sonhos que se sente

cruzar conceitos,
montar sentimentos,
e cavalgar a vida
pelo tempo

ler o mundo
é inventar-se, sempre

Limites em conflagração bastante


não basta
tanger a vontade,
a prática
é o rumo da liberdade

não basta
o passado em desuso,
o presente é o curso
do futuro

não basta
só bastar-se,
é preciso inventar
os outros que se bastem 

Maternas configurações da saudade


bordada no tempo
como uma estrela
a mãe habita a memória
como uma centelha

o que lhe tange
é a compreensão do fato
de que apenas e tanto
restamos no mundo inexatos
na condição de sermos apenas
uma parte dela, aos pedaços

Negra percussão da vida


negro,
o país tramita,
entre o preconceito 
e a polícia

e as áfricas dormidas,
em suas costas,
constroem desejos
pelas portas

um dia chegarão escuros
nos ombros da revolta

Paisagem em faminta praça


triste, o pombo,
faminto na praça,
nem sonha a paz
em que lhe retratam

antes arrulha
uma fome exata
nos grãos que minguam
nas calçadas

o espírito santo, 
no cartaz estampado,
é só mais um pombo
que arrulha o passado.    

Procissão em transe


no andor, circunspecta,
a santa balançava
jogando pedaços de milagre
que a multidão adivinhava

a passeata transitava
tangendo as consciências,
afagando o peito de todos
em devidas providências

os santos assim viajantes
decretam-se pela ausência
e a vontade quase expressa
de permitir a obediência

Profanos misteres em sacros movimentos



um tanto sacro
engana-se profano
na resistência exata
aos ditames de homem

um tanto humano
arvora-se incauto
em desperdiçar-se no tempo
como um embrião exausto

ao homem cabe completar-se
das conveniências de seu ato

Rural declinação da camponesa lida


o camponês, 
plantado na vida,
navega o suor
em que habita

trator de si
dá-se à fantasia
de engravidar a terra
nos leirões da lida

e no roçado dos sonhos
inventa os campos da vida

Sintáticos estopins em verbos postos


as palavras
são estopins sintáticos
todas suas verves
nunca são o que declaram
mas a percepção adrede
dos ouvintes da fala

tê-las aconchegadas
a narcísicos aportes
basta em acordar
tudo que as explodem
o discurso é um repositório
dos estopins que se pode

Tambor em escala retórica


o tambor
é um coração renitente
esconde-se na lembrança
como um bordão urgente

pulsa trovōes
no vão da alma, em afagos,
como uma passeata real
de todos os passados

o tambor é um manifesto
de ancestrais incontrolados

Tecelagens em resgate resumido


a crise,
quando consumida,
sempre é uma resposta
dos trâmites da vida

guarda em seus flancos,
meio escondidas,
todas as vias e veias
em que se diz cumprida

a crise é só um recado
dos modos de tecer a vida

Temporal parcimônia


o dar-se à vida
requer parcimônia.
os infinitos do tempo
dão-se a quem sonha
guardadas as proporções
da onírica sanha

a vida é um tabuleiro
onde o tempo sempre ganha

Trajetos em escala própria


não haverá semáforos
nas esquinas da vida
a encruzilhada é a possibilidade
de avulsas alternativas 

tudo em que se caminha à paz
é de complexa partida
transcende o simples trajeto
de parecer-se incontida 

suster os fardos do rumo,
quantificar as investidas,
derramar o presente no futuro,
tudo é habitar-se sem medidas

Velha intervenção dos pruridos do tempo


no aparente avesso do espaço
o tempo da-se como lida
dos contratempos do mundo
em todas suas medidas

e ajuizado como valor
de decrescente subida
tem-se como infrator
dos prazeres que ainda habita

o tempo mora no homem
como um hóspede da vida
tudo que lhe lucra
é tê-lo como dívida

