Filipe F.

Poema de 'Homem Morto'




Encontrei-me em labirintos,
Em procuras infrutíferas
Circundando por esferas
Na decadência de alentos...


Silêncios angustiados de incertezas,
Os meus em turbidez mascarada
No meio de fogueiras acesas,
Inconsequência praticada...


Filipe F. 2004 in "Homem Morto"

Sonho de Luar


Nas suas mãos, dedos finos e compridos de pianista.
Em seus braços pálidos envolvido arroxando
Como um corpo apertado lento inflamando
Brotou aquele olhar longo sem hora prevista.

A pestana agitou-se e a pupila se dilatou
No revés daquele instante fértil e inesperado
Quebrou-se aquele relógio de vidro contado
Onde aqueloutro miocárdio livre se delatou.

Que belo foi ver aqueles amantes propícios
Inauditos quanto alegres desconhecidos
Sem promessas, grilhetas ou mesmo vícios

Debaixo daquela ponte de quarto de hotel perdidos
Onde nessa noite se deitaram amenos a sonhar
À luz da Lua que souberam ali desenhar.

Filipe F. 2016

Pequeno Arrependimento



Como te desejo...

Ser dentro de ti...
A pele que acaricio o mais
Que o tempo me dá...
O rosto que admiro o mais
Que um olhar dará...

E sou dentro de ti aquilo que sou,
E saceio meus desejos
Tocando-te simplesmente...
Olhando-te...

Como me envolvo meu amor...

Filipe F. 2006 in "Os Poemas Que Nunca Leste"

Poema para A.F.C.


Teus olhos belos infinitos de candura
Sorrindo abertos na perfeita inocência
Que te não merecia tamanha travessura
Muito menos qualquer delinquência.

Teus olhos nos meus sempre enquadrados
Nesse sorriso que te vê crescer numa lágrima
E te abraça cheia do amor que te firma
Em destinos unos à força da inveja quebrados.

Teus olhos que são parcialmente verdes
Como dos meus parcial esperança viva
Que além do que te dê de comer herdes

Pois o mais que te poderei dar é o que sei
E tal que o ensinado olhos nos teus olhos sirva
Para ganhares no dia em que não estarei.

Filipe F. 2016

Caída do Breu


À Caída do Breu profundo
Restando-se tão só os micropontos de luz
Em viagem pelo infinito espaço interestrelar
De cujas estrelas mortas o último brilho se reproduz

Despenham-se os meteoritos do passado
Das memórias mais vagas os detritos
Do vazio entretanto Buraco Negro criado
Entre o que se expandia e depois se absorveu

Pela esponja de giz que apaga o Universo
Desse conhecimento longínquo e disperso
Onde tão mais restou o rosto que prevalece
Do Big Bang que jamais acontece.


Filipe F. 2016

Flatulência Poética


"Y que tendes vós tanta flatulência,
Alguma vez cagasteis Poesia?"

Filipe F. 2016

lábios de uma mulher de sonho


Esta noite sonhei aconchegado contigo
Que nos beijavamos adormecidos
Resguardados nestes lençóis compridos
Em que nunca te havias deitado comigo

Logo na volúpia dos teus lábios carnudos
Esta noite não sei quem eras mas estavas aqui
Entre estes cobertores de sonhos profundos
Aguava somente nesses lábios roxos de ti

Ao abrir doxolhos em busca do restante de teu rosto
Perdi-te os lábios e a formosura suave da almofada
Acordei! Deixei de te sonhar e escapou-se-me tosco

Como se de uma pintura impressionista imaginada
Aquele estado morno de quem beija o mosto
De uma mulher rubra que ainda não foi amada!

Filipe F. 2016

Vide Camões



Amor é fogo que arde e se vê,
É instrumento da loucura
E do desejo, cavaleiro sem armadura,
Gladiador em que não se crê.

Amor é condição de vida,
Procura inata, dor destemida, alegoria,
Felicidade, alegria...


