O baralho
Embaralho o baralho
da vida e da morte
as cartas estão marcadas
para que eu sempre perca
o nariz da esfinge
é o meu próprio nariz
o espantalho abre os braços
para as gralhas
enquanto eu quebro as taças
sou aquele que contempla as estrelas
no chãoPrometeu
Sou Prometeu acorrentado
a pedra no meio do caminho
não é um acontecimento
mas o real
explode e cai
como um pulso cai
existo como o meu fígado existe
os abutres me espreitam
me devoram
o fígado
que exibo nas mãos sangrentasOs anões
O moleque na árvore
Olha o moleque na árvore
joga pedras no moleque
derruba o moleque da árvore
O que o moleque foi fazer em cima da árvore?
Joga pedras no moleque
derruba o moleque da árvore
O moleque não é macaco para subir na árvore
Joga pedras no moleque
derruba o moleque da árvore
O moleque não é um pássaro para ficar em cima da árvore
Joga pedras no moleque
derruba o moleque da árvore
É mentira, é mentira
O moleque não subiu na árvore
você está tendo alucinações com o moleque na árvore, caraAntiode
Para ser grande, come muito.
Mete o pau na boneca,
não jogue nada fora da panela.
O girassol gira aqui embaixo
porque o sol gira lá em cima. Heráclito
Tudo é sol
a rua reverbera
estou lúcido
e morto
e vivo
as janelas caem no espaço
eu caio no espaço
as águas me levam
como no rio de Heráclito
fui
não volteiO deserto
O deserto fala comigo, grita, esperneia.
Sou areia ao vento, dunas, miragem.
Preencho o meu vazio com palavras
como um poema, aceito o arco da forma.
Aprendo o silêncio com a música,
carrego pássaros de sangue nos ombros,
contemplo a rosa até queimar os olhos.
A minha vida é o violino do abismo.
Estou só como uma pedra sem árvore.
O poeta lavra a palavra com terra na boca,
com espirais de areia e sol nos olhos.
O poeta é um cão, ladra na noite,
disputa o osso do caos e perde.
Cavalgo para sempre o cavalo da loucura.Chapeuzinho Vermelho
Chapeuzinho tinha uma vontade louca de dar para o lobo
morria de inveja da vovó que o lobo comeu uma pá de vezes
o lobo fingiu que era a vovó doente na cama
comeu Chapeuzinho e viveram felizes para sempre
Viagem à nascente do rio S. Francisco
Dois filetes d'água
e as pedras.
A água desliza na canastra de Minas,
canastra de pedra.
Um tamanduá abre os braços no caminho,
um gavião carcará vigia o horizonte,
um galito move o leme minúsculo,
um lobo guará sobe num monte
de pedras.
Tudo são pedras.
As pedras
e a água subliminar.
A casca da anta entre as pedras,
a água entre as pedras
e um pulmão explode
no ar.
A água de pedra
líquida
voa no ar
e corre entre as serras
de pedra.
E vai o Chiquinho
e doa
e abençoa.
(Mas hoje
o Chiquinho
morreu de sede.)A vagem na água
O púcaro pícaro
é então que eu me acabo.
Eu te quero toda inteira: da ponta
do cabelo à ponta do rabo.
A vida é breve para o meu desejo.
Ah, aproveita o ensejo: me dá a flor
essencial da floresta negra.
és uma flor. Por que não floresces
para mim?
Um dia o abismo
vai chegar e nesse dia serás (seremos)
sombra absurda. O que me darás
já não quererei mais.Oferta
Eu vos oferto os meus olhos, ó príncipes, ó mendigos.
Que quereis mais?