Manuela Barroso

Solidão



Perdi-me de mim e dormi.
Senti o sabor da solidão que florescia na sombra
corri os montes das flores que me falavam do vale
no bulir das marés.
Acariciei as flores plantadas na água que regava a marcela
e afaguei os meus pés.
Corri com saltões
saboreei o trigal
deitei-me na erva
pousei o meu corpo no chão húmido da esperança
senti o arrepio das cigarras
a fome das alturas
e a sede de ser de novo criança!

Os olhos...
ah! os olhos eram a água atrevida
inundando a consciência com fome de vida.
Eram as flores teimosas
escorrendo amarelas
na face das mimosas
invasão no sorriso ardente
no espelho líquido da nascente
cansaço mole na mistura tão difusa do poente.

Quero perder o tempo que se infiltra na terra
e me prende às cheias de fogo que morrem nas minhas cinzas;
fugir na cantilena da água que se perde nos outeiros
tremendo veloz pelas fragas em repuxos aéreos de ventos.

Quero regar de alma as raízes das fontes e dos fetos
que semeiam a frescura dos montes
sentar-me na sombra dos lírios, namorando as violetas
que ardem na chama roxa dos aromas, nos círios dos poetas.

Manuela Barroso, "Laços-Dueto"- Editora Versbrava









Penso




PENSO
Penso que sou
E não sou
Sonho que penso
E que sou
E nem penso e nem sonho
E nem sonho o que sou
Nem quero sonhar
E não sou o que penso
Nem sou quem eu penso!
E penso que vivo
Mas vivo a pensar
Naquilo que sou
E para onde vou.
E vou no voo branco
De asas azuis
Pensando que voo
Mas não sei voar.
Não tenho asas
Para planar.
Mas sonho que voo
No vento
Nas nuvens
Que alcanço as estrelas
E penso e vivo e sonho
Que me embrulho nelas.
Conheço galáxias
Percorro cometas
Escondo-me no espaço.
Já não sei o que faço.
Sei que ainda voo e vivo
Que ainda sonho
Por isso levito
Algures no Infinito.
É isso que eu SOU.
Manuela Barroso, in "Inquietudes"- Edium Editores

Despe minha Alma




Despe minha alma os farrapos da vida
Não te vale a pena chorar por ninguém
Aproveita o momento, o teu dia-a-dia
Vive o presente. É o melhor que ela tem.

Sobe, lenta, os degraus da escada
Olha o poente, vê o horizonte
Não olhes para trás, ele é feito de nada
O céu sem limite é a tua fonte

Vê esta flor que vive tão só
Mas sempre te fala com a sua beleza
Nascida do chão, do jardim ou do pó.

Acalma-te no sorriso da criança
Que cresce simples como a natureza
Para descer quando a noite avança.


Manuela Barroso, "Inquietudes"- Edium Editores

Faço uma paragem




                     FAÇO UMA PARAGEM    


                 Faço uma paragem no espaço
                 entre o tempo
                 que passa na aragem do meu pensamento.

                 Confundo memórias do tempo que fui
                 viagem na história
                 da vida que flui.
                 Pousaram nos olhos longos de criança
                 saudades aos molhos
                 do tempo de infância.

                 Quem sou eu afinal
                  nascida na terra
                  girando no céu?

                  Partícula cósmica no universo sem fim
                  viagem incógnita
                  ao encontro de mim.

 
                     Manuela Barroso, “Luminescencias”- Seda Editora



























Passos Famintos



Enquanto te ouço nas penas suaves da música
pesam-me os passos famintos de paz. Vagueiam
na aridez de um deserto  onde a beleza das dunas
escondem o descanso da areia que adormece na
mansidão da terra.

Despejam-se junto aos detritos arrastados por
correntes, na tempestade das tormentas.
Vagabundeiam pelo cimento estéril onde nada
lhes sorri.
 
Levanta-te, irmão, penetra no bosque e ouve o gorjeio
dos pássaros numa melodia oferecida só para ti.
Senta-te à sombra dos sobreiros e acalma o teu
pensamento matando a tua fome de paz.
 
Segue o voo plano das águias na liberdade do
espaço sem fronteiras, sem pólvora, sem canhões
e no teu grito, traz a luz no relâmpago dos trovões

 Manuela Barroso - “Luminescências”

Ode à Alegria


 
 
Levanta-te, alegria
e canta as primícias dos caminhos de sol
que te levam aos oásis de luz.
Corre como a gazela, o altar do penedio e enche o corpo das flores
com a seiva do teu olhar.
Dissolve-te nas cores,
perscruta o latejar dos aromas no íntimo abandono do teu corpo.
Veste-te de musgo
e derrama a tua sede de música nos gorjeios dos gaios.
Persegue a penumbra
dos voos velozes das águias no sonho das escarpas.
Deixa-te entrelaçar
com as folhas mornas dos fetos
e abandona-te no imperceptível vazio de outras sílabas
escondidas entre os salgueirais.
Procura a embriaguez do sol da tarde,
lê o respirar dos morcegos e os rumores dos insectos
no seu passeio crepuscular.
 
Sussurra, alegria, com o teu orvalho,
ao veludo perfumado da folhagem,
afaga os corpos transpirados de sonhos
na sua viagem.

  Manuela Barroso