Verbos em silente e verbal jornada


o poema
nunca cala
seu silêncio
é alvoroço da alma

o poema
nunca grita
seus alaridos
imitam a vida

o poema é um astronauta
em órbita nas avenidas
à procura dos labirintos
que os verbos lhe permitam

viveres em unidade alheia


viver
é quase sempre
esquecer no outro
o que se sente

estar uno
dono de sonhos
é contar-se outro
como patrimônio

a unidade de mim
tem um quê de abandono

Ancestrais de mim em minudências


debulho meus ancestrais
em cada gesto
como um contínuo viver
de tantos séculos

e humanizo-me
a cada conclusão
de que sou partícula
da imensidão

o tempo reside em mim
em cada légua do meu chão

Berimbau em gestos


rouco,
o berimbau discursa
uma memória negra
dos desvãos da luta

o verbo sonoro
patina nas lembranças
todas as áfricas sentidas
em lampejos de esperança

o berimbau alinhava sonhos
nas entrelinhas da dança

Código em resumo presente


o código
é só um indício
da divisão dos homens
em artigos

cláusula imposta
por vontades mínimas
codifica a fome
nas entrelinhas

civil, nas alíneas dito,
militariza o tempo,
como um urbano ofício

Cósmico bailado


a bailarina
voando em vão
é um astronauta tardio
desenhando o chão

seu impulso cósmico
entornando o espaço
lança todos os olhos 
no colo de seus braços

a dançarina é um asteróide
flutuando em seus sapatos

Da coletiva noção do verbo


a poesia, súbita,
flutua o verbo
nas cachoeiras lúdicas
dos rios do cérebro

volátil, sólida e mágica,
deixa-se exata
em todas as ilações
em que é plástica

senti-la ação coletiva
é derramar-se nas palavras
e conduzi-las pelo tempo
sem o ego em que se lavra

Da constância humana do futuro


dou-me ao mundo
com a persistência inata
de procurar coletivos
nos escaninhos da alma

trazê-lo próximo
é um fazer exato
de quem procrastina
as heranças do passado

construir os andaimes do povo
é a consistência do futuro
porquanto dê-se ao tempo
a lógica humana de seu curso

Da genérica condição humana


minha marca
é ser genérico
nos sentimentos
em que me meço

dou-me à mim
quando todos
como um astronauta
em coletivo vôo

os voos da vida
são o meu esforço
em lançar-me no espaço
como um alvoroço

Da informação


a informação perscruta
e finge-se à tarefa
de delatar verdades 
em doses manifestas

parte inconsútil
como um escasso teorema
em que o fato nem importa
como raiz e problema

o sentido é a norma
de mantê-la irrestrita
em todos os quadrantes
em que se tem política

da paisagem como vida


a paisagem,
quando espreguiça,
deixa pelos olhos
o sumo da vida

a matéria
tem dessas lides
joga o tempo no espaço
e nos põe em cabides

a paisagem é um tempo
de esquecer as marquises

Da palestina contração da terrorista sanha



a bala, em terra alheia,
nave assassina,
mata o verbo, o sonho
e a gente palestina

o estado, terrorista,
apodrece no fuzis
todos os ardis,
a liberdade, a vida

o futuro ainda calcula
um justo resgate em sua vinda

Da vida em lato paradigma


o paradigma
é estar vivendo
com a vida

tê-la solta
num desvão dos sentidos
é vivê-la à meias
em todos seus indícios

a vida é o embrulho exato
dos infinitos exercidos

da vida em pauta compassada



se a vida atravessar
o compasso da vontade
e deixar-se reticente
pelas curvas da face
revolva-se o tempo
nos ombros da liberdade
construindo os futuros
em que ainda se cabe

o compasso da vida
tende a ser perdulário
nada como vivê-lo
com as notas que criarmos

