Luis Rodrigues

Esta noite


Esta noite
senti o mar incendiar-se
nas tuas mãos

arderam os olhos
nas tuas mão inteiras
enormes

esta noite no teu peito
inventei estrelas
que não conhecia

INEM


há quem diga que a chuva são lágrimas

Pessoalmente não acredito. O INEM não sairia de casa por tão pouco.
Não se fecha estradas ou interrompe o trânsito por um lamento.

No entanto, mesmo quando choras em silêncio, sinto o grito da terra.

e nesse momento o mundo acaba

TU


enlouqueces-me maravilhas-me atrapalhas-me apaixonas-me cegas-me confundes-me. Tu inspiras-me.
Tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu .....

Quero tanto de ti e tão próximo que anseio que fosses o ar, o chão, as paredes, tudo.

Que tudo o que tocasse fossem os teus braços. Que tudo o que sentisse fossem os teus lábios.

Como quando fecho os olhos e tudo o que não vejo és tu. Como quando não durmo e tudo o que sonho és tu.

Contigo não consigo respirar. Sem ti não consigo viver.

Quero estar tão dentro de ti que nem a luz do dia exista para mim. Quero abraçar-te tanto que todo o mundo colapse e desapareça num pequeno ponto entre os meus braços.

Toca-me com as tuas mãos. Faz-me desaparecer com a tua pele. Sufoca-me na tua língua. Arrasta-me pelo ar com o teu perfume. Mata-me de vez.

Odeio-te porque existes. Odeio-te porque não estás aqui. Amo-te tanto.

De repente tomo consciência da tua ausência e faz-se noite. Porque não me respondes quando te falo? Porque não te sinto quando estendo o braço? Porque te escondes?

TU
se fosses chuva, do céu só cairiam pérolas ... E até o chão gritaria de prazer

Há dias eternos


Há dias eternos.

Há mulheres raras.

Há dias raros ao lado de uma mulher eterna

Tudo quase nada


Tudo quase nada

dá-me algo que arda
um verão, o fogo ou a boca

para por momentos esquecer
até a tua boca e chamas




tudo tudo quase nada irremediavelmente perdido

A minha vontade


A minha vontade é cobarde
foge do que quer
como do que arde
e se tanto mais me ardera
ainda mais quisera

Como pedir o que não sei dizer
fora destas páginas sem peso?
Como as línguas que não sei roubar
longe desta caneta sem alma

Não sei se por acanhamento
se por sofrimento
me encontro afastado
estou morto talvez
da vida descansado

encontros e desencontros


nos intervalos do amor não há nada
só o bolor

como pode o bolor queimar tanto como queima?



mas mesmo nas cinzas resta fogo

mesmo no fogo restas tu

Pânico


Tomou-se-lhe um pânico de chão

Um medo irracional de pôr os pés no chão. Andava sempre aos pulos, ao pé-coxinho, por cima de mesas e tábuas. Acabou por se consumir e desfazer em fumo.

Está agora no meio de nós. é deus.

Pedido


que te peço eu?

um ramo noutro ramo
e a voz baixinho junto ao peito

Lágrima


Peguei numa lágrima devagar

água sódio
nada mais.

Sempre pensei que tivesse
extractos de sonhos
e olhos grandes

Quero


Quero habitar o teu corpo
entrar pelos teus olhos
demorar-me na língua
dormir no cabelo

Anomalias


Nada de anomalias!
Quero a vida
matemática redonda hipócrita

Como convém.

Sem passar as manhãs doente a delirar
sonhos de seixos a brincar..

Segunda-feira


é segunda-feira.
Há árvores céu e estradas sem fim.
Existe uma normalidade rectilínea em tudo o que me cerca
e no entanto choro.

Choro lágrimas anormalmente rectilíneas
vazias de árvores céu e estradas sem fim.

Perdidos e Achados


Todos os amores que já tive
não sei que lhes fiz.

Talvez no departamento das canções perdidas.

Se pudesse


Se pudesse dobrava as nuvens
e enviava-tas num envelope azul
pelo céu.

Peço


Peço a morte.
Quero-a pelo pescoço,
pela garganta fora
por esta fala turva e cansada

a golpes de caneta encontrá-la
neste branco esventrado

tê-la e nunca mais.

Os beijos que me deste


Os beijos que me deste e não senti

Quero morrer desses beijos

Há um fogo imenso


Há um fogo imenso
que quase conheço.

Deito-me a seu lado

e quando os olhos arderem
devagar, beija-me.

Interrupção


Interrompemos aqui a emissão para uma notícia de ultima hora

Uma epidemia de beijos está a espalhar-se rapidamente pelo país e começa já afectar Espanha e as ilhas. Nas ruas toda a gente se abraça e beija indiscriminadamente. Os hospitais estão cheios de pessoas aos beijos. Há engarrafamentos em quase todas as esquinas porque as pessoas saem dos carros para beijar e serem beijados.

Por todo o lado há bocas que se abraçam.

Objecto


Pegue-se num objecto, qualquer objecto
Aprenda-se a gostar dele
Construa-se sobre ele a teia das nossas fantasias
E sinta-se desapontado
Quando ele se comporta como mero objecto que é

Amo-te


Amo-te com uma força que não tenho, com passos que não sei.
Amo-te com raiva.
Amo-te com desespero. Com ânsia de ti. Amo-te com uma ternura louca.
Amo-te com imensidão.

Amores


não gosto de amores limpos

o amor nasce da lama, onde a música é mais límpida

Água


Nas tuas costas
desce a chuva
aos meus olhos molhados.

é pelos olhos que entra a água.