arrasto comigo uma sede
de cenas que não vivi
de barcos que já partiram
de peles que não senti
arrasto uma linha pendendo
pras bandas do fim do mundo
que escorre a cada segundo
nas brechas por onde adentro
e levo dois milhões de olhares
mil bocas que não beijei
imagens que guardo lá dentro
e um rastro que não deixei
(Celso Mendes)
é a falta e a lacuna quem cria
(Paul Valéry)
é para agasalhar ausências que teço este poema
fantasmas não dormem
anseios me esperam
o que urge além do lábio e da palavra
é o mesmo que me trinca o esmalte dos dentes
vindo da lacuna que ocorre no rastro do voo
de cada pássaro que ousei ser
neste não sentir talhado nos ossos
feito rios secos a riscar-me a pele
álveos calcinados
onde escorrem congelados
a doçura e a tortura
de vozes e olhares idos ou perseguidos
dentro de um pretérito que me bate à cara
ou em um porvir que se me escancara
é para agasalhar ausências que teço este poema
de vazios e de abstinências
e me permito à lagrima
tanto quanto ao riso
(Celso Mendes)