fernandarochamesquita

Lágrimas



Gotinhas húmidas e transparentes
queimam o meu rosto cansado!
Mas não são lume!
São lágrimas fortes e quentes,
são um grito silenciado
num silencioso queixume.
São um livro fechado
tão quase depois de o abrir,
são o poema inacabado
que a meio quis partir.
E nessa lágrima transparente,
nesse silencioso queixume,
morreu o sorriso inocente
numa gotinha quente
que queima sem ser lume!
 
Fernanda R-Mesquita

Dos teus dedos nasciam poemas



Tu não sabias escrever, nem ler
mas dos teus dedos nasciam poemas
quando trazias o vento ao moinho de cana
que fazias para mim,
quando do balouço que penduravas debaixo de um pinheiro
me empurravas até eu alcançar o sol,
quando me ensinavas a utilidade dos rios
enquanto regavas as hortas que cultivavas,
quando trauteavas cânticos do povo
enquanto o teu suor amaciava o atilho com que
apertavas o molho de trigo,
quando a minha pequena figura embevecida
te via colher a uva, e me davas a provar
ensinando-me que aquele fruto era sinal
da obediência da cepa à natureza,
quando descias ao meu tamanho
e traquinas, nos ajustávamos aos intervalos
dos galhos esguios das árvores
para espreitar o ninho de alguma ave...
Depois pé ante pé, engolíamos o riso
para o soltar mais à frente
e oferecer o eco das nossas gargalhadas
às serras que abraçavam o nosso mundo.

Fernanda R-Mesquita

Instante fugaz


E porque a hora é cansaço;
o passo é pensativo
e a estrada é lenta.
A natureza num sublime saber
dedilha nas cordas do vento
secando o suor e acalmando as veias
do homem e do animal,
que em silêncio
e de passo pensativo
pela estrada lenta
vivem
os detalhes do retorno ao lar
como quem agarra a vida
na hora do descanso...
É o instante fugaz
entre a labuta cumprida
e a que ainda está por cumprir.

Fernanda R-Mesquita

pintado a acrílico
( pintado a acrílico )

Vestígios




Sinto na tua camisa lavada,
neste tecido que abraço
a tua pele marcada,
do teu corpo que adormeceu
vencido pelo cansaço,
descansando sobre o meu.
Lanço o olhar àquela hora
em que o teu respirar se perdeu
no meu peito que agora
respira triste sem o teu.
E sobre este tecido que aperto
cai uma lágrima cansada
como um grito que cai certo
na tua camisa lavada!

Fernanda R-Mesquita

Rosa fria- I



A boca que outrora o amor apregoava
passou de um aparente belo botão de rosa
a uma agressiva e malquista rosa brava
mostrando-se manipuladora e mentirosa.

Reencarnou a velha e desconfortante teimosia
possuída por um apetite voraz por discutir
maltratando com a boca, outrora doce, agora fria
o amor que ao mundo, apregoava sentir.

Mas e do outro lado, quem existia?
Silencioso, cabisbaixo o que sentia?
Quem se deixava atingir por tanto furor?

Alguém que pensou que amar
é deixar-se atingir, é deixar-se usar
por uma rosa brava que desconhece o amor!

Fernanda R-Mesquita

Antes de amanhecer


Na penumbra da casa, olho a rua iluminada
por luzes paradas, iluminando o incerto.
Serena, vive a lua lá no alto descansada
num céu, que parece viver de peito aberto.

Sou na noite uma sombra acordada
com tantas léguas de caminho a percorrer,
cansada de pensar, sento-me na madrugada
dando-me à liberdade de ver o dia nascer.

Sobre a terra quieta descansa o luar
usufruindo do tempo que tem para embalar
as estrelas que dançam no lago, tão belas,

até ao acordar das aves, que ao nascer do dia,
baterão as asas, cantarão alegria
como se o mundo fosse apenas delas!


Fernanda R-Mesquita

A boneca de Nazaré


Fui um dia em pequenina
toda contente passear,
era então uma menina
feliz por ir ver o mar.

Parti alegre numa excursão,
pensando que ia pelo mundo afora
não era assim tão longe...
mas isso, só o sei agora.

