Paulo Sérgio Rosseto

OBSCURAS


Ampla mente em carne fraca, desfalecida
Cortada em posição obtusa, íngreme
Sangra como se forte fosse a textura
E tênue apenas o que a denoda e atenua

Ela no entanto costura e cola a pele
Onde a faca estraçalhara o talho
Por quanto a boca entreaberta geme
A réplica do choro do meio da rua falha

Dor de todos os povos no corpo entreaberto
Indevida, renunciada, desfeita solidão
Os vasos da ferida sangram, marejam
Que até mesmo os anjos destemidos sentem

A lâmina arrazoada é essa lástima íngreme
Afundada sem anestésico onde nem mais ofende
Quando convencidos enxergamos esbaforidos
Que todas as verdades obscuras mentem

O SAL DA TUA LÁGRIMA


A água pura
Quando da tua emoção desceu
Deixou rastros,
E verteu abundante
Entre cílios e poros
No entorno dos olhos teus

Mapeou o macio veludo do teu rosto
Acendeu a expressão casta da tua rosa
Riscou mansa a pele avelã em úmido apupo
Encharcou com rubor tuas maçãs e brios
Fez brilhar ainda mais as tuas meninas
Marejou os rebeldes fios das tuas franjas
Renovou vontades em teu soluço
Até ver-se displicentemente acolhida
Pelas costas âmbar, nos gestos parcos
Do enlace terno das nossas mãos

Tua anônima poesia, no entanto
Discreta e efêmera
Abrasou meus lábios
Ao me sentir no gosto azul
Entre o ósculo e a língua atônita
Ao provar do sal da tua lágrima

A POESIA DAS IDADES


Cresci afiando o fio da navalha
Batendo na palha o aço bruto
De cabo de pedra no couro encerado
Os lados convexo e côncavo
A foice tangendo, umidificada
Para enfim com mãos suaves
Raspar os pelos das caras

Nasci desbastando cabelos
Sobre toalhas nos dorsos
Com pentes de osso em meio às falhas
Debulhando fios entre os dentes
Ouvindo os estrondos das mechas
No chão frio e sem graça
Remodelando os rostos

Segui perfumando faces
Desenhando cortes, alisando têmperas
Dissolvendo salientes penugens
Protuberantes bigodes
Renovando as expectativas
Reinventando os inefáveis anos
Desmontando que se pensa que o tempo pode

Brinquei assim por toda uma vida
Conspirando com atrozes vaidades
Deixando os espelhos mais belos
As ideias mais novas
Os sorrisos mais brandos
Os rostos mais leves talhando
Amiúde a poesia das idades

AGORA E NA HORA


Agora e na hora e às claras,
Os sóis alarmam cicatrizes
Que o breu da noite nivela
- Amantes degustam lares
Chacinas aos montes afloram
A sorte nos morros expõem subúrbios
Rimas vitimam e denodam cóleras
Que em nada diferem aos sofrimentos palatais
Dessa moldura de amores e caras

Agora e na hora da fome
Todos entretanto sobrepomos
Mordidos aos pés das mesas e nas carnes
Devoramos pesos e nos sentimos úteis e bons
Porque gozamos aos jorros
E copulamos necessidades racionais
Contínuas e macias como pétalas
Entre espinhos, betumes e cores

Em meio à miséria e à discórdia
Entendemos que o mundo
É apenas uma pausa ausente de casa
Agora e na hora da causa
Entre corredores e palhas
Agora colhendo flores
E na hora das bobagens acobertas
Rogamos aos misericordiosos deveres
Penitenciando-nos das imprevistas falas

Revigoram-se os desejos
Na hora e agora afinal
Exibimos a convenção das mazelas
Tudo é perfeito, inclusive as falhas
Das enormes e densas e espessas lacunas
Onde se enlevam as laureadas almas
Aos céus das desfeitas favelas
E nas quintas de nossas loucuras

ATRÁS DAS PORTAS


Seria simples entender as dores
Armazenadas em pastas passadas
Na memória dos soldados
Que em repouso dormem

Lembranças que pesam seus tiros
Alardeados em forma de conceitos
Defendendo preceitos básicos
Junto às situações sempre amorfas

Parte da rua recolhe as armas
Outra revive suas histórias reunidas
Dispostas nos acervos e desacertos
Como varrer a sala, os cômodos

Sem desprezar a sujeira nos quintais
Os neurônios advogam sob a causa
Insistindo que felicidade é o cumprimento
Dos riscos das suas esperanças

Salve comigo homem da labuta
Compartilha manjares sem sofrer
Nas manhãs em que os sóis esquecem
Suas presas derretidas atrás das portas

VULNERÁVEL


A morte e a vida colidem seus rumos
Tão prontas quanto se beijam
Assustadas causam em meio às ventanas tortas
E a calmarias
Ambas resistem, insistem, e se entregam
Fiéis, copiosas e fortes
Ao pó das pedras das soleiras das portas dos destinos
E estes sorriem da sorte vulnerável de todos nós

Por isso todo esse mundo em moto-constante
De poeira e lama, massa e gosma
Flores, canções, poesia, luz e benesses
Se torna cuspe do infinito
Ainda que açodado e perverso
Cisto debaixo da língua amálgama do universo

O QUE SE TORNA SAUDADE


Nas arruaças do tempo
O que se torna saudade
São os acasos e as esquinas
Suavemente abraçadas
Degustadas e enlouquecidas
Pela imensidão serena do olhar

As informações, os colares
Repletos das grandezas ousadas
Às voltas por linhas tortas
Na face morna e morena
Das tardes, noites, manhãs
São prazos perdidos, instados
Nas curvas planas, revoltas
Flanadas em um mar carmim

Então nesse espelho a vida
Furtiva, ousada, enrustida
Namora e se entusiasma
No amanhã que certamente volta
E que se torna saudade
E se reapresenta simples
Feito janela barroca
Que se abre pensada e se fecha louca
Debruçando seu dorso em mim

TERNURA


O poro abre
Eriça o pelo
Espreme o suor

A pele
Como se em gozo,
Insana, explodisse
Pelos raros pelos

Úmida alma
Na penugem enovela
Em dose única!

