Maria Tereza Armonia

Como-ser


Uma certa grande melancolia...
um enorme pesar por não-ser,
não-poder, não-querer, não sei!..
Há, por vezes, um distanciamento incômodo
entre o coração e a razão:
um diz que sim, a outra, não!...
Um sentimento atordoado e oco
rasgando o peito, querendo se expor...
uma tomada de consciência
que impede o coração demonstrar amor...
um vento rasgado impregnando o coração,
criando intenções...
uma pedra de gelo envolvendo a razão,
obedecendo convenções...
o sim e o não, o belo e o feio,
a mão que auxilia,
o coração que aconchega...
o ser e o não-ser, fogo e aço,
apenas negações...
e o arrependimento doído
por não entregar-se a mão...
um angustiante aperto no peito
a alimentar lamentos,
obscurecendo a razão.
Ser ou como-ser - esta é a questão!

Aconchego


(O estranho casulo que me envolve
e me mantém resguardada,
quer hoje se quebrar)...
... ... ... ... ... ...
Mas a larva não quer ser borboleta.
Paradoxalmente, ganhar o mundo
significa ousar... experimentar...
estar suscetível ao entorno do casulo...
ao lá fora... às intempéries...
Por que quebrar o manto que protege
sem saber o que irá encontrar?
Por que romper com o doce envolvimento
sem conhecer o ambiente a conquistar?
Por que se expor a ares desconhecidos
se o aconchego aqui dentro é salutar?
O risco de ter asas e voar
compensa o risco de tentar?...
A metamorfose do feio ao belo
compensa o risco de se entregar?
A conquista da liberdade
compensa o risco de ousar?
... ... ... ... ... ... ...
(A borboleta, embora já tenha asas,
está morrendo de medo de voar)...

A musa canta


Engano o meu coração com os teus versos.
Finjo que eles são meus, porque assim os sinto...
Faço de conta que sou a mulher que amas,
na esperança de fazer verdade o que pressinto.

Aceito os teus carinhos com prazer imenso,
viajo em tuas rimas, com a alma em festa...
Me visto da imagem que forjas da amada
e me entrego acariciada à pena que a modela.

Desejo ser o modelo vivo p'ra tua musa
e me pintar das tuas cores. Ah!, quem me dera
viver posando de amor p'ra tua tela...

e na tua batuta, a nota que compõe a música -
sacra e profana, lírica e sensual - doce cantata
que te ame e te acorde à noite em serenata...

Criação


Dá-me a tua mão e me leva a caminhar
nos sonhos, nas doces esperas,
nas insensatas quimeras
ou no rastro de luz de uma estrela que cai.

Não quisera conduzir-me ao meu sonho,
revela-me os sonhos teus...

E se não quiseres deixar-me ver
o que sonhas, apenas toma a
minha mão e me leva...
Onde vais?
Não me deixa saber, leva-me apenas
ao teu mundo... ao teu nicho... ao teu ninho...
Tira de mim essa forragem estranha e
desnuda da minha alma todo o sentimento.
Toma-me a mim inteira,
faz de mim o que puderes,
cria-me, de novo, como quiseres,
cinzela a minha dureza
e anuncia ao mundo a tua
mais nova criação:
Tua, porque me criaste e porque,
para sempre, quero ser TUA....

ELEGIA PARA O TEU AMOR


Na madrugada das minhas eras sem tempo e sem data
em que sonhei com teu sorriso e fiz planos de futuro,
não estava patente e nem latente a verdade exata
das horas que hoje vivo - sem ti, sem mim, sem nada...

Foste um sonho cego e louco - que me fez aos poucos
me matar a cada dia, na ilusão de não morrer do teu amor...
Foste um futuro gorado, tão sem presente, sem passado,
sem história feliz p'ra contar - sonho acabado...

Nas luas e estrelas que passeiam no infinito,
resgato da lembrança os já passados anos idos
sem me dar conta de que tanto tempo já passou...

É que esqueci de caminhar na vida. Os pés fincados,
presos ao tempo em que o sonho era o único culpado
por eu crer que o mundo era meu, quando ao teu lado.