Deus e o eu
Sem motivo aparente,
Decidiu permanecer só.
E o fez.
Por alguns duradouros instantes.
Nu, num quarto vazio.
Foi então que na solidão se encontrou.
E pôde demorar-se em si mesmo.
Aventura como aquela nunca vivera.
E viver lhe pareceu tão abonador.
Tão revelador.
Despiu-se de roupas e coisas
Por óbvio,
Mas também das máscaras.
Das ansiedades.
Dos demais pensamentos que pesam.
Das intolerâncias que secam.
E das tantas futilidades de seu cotidiano.
Era o encontro com o Deus.
Desconhecido eu.Diadema estrelado
Musas a quem os deuses confiaram os dons inestimáveis
De inspirar e reger as tantas ciências e artes memoráveis
Figuras aparentadas que, etéreas, desfilam por entre dromos
Num concerto harmônico de beleza desconcertante e assomos
O Olimpo as reconhece por seu coro melodioso eivado de amores
Admirados, os helenos se deixam curvar e guiar por seus humores
Poetas vocalizam as ordens das moças e refletem delas os desejos
O deus Apolo as recolhe e conserva no Parnaso em sagrados cortejos
Da loquacidade de Calíope diante dos Céus de Urânia, sobrevém o mito
Eis a palavra que, nascida do entusiasmo, anseia reter o infinito
Enquanto a escrita exprime o que da verdade se pode alcançar
A amplidão do espaço desnuda o que só é possível ignorar
O gênio humano, ao contemplar a matéria, os mistérios e o firmamento,
Divisa o elevado e se dobra ante o supremo sol do conhecimento
O pouco que compreende do cosmos ele o encerra em pergaminhos
E, no exame contínuo de seus registros, permite-se percorrer os caminhos
Musas, de cujas paixões somos alvo, presidem e elevam o ato criador
Entes mitológicos que no tempo perduram, esmerando-se em seu labor
Calíope a Camões consentiu narrar em versos épicos a fundação da Lusitânia
Flammarion alçou voos oníricos e reveladores na companhia de Urânia
Nada mais a pretender senão os destinos riscados a fundo pelo estilete
Nada mais a enxergar a não ser o cerúleo que nos provoca contínuo deleite
Assim como rimas emparelhadas, Calíope e Urânia são uma na essência
Posto que as musas com o diadema estrelado cingem o livro da existênciaTempos
A palmeira marca o tempo natural.O relógio, o tempo secular.O santuário, o intemporal.Último solo
Avançou sobre o descampado como aquele que cobiça a catarse.
Acelerou a marcha, despiu-se, rodopiou, embebedou os sentidos.
Num golpe, alteou a cabeça e pôde divisar os tons azuis enegrecidos.
Restava-lhe claro que os céus, sem tréguas, inundariam seu êxtase.
Descarregou-se nele uma centelha raivosa daqueles raios em profusão,
Que, de tão luminosa, relampejou na retina daquela alma vulnerável.
Seu corpo, agora mais energizado, tombou despossuído e imóvel.
Era o derradeiro encontro com o solo, tocado pelo catártico trovão.