Unem-se os polos,
O sonho aquece
Sob a língua, passeia
E o desejo abraça

O cheiro exala
Abrasa a calma
A mama espuma
Onde o anjo esbanja

É esta a prece
Da terra quando seca
Sua chuva veste
E a ternura fala!

ATRIZ


Procura o sorriso claro, impar
Deixado talvez colorindo
Junto às manchas reunidas
Arrancadas dos panos usados
Pendurados entre as chaves
Dos chuvosos dias de fim de outono

Busca aonde a chance da morte não bate
Próximo às pegadas no barro
Das estranhas estradas desertas
Ou nas peneiradas areias
Seladas por ventos firmes
Em ritmos, rimas e suores

Traz suas doces uvas maduras
Para o nosso vinho evoluir
Decantar nos silêncios confiados
Aos caramanchões solitários
Enlevados pelas vivendas
Enevoadas e em nada iluminados

Cuidarei das pétalas amarelas
Dos aromas e do risco
Decepando as percepções
Os preconceitos entre o palco
O carisma, a praça, o júri
A plateia, o vinco e a taça

FAXINA


Introspecto queimo todo o lixo que deparo:
O bem do mau, o luxo e amorfo
O sórdido e prolixo da boa intenção
Sob a desculpa da fala, das justificativas
No refluxo prévio da arrebentação

Limpo as gavetas, os arquivos do córtex
Varro o chão da memória, rastelo vértices
Arestas e faces que gramam minhas vontades
As mais sujas e obscuras possíveis
Por meio século sem razão recolhidas

Uso da palavra como ferramenta de mão
Que escava intenções, remexe pensamentos
Remodela a arte transformadora do sentir
Para erguer-se altivo e predisposto
Reforçando colunas e produzir gentilezas

Eis a forma como decompõe-se a cera que me arde
Mínima chama no escuro da morte
Porem transparente e útil como lâmpada e luz
Limpa, livre, solta feito flocos do sal
Que depuram lagrimas de silêncio no porvir da idade

Sigo, por fim, andejo pelos polos de um imã
Que desperto e involuntário reverte meu leque
Provocando por sinais longas tempestades
Cujos ventos internos de sua doma reformam a manhã
Por onde diuturno construo sadias as minhas tardes

RESILIENTE


A menor partícula resistente
Reside no momento
Onde quanto maior for o desejo
E mais ardente
Efêmera será a hipótese
E o receio
Da palavra ser partida ao meio
Ou prender-se no silêncio
Do beijo velado
E dado pelos lábios
Num hiato entre os dentes!

ISTO ASSIM É VIVER


Prepara tua sala
Os anos sucessivamente virão visita-lo
Um a um, na fria sucessão dos dias.
Hoje denodam demora em chegar
Depois deverão arguir-te em maior intensidade
Quando por fim passarão carregados pelas
Asas dos arcanjos que nem irás notar.

Mantenha tua casa à parte do entrevero
Limpa das impiedades, forjada à sombra
Dos arvoredos dos bons costumes
Sob a lâmina da razão.
Entretenha-te com as iguarias
Produzidas pela sorte que te merece
Saciando-te os teus anseios
Pelos corredores das paixões.

Faça o que há de belo
Que a tua alma denode o bem
E o teu espirito em equilíbrio ilumine
As conjecturas dos propósitos e das boas respostas.
Viva o teu presente
Por todos os motivos das
Assertivas de estares vivo
Entre os homens de bem.

Nada terminará, apenas o tempo
Será então tua mobília
Irá decorar os teus cômodos
Permitirá as tuas portas
Delimitará os espaços teus
Entre o risível e o que sois.

Isto assim é viver!

SÓRDIDA MÃO


Sórdida mão esta, que assegura o lucro
Que apara a lente, sulca os sentimentos
Redireciona o ar, reendireita a vértice
Reapruma o leme, estribilha o mote
Mata a pastilha exangue, enxagua o molde
Se deita vaga, vagamente boia
Copula lerda entre as pernas tortas
Das tardes martas, corpulentas bolhas

Algas magras, estas brandas nesgas
Endiabradas, aferidas, federadas
Quando ajoelham pedem resolutas
Absolutamente anoitecidas, reclusas
Repletas de calos que incomodam
As incoincidências, e discriminam
Adoidadas tudo que de lúcido enseja
E rasteiramente rastreia e arrasa

Convexa aurora, então desconecta da noite
Adiciona o dia intersol sob as asas puas
E se não voa, cavalga ao menos no longo apelo da lua
Fazendo chegar inteira a satisfação da mera escolha
Nos labirintos arcanos, desformados, sem cheiros,
Sem gruas e nexos, ceifando as falsas hipóteses
De se encontrarem as duas, nos momentos
Raros e rarefeitos no afio laminado da navalha

A DOR DA HORA DA MORTE


A dor mais desnecessária
É a da hora da morte
As demais ensinam a viver
Amar, proteger, buscar, crescer
Encontrar o caminho
Refletir interminavelmente.
É diferente de sofrer
Com a intensa geleira
Que revolve os porões da alma
Também não significa
Desapropriar-se do amor esvaído
Quando o coração não desapega.
A paz escala as mais altas torres
Nas sabidas valsas de adeus
E não há munição nem tecnologia
Capazes a dimensionar a inteligência
Dos peitos castigados em ebulição.
Entretanto em meio a tantas provações
Os corpos reagem às guerras diárias
E se acostumam a reinventar a ordem.

Todo o animado deve a vida
À luz da ilusão de ser eterno
Mas nunca se pode fazer quanto ao fim
Da dor da hora da morte.