Filipe F. 2003 in "De mim para o Mundo: Poesia e Fragmentos"

um poema mal parido


UM POEMA MAL PARIDO

Vós não sabeis
O que é ter letras em vez de dedos
Palavras na vez de mãos
Frases na vez de braços
Estrofes em vez de coração
E poesia em vez de razão.

Vós não sabeis!
Não sabeis sequer quanta poesia
É preciso escrever para parir um filho!

Sim! Vós que zombais da poesia!
Vós que jamais haverieis sido paridos
Se não fora o acaso da epifania!

Sim vós!
Vós que não sabeis que foram bestas
Bestas como aquela que aqui vos escreve
Para parir a poesia de que um poeta ferve.

Que foram as bestas emanadas de raiva
De amor e de ódio
Da nostalgia e do Futurismo
Que vieram ao mundo para vos parir a todos!
Sim a Vós! A Vós mesmos meus versos!

Filipe F. 2016

Da Vaidade


Se há quem te diga que te deves amar a ti para que possas amar o outro, é quem te engana, jamais te amarás de verdade se não amares além de ti, pois amor não é próprio, é de ir além e não ficar aquém, o amor é por alguém. Amar é não recear que se te riam na cara, é assumir o risco de não se ser amado e para isso é preciso a verdadeira coragem. Amar-se a si próprio é petrificada vaidade, é de espelho, não é de verdade. Amar é sonhar ser-se amado, amar não é vaidade, vaidade é pensar que se ama no próprio espelho, vaidade é rir de quem diz que nos ama, vaidade é o desprezo de quem nunca soube amar. Vaidade, é nunca se ter a coragem de olhar alguém nozolhos para lhe dizer: Eu amo-te!

Filipe F. 2016

Do Rio Constante


E aquele rio imenso correu desenfreado
Brotando daquela nascente outrora árida
Deserta e ignorante da plena vida,
Foi fiando por seu leito molhado

Ao desenlace naquele peito de afago
Despojando as virgens margens verdejantes
Daquelas nítidas tágides dos amantes,
Húmidas, frescas, enlaçadas em seu trago

Qual sereias cantando o encanto
Daquela fonte nascente delirante
Escorrendo o desamor num só pranto.

Ó rio incessante estuprando um peito!
Rasgando o caminho do seu contínuo leito
Pelas rochas eternas do amor a preceito.

Filipe F. 2016






Mote para Homem Morto


"No dia em que nascemos a primeira novidade é que estamos vivos, a segunda é que um dia morreremos. O que não contamos, é que ao longo da nossa vida iremos morrer muitas vezes, mesmo antes de falecer definitivamente e de termos os átomos que nos compõem dispersados por outras quaisquer formas, sejam de vida ou não, aliás, será pertinente questionar se a vida não é mais que a composição de cada átomo que forma a imensidão expansível do Universo, mas tudo será relativo ao ponto de vista de cada um e de como encara, a Vida."

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Filipe F. Costa - in "Homem Morto e 5 Poemas de Outubro"

ISBN
1523434864

Num Dia



Um dia aberto,
Desnudo, sem hierarquia de sangue.
Sai à praça, concreto
O que se vê, ao longe.

Gente.

Na multidão um indiferente.
Vagabundo, vestido indecente.
Vidros em baixo, descalço
Aberto de mente.

Caminha entre clareiras
Pelos espalhos de chão
Buscando-se do que sobra à multidão,
Rasgadas as nuvens

Abertas em vão.

Filipe F. 2014 in "5 Poemas de Outubro"

o amor de perto e de longe


O amor é vago e incessante
A luz que raia e penetra
Os olhares de suas vítimas
Em breve brota lágrimas
Escorridas de sentimentos
Equidistantes
Vagos e incessantes
Da alma tormentos
E no entanto além
Lá vai outro alguém
Que diz que ama
E mais além ainda
Vai outro dizendo
Que assim é feliz
Em amar
Vago e incessante
O amor distante.

Filipe F. 2016

Em Sentido Poetas!