Ao meio do dia cheguei
com as pessoas da minha aldeia,
a uma terra que me pareceu diferente,
com muitos barcos oscilando no mar
e a praia cheia de mulheres de ar diligente.

Pareciam bonecas com sete saias,
muitas rendas, um avental e chinelo no pé
rostos rosados desfilando pelas praias
de lenços coloridos; eram as mulheres de Nazaré.

Sorri encantada ao olhar
tantas bonecas havia a vender
iguais às mulheres a valer
e tanto desejei uma comprar...
Mas para tristeza minha
a minha querida avozinha
disse:- não, não pode ser!

E porque queria tanto
não aceitei o não
e apenas por essa razão
recordo que perdi
o resto do passeio.
Fiz birra, bati o pé
tanta coisa bonita não vi
apenas por não conseguir ter
a boneca de Nazaré!

Fernanda R-Mesquita
🌼

O desconhecido



Um desconhecido com algo em comum;
procurar o instante da solidão
encontrar o momento superior do tão longe
ainda que a poucos metros
viva a gigantesca sociedade,
a aparente área vencedora

O desconhecido passa e por um instante,
apenas por um instante, o som
dos nossos passos misturam-se
Tudo o resto é o universo, sem precisar do homem

Fernanda R-Mesquita

Viagem mágica



O sol parecia um girassol que cansado
de viver na terra fugira para o céu,
as nuvens pareciam bordadas de dourado
pelo sol que parecia um girassol.
 
O burrinho atento ao caminho
subia o trilho de pedra e terra,
balançando as cangalhas devagarinho
subindo o trilho de pedra até ao cimo da serra.
 
O meu braço como um galho meio bambo
caía das  cangalhas que balançavam devagarinho,
sentia o beijo das ervas que beijadas pelas libelinhas
ondulavam fazendo vénia ao burrinho.
 
Pendurando a cabeça, quase fazendo o pino
via o mundo ao contrário, até a D. Josefina
no seu xaile preto dobrado em triângulo, benzendo-se dizia:
- Cruz credo, Sr. Francisco, olhe a sua menina!
 
O burro de orelhas grandes e crina pequena,
deitava de soslaio um olhar vivaço zurrando
para o cão da D.Josefina, que na tarde amena
ladrava ao cordeiro que lhe respondia  balindo.
 
Horas depois descendo a serra ao teu lado
de mãos dadas, ouvia-te cantar,
enquanto guiavas o burrinho de lenha carregado,
sobre as cangalhas que balançavam devagar.
 
Na água do rio que corria tão fresquinha
alimentando os caniços de vestido verde folhudo
reflectia-se a imagem de uma menina
e a de um deus com poder para tudo.


Fernanda R. Mesquita

Palavras que devastam


O que pode devastar um sentimento,
não são apenas as palavras alteradas,
as que gritam, mas também as que no tempo
caem no silêncio e no silêncio... ficam guardadas!

São as que em formas de lágrimas vão correndo
disfarçadas, as que resvalam sufocadas,
as que agonizam em solidão, as que vão morrendo
de medo e apatia, num canto estranguladas.

São as que os silêncios compreendem,
as que os silêncios guardam e leem,
porque ninguém as ouve ou poucos entendem,
que tanto existe, para além daquilo que veem!

Fernanda R-Mesquita

Mil e um, mil e um, mil e um...




Dentro de cada um de nós
há um passarinho pronto a voar.
Temos mil e um, mil e um, mil e um....
Eu ouço asas batendo alegria,
tristeza, desapontamento,
lágrimas, sorrisos, amor...
Que festa! É o hino da liberdade
no paraíso da poesia,
nas asas dos poetas que batem
mil e uma vez, mil e uma vez, mil e uma vez...

Fernanda R-Mesquita

Perfeito sentido




Uma sábia pomba que o seu voo para
para na tua mão alegremente pousar
como se pousasse numa árvore rara
onde uma rara luz espera o despertar.

Orientada por um perfeito sentido
atraída pelo que ninguém vê, pousa
no ser, que ainda num mundo dividido
desconhece que nela vive... repousa
uma sábia pomba.