AMIGA


Amiga, tens o fino sabor frutado de tâmaras
Tangerinas, ares das montanhas de Bourbon
Pêssegos do Sul
Misto de maçãs e as fartas uvas bordô
Das roxas terras da colina
Borbulhantes taças em cristais
Translucidas de desejos

Pela manhã dei-te poemas
Devolveste os olhos de Martin Brest
Chris O'Donnell, James Rebhorn, Gabrielle Anwar, Frank Slade
All Patino, Por Uma Cabeza
Gardel, em Perfume de Mulher
Nas cordas de Katika Illényl

Entre os acordes do teu tango
Decorei às cegas simples passos
Abertos em cinco mistérios
- Um para cada página que de ti se apossa
Rezando semitons onde cantam
Aprestadas hordas de teclas e acordes
Por meu singrado e arteiro bandoneon

ACERCA DOS ARAMES


Sou sertanejo por opção, adotar o campo
Admirar as belezas escondidas nas simples folhas
Pelo cheiro doce da terra úmida quando garoa
Pela poeira que enrijece e o suor que decorre da lida
Onde caleja, queima e salpica o couro ao sol na peleja

A vida criou-me dentro das salas
Mas os meus olhos sempre passearam pelas campinas
No perfume das sombras das tardes
E minha voz interpreta os sons e cantigas
Na fala da palavra e cultivo da poesia
No gosto saudável do que se planta e produz
Daquilo que se colhe sem escolher
Que nasce da bonança ou pena na aridez
Da espera que vingue, na paciência que frutifique

Tudo o mais é sinônimo e já fora dito

Acerca dos arames que divisam e margeiam teus acres
Declaro, por fim, com profusa verdade sob a pena da grande luz
Que a imensidão das tuas glebas
Não apequena meu mundo
Não torna diminuta minha terra
Não escarnece meu quintal
Nem tripudia minha posse
Unicamente agiganta e efervesce
O orgulho que sinto por minha pátria
Feita de soberanas conquistas
Que a torna livre dos grilhões das tuas mãos

ENTRE A PELE E A MEIA


Quantos apelos há entre a pele e a meia
Serena seda que recobre a perna
Encanta os poros, esperta os olhos
Aveluda o tato, arrepia a penugem
Traz volúpia, seda os lábios
Navalha a carne, orvalha a alma

Tanto veneno está nesta candura rara
Que divisa a faixa, apreende à teia
Reaviva as margens, festeja as bordas
Margeia a taça, absorve a brisa
Rosa macia de pétala farta
Amordaça o senso, incandeia

Magna estrofe, carinhosa vasta
Mansa e plácida cheirosa lua
Tens a malícia sedenta exposta
Da serena vontade de mergulhar às cegas
Na onda abrupta entre o mar secreto
E a enxurrada arrítmica da vaga nua

A IRMÃ GÊMEA DE MINHA IMAGEM


A irmã gêmea de minha imagem
Caminha em forma de sombra em mim grudada
E a cada gesto meu transfigura-se tão rara
Que ninguém percebe de tão comum
E se apercebe nem repara

Por vezes retém dedos e traços
Esconde braços, confunde o dorso
Camufla o esqueleto
Deturpa os reféns detalhes da face
Em face ao que de mim se amolda e sobra

Mas ela, a minha sombra, não é meu lado ruim
E sim o retrato oposto à luz que me alumia
Que nem ofusca, enaltece ou contradiz
 
Por não ser translúcido o frasco
Não significa o desenho que o povoa
Esquivar-se sem forma e beleza
Deixar de ser intenso ou grato
Nem fantasma, opaco, nem ser nada
Diminui ou aumenta o que se preza

A minha sombra vai por mim
A cantos etéreos onde a alma iria sozinha
Mas não se assombra, apenas desalinha


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AJUSTES


Quanto mais longe pude ir
Foi o momento que pensei
Nas viagens oportunas da vida
Fui sem de nenhum lugar de partida
E por haver chegado e nem ter saído
Dei-me conta ter voltado

Sou nuvem densa que se forma e derrete
Onda brava que arrebenta e desmancha
Vento que derruba e se esconde
Raio que explode e apaga
Estrondo que brada e silencia
Maré que enche depois foge
Fogo que aquece e extingue
Gás que pulveriza e some

Sou riso que escancara e aquieta
Sal que desce da lágrima
Vertigem que amarela e tonteia
Dor que tortura sem pressa
O cansaço que fatiga a célula
Partícula que protege a veia
Risco do azar sobre a sorte
Saliva cuspida na areia

O fio do novelo da lã
Feito o branco cabelo da orelha
Essa agulha que se põe a tecê-la
Entre os dedos da avó persistente
Película que enovela o casulo
E o delírio da foz que enevoa

Tudo enfim consumado
Não porque me quis concluído
Modificado por mero descuido
Somente ao meu tempo ajustado


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TAPERAPUAN


Das tantas pedras seguras
A que mais me traz ternura
E arrefece a minha alma de encanto
Está em Taperapuan

É uma poliforme rocha
Esconde seus viços na agua
Refastela algas e lodos inquieta
E some quando a maré lhe amansa

Depois enquanto ronca a vazante
Aflora abundante molhada
Crescendo crescendo rebelde
Imponente, majestosa, encantada
Feito uma índia morena
Meio pedra, meio dama
Verossimilhança da deusa
Que nos meus braços descansa

Eu, tão marujo e barqueiro
Nada faço senão a canto
Enquanto ela em mim irrequieta
Friamente se recosta e dorme
Alentando meu viver de poeta


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FRATERNOS


Sempre trocamos afetos
Olhares
Afagos
Rimos sozinhos dos descaminhos
E apegos
Às mínimas espécies
Cerceadas em nossos passos

Sentamos juntos
Na mesma cadeira da gigante roda
Que nos gira
Revira
Rola mansa ou veloz
No entorno da escada
Absortos e embarcados

- Por vezes cegos
Domamos frigidamente a cerca
E a cena e a estrada
Enamorados e guardiães
Aprendendo as proporções inexatas
Que nos entalam e atrelam
A mente e a garganta

Tão vasto é o deserto
E esse aperto isolado
Ludibria e nos enumera ternos,
Longe ou perto
Cada um a seu modo
Eternos reverenciando
O que nos torna perfeitos
Mais justos
Fraternos

O MURO


O muro que separa
A minha casa da sua
É o mesmo que resguarda
O meu leito da rua
Que por vezes aplaca
Nossas caras e bocas
Ou então em bordões
Interrompe as amarras
Da boa convivência.

