mari_80s_ana

Aquela leda madrugada


Recordo aquela leda madrugada,
No cais, sentada a ver o mar,
Pensando em ti, meu amor,
Sob o amargo consentimento do luar;

As ondas arrastavam-se, preguiçosamente,
Como se não me quisessem ver sofrida,
A brecha de luz que da lua vinha
Permitia a muitos ver-me ferida;

Lembro-me que comecei a sorrir,
Se por desdém ou paixão, não sei,
Talvez pela mágoa de te ver partir;

Deixei o meu pássaro voar,
Não encontrará quem o ame tanto,
Mas, para mim não ouse, nunca mais, voltar.

Dia mais cinzento


Dia mais cinzento que este,
Não via desde o início da primavera,
Tão piedosamente melancólico,
Assim como Deus quisera;

Corri aos tropeços para a varanda,
Não dando ouvidos à mãe a chamar,
Desta vez não para ver o meu amor,
Fui assistir o céu desabar;

Sinto-me inquieta, um reboliço em mim,
Olho o vizinho, as árvores agitadas no jardim,
Miro as senhoras apressarem o passo,
Apoquentadas, com os ninos no regaço;

Logo, um clarão estranho aqui se apodera,
Sem ver de quê, um último chilrear,
A mãe pisa a madeira velha, fugosamente,
Resmungando o cabelo que não chegou a entrançar;

Ouço começar a chuva de fininho,
O coração errar uma batida desenfreada,
Dou por mim a pensar nesta desgraça:
Como faço para deixar de amar,
Como estou sofregamente apaixonada.

Amor ardente


Amor ardente é aquele
que deixa a alma maltratada,
Tortura com o silêncio
E o desprezo de não ser amada;

Quando tal paixão despertou,
Me acho incerta quanto ao tempo,
Mas ser capaz de a contemplar
Serve para o meu contentamento;

Não sei o que hei de esperar,
Se para mim tanto me dói mais
não poder a ele tocar;

Expresso-me pela agonia,
Essa que me tem quebrada,
De quem ama e jamais foi amada.

De frente ao mar


Aqui me sento
De frente ao mar,
Não sabendo o que há de vir,
Não sabendo o que hei de esperar;

Dedilhando a areia,
Deixo-me levar por pensamentos,
Deixo-me molhar pela água,
Deixo que ela leve os meus tormentos;

E se o meu amor fosse tão bom
Quanto a formosura deste lugar?
E se o meu amor fosse alcançável
Quanto o medo que tenho de esperar?

A dor da incerteza é bem pesada,
Cuidarei do meu pássaro
Ou deixá-lo-ei voar?
Mal sabe ele que d'ele não espero nada.

Em cinzas


O choque,
O duro sabor da realidade,
Gosto de maldade e desilusão,
Uma pedra dura que depressa
Rachou os fios do meu coração;

Em cinzas ele se ficou
Quando te vi lá no alto,
De vestes, segurando-lhe a mão,
Enternecido, olhando-a
Com tamanha devoção;

E eu olhava-te com pesar
Entre as luzes da boate,
Desviando ruborizada quando,
Por descuido, o meu castanho Encontrava o teu chocolate;

Como se não te fosse ver mais
Queimava-te com o olhar,
Sem saber, derreti-me,
Quando dei por mim a chorar
Uma única lágrima para te consolar;

Eras o mais formoso e galante,
Por momentos de incoerência,
Vidrada em ti, no teu molde, pensei
Que tantos suspiros roubaste
Por entre todas que passaste;

E num momento de fraqueza,
Lá deixei eu que me maltratasses,
Que me fizesses ser a única
Com dor de não poder em ti ver
O que desejei anos que me pertencesse,
Que lutei em silêncio
Para que nunca se soubesse,
E porquê?
Que tal injúria bateu à minha porta,
Que me trás ira, tristeza
Que me põe morta,
Que me faz capaz de te culpar
Pela vida assim o ser,
Mas tudo volta
Com um novo conectar de olhos,
Vago, frio, distante,
As relíquias que tanto estimei,
Que me fazem ter vontade
De agarrar no que sinto e
Jamais repetir que algum dia te amei.