Das africanas invençōes da vida


negra, aérea e plástica
a capoeira desenha
todas as Áfricas vividas
em que se contenha

desenhando seu corpo,
o capoeira, pássaro nato,
borda o desejo no tempo
nos ombros do espaço

a África inventa-se no mundo
como uma rosa perdulária

Das andanças latinas do futuro


no ventre farto
da América Latina
Martí convoca o tempo
em todas suas linhas
a convocar-se largo
nos campos e avenidas

Zumbi, taciturno,
vestido de Palmares
inventa os tiçōes
nas idéias da tarde

a rua ressoa fortemente
a constância dos caminhares

Das crônicas de mim


crônica de mim,
o poema exprime
todos os verbos
que me intimem

o enredo,
deixa-se estar em lavra
como um pássaro
voando nas palavras

o poema é uma jaula
onde sempre guardo a alma

Das intempéries mornas da vida


assim largado
nos vendavais que sigo
abraço a realidade
em todos seus sentidos

é que senti-la
com uma humana culpa
é trazê-la resolvida
nos futuros da luta

embrulhar-se na vida
é um jeito da disputa

Das ranhuras do grito e suas vias


esquecido na garganta
como grito
o verbo entristece
seu sentido

fazê-lo ressoar
é não dar-se ao crédito
de montá-lo como palavra
nos silêncios que meça

eis que cabe a todo homem
mostrar-se à paz de cada verbo

Destinos em verbos semeados


dos destinos que traço
na ponta da caneta
arrumo assim pelos verbos
que a emoçāo cometa

o verso é só aceno
debruçado na palavra
que tenta semear idéias
nos roçados da alma

a amplidão de seu plantar
é só um tempo de fala

do amor em construção


o amor, fundante,
dá-se como recorrente
quando a fábrica de si
habita larga os viventes

funda âncoras esvoaçantes
com ganas de astronauta
e inventa todos os cosmos
no colo imenso da alma

confundi-lo com a vida
é vivê-lo na intensa trama
de quem constrói a si
no peito de quem se ama

Do curso da refrega


renhida, em ondas,
a luta sempre entorna
o coração dos homens
no peito da revolta

ângulo intacto
dos olhos do futuro
alinhava-se como imensa
nas curvas do seu curso

ao homem basta apenas
afundar em si nesse mergulho

Do transcurso do amor em lances


o amor
tramado na alma
dá-se à recorrência
como uma chachoeira morna
das águas da consciência

e por ter-se embutido
nos desenhos dos fatos
deixa-se quase eterno
no tempo que desata

o amor é o exercício exato
de tudo em que se delata

Dos foguetes em sideral floresta


no espaço,
como uma flecha,
o foguete desenha
uma indígena gesta

na mata sideral
corta o infinito
como um pássaro
veloz e decidido

o homem alinhava o universo
nas razões a que se permite

Dos reais inversos da vida


a realidade
é um espelho avesso
tudo que a diz deserta
é só um contrasenso

é que no cérebro
a câmera que a enquadra
é só um colar dos desejos
que se tem na alma

nada do que a diz incerta
tem a ver com sua gesta

Elza em jornada


Elza tinha na voz
como uma revoada
vinte mil  pássaros
navegando suas asas

Elza tinha na bôca
um comício itinerante
no derramar-se humana
em palavras e cantos

Elza dormia sua negritude
em futuros acalantos 

Frevo em voo presumido


o frevo assim em comício,
entornado pela rua,
inventa alegre nos passos
um jeito inteiro de luta

e os bemóis alinhados
nas emoções que pontua
escrevem a pauta do povo
nos homens que flutuam

o frevo é um voo exato
do homem na sua lida
de escrever pelas pernas
as linhas todas da vida