Juro que somente desatrelo
A minha casa da sua
Por mera formalidade oficiosa
Pois nada mais nos alicerça
Aproxima e atenua
Senão nos encontrarmos
Pela doce fissura
Entre um lado e o outro
Dessa parede ardilosa
Inclusive nas horas
Em que as cozinhas misturam
Venenos e aromas.

Por isso
Nosso humano muro
Foi construído de argila
Mel, chouriço, apupo
E ar puro.

GAIOLAS


No pequeno alpendre, a mesa e seis cadeiras
Uns bancos malfeitos com restos das madeiras
Reaproveitadas das destocas do terreiro.
Sobre a mesa maçãs, folhas, flores e jarros
Desenhados na toalha plástica cheia de poeira.
Lembro ainda dos palitos queimados
E guimbas amassadas, dos palheiros pisados.
Logo à frente um risco de agua vazado da torneira
Das galinhas ciscando sobre as próprias fezes
E dos cachorros e gatos deitados na soleira.
Roseiras plantadas em canteiros separados
Por tijolinhos enterrados na diagonal.
Cascas de laranjas, pés de mamão macho
E os portões tortos amarrados
Junto aos mourões das cercas escangalhadas
Entre touceiras de mato, guariroba e pimenteira.
Um silêncio lascado se estendia pelas ruas do milharal
Cujas bonecas tagarelavam ou dormiam quietas
Transtornadas de gostosa meiguice.

Era apenas domingo, ninguém trabalhava.
Os parentes viriam de novo somente no Natal.
Enquanto isso o presente era a saudade e a velhice.
Nós? Assistíamos a tudo de dentro das semiabertas gaiolas
Penduradas por pregos à sombra, nas paredes.
Comíamos restos, matávamos a sede.
Recordo daquela vida como fosse agora:
Cantávamos solidários blues desafinados
Alimentando os sonhos daquela gente da aldeola
Até que batessem asas para o mundo
E aprumados como nuvens livres
Em busca das cidades torpes fossem embora!

PORTO SEGURO


Disseram-me ser este
O berço histórico do Brasil
Um pedaço encantado de país
O enlace com as Américas
Num laço entre continentes
Lavado por um oceano de raízes

Seria mesmo o ninho da linhagem
A mãe que pariu um povo
Sofrido porem de insights felizes
Pois as caravelas não pararam aqui
Zarparam adentrando as terras
Velejaram entre as matas escuras
Esculpiram uma pátria inteira
De aldeias que tornaram cidades
O que antes era sertão
E as metrópoles tomaram espaços
Circundadas por rincões

Foram construídas as noites sertanejas
Estas repletas de heróis vilões de uma linguagem
E ímpares cheiros de presente e passado
Ainda que desprezemos a epifania
O progresso e nossa própria historia

Essa bacia de bordas de areia
Completa de agua de sal
Ostenta o brilho da lua
Ecoa as vozes do sol
Guarda os segredos das velas
Por onde estava eu e chegou Cabral
Quando então recoberta
Atrevia-se a estar desperta
Virgem, intacta, deserta
A orla inteira que lhe recobria

Nativos e visitantes
Punham os pés nas praias
Demarcaram-nas territórios seus
Foram-se dividindo aos pedaços
- Tantos para ti quase nada para mim
Fingíamos donos do ilusório escambo
Que desde outrem praticaram
Mea-culpa, praticamos

Essa minha geração até hoje
Demoramos a reconhecer que pecaram
Que pecamos sendo verdadeiros
Por atos fomos deixando-nos explorar, fenecer

Eu não sei onde se esconde essa gente
Mas sei por onde estiveram e vão
Se continuo íntegra, permaneço bela
Sou dessa aquarela a origem da nação
Miscigenados nos tornamos brasileiros!


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LAMPEJOS


Os sábios cientistas
Debruçados em seus próprios cotovelos
Discutem ferrenhos os argumentos
De Carl Sagan
Investigados em mil novecentos e noventa e três
Quando a sonda Galileu na proa de Júpiter
Estampara nas telas
Intensos brilhos no mar
E ainda hoje os satélites denunciam
Complexos flashes
Estranhos cirrus
Observados do espaço sidérico

Acreditam ser minúsculos cristais
De gelo filiforme
Que flutuam quase horizontalmente
Nas nuvens de grande altitude
Em determinadas latitudes
No entorno do planeta
E que refletem descontrolados
A luz do sol
Conforme explica Marshak
Montado em seu DSCOVR

Mas eu
Tolo atemporal e
Inveterado transeunte
Contrariando os desbravadores das obscuras nebulosas e
Instigadores viandantes
Concluo que tais momentâneos brilhos
Centelhas, faíscas, cintilações
Provém todos dos lampejos
Do desejo de beijos dos lábios teus!

EXERCITANDO


Exercito os dedos nas cordas do violão
Exercito os olhos omitindo a luz em profunda cegueira
Exercito a alma apiedando-me misericordiante dos meus próprios erros
Exercito os dentes mordiscando as linhas estiradas na folha branca de papel
Exercito as pernas caminhando trôpego, bêbado, irreconhecível
Exercito a fala quando calo e consinto com o que diz você

Ponho a paciência em exercício

Coloco frente a frente o pecado e o perdão em exercício
Admito o glamour e me estraçalho a bel prazer em exercício
Componho os meus versos amargos em exercício
Deixo meu dedo em riste rumo ao seu nariz em exercício

Exercito a verdade
Exercito a fome
Exercito o coração
Exercito a oração
Exercito a ação

Dou a boa fé em exercício

Exercito quando abraço a causa

Luto apenas por exercício

Executo as leis do exercício

É bom morrer assim, exercitando

FAZ TEMPO


Sempre haverá prudência
Onde a determinação persistir
Pois produzimos espaços tão sequenciais
Incapazes de passarmos despercebidos da vida

Contar os segundos jamais irá retomar
Ainda que retardemos os passos e as horas
Conviver com o refluxo das auroras no ventre protuberante
O griso leve ou intenso nos pelos rareados
O estresse que masca as gengivas violadas
O desalinho das vértebras desbastadas
A pele, os poros e os sujos porões das artérias
As retinas que desapegam das imagens
A fala que se deixa deflorar por
Tudo que não se pode mais ouvir
Refizeram-se por si só

