Carlos_Gildemar_Pontes

A ARANHA E O POETA


A aranha tece a teia
Eu o poema
Há milênios fazendo-a perfeita
Eu aprendendo
Todos os pequenos bichos se
enredam no poema-ceia
Só rato, barata, cupim, traça(m) minha teia
A aranha mata a fome na rede
Meu poema tem a fome fiada nos milênios
Diferenças à parte,
a aranha não suporta minha indisciplina.

VENCEDOR do I CONCURSO NACIONAL DE POESIA AUDIFAX DE AMORIM, 2005, promovido pela Prefeitura de Colatina - Espírito Santo - Brasil

A PALAVRA É SER FELIZ


Carrego sementes de palavras
levo um sol aqui
uma noite ali
arranco um passado
e planto um esquecimento
para não ver mais brotar a dor.
Dentro do bolso levo
sementes de trocados
documentos inúteis
e chaves que não abrem portas.
Hoje vi renascer uma palavra antiga
cheia de encantos, alegrias, bondades
surgiu como um broto abrindo-se em flor
depois foi dormir trancada em silêncios.
Quero plantar uma floresta de palavras
todas iguais, que não tenham amargura
inveja, tristeza. Vou dizê-la todo dia.
Não me importam os reinos
a palavra é ser feliz.

A TARDE CAI


A tarde cai como areia
Do alto da duna incendeia
O sol em lentas imagens

A tarde cai como pedra
No meio das engrenagens
Do trem que vem do futuro

A tarde cai como uma virgem
Pálida e desesperada
Com medo da madrugada

A tarde cai como pássaro
Ensanguentando a cidade
Nas ruas do infinito

A tarde cai como Vera
No chão, no mar, no colchão
Mascando pedaços de lua

A tarde cai, mas levanta
E passa a noite acordada
Marcando o raiar do dia

A tarde cai como manga
Doce amarela silenciosa
No ruge ruge dos pássaros

A tarde cai como a tarde
Do alto do edifício
Na porta do restaurante

A tarde cai como água
Que escorre e volta pra terra
No leito das moças que sonham.

A ÁRVORE SOLITÁRIA


A árvore solitária na beira da estrada

Passa seu tempo contando os carros

Os caminhões, os ônibus, as motos

Olhei para ela nessa vida de solitário

E vi que só ela dava sombra

Em meio a tanto deserto

Pensei nela ali na estrada

Empoeirada, empoleirada de ninhos secos

Pensei nela um dia semente

Brotando da terra depois de uma chuva

Olhei para ela pelo retrovisor

E vi que sumia, pequenina, solitária

Como a vida que segue sem propósitos.

O QUE TU PRECISAS PARA RESPEITAR AS MULHERES?


Eu não preciso ser feminista para respeitar as mulheres. Eu preciso amá-las como seres iguais a mim. Amo mães, filhas, parentes, amigas e desconhecidas. Sou enfeitiçado quando vejo uma mulher grávida e até oro, da minha forma, para que germine ali uma criança feliz. Conheci mulheres que nunca se apequenaram diante das injustiças, da opressão e da dor. A maior delas foi minha mãe, de quem herdei a luta e a labuta.
Quando leio diariamente sobre feminicídio, em todo o Brasil, percebo que a nossa sociedade está doente, em agonia. Não falta apenas Amor, falta Educação que gera respeito e ensina que até para amar a gente precisa antes, ser civilizado.
Miserável uma sociedade que sacrifica pobres, negros, mulheres, lgbts, indígenas para favorecer uma pequena fatia da sociedade.
Eu não preciso ser feminista para respeitar as mulheres. Eu preciso ser civilizado e educado numa concepção de respeito, igualdade e amor ao próximo, bem diferente das religiões de fachada e das pregações dos farsantes religiosos e dos políticos covardes.
Se não amarmos as mulheres pelo que sugerem todos os códigos de conduta, vamos destruir o que somos nos seres que carregam uma usina divina, capaz de gerar vida.