Futuros em estado ambíguo


meu método
é sonhar o todo
e deixar-me lúdico
em cada fôlego

o futuro
assim cronometrado
é um beco esvoaçante
dos voos do passado

viver apenas o presente
é uma defasagem dos fatos

Gestação informe de modos


e como fora trazido
às pulsaçōes do fato
deu-se o homem a crescer
em todo seu estado

ao dar-se às pernas
para conduzi-lo
libertou as mãos
e todos seus artifícios

e desse engenhar-se, como costume,
nasceu essa avença com o infinito

Infantes reminiscências


o menino, 
ensimesmado,
via na lua 
um sol envergonhado 

a  intimidade do céu
em que a pipa voava
fazia do dia um espaço
a que se abraçava 

a noite deixava escura
as pipas de sua alma

Jornada temporal em escala lógica


as manhãs
nunca são baldias
sempre há um fato
nos ombros do dia

arrumá-los, aos solavancos,
nos degraus da memória
é só um jeito do povo
de espalhar-se na história

ao futuro cabe decretar-se
nos atalhos em que se mostra

Marinha com materna intrusão


os braços de minha mãe
eram um porto resumido
onde atracavam os navios
que fui quando menino

minha mãe, sorrindo,
nascente dos meus mares
tangia todo meu amor
com o imã dos olhares

eu deixei-me tanto pela vida
que ainda nado nesses mares

Materna reminiscência em saudade exata


minha mãe
tinha nos olhares
todas as águas
dos meus mares

à nado, 
nas ondas do seu jeito,
eu bebia seus olhos
como um pensamento

minha mãe inventava manhãs
que me enchiam de tempo

Matinal partida em onírica perda


travo a manhã
nos olhos insones,
no colo da noite
nos restos de sonho
e debruço o tempo, renitente,
no lastro dos ombros

a manhã, vadia e urgente,
enche de luz o enredo
da noite tangida impunemente
dos mares em que adormeço

Nordestina ilação do sonho


provisória,
a vida descamba
pela ladeira permanente
que a gente sonha

das filigranas,
desse arranjo do sempre,
o sonho aumenta
a força dos ventos

e o relógio onírico,
como instrumento,
inventa os ponteiros
para tanger o tempo

Onírica medição da vontade


o sonho,
debruçado na vontade
exige ter apenas
um quê na realidade

o trajeto onírico
é sempre vasto
sobram algumas léguas
das medidas de fato

construi-lo assim como tanto
é a exata proporção de ajustá-lo

Operária marcha do mundo


das mãos dos homens
largamente suadas
nascem até os sonhos
nos vãos da madrugada

usina humana concreta
adredemente construída
montam a realidade
em todas as medidas

parecem imensas cachoeiras
moldando as coisas da vida

Palavras em diversos fóruns


palavras são fuzis
pássaros engaiolados
habitantes difusas
das vontades

soltas, em termos,
no trânsito da fala
ressoam esvoaçantes
ou engatilhadas

viventes do verso, insolentes,
dão-se ao tudo e ao nada

Pequena introspecção voluntária



flagro
em atos
todos os desejos
em que me basto

aqueles que ainda perco
aqueles que somente acho

a estrada de tê-los
é fazê-los tantos e exatos
que me deixem vivê-los
nas réguas do que caibo

Quântico ritmo da vivência


algoritmo quântico,
a vida braveja
as certezas e incertezas
nas vias em que esteja

dizê-la farta, recorrente,
em sua trajetória
é fazê-la palco do tempo
dos atos e da história

a física exata da vida
é um programa enorme

Reportagem interna corporis


repórter da vida
a consciência publica
todas as culpas
em todas as notícias

em manchetes,
como um vendaval,
estampa pela face
letras garrafais

a leitura do tempo
é um recado a mais

Resenha corrente


a vida
sangra as horas
como uma descarga
na história

o tempo
sentido a desoras
argamassa o processo
de vida da memória

o fascismo apodrece
em todas as portas

Ritmada menção à vida


a cadência da vida
é descompasso
entre o tanto de mim
e as vezes que me falto

cantá-la em vagas
construindo o rumo
é como dar-se ao tempo
nos braços do mundo

a vida é só um contrato
com as cláusulas de tudo

Temporal ajuste em curso renitente


plural
o tempo acomoda
os espaços, os homens,
e todas suas horas
como uma sinergia complexa
de rompantes e demoras

ajeitá-lo em fatos
nos ombros da história
é percebê-lo curso
de toda sua lógica

Tempos em aritmética visagem


esse olhar derramado
nos ombros do horizonte
talvez divise o passado
ou um futuro tão longe
que esquece como presente
os agoras que tange

o barco da existência
navega um mar sem medidas
que tange desarrumados
os tempos todos da vida
navega-los a destempo
é esquecer suas medidas