Não faz tempo, nem muito tempo por sinal
Que acampamos no retardar dos dias
Agora é o entremeio entre o ontem e o porvir
Caminhando mesmo a módicos e lerdos passos
Repletos de sabedoria, ainda que confundidos
Entre a subserviência e o servir
Das lições que pelas trilhas empreendemos
Retomadas da infância reavivada e
Entremeada de vorazes utopias

PRÉDICA DO APRENDIZ


Que a fé se fortaleça e convença os votos
Que prevaleça a esperança e alimente os sonhos
Que a entrega seja plena e a fraternidade se farte
Que o silêncio domine a língua e os atos
Que a oração sobreponha-se a todas as vontades
Que os exemplos complementem os ritos e mantras
Que a transparência da alma se encontre
Que a busca não deplore as próprias conquistas
Que as vitórias resultem da humildade
Que o regime não regule as rotinas
Que os exercícios excitem as experiências
Que os segredos não denigram a caridade
Que se refaça a insistência em persistir
Que exista a verdade conduzindo o espírito
Que reflitam os gestos em profunda alegria
Que os passos sejam certos e aos caminhos atentos
Que as palavras construam sólidos templos
Que os efetivos laços jamais se rompam
Que os braços dados elevem a honra
Que as mãos impostas realizem milagres
Que sempre o perdão conserte os destroços
Que se respeite a justiça e o mérito da ordem
Para que tudo valha por estar justo e perfeito

HÁ NO MAR


Há no mar um rumo aberto entre a onda e a lua
Há na lua um amor tão casto onde atua a fase
Onde teu uso assa, onde minha asa flana
Em profana massa e o sal em aço flutua.

Aí pela água revolta ou calma
Um vento repassa o presente ameno
O contraste ermo, a ausência rasa
Na maré intensa pela alma vagamente encontrada.

Há no mar uma busca eterna entre pernas e arbítrios
Há marujos enxaguados purgando desejos
Nas penas lanças e roldanas, continuidade e volta
Entre uma área e outra nas complexas armadas.

Em alto mar está meu amor próprio
Consolando as gotas que evaporam
E se perdem mansas no curvilíneo horizonte.

Além dos meus braços fincados no mar
As minhas mãos solevam nuvens
Distribuindo-as feito filhas dadas ao mundo.

FORA DE MIM


Minha vontade gostaria de morar
Na rua dos insensatos
Naquela vila tranquila
Que nem é cidade nem mato
Onde crianças brincam soltas
Correndo entre cães e gatos
E toda a gente desperta
Com a sinfonia dos galos
Cheiro de café com bolo
Pão quente, manteiga e broa
Onde se canta e se ri à toa
De tanto que tudo é farto
Vizinhas trocam sal e açúcar
Cebola, óleo emprestado
Tramam final de semana
Compartilham remédio e receitas
Num mundo imaginado

Num início e fim de curva de estrada
Descomparando o sol
Totalmente habitado
Dentro das minhas leis
Mas fora de mim irreconhecível
Vive um desertor deserdado

FIRME E SEGURO


Não deixarei de viver
Simplesmente porque a morte
Insiste em roubar-me os anos
Diminuir meus dias
Reverter meus planos

Por ela beberei sem remorsos
Saltarei minhas lágrimas
Jantarei regularmente
E vou dormir sereno
Sem pressa e mágoas

Ainda que a mente esclerose
E os movimentos sejam parcos
Não desejo apoitar meu barco
Em porto firme e seguro
Longe do turbilhão das águas

Pois não é assim que aprendi
Senão o destemor e a persistência
Daquilo que sou por merecer
Adaptando-me à aventura
Desta breve existência

O único cuidado que tomo
É adiantar as escritas
Dos versos iludidos com as penas
Da vida que me é furtada
Mas não dos meus poemas

FOGUEIRA


Tanto faz estar
Na barranca de um rio
No encosto da estrada
No meio do mato do nada
Na praia da beira do mar
Quando a noite faz frio de se abandonar
Ajuntamos gravetos e folhas de papel até
Ou qualquer outra coisa que houver
Para aquecer o relento e iluminar
Sem ferir o lume das estrelas ou luar

Tanto faz estar
No macio recosto de um sofá
No tapete estendido na sala
Na rede da varanda
Ou sobre a cama debaixo das cobertas
Entre lençóis e cumplices travesseiros
Ajuntamos desejos e todos os anseios
Afagos, carinhos, suspiros e sentimentos
Para aquecer os amores
Pouco importando se irá durar

A natureza da fogueira prenuncia
Entre o sonho, a necessidade e a beleza
Em tudo que o calor da brasa ousar

O TEMPO E O COPO


Há momento de rudez assim emborcado
Um copo liquidado sobre o mármore frio
Liso corpo transparente e sem vértice e cabo
Que nós mesmos o deixamos quieto e vazio

Nem jarro nem taça nem cálice ou xícara
Apenas comum instrumento sem alça
Que as mãos o levam raso ou cheio à cara
E mata a intensa sede da língua e da boca

Depois do bebido e não mais necessário
Aguardará pela própria água ser limpo lavado
Enxuto para outra vez pelos lábios ser usado  

Se descuidado cai e parte-se em pedaços
Feito o tempo sem proveito desperdiçado
E jamais alguém poderá unir-lhe os cacos


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A LOUCURA


Acostumada à agulha, ela mesma nem mesmo mais nota
A costumeira gincana cingindo a tela clara à onda escura
Com a linha bandida que segue rota ao fim do dia
Alinhavando as barras da tarde junto à costa impura

Vai usar sempre, em festas e bailes esse seu traje longo
Enamorada verá a bela túnica e a calça nova em cores vivas
Com pinças de sino ou apertada estética estritamente à moda
Acendendo as decências que ocultamos com as nossas dádivas

Plástica sombra que derrete os brutos e intumesce os lábios
Que desejam beijos e ardem as brasas das nossas brisas
Deu-nos certezas de asas leves que flanam as luas
Enluaradas, pudicas, enevoadas, aveludadas, concisas