Alerta aos poetas mais jovens,
As musas raptam poemas
Não os devolvem tal e qual cada leitor
O que dareis de vós abstracto terá sempre interpretação
Pois cada poema é como um quadro
Ou um retrato e até mesmo no abstracto
Uma simples mancha de texto
Que pode fotografar filmar ou pintar
Mas preparai-a para ser lida em voz alta
Pois só aí ela vive e só aí ela permanecerá vossa.

Filipe F. 2016

Da Razão de Newton


Há horas em que o temporal rebenta
dentro da mais intrínseca moral,
como que se move o magnético planeta
nessa via láctea acercando cinderal.
Se buscam os asteróides dispersos
no imenso buraco negro desse cosmos
atraídos à lei dos magnéticos universos,
e aí, explodem eles contra si mesmos.
Esses corpos celestes da essência humana
na disparidade científica, profundamente leviana,
que como tal redoma gigante, cria um novo ser,
atirado também a todo o cosmos espacial
à deriva em busca de novo impacto brutal,
rasgando rastos celestiais no céu do entardecer.
Filipe F. Costa 2016

Do Poeta Convexo


A noite cai e o Poeta está em clausura
Prepara um tacho põe dois pratos
Que a vida além da solidão é mais crua
O Poeta acende a lareira com antigos versos
Que apodreceram na gaveta de madeira
Essa contida fogueira da memória
Onde se recolhem nostalgias falidas
Oh noites em vão perdidas!

Sente-se o cheiro envelhecido dos papéis
De espasmos escritos ao vento
De maior loucura que sonheis
Pelo menor dos idos eventos.

O Poeta descreve a ementa ó se lhe agrada
E sopra-lhe o recomeço a brisa suave
Daquela inocência criança que a contém
E que ocupa todas as gavetas do quarto.

Esta a pura musa da vida reflexo
Da metade do Poeta Convexo
Que hoje em clausura se despede
Num até breve amargo e de sede.

Filipe F. 2016

Xeia


E assim se morre, afeto às ilusões
pelas brumas em que nos perdemos,
junto a este rio que corre, cheio
e levando as mágoas até à Foz,
onde afinal tudo começou
e tudo se perdeu, o que havia de nós
apenas vago e dilacerante,
iniciou-se precisamente pelo fim
sem nunca se elevar a montante,
estas águas impróprias, cheias de lixo,
de excreções emocionais que são mágoas,
de voluntarismos sentimentais
com que a alma de um se enganà si própria,
as águas podres onde ébrio se voluntaria,
aquele amor, para em seguida se afogar
na imensa poluição da sociedade
sem glória, sem verdade.
Filipe F. Costa 2016

A Nebulosa Infantaria


Sonhei que via um militar de infantaria
Carregando as munições e a baioneta
Pronta a espetar num mero inimigo pária
Sem perdão nem pelo mais puro asceta.

Entre o nevoeiro ele caminhava com direção
Avistava o mais recôndito ermitério da montanha
Decifrando daquele estado gasoso em evaporação
Uma silhueta de um eremita sem senha.

E ó quem vem lá! Estremeceu o troglodita
Ao ouvir os passos enterrando-se na neve
Naquela gelidamente sonhada manhã maldita

Em que se lhe acabou espetada num instante breve
Aquela longa e afiada baioneta descriminante
De um nebuloso e ordenado militar andante.

Filipe F. 2016

A memória dos lençois


Tantas vezes me lembrei de te procurar
Pero receei sempre que não recordasses
Do que já fomos sem poder voltar a ser
As noites infinitas de amor em que me amaste
Abraçando-me como se abraçasses o mundo inteiro
Para logo mudar os lençóis da cama em que te deitaste
Pondo os velhos e usados naquele tanque de lavar
Onde a água é sempre a mesma
Que não diria suja nem mesmo poluída
Simplesmente infecta daquele sabão-rosa
Que roçado naquela roupa de cama
Libertou o sebo e o suor que neles deixamos
Para se diluir e estagnar dentro desse poço sem fundo
Onde a água não é mais potável
E os lençóis ficaram inevitavelmente manchados.