Momento banal, há-de alguém achar
mas é o universo a querer mostrar
a luz incansável que ao teu lado caminha.
Ainda que tristezas te toquem o coração
dentro de ti mora a pomba que se aninha
igual à que se aninhou na tua mão;
uma sábia pomba

Fernanda R-Mesquita

Um rondó

Nascer para voar



O céu sorriu
o sol brilhou
a primavera se abriu
e o passarinho cantou.

Com a arte do amor
dos ramos fez um ninho
aconchegou-o no seu calor
com o seu corpo de passarinho.

No ninho guardou o ovo
com um canto de embalar
onde um pássaro novo
nasceu para voar...

Fernanda R. Mesquita

No livro A barca dos sentidos- 2013

Conhecer para vencer




Ao vestir o dia de hoje,
desenhei
uma nova estrada,
entrei na minha alma,
projectei
uma nova caminhada!
Olhei,
senti,
decidi
das lágrimas me despir,
da tristeza me despedir!
Abandonei
o meu passo,
atento e desconfiado.
Abandonei a vigília
de animal cauteloso,
que caminha em território
desconhecido e perigoso!
Cumprimentei a dor,
cantou-me poemas seus,
vivi a sua cor.
Compreendi o seu texto,
assinei o contrato da paz.
Caminhei em frente
sem olhar para trás!
à dor...
escrevi o adeus!

Fernanda R-Mesquita

O botão de rosa amarelo


Abriu o botão de rosa, é amarelo!
Oferece-se cheio de graça
à ave que pousou para vê-lo
e à lebre, que todos os dias aqui passa.

Eu olho o botão de rosa meio perdida;
como uma pequena roseira sozinha,
pode ser tão grande, dar vida,
num vaso de barro com terra já velhinha?

Prendo o olhar e vejo
um raio quente, parece um beijo...
é a luz do sol desfiando amor!

A rosa sorri, dançando ao vento,
mostrando contentamento
por ter do sol, a mesma cor!

Fernanda R-Mesquita

Assobios felizes ao amanhecer




Uma coruja vigia,
folhas secas estalam
sob umas botas ainda frias
de um ser madrugador
que num ritual tranquilo
lança um assobio libertador.

O vento devagarinho
lança à árvore o rumor
que pelo caminho
há um camponês madrugador,
que entoa com prazer
assobios felizes ao amanhecer.

O camponês com a sua mão
retira migalhas de pão
do bolso remendado
do sobretudo usado,
e oferece ao passarinho
que se espreguiça no ninho
pipilando com alegria
ao homem que assobia.

Numa janela quadrada
uma nuvem dança encantada
à criança que de ouvido sonolento
escuta o vento
que prolonga com prazer
os felizes assobios do avô ao amanhecer...

🌼
Fernanda R-Mesquita
ao meu avô que encheu a minha infância de histórias
no livro Janelas


imagem pintura de Ludwig Munthe

Na textura da noite


Na textura da noite
o piar melancólico de uma coruja
inspira o poeta
a tocar os sonhos
com as pontas dos dedos.
Ao longe
ouço o piar melancólico de uma coruja;
na mesa, o papel converte-se a pio
e eu a ave noturna.

Fernanda R-Mesquita
🌺

A tarde ternamente preguiçosa




A tarde ternamente preguiçosa
adormece sob o manto suave do lusco-fusco,
fecha os olhos e abre a alma às histórias
que a voz do anoitecer, em imagens brandas, vai contando...

E a tarde ternamente preguiçosa,
adormecida
vai ouvindo, cheirando, saboreando
a liberdade em que se funde todo o universo.

Eu sinto-me frescura verde sem idade
espalhando-me alma sem corpo
virgem leitor de um mundo que se oferece cheio de tempo.

🌼
Fernanda R-Mesquita

Quase nada


  
A quase nada é ao que reduzes
o que tenho para te dar,
porque também quase nada,
é como me fazes sentir
quando fico de olhar vago
mas ouvido atento,
escutando os teus grandes méritos
que a quase nada,
reduzem alguma virtude que eu possa ter!