Convém supor assim que essa deusa má e de face torta
Endoidece o mundo, sacode o tempo, e jamais se encerra
Com seus segredos malditos, amalucados, apodrecidos
Fazendo farra e ceifando avara por toda a terra

Na lógica amarga, quem não a vive, entretanto e não a salva
Dos próprios elos nos fartos erros dessa ventura
Viver é certo, mas que importa se estamos presos ainda que
Acorrentados, vivificando as diabruras de uma loucura

INFINITO


Há quem acredite surgir a noite
Para dar chance às estrelas
Mostrarem o próprio brilho.
Poucos têm a consciência desse ledo engano;
O Criador nada mais faz senão nos proporcionar
A oportunidade de, a cada dia
No firmamento revê-las luzir

Ai de quem não se abre para os horizontes
Não sente o bailar dos ventos
Despreza a rotina do sol
Ignora o espetáculo que é a vida
Desdenha da grandeza do tempo
E vive refém dos próprios sentimentos
Escravo das convicções e do que passou

Deve-se sim cultuar os anos idos
Como dádivas e o porvir como merecimento.
De resto é abrir os olhos e encantar-se
Com as constelações e o infinito

ÓBVIO


Tem certas coisas no mundo que é bem melhor não saber
Fatos que o tempo diz explicar, mas que prefere esconder
Camufla no já moído peito da gente e se descobre faz doer
Dói tanto que às vezes mata segredos do bem viver

Ninguém procura verdades pelo tosco prazer de sofrer
Assemelha-se à saudade, vem com o inconsequente querer
Desce e se apossa da mente, invade o corpo, confunde o dever
De se evitar que se morra matando o seu próprio ser

Se um dia for necessário seu cais impedi-lo ver
O sol das respostas claras da clarividência desprender
Jamais constranja o destino, deixe o impreciso acontecer

Pois tudo se acha, se encontra ou também pode se perder
No exato propósito do óbvio repentinamente surpreender
O intenso paradoxo da vida que se renova ao nascer

SERÁ POSSÍVEL?


Será possível explicar como se faz iludir com beijo
Contar como trair com perverso olhar
Driblar caminhos através de palavras
Sonegar silêncios sem conforto e apreço
Ensinar a ser rude, impuro, a ter álibis
Produzir desculpas insignificantes
Visíveis desmandos que desmantelam
Os mais nobres argumentos formais

Saber precisamente dessa impureza mordaz
Que ultrapassa os vis acintes
Onde pulula o apodrecido comportamento
A qualquer um tornar-se indigno
Profanar os dias com ócio cabal
Vociferar urros em busca da caça
Açoitar o tigre que em si esconde
Amordaçar e nutrir de tédio o ser

Depois converter as dores e lágrimas
Em doces pecados banais
Estigmatizados em assombrosas orgias
Ou na abrupta e sórdida loucura
Traçar o ódio sem rumo feito abutre
Desculpar-se da vida e do receio mesquinho
Degenerado, padecer à sombra do tédio
E por fim não se arrepender jamais?

O SOPRO NA FLAUTA


Na cadência levamos as tarefas da vida
O fato de amar a decência nos atos
O riso, alegrias, o choro, sonolência
E tudo o mais precioso e preciso
Para ornar os temas dos falsos dias

Escolhemos assim os caminhos
O sopro na flauta, a música, melodia
Que encanta, encaminha, convence, implica
Ou envelhece a derme, descarna ocasiões
Estagna a atmosfera que fere e acalenta

Sambamos na prece, faltamos no ar
Ritmamos certos no piso e na mágoa
Seguimos a pauta apolítica, complexa
Compressas atadas, lerdas, sem pressa

O esqueleto não mais suporta ir longe
Onde se vai, de onde vir, como existir
Sem achar os termos de ser parecidos
A paredes plantadas, caiadas, refletivas
Repletas de historias, intolerantes parcerias

Reconhecidas todas as notas, remexidas viradas
Nas cenas burlescas dos raros momentos
Em que comungamos religiosidade e suingue
Permitindo o aporte das áreas revolvidas

Nunca mais somos todos tão santos
Quanto absurdamente animais

LAVRADOR


Implanto na terra boa letras nuas
E dos sulcos úmidos da fértil roça
Surgem sílabas que o tempo, o sol e o orvalho
Transformam em árvores-palavras que viram versos
De onde colho doces poemas e poesias.
Sou lavrador de ideias e pensamentos
Astronauta, médico, romeiro, afiador
Das laminas que remexem as emoções,
Ânsias, paixões e os sonhos de quem me lê.
Cultivo estrofes como se faz amizade
Remexo as glebas com minhas saudades
Aro os solos no aguardo dos brotos
Das cantigas, lamúrias, lamentos e canções.

A fortuna que tudo isso me traz
Resulta dos abraços que a tua alma me dá
Dos risos quando tua face se encanta
Dos silêncios que teu vulto transborda
Dos teus gritos que me restam calar.

UM TREM


Um interminável trem desfila na passarela de aço
Suas negras e afiadas roldanas de prata.
Umas cantam, outras gargalham adoidadas
Criando turbilhão, fazendo veloz algazarra
Na preguiça ensolarada do meio dia.

Há vento e poeira, além do escandaloso sol
E o peso do mundo sobre os dormentes da linha férrea.
Dentro da dezena de vagões, homens e malas,
Desejo de retorno, choro da partida, cumplicidade.
Também há mantimentos e nos últimos lances
Uma pequena manada presa em paralelo e com sede.

À frente, solitário, debaixo de um quepe amarelo
E por traz da suada gravata, o maquinista percebe
A distância emendar os trilhos que flanam feito folhas
De almaço, estiradas na luz absoluta e crua.

Enquanto esperneia incontinente pela estrada,
Apita e acena quando percebe a moça recostada na soleira
Tomando água, distraída, vendo um trem passar na frente da casa
No meio do mato, preso entre o encanto e a serra.

