leyawalken

CÉUS DE OUTONO




Amanhecemos, e este céu não amanhece!
As ruas frias, hoje mudas e desertas
viraram páginas despidas e amarelas
de um livro solto ao vento que se esquece!

A brisa e chuva nos aguardam noite afora
Minhas pisadas entre folhas não se perdem
Sigo o poente da estação que já fenece
- É o verão que se despede e vai embora!

E tal as folhas, jaz meu coração sem dono
buscando abrigo que me aqueça e embale o sono
perdido ao léu, no descaminho de ilusões.

Se me perguntas: por que rir deste abandono?
Eis que confesso: Dentre todas estações
a estação que mais te lembra é o outono!

DESLEIXO


 

Deixai que a maré alta me arraste
e ela arrasta, eu não reluto!
Tudo que não fiz, é o que eu escuto
Só espero que este ócio não me mate...

Se matar, deixe que eu morra
A vida em si é feita de escolhas
O ser que hoje sou, logo permuto
Outrora flor, agora sou qual fruto!

Deixai os afazeres, deixa a louça
Te despe dos problemas, despe a roupa
e vive esta manhã de sol ameno...

Entrega-te aos prazeres, foge a lida
Esbanja logo o empréstimo da vida
pois se finda o nosso prazo, então morremos...

UM SONETO INACABADO




- Que trazes nestes bolsos? - perguntaram
ao poeta ébrio, de vias, vagabundo
- Quantas farpas teus algozes te lançaram!
Tantas pedras e não ergueste um frágil muro?

Que valores das venturas vens trazendo?
Não tens leito onde desliza a tola pena!
- A roupa é rota, a vida é curta e só o poema
deu-me amor, trouxe meu vinho e bons momentos...

Entregue à tarde, busca o umbral d'um arvoredo
Seguir adianta? Mil montanhas já cansado...
Viver pedaços e fazer versos inteiros?

Lançou-me dó, um anjo a olhar com desespero
Oh! Não tenho, minha dama, algum trocado
apenas sonhos e um soneto inacabado!

CARMA INSÍPIDO




Dai-me, senhora, o resto que sobeja
Não vês sôfregas mãos pedir-te arrego?
Teu semelhante irmão jaz na sarjeta
enquanto ostentas a joia do desprezo!

Vi morrer em cada pôr do sol um sonho
a falha sorte, um infortúnio me acalenta.
Invoco os céus, mas pesa chuva sobre ombros
Zombando minha desgraça, a lazarenta!

Imploro-te um tostão! Tens piedade!
Em Deus eu creio, e sempre fui cristão
ofertei dízimo, fé e castidade!

"Parvo poeta" - diz um anjo ao ouvido -
"Se na terra não recebes lar e pão
será d'ouro tua morada - o paraíso!"

MONÓLOGO




"Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba"          .
Padre Antonio Vieira

Nada é de graça
Tudo se estraga
Tal cera, o concreto se acaba
E ninguém permuta...
- A vida é uma luta
Onde o homem sempre fracassa!

BONECAS - NANOCONTO



Ele gostava de suas bonecas sempre lindas. Cuidava da beleza delas em cada detalhe. Banhava-as, despidas. Vestia e zelava. Cabelos, roupas, até as unhas pretas. Esmerava-se em seu melhor por elas.  Dava um beijo de boa noite, até chegar o momento de serem postas na caixa. Para as bonecas de seu quarto, eram de papelão as caixas. Para as bonecas lá de fora, caixas de madeira.

GRATIDÃO




Sou feliz pela terra que piso
por ondas que lavam meus pés
pelo puro ar que respiro!

Sou feliz por ter nascido
ter errado e consertado
ter vivido e aprendido
de amores, mil vezes ter morrido
e sentido o prazer de ser amado!

Sou apenas nada
mas um pouco do mundo pude ver
pois tantos foram meus caminhos...

E jamais terei medo de adormecer
pois sei que nunca estarei
de fato sozinho!

A MARIPOSA



Na noite silente, na penumbra,
asa bordada é um corpo e baila
em comunhão doce e profunda
entre paredes nuas da sala!

Bocas se tocam, em furor beijam:
carícia d'almas, roçar proibido!
Néctar, sumo que escorre, lateja
na pele - o leve sabor dolorido!

Olha nos olhos, sê meu inteiro
prossegue em mim no voo derradeiro
respira... não para, não pousa!

um elo de carne, alma e mente
penetrando, se amando loucamente
dois corpos: as asas da mariposa!