Fernanda R-Mesquita
 

Insônia



Como sombra de um sono que não vem,
como estrela de um firmamento já conhecido,
tento sentir o repouso que a noite tem,
mas se a noite vem, o sono parece ter fugido.

Tropeço nos tentáculos da escuridão
mas ninguém ouve... como podem ouvir?
Esta é a hora longa que acordou a solidão
e quando o ruidoso mundo se calou para dormir.

Fernanda R-Mesquita

Tempo de alma


Ai! O nosso tempo esfuma-se nesta distância fria
E eu vou morrendo triste, em desalento,
Restos mortais de uma flor que em melancolia
Se desfaz no ar ao sabor do tempo.

Que romântico delírio, que engano
Quereres segurar o tempo, que sonho vão
Quando se podem contar os dias num ano
Em que eu sinto a tua mão na minha mão.

Um dia estarei velha desfiando o novelo
Do tempo que passou e não atendeu ao meu apelo.
Velhinha, sentada na porta olhando o horizonte distante,

Tentando ver-te a ti, também já velhinho, pois...
Ou será que o tempo dará tempo a nós dois
De vivermos, ainda jovens, este amor por um instante?

Fernanda R-Mesquita

Medo



O medo coloca a voz
a gritar no interior
onde os verbos
se revoltam nas profundidades
contrariando o ato de renascer


Fernanda R-Mesquita

O Joãozinho


Joãozinho estava a ficar grandinho,
já comia sozinho
e passara a idade de usar babete...
Mas um dia, no dia em que fazia sete aninhos,
a mãe estranhamente amorosa disse:
- Comprei-te um babete com o número sete.
Hoje tens de o usar. Vá senta-te.
Está quieto,
hoje é dia de festa.
Pronto... assim.… toma.
Hoje, quem te dá a sopa, sou eu.
Não vás por nódoa no fato novo...
Não está quente, não vês que estou a soprar?
Bonito, comeu a sopa toda!
Limpa a boca, toma o guardanapo.
Não te amarrotes,
a roupa nova vai parecer um trapo...
Daqui a pouco os convidados estão a chegar!
Não, não comas chocolates...
Só depois de cantarmos os parabéns.
Não passes a mão no cabelo!
Está quietinho,
vais entortar o lacinho!
Quieto não torças o nariz,
vão pensar que nem maneiras tens!
O que foi? Não estás feliz?
O que foi? Uma lágrima?
Não gostas do fato novo?
Não?
Não gostas das senhoras que vieram à tua festa?
Olha que elas têm muitos presentes!
Também não gostas?
Hum...
Olha espera, fecha os olhos!
Um pouco depois,
o Joãozinho ouviu a mãe bater palmas,
abriu os olhos e viu...
Ah, que lindo;
os seus amigos
cheios de sorrisos que pareciam coloridos balões
e as pernas tão livres dentro dos calções...
Mas... e aquele triste olhar?
E aquele beicinho? Parecia querer chorar!
Joãozinho olhou para baixo...
Como dizer que não gostava da roupa nova?
Nem se podia mexer! A roupa brilhava tanto,
mas tinha um ar tão austero,
ordenava-lhe que ficasse quieto a um canto.
Como dizer-lhe; tira-me isto, não quero!
A mãe que o entendeu
enfrentou o exame critico das senhoras;
retirou-lhe o lacinho,
afinal dava-lhe um ar tão aflitinho,
como se estivesse a explodir.
Tirou-lhe o colete,
pegou na tesoura, cortou-lhe as mangas da camisa
e o Joãozinho começou a rir...
A mãezinha contagiada pela felicidade do menino
arregaçou-lhe as calças até aos joelhos,
retirou-lhe os sapatos de verniz
e deixou-o andar descalço...
Joãozinho correu, saltou
brincou como se dissesse,
obrigado, mãe, por me deixares ser feliz!
 
Por um momento, Joãozinho, parou  
olhou a mãe, correu para ela
e aconchegando-se no seu regaço
estreitou-a num abraço ...
Como ela se comoveu
quando ele lhe segredou;
obrigado, mãe, por me deixares ser eu!