Chegaram outros dias de os voltar a estender
Quando terei mesmo tentado manchá-los
Com outros sebos
Outros suores
Mas não era possível tirar o odor daquele sabão
Por mais que esfregasse naquele tanque de cimento
Desgastado pelo tempo
E pela contínua fricção
Que alisou aquele atrito e não mais desbastou
Aqueles lençóis onde deixamos a nossa infusão.

Filipe F. 2016

O Poeta Ferido


E entretanto o poeta foi silenciado
Seus dedos uns nos outros suturados
Sangrando das falanges inanimado
Os desejos reescritos em segredos.

A musa oculta despindo atrás do biombo
O que apenas do poeta se esconde
Ele grita: "Herege da paixão em assombro!"
Enquanto ela desnuda dita: "Onde?"

E detrás do biombo ela dança e sorri
A contínua valsa dos amantes jocosa
Onde a musa dá apenas imagem de si.

Entremeado o poeta compõe a fleuma
Cada semi-breve da sinfonia silenciosa
Sangrando dos dedos! Sangrando da alma!

Filipe F. 2016

esconderijo verdejante


Esconderijo Verdejante

De volta a este esconderijo verdejante
Onde somente ecoa a Natureza
E se pode estar degentando distante
Lembrando das amantes a beleza
Que aqui se despiu delirante.

Este recanto da solidão pacífica
Em que se enche de mágoas o açude
De cada paixão eternamente ilícita
Entre o verso a que se alude
E a corrente imensidão física.

Que te trarei agora então a seguir
Que não tenha já cá estado
Nessas águas que correram a diluir
As memórias vivas do passado
Que aqui não cessam de se confundir.

Filipe F. 2016

Verdant Hideaway


Back to the verdant hideaway
Where only Nature echoes thee

Poema de Crónica a Luiz Vaz


Poema de Crónica a Luiz Vaz
E sim, foi hoje Luiz Vaz quem me adivinhou
Não houve maior amante em Portugal
(Nem mesmo Manuel Maria tantas deitou!)
Na cama de seus versos sob o lençol
Em que nenhum Pessoa amou.
Talvez tivesse de razão o António Lobo
Que nem Bernardo dos livros semeou
O só encanto que Mário de Sá sonhou
E mais nenhum de Quental em globo rimou.
Foi mesmo Luiz Vaz quem designou a nação
Talvez em Velho do Restelo heterónimo
Teve em si inteiro a uma só mão homónimo
A Filosofia, o Amor, e a Razão!
Filipe F. 2016

De uma nau naufragada


ó valente nau deste oceano perdido
Naufragada num banco-de-areia esculpido,
Teu casco de pinho flutuante arrombado
Te deixou aí abandonada ao passado

E já nem ondas te devolvem ao mar.
ó nau das altas velas correndo no vento
Com a tua proa erguida ao horizonte
Para tão somente um dia naufragar.

Tu, da descoberta do mundo de lés-a-lés,
Ficas aí agora jazendo as tuas cicatrizes
Do ego dos homens e das meretrizes
Que foram amadas no teu largo convés.

ó nau naufragada no silêncio dos tempos
Que jamais voltarás ao mar do horizonte
Restando-te na memória do teu Capitão somente.

Filipe F. 2016

Pêndulo I


Este pêndulo que me move a gerigonça
TicTac, este pêndulo, TicTac,
A gerigonça bate,
TicTac, e no entanto inerte, Tic
Bate, Tac,
E as rodas dentadas do progresso
TicTac, nada,
Desgastadas, TicTac
Dentes moídos, TicTac
Nada, a gerigonça bate
Mas não tem hora, Tic
Mais devagar, Tac
O pêndulo pára, Tic
A gerigonça, Tac,
Explode em peças soltas de nada.

Filipe F. 2016