Tempos em vagas


quando as tardes
dormirem as manhãs
e derramarem-se nas noites
como um tempo claro
tenham os homens a noção,
adredemente arquitetada,
de que as horas teimam o mundo
nos coletivos que declara
nada será uno e tanto
sem a luta que se trava

Umbanda em noite gritante



na gira, aos pulos,
o tambor discursa
a métrica urgente
das rimas e das lutas

ilus, em rompante,
inventam energia
na dança das pernas
rodeando a vida

a noite, andante, testemunha
a anunciação intensa do dia

Varrendo saudades


varrer as saudades
nas costas do futuro
talvez seja a hipótese
de traze-las em curso
e derramá-las cogentes
pela permanência do uso

construir saudades
é só um recurso
de prevenir a razão
das constäncias da luta
e pousa-la grávida
nos futuros em disputa

Verdade em relativa prosa


a verdade
é uma dúvida itinerante
solta-se ao depois
com as faces de antes

tê-la intacta
pelos tempos
é não cabê-la relativa
nesse transcurso intenso
o absoluto não é indumentária
que caiba em qualquer sentença

Virtual memória em páginas avulsas


o processo,
jazia em termos
nos bytes que consumia
em seu enredo

o homem virtual,
em configurado discurso,
embaralhava  na tela
presumíveis futuros

ao juiz restava a saudade
do debulhar as páginas 
como quem afaga no direito
os critérios da alma

Caminhares em íntima jornada


dos passos que trago
escondidos na vontade
ressoam as caminhadas
dos desejos da alma

retirantes, palmilham
itinerários exatos
de todos os artifícios
postos na vontade

e nos caminhos da prática,
como pássaros baldios,
abraçam portas da liberdade

Correntes do tempo


a curva das horas
montadas nos ponteiros
ressoa pela ânsia
de ver-se timoneiro
e dirigir esses mares
das profundezas do peito

a vontade, marinheira,
destaca todos os navios
atracados na certeza
de que lança-los no mundo,
como um ato coletivo,
é a melhor correnteza.

Da arte em ritmos da história


sobraçando a arte
o homem cogita
de por-se alheio
aos ritmos da vida

sobe-lhe a ânsia
de sentir-se único
e deixar-se lúdico
construindo o novo

a arte, sorrateira,
é só um retrato
da construção de todos

Das antecedências do amanhã


o amanhã, tardio
na verdade
vive embrulhado
na nossa vontade

semea-lo aos saltos
pelo tempo
é compreende-lo militante
do sentimento

o amanhã é só um jeito
de guardar o futuro no pensamento

Das remessas de mim ao mundo


trafego
entre mim e o ego
tudo que esqueço
pelas curvas do mêdo

intacto,
quase convicto
dou-me à memória
de resolver os instintos

e enfim recolho-me inato
para afagar o que sinto

Dia da poesia em rápido transe


a poesia
solta pelo dia
pousa nos verbos
que dizia

palavras 
em gestos esvoaçantes
transitam emoções
poetas e significantes

o verbo
tenso e perdulário
nem se apercebe
do calendário

Do amor em aval construído


nada
do que antes seja tarde
será depois do tempo
em que se arde

o amor urgente
é só a chave
da construção maior
de todo seu alarde

a argamassa do afeto
dá-se sempre ao compasso
das esculturas que a vida
constrói em seus abraços