Fernanda R-Mesquita

Dança matinal


Certos dias ao levantar
não me apetece fazer nada
invento que sei dançar;
mexo a anca desajeitada,
levanto um pé entorpecido,
puxo uma perna levemente
e o joelho agradecido,
num gesto inteligente
colabora na travessia
da inércia para a alegria.

Balanço p´ra lá, p´ra cá balanço

Eu que ao levantar
não me apetecia fazer nada
arrisco um passo p´ra tras, e num outro avanço
ainda que desengonçada,
eu danço!

Fernanda R-Mesquita

Cumplicidade


 
Um livro sussurra-me
eu abro-o
e ele leva-me

Fernanda R-Mesquita

Menino contente


Pela neve abundante
um engraçado menino,
marca a neve contente
com o seu pé pequenino.

Afaga a neve com a mão
e lança-a com força no ar,
mas ela cai no chão
e o menino cai a brincar.

E na neve macia,
fica a marca de gente
de um menino que um dia,
brincou na neve contente.

Fernanda R-Mesquita
No livro ´´ e a poesia anda de galho em galho ``

A ironia dos outros


Por vezes a ironia dos outros, 
sobretudo daqueles que são mais importantes para mim, 
são mágoas das quais eu tento rir 
para não lhes dar demasiada importância.

Fernanda R-Mesquita

A paz


Às vezes a paz sai apressada da minha vida,
parte e parece não fazer caso do que eu sinto,
ficam as vozes alteradas, a palavra irrefletida
e eu fico no deserto, com o prelúdio da paz extinto.

Que se calem as vozes por um instante,
que renunciem a esse irrisório enredo,
que a fúria seja delírio, inspiração distante,
que a ira se levante tarde e se deite cedo.

As palavras alteram-se, cegas e sem rede,
são braços traiçoeiros que a agitação atrai,
grita aquele, grita este, irado, cheio de sede
de uma razão que enfastiada, também se vai.

Por isso, procuro o meu repouso longe de tanta tolice,
no terno ninho que a paz fez com carinho ardente
e distanciada das sentenças: “tu disseste, eu disse“
achego-me a ele, enrosco-me lenta e docemente!

Fernanda R-Mesquita

Vida em liberdade


Os sons que esta manhã me abordam
são música, melodias que as aves me dão,
são hinos de vontade que com o dia acordam,
gritando que são…  apenas o que são!

E por que precisam de ser mais?
Se regem a vida  pela liberdade,
se seguem em paz pelo mundo  dando sinais
de que vivem de mãos dadas em igualdade.

Pudesse eu, esta manhã juntar num poema
os voos, os cantos, as cores, a fantasia
e o mundo deixaria de viver neste dilema
onde o sorriso parece viver em agonia.

Respiram a aragem fresca em céu aberto
e voam em sintonia no ar num elo forte,
riscam no espaço um rumo certo,
onde a vida existe por vontade e não por sorte.

Ah, vivo e vibro de extrema felicidade,
por esta dádiva que a vida esta manhã me deu
de poder ver correr a vida em liberdade,
na esperança de que alguém a veja como eu!

Fernanda R-Mesquita

No livro ´´ e a poesia anda de galho em galho ``

Grande cidade


Ostensivo corpo sem útero, a cidade
que encobre o drama, dirige ilusões,
rouba até da dor, a imensidade
e com a sua poeira, expulsa canções.

Prisão de corredores ao relento
cortina de pó voltada para o céu
fumeiros sujos que escondem dentro
o pulmão da vida que prendeu.

Um cheiro de amor maltratado
por um bosque de pedra arrematado
por janelas sem calor maternal...

As portas, tocas sem ninhos,
paraíso esquivo, sem carinhos,
expulsando as aves do beiral.


Fernanda R-Mesquita

O corvo e a tempestade



 
A noite ficou escura e o vento sopra torvo,
a chuva bate tão solitária na janela,
talvez fuja do agouro do corvo
que bate as negras asas atrás dela.

Porque chove assim, canta o corvo e sopra o vento
se nem sequer é dezembro  mas sim agosto.
Espreito pela vidraça e vejo o vento violento
a fazer girar o corvo que brinca bem disposto.