SER PÁSSARO


Preciso fugir
Subir, voar
Descobrir novos sons
Empinar as plumas
Arrepiar as penas
Olhar de longe
Apreciar, desafiar limites
Ser pássaro
Sumir
Encontrar pistas
Treinar os olhos
Decidir distâncias
Emparelhar
E ao mesmo tempo estar só
Num espaço único
Imensurável!
Degustar azuis
Vislumbrar as cores
Desaparecer
Reencontrar o apropriado
Recolher histórias
Religar os raios
Reconhecer perímetros
E distanciar
A necessidade do desnecessário.
Nesse jejum
Remoldar a terra
Caminhar desapegado
Desandar
Reafinando o pio
Desafinando o canto
Traduzindo
O eterno perfil do universo
Moldado no interno desejo
De existir.
Ah, incontrolável sonho
De reformular!

O VENDEDOR DE PICOLÉS


Parte um avião rumo ao infinito
Já pensando onde irá pousar
Carros saem de garagens
Motos circulam entre ônibus e caminhões
Todos com viagens demarcadas
Também as bicicletas e os barcos partem
As charretes e carroças os trens
As meninas nos patins
Carrinhos de pedreiros baldeando entulho e massa
A senhorinha da feira arrasta a cesta com rodinhas
Tudo vai girando sobre esferas e aros
Desenhando retas e círculos
Circulando por ruas quietas e tortas
Movimentando elétrons
Por dentro da terra
No meio do mundo
Por entre nuvens e raios
Em todas as horas
Na velocidade do justo

E apesar de toda essa pressa – ou não – sobre rodas
Passei lindos dias esperando na porta
O vendedor de picolés

NECESSÁRIO


É quando escurece que embarco
E meu barco solto de amarras
Segue sereno na valsa das ondas
Para o meio do imenso mar
Desaparecem os medos
Submergem as angústias
E esse oceano de silêncios
Abraça intenso meu dorso
Onde ninguém há comigo
Onde a água é o único nível
Onde encontro indelével
O incrível sentido de amar
Distante das terras, do continente
Longe dos meus propósitos
Ali deposito minhas preces
Despojo os sentidos e as vestes
Que rasgam, agarram e modelam
A liberdade e o estado de estar

E quando amanheço volto
Retomo o rumo e prossigo
Equilibrando meu vulto
Mais prudente, necessário e digno

INOCÊNCIA


Que importa amor ter ou não malícia
Se as bocas que em outras bocas deliciam-se
A tua e a minha imaginam-se juntas

Se as mãos ausentes não se tocam
Acalmam-se porque se entendem íntimas
Se os olhos somem na volúpia dos passos
Encontram-se nos olhares radiantes

Importante amor quando amar significa
Suprimir qualquer distância oculta

Inocente seria acreditar ser esta busca
Um derradeiro poema destes escritos

Continuam feitos entre verdades absolutas
Atrevidos, perfeitos e intimamente nossos

SAGA


Nuas
Três lagoas ardem no ermo da noite de junho
E perambulam no frio das avenidas
Cantam, uivam, bradam, clamam
Inacreditável latejam enfeitadas
Festejam, se juntam e se espalham
E inflam, e orvalham suas relvas

Onde começa a madrugada
Dois rios ali copiosos
Aguardam ansiosos em seus leitos
Que elas meninas
Neles se deitem e aninhem
Sosseguem o desejo em vertentes
E misturem as próprias águas
Lambuzem e beijem as ondas já sem margens
Renovando a vida e seus sais
Cruzando pernas e braços
Unindo as bocas abertas
Sedentas no cio

Copulam sem pausa em sinfonia
E quando o sol vem
Navegadas, retomam suas poças
Delicadamente ensopadas de vida
Cheirando a taboas
Renovadas e cantantes
Aquecidas, refeitas
Rindo das nuvens
Refletindo os raios do dia
Absolutamente intensas e fartas
Por onde capivaras e tuiuiús pastam
Junto ao povo que descuidado as circunda
Construindo no entorno
A própria historia

OPORTUNIDADES


Sempre haverá um dia recomeçado
Alguma notícia mais recente
Um caminho próprio novo
Conecções seguidamente amáveis
Uma idéia que reluz e inova
Desmesurados saberes que ensinam
Alentos que revelam e renovam
Amizades e amores reanimados
Expectativas seguras, estáveis
Sentimentos profundos, sinceros
Fatos que perpetuarão irretocáveis
Momentos que partilham e acrescentam
Passeios por recantos inesquecíveis
Sonhos e devaneios paralelos
Recortes e retalhos apropriados
Ventos que retomam as rotinas
Viagens por atalhos improváveis

A todo tempo inauguramos oportunidades
Ou desistimos feito chafarizes desligados
Eixos sem hélices, movimentos sem espaço

Sabe, viver é uma farsa em duas vértices
Ou vai-se à frente ou perde-se o passo

VIAJAMOS


Na rua tão estreita
Só uma câmera espreita
E registra o que acontece:
Rastros quase apagados
De alguém ter ali passado
De ninguem estar ali presente.

Talvez qualquer hora volte
Ou possivelmente nem venha.
Se voltar captará a imagem
Se não vir ficará intacta
A cena da rua deserta
De um filme sem interesse.

São assim as emoções
As saudades e os pensamentos
Que gravamos na memória
Do tempo que não retoma.
Viajamos sempre indo embora
No vai e vem dos momentos.