Do estado servil dos homens


a política, em tudo,
quase explicita
todos os vincos
postos da vida

forja-se estado
em poder e destino
como se fora regra
de homens e instintos

dá-la às razões coletivas
lutadas pela constância
é só uma nesga do futuro
com alguma certeza da esperança

Do futuro como ato


no avarandado da alma
nos largos da lembrança
o homem sonha o futuro
deitado na esperança

os terraços do tempo
dão-se a um caminhar militante
quando os corredores do corpo
constroem avulsos instantes

conjugar-se aos tempos
é um espalhar-se constante

Do futuro em ritmo obrigatório


nada do futuro
deixará de sê-lo
apesar das mortes
apesar do medo
tudo que é vindouro
amanha um segredo:
a consistência do tempo
supera qualquer enredo
os espaços que ocupa
encampam o tarde e o cedo
e todas as intempéries
que pretendam interrompe-lo

Do infante exercício onírico


adormecida
a menina sonhava
e deixava cair, aos pedaços,
o sonho pela casa
de seus olhos, entreabertos,
brotava um onírico manifesto

dos risos que construía
entre o sono e a vigília
transbordava pelo rosto
a plenitude da vida

do menino e dos trens em saga


o trem,
num passo lúdico,
pisava os trilhos
como um discurso

pela janela,
balançando a vida,
a natureza embalava
todas as retinas

o trem era um carrossel
despejado em suas linhas

Do retórico medo da alma


meus medos,
assim rompidos,
deixam-me humano
corrente e vivido

te-los guardados
nos desvãos da fala
esconde os comícios
que se tem na alma

tanger o medo nas ruas
é um dever da palavra

Do trânsito em corrente medida


no trânsito, engarrafado,
do tempo e da vida
restam as léguas de si
e os metros das investidas

dizê-lo corrente
em conforme discurso
é traze-lo controlado
nas rédeas do uso

o trânsito da vida
é uma avenida do futuro

dos encômios do futuro em nação corrente


em cada abraço
haverá a certeza
de que a paz inteira
abraça a natureza

em cada homem
haverá a medida
da nação humana
construindo a vida

e nos ombros do tempo
pousará uma nave infinita

Florestais reincidências em contínua vazão


a mata
grávida de tanto
aborta aos poucos
gritos de carbono

indigena,
o tempo regurgita,
nos ombros das árvores,
folhas, mercúrio e notícias

em cada desvão do mundo
o crime desaba a vida

Frevo em demandas e vias


o frevo escorrendo
no peito da avenida
é cordilheira de alvoroço
nas correntezas da vida

é assim um absurdo
desenhado nos sentidos
de quem calcula no passo
os limites do infinito

o frevo esquece nas ruas
os sonhos que consiga

Genuflexão em termos


ajoelhado
em suas culpas
o homem arquiteta
todas as desculpas

a divina idéia
pousa em seus verbos
como um pássaro fugitivo
de todos os infernos

a providência do tempo
é uma vontade absurda
de fazer das preces
um arremedo da luta

Individual senda de todos


minha intimidade
é andar coletivo pela tarde
e fazer-me único
nos ombros da vontade

nada de mim
ressoa uno e plástico
sem as multidões
em que me acho

a cada um resta sentir
o outro em que se cabe

Legislatura informe do futuro


quando o futuro
deitar no tempo
lavre-se o termo
de livramento

o povo que o construa
decrete seu destempo
e de-lhe o timão
dos cursos do presente

revoguem-se todos os passados
em que se houve como ausente

Lunática intenção dos tempos


a lua, magra,
parece um laço
pintado no céu
como um recado

nas aventuras que o tempo
traz no seu regaço:
as dos sonhos dos homens
pelos céus declarados

os que sejam minguantes
os que encham o espaço

Moncada em vazão constante


Moncada, rebelde,
apenas lava
as costas da liberdade
dentro da alma

nas ilhas do tempo
como uma garça
a honra humana voa
em todas as praças

Moncada apenas dorme
nos ombros de quem marcha

Paisagem matutina


e do azul desse céu
que enquadra os edifícios
é já de ver-se a manhã
que sorri pelos sentidos
como se ao homem coubesse
inventar o infinito