Murmurei lenta alguns ais,
sem entender a negrura dos espaços celestiais,
para de seguida sorrir enternecida ao perceber,

que enquanto eu fiquei desorientada, aborrecida
por uma tempestade que chegou perdida
o corvo abriu as asas,  quis brincar...  quis viver!

Fernanda R-Mesquita

Como falar de verdades a alguém?


Como falar de verdades a alguém
cheio de rancor, de olhos focados
apenas nos erros cometidos por quem
nem sempre foi autor de atos errados?

Escavar no poço dos defeitos do semelhante
é viver em constante ressentimento
é expor a alma aos olhos das sombras
e sujeitar-se ele próprio ao sofrimento.

Livre-se o alvo de o levar a julgamento
Não é fácil, mas o que fazer?
Jogue tudo na cave do esquecimento
e apague a guerra que o outro teima em acender.

O julgamento é uma tarefa pesada

Fernanda R-Mesquita

Dimensão paradisíaca


São liberdade os pássaros do céu
são pátria sua os seus voos de amor
enchendo as florestas de cânticos alegres
em reverência ao criador

São violinos os sons do vento
nas árvores vestidas de folhas
que se fazem jardins no firmamento

Dimensão paradisíaca
onde tudo é certo,
onde o nada é completo

Serei parte desse mundo puro
se não me fizer preguiça
no leito do esquecimento,
pois há portas que se abrem,
que me ascendem a espírito,
entre os jardins dos céus
e os violinos do vento.

Fernanda R-Mesquita

Enquanto dormes



 
Arrebata-me subitamente uma especial doçura
Quando demoro o meu olhar sobre a tua face
Dormindo com essa expressão tão pura;
A de um grande homem que guarda o ar de quem nasce.
-
Quanta vida vejo nesses olhos cansados a descansar,
Quantos   sorrisos no terno desenho  desse lábio
Que mesmo dormindo parece pronto a amar
Numa dualidade de menino e homem sábio.
-
Bendita imagem que nesta noite habita
Diante do meu olhar que deveras acredita
Que quando partir um sorriso no rosto hei-de levar,
-
Por ter sido escolhida por alguma fada, que em segredo,
Me destinou a um homem que sem medo,
Se manteve menino para não perder a arte de amar.

Fernanda R-Mesquita

Contemplação



Na imensidade dos anos que passam tão rápido
´´readmiro`` o subtil encanto de certos detalhes
requintados e penetrantes da vida.
Cegos por atingir grandes quantidades de êxtase
presos às ideais aparências
embebemos os dias em imagens falsamente decoradas,
vazias...
Contemplação que nos cansa tão rapidamente,
tão rapidamente perde o seu encanto!
Passivos ao esplendor da vida
e ansiosos por novas faíscas de emoções,
com um poder mais sedutor,
dirigimos a atenção do nosso olhar
para outros rumos tão pouco necessários
que perpetuam desconcertantes influências,
que nos roubam o fundo da nossa alma
e nos conduzem à inferioridade do ser humano,
tornando-nos incapazes de descobrir
o caminho mais curto para a felicidade,
onde desabrocha mais pura
a verdade harmoniosa
que nos oferece felicidade na hora certa em que precisamos dela
e que nós não queremos por ser simples demais...
( Antes de contemplarmos as estrelas no céu,
deixemos que os nossos olhos vejam o que brilha ao nosso lado!)

Fernanda R-Mesquita

No livro ´´ Janelas ``

O teu abraço


Esse abraço que encontro em teus braços
em que todas as noites procuro sentir,
é o refúgio de todos os meus cansaços
que tu cansado abraças a sorrir.

Refugio o meu rosto no teu peito,
junto às tuas batidas as do meu coração
e nesse teu abraço que parece tão estreito,
as minha vontades às tuas se dão.

Em silêncios ou em palavras dadas,
nos vestimos de poemas, de carinhos
e as tristezas se tornam em brasas apagadas
e acendemos a chama onde ardemos sozinhos!

Fernanda R-Mesquita

No livro ´´ A barca dos sentidos ``

Abrindo portas


Nos meus passos diários existem histórias
vivem personagens que riem e choram
alguns são presente, outros memórias
cruzadas histórias que nos meus passos moram.