EXISTE UM MUNDO FORA DA INTERNET


O melhor mesmo seria perguntar se existe um mundo fora da internet. Parece que, se existe, está agonizando. Estamos lentamente (uma imensidão de gente) transferindo nossos afetos para as redes sociais. E quando um afeto se transforma em autoimagem, que afasta a pessoa do real, o mundo real vai ficando opaco. Cada vez mais o ego precisa de curtidas, compartilhamentos, comentários. Esse acúmulo de empatia em estado de aparência nos faz cair na ilusão de uma vida sem riscos de atropelos, assaltos, tragédias, porque o nosso santo cantinho diante do computador ou do celular nos dá a segurança de uma existência de sorrisos.
Paralelemente, o mundo real segue com seus sistemas de controle cada vez mais aperfeiçoados. A luta de classes ficou mais sofisticada, pode promover a aparência da igualdade quando eu posso postar da mesma forma que o presidente pode também. E eu posso rebatê-lo, posso esbravejar e criar meu protesto ou simplesmente replicar o protesto de alguém. Essa malha ilusória que nos faz pensar em igualdade é uma armadilha para ir, aos poucos, determinando nosso lugar no espaço dessa luta por audiência virtual. Quem detém o poder e está no controle de tudo sabe que o mundo fora da internet é para quem é livre e autossuficiente. Os zumbis das redes sociais precisam de doses cada vez maiores de sensacionalismo para estimularem sua integração com a virtualidade. O espetáculo, enfim, atingiu a humanidade, como preconizou Guy Debord.
A mim, me parece, que posso viver sem essa transferência pacífica e servil para o mundo virtual. Posso controlar meus neurônios e barrar o alojamento do chip cerebral que se alimentará das aparências.
Ainda gosto de lembrar e sentir o cheiro das pessoas. De sentir o pelo arrepiado. De esperar e trocar longos abraços por outros longos abraços. Olhar para fora de mim e ver que não tem uma tela pequena ou grande manipulando meus dedos e meu tempo. George Orwell já havia me alertado que o grande irmão estava de olho em nós. E Huxley previu até que passaríamos por um tipo de controle como seria o código de barras. Esses são meus companheiros de mundo real. Senhores sem idade que romperam o tempo para me dar mais créditos para viver a realidade.
Não quero me tornar um agente Smith, a serviço da Matrix, muito menos amanhecer transformado num inseto, como advertiu meu amigo Kafka. Quero cultivar minhas idiossincrasias e remendar meus erros na beira da praia, num efêmero castelo de areia. Afinal, se não fosse a onda que brinca de arrastar e devolver nossos sonhos ao mar, por que eu faria castelos para me tornar prisioneiro deles?
Minha memória me fez sorrir. Trouxe-me os cheiros e os abraços que perdi. Há nuvens no céu, livros sobre a mesa. Au revoir!

O TEMPO E AS SOBRAS


Não posso defender a desconstrução do que está em crise se vivo me remendando para viver uma aparência. O encontro comigo mesmo é um desafio e o que fazemos de nós é uma escolha. Vivemos fazendo concessões que depois custarão caro na nossa velhice. Não teremos como reaver o tempo. Só amargar as sobras.

EM MEU PEITO ARDE UM VULCÃO


Em meu peito arde um vulcão
sem medo de encantar o coração.
Alguns, trazem um relógio no peito
marcando o tempo num tic-tac sem noção.
No fim de tudo
o tempo marcará nossa passagem.
Seremos cinzas!
Mas eu fui lava, sonho, paixão!

A MÃE DE DEUS


A mãe de Deus está de olho em tudo.
Até em Deus, que sacrificou seu neto por nós.
A Mãe de Deus é tão legal
que eu estou pedindo a ela
para afastar Nibiru só um tiquinho.
Pode levar a lua e aquele povaréu do universo
que fica pra lá e pra cá, lá na lua,
e não ajuda a gente a se livrar do egoísmo.

A GRANDEZA DO INSTANTE


se tudo em nossa vida dura pouco,
o instante é um piscar de olhos!
Ser criança e, pulo depois, a velhice.
Para que guardamos dores
a desfolhar os horrores das lembranças vazias?
Se há sorrisos, abraços, amores
Por que não guardamos só o prazer
do divino instante?
Tantas maravilhas que a alma nega,
pois foi cega na ganância da posse.
Eu não serei eu mesmo amanhã.
Sou o que fui
no divino instante em que amei a vida.