Poema de Circunstância VIII


no semáforo vermelho
como uma manchete
a menina estampa na face
a fome que lhe resta

debruçada na tristeza
que publica pelos pulsos
deixa-se estar inteira
nos pedaços de seu susto

e a vida ainda assim viceja
em pedaços do futuro

Reflexos em murais urgentes


na parede
como um diagrama
o menino arquiteta
todas as sombras

à contraluz
a alma empina
todas as pipas
como andorinhas

o menino e as sombras
em perspectiva
inventam pássaros e sonhos
nas paredes da vida

Utópica feição do futuro tempo


utopia, na verdade,
é só o nome do futuro
quando ainda cedo
estamos derrubando muros

trazê-lo utópico
é só um disfarce
de quem credita à história
a consistência dos atos

o futuro é ainda jovem
apesar dos anos que enlace

Verbos em esvoaçante trama


no peito dos homens
dorme a cláusula:
todos os verbos
tramitam na alma

no grito dos homens
viajam avulsos
todos os futuros
que voam no discurso

pássaras serão as palavras
voadas no exato curso
de quem veste o tempo
sem a dívida do seu custo

.Militante vaga em certidão


que no cartório do tempo
certifique-se a razão
de ter assim compassados
os passos em sua ação
como um papel passado
em exata certidão
e entorne as horas no peito
na luta em prontidão
para inventar a história
nas curvas do coração
abrace sorrindo o povo
com a certeza nas mãos

Afazeres egóicos em lances


o ego
é um descompasso
entre o público
e o privado

tudo que navega
é um mar revolto
e a estranha mania
de dizer-se em alvoroço

transitar as regras do mundo
nessas ondas do tempo,
no trajeto intenso da vida,
é arrumar-se por dentro.

Da chuva em largada euforia


a chuva molhava os sonhos
nas ruas, em enxurradas
e derramava sorrisos
espalhados pelas calçadas

os meninos dançavam
os bailados da infância
e jogavam pelos ares
punhados de esperança

a felicidade apenas tangia
os compassos dessa dança

Da construção vivente


a vida não está posta
como se fora um guia
em que o autor esquece
os passos de sua via

antes, convergente,
dada ao coletivo,
dá-se como instrumento
de construir-se consigo

a vida é um diagrama exato
das teimosias do infinito

Das instâncias da vida na vontade


as vidas que guardo
no bolso da camisa
deixam-me autor
das esperanças que consiga

esse enganar-me
de prover-me vivo
talvez seja resultado
de estar sempre comigo

a vida é um trânsito informe
da vontade de ser vivo

Dos assombros da luz em filigrana


a sombra
assombra
e assoma
a soma
das formas
que sonha
como invólucro
e som
da sanha
de tornar desenho
o que conta
a sombra é um enredo
em que a luz discursa
os comícios de si
das coisas que usa

Dos infantes saltos em pluvial disputa


do alto da ponte
como um bólide humano
o menino abraça o rio
desfazendo horizontes

a infância, recatada,
drapeja aventuras
na afoita resistência
da necessidade da disputa

o rio era só o lençol
que cobria nossa luta

Eternas passagens


dar-se ao tempo
como astronauta
navegar os cosmos
dos sonhos e das falas

transitar as horas
como infinitas
e deixar-se eterno
nos tempos que consiga

ao homem cabe viver
mais que a própria vida

Junguiana pretensão


Jung, pensativo,
tramava ancestres
com a firme convicção
de suas messes

seu livro,
atirado no juízo,
desmontava o moderno
em que me tive

Jung inventou-me antecedente
das vidas em que estive

Manhã em larga distopia


no raso da manhã,
ainda assim escondido,
o sol tenta tanger
uns pedaços do infinito

acorda no passarinho
um tempo de harmonia
no discursar seus bemóis
nos ombros largos do dia

e nas calçadas,
embrulhados na fome,
o vento tange a tristeza
pelos olhos dos homens