A uns aconchegos no coração
a outros digo olá e logo me despeço
são histórias da minha vida, pois são
mas não desejo o seu regresso
nos meus passos diários

A paz abre flores à beira dos caminhos
livre de ervas que carregam brilhos daninhos,
convida o sol a ser ouro sobre as searas
que abrem as portas para novos horizontes
por onde sobrevoarão aves raras 
que me ajudarão a construir novas pontes
nos meus passos diários


Fernanda R-Mesquita



RONDÓ RESSONÂNCIAS - teoria literária criada por Fernanda R-Mesquita
Oficina aberta Pela Casa dos poetas e da poesia,para exercícios sobre o tema-

Neve




 Imaculada neve, leve como uma pena,
absoluta alvura, mil cristais todos juntinhos,
cheia de graça cai nesta tarde serena,
reluzente véu que se estende pelos caminhos.
 
Neve atrevida adiantando o anoitecer,
vai caindo, beijando esta e aquela face, a sorrir,
expõe-se bela para toda a gente ver
igual a dama que sabe seduzir.
 
Bailarina que desce girando lentamente,
tecedeira de algodão que encanta
o sol, que por vezes descontraidamente
se deita sobre a imensa colcha branca.

 Fernanda R-Mesquita

foto- Edmonton no inverno. Canadá

Livro de Fernanda R-Mesquita- e a poesia anda de galho em galho





 

Lançado no dia 17 de Março- 2022

Encontro




Existem muitos dias de sol
como aquele,
mas não existem muitos dias de sol,
onde este, tomba aos nossos pés
queimando-nos o corpo inteiro
e empurrando o coração até à garganta.
Ele, com as mãos nos bolsos
oferecia o braço à sua dama 
que por sua vez ao ver-me
o agarrou com mais firmeza.
Talvez quisesse dizer-me:
Ele é meu!
Eu não tinha nenhum braço masculino
para mostrar o quão afortunada era. 

No entanto a mão dela no braço dele
não impediu a recordação 
dos meus dedos no seu rosto sardento
e os meus lábios no seu cabelo ruivo
enquanto ele compunha sorrisos no meu cabelo escuro
e amadurecia as mãos nas minhas pernas morenas. 

Sem palavras, apenas com um aceno de cabeça,
um intenso olhar e um sorriso tímido 
enviamos todo o amor que ainda sentíamos
e apagamos, por breves segundos,
a presença dela. 

Varremos a poeira por um instante
e a labareda que nos incendiou 
fez os filhos que nunca tivemos.
Criamos, por segundos, um universo apenas nosso
onde subimos a uma dimensão de felicidade
não sem antes sentir a profunda infelicidade
da cobarde atitude de não partir os círculos
que nos impediram ao renascimento.

Depois, foi, ainda sem palavras,
um segundo e último adeus...
Em direções opostas seguimos
sem coragem para dar o salto.
Tivemos, novamente, medo de morrer
devido à ambição de agradarmos aos outros
proibindo-nos de florescer.

Amarramos, mais uma vez
 o barco que há muitos anos, tentamos remar.

Fernanda R-Mesquita

a personagem Fátima do livro « esculpindo »

Sonho


Na descoberta, lenta, que venho fazendo de mim
encontrei grandes obstáculos ao sonho.
Ainda que me chamem de sonhadora
não passo de uma construtora de pesadelos
por pensar que os meus sonhos são impossíveis.
Um dia será necessário acordar. 
Não como acordo todas as manhãs,
mas acordar para aprender a sonhar
e esmerar-me na arte de os tornar realidade.

Fernanda R-Mesquita

Horas


Por ser a espera
que me amordaça e entontece,
um navegar
em tormentas e desconhecidas neblinas,
em horas tão tontas
em que a razão não me obedece,
em esperas de longas horas
que eu queria pequeninas,
 
existe em mim um raio de luz,
que nasce à hora certa do teu chegar,
que me transforma em onda sedutora
que o teu corpo seduz,
insónia pura da hora
que temos para descansar!

Fernanda R-Mesquita