Novamente a bailarina em passos recorrentes


a bailarina
é passeata displicente
tudo de seus passos
tem um quê de transparente
até assim quando voa
pelos olhos da gente

a bailarina é militante
de tudo que se sente

Ode à Pedra do Rodeadouro


a pedra, em silhueta,
como um encontro
joga nos olhos
o tempo e os sonhos

finge um horizonte
com o exato desalinho
das árvores que teimam
em deixá-la fingindo

a pedra é, sobretudo,
um tempo dormindo

Verso em meias medidas


o verbo
dói o verso
na frase súbita
do inverso
daquilo que a palavra
é um fato desconexo
da simplicidade da fala
da cumplicidade do universo

o infinito ainda cabe
assim contrito
nos tons que o verbo
leva consigo

Vivência em desatado prumo


o verdadeiro estratagema
é sentir o que se pensa
deitando o verbo no fato
nos rios da consciência
e desembocar no tempo
como uma hora indivisa
que junta todos a tudo
nos cobertores da vida

25 de Maio em África posta


a África
entorna o mundo
nas veias de todos
nas vias de tudo
ressoa contundente
na pele conclusa
de todos os filhos
embrenhados na luta
a África, enfim,
é o humano rito
de conjugar o tempo
com as léguas do infinito

Da infância fluvial em saltos


nas curvas do rio,
como um bailado,
as águas traziam mansa
a natureza nos braços

da ponte, aos saltos,
os meninos incontidos
lançavam-se foguetes
no colo morno do rio

a vida era uma armadilha
montada no desafio
da felicidade que havia
escondida pelo rio

Da pátria grande desmedida


as pátrias
são enredos soltos
da universal conjugação
da terra lúdica de todos

vivê-la em construção
é argamassa coletiva
de quem se joga no tempo
sem quaisquer medidas

a pátria grande de todos
é a verdadeira construção da vida

Desejos em parcelas


parcelo-me à vista
quando dou-me inteiro
a todos os desejos
em que me avisto

é que a fração
do que eu insisto
deixa-se plena
dos meus sentidos

o desejo é um andaime
dos nossos infinitos

Ditos do poema como intento


montada no verso
a palavra cogita
num jeito de verbo
tricotar a vida
trazê-la lúdica
pelo vão do mundo
debruça oficinas
nas dúvidas de tudo
pertinaz e combatente
ressoa no múltiplo veredito
que o poema celebra
nas brechas do seu dito

Do genérico eu em marcha


saio de mim
tão de repente
que me perco no outro
nos meandros de gente

e nessa fuga,
em rios de largo vau
a vida flui coletiva
como um vendaval

perder-se, assim, no próximo
é achar-se humano, quase total

Lua de esturjão


a lua de esturjão
tramita indolente
como se fora um desejo
nos olhos da gente

boiando clara no espaço
fugindo dos seus ritos
parece dar-se aos olhos
como um enfeite do infinito

a lua de esturjão
é um caviar dos sentidos

Pássaro do tempo em larga passada


dar-me a voar
como um pássaro coletivo
e navegar os ares
em que me  lanço ao riso

estraçalhar gaiolas
com as asas do tempo
e a larga compreensão
de cada sentimento

flutuar em mim, com todos,
na cama leve dos ventos

Do Galo em concerto


o Galo da Madrugada
enche a rua de tanto
que o povo engole a vida
com o frevo na garganta

e os bemóis traduzidos
escritos, nos pés, na dança,
escrevem o peito do povo
nas partituras da esperança

o mundo caminha a pauta
das claves que o homem planta