INDEPENDENTE


Meu ousado coração insistente
Vive permanentemente em festa
Trabalha contente, bate cantando, pulsa o sangue
Com tamanho vigor e desenvoltura que por vezes
Destoa das regras intrínsecas
Da vida que o corpo leva
- Nem parece que tem a idade
Instigante a que se presta

Enquanto isso vou cuidando de mim o quanto posso
Porque bem sei do pouco tempo que ainda tenho
E da chance de sobrevida que me resta

GARIS


As folhas do saber
Brotam dos pés de papel
Boiam como rolhas
Velando lâmpadas acesas
Com azeites das virgens olivas
Entre restos de banquetes
E férteis favas de mel
As abelhas leem ceras
Entumecem a celulose
Em meio a moscas cupins e traças
Formigas e larvas baratas
Fornicam nos escarros
Luzidias de riquezas avaras
Patinam na metamorfose
Vespas e besouros arquitetam
As trêmulas laminadas asas
Pássaros aninham gulosos
As trôpegas lacunas
E o microcosmo pulula
Perde-se nos rumores
Em suas covas rasas
E as borboletas sóbrias
Partem das várzeas
Íntimas e rasteiras
Voando misericordiosas
Sem importarem-se
Com os abutres que sorriem
Das nossas náuseas

Cândidas mãos nuas
Abnegam rudes gentis
Recolhem restos da noite
Transportam fétidos containers
Apanham as máculas mundanas
E ainda cantam e sorriem
Como a segurar Portinaris

A HORA APROPRIADA


Talvez não seja ainda a hora apropriada
Aquela inteiramente consumida entre escolhas
- Vou, não vou; peço ou não laço; amasso ou abraço

Compreenda, não busco desestímulo
Tão somente atribuo aos nossos dias
O momento exato ao necessário.

Há quem implore a calma que decide
Se por um olho não vejo, enxergo com a alma
Continuo ainda que a passos lerdos indo
Rumo ao decidido augusto segundo
- Mero item da precisa hora
Feita de longa e eterna espera,
Desde que partimos.

FURTIVO


Olhos vivos amendoados
Delicadamente redondos assombreados
Prontos para o brilho e para o choro

De repente para a lástima do instante
Encharcados de fina lágrima
Lacrimejados de enciumada doçura

De repente para o riso delirante
Quando os lábios escancaram
Recolhem-se de extrema candura

Olhos soltos pelo rosto desenhados
Pousados sobre o fuso horizonte
Intensos abertos despertos calmos

Olhos teus por onde meu olhar resvala
Furtivamente rio despretensioso
Ousadamente tímido e de soslaio

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019

TANTOS ANOS SE FORAM


Então abrigamos na mala marrom de alças de osso
Algumas calças e camisas, meias, seis cuecas
Um rosário de contas azuis, documentos
Retratos, sabonetes gessy e duas pastas kollinos.
A blusa de frio foi cobrindo o peito
E escondendo os bolsos
Repletos de lágrimas e sorrisos de quem ficara.
Os vagões da EFFNOB arrastaram até o Luís de Lasagna
Imensas saudades de Três Lagoas.
Noutro dia o mesmo trem despejou no São Vicente
A mesma mala marrom abalroada de esperanças
O coração escorregando apaixonado
Um breviário de Salmos e ritmos gregorianos
E um container de fé incontida.

Aspirante desejoso, prestativo, aplicado
Éramos assim convertidos
Enquanto em mim roçavam as areias de Três Lagoas.

São Carlos nos fez noviços
E nas águas do Araguaia, dedicados clérigos
Ensinaram a aprender servir sem mesura
Mesmo banhado pelas águas das Três Lagoas.

Tantos anos se foram.
Histórias, pontes, fontes, lugares,
Chuvas, invernos, verões...

Mestres e irmãos exemplares perpetuam.
- Venero a vida Salesiana.

NOSSOS PÃES


Na Irlanda a Ilha de Man
Mantém-se sob a égide da Coroa do Reino Unido
Apesar de que as fotos desgastadas nas traças do tempo
Perderam parte do brilho e colorido;

- Os rios continuam caudalosos na amarela Barsa
Edição 1969;
A estante já não é a mesma.

Devorávamos todos aqueles volumes
E a sede de ler ia além das nossas forças.
Puxávamos os barbantes, latas velhas redondas pelas ruas
Enquanto na outra mão suja de poeira
Meio metro de pão envolto por minúsculo papel vinho
Do Armazém Central,
Passeava nas calçadas
Atiçando a fome pelas belas viagens nos volumes da rica
Enciclopédia da casa vizinha.
Mas juntos
Fazíamos daqueles espaços nossos passos
Alargando nossa torpe geografia.

Nos sertões de Selvíria onde o medo era desaprender
As taperas eram magistrais castelos
Os quintais colossais pomares e jardins
Incólumes partições sociais onde nós civis e soldados
Soltávamos as asas nas cores dos vitrais.
Nos casávamos na modesta e acanhada capela,
Nas monumentais torres da Catedral.

Entre mares da Irlanda na Ilha de Man
Feito de poças de água doce
E enxurrada
Enlameávamos os olhos
De profunda algazarra, cultura e alegria
Os nossos pães.

FEMININA


Tua idade desconhece que a tens.
Acha-te criança com olhos de mãe,
Deita-te adulta certas horas por dia,
Debela as tuas orelhas e menina te põe
Sempre que teus desejos  
Rechaçam e tua consciência folia,
Rebobinando íntimas imagens
Dentro da tua retina.

Assim te fazes feminina mulher
Com mais fases sequer que as da lua ariana:
Tão exposta e ímpar que a si própria encanta,
Mesmo oculta vive santa e insana
Intensa e absoluta em sua resoluta rotina.




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DEITADO NA REDE


Escolha a causa que lhe fala
Eleja a nuvem que lhe chova
Ouça o sino que melhor badala
Cala o som que lhe perturba
Conclua os rabiscos de Da Vinci
Prossiga com Tarso
Faça gêneros,
Pratica o que dizem os professores
Estuda as anatomias
Siga os rios da mente
Descubra o que melhor lhe abraça
Valoriza o que sua direita desconhece do seu outro lado
Repita inconstantes vezes
Não negue os trocos
Reconheça as trocas
Valoriza a prosa
Rebusca o obvio
Amplia a graça
Reintegra o ido
Necessita quando o ignóbil desaprova

Sacode povo
Antes que a terra treme
E nos cubra de lama,
E nos envolva
Feito edredom sobre a cama

NÔMADE


Quando amanhece estático o meu pensamento
Permanece mansa a vontade em não ir
Afinal, novamente partir assegura
O retorno dessa aflição intensa que complemento
Relendo as rotas percorridas.

No entanto, como saber do mundo sem beber suas águas
Estancar a ânsia ignorando outras plagas
Recontar distâncias sem tê-las medido!

Vou agora, porque sou afeto a mudanças
Porque respondo aos meus modos
Consequentes ou falhos.
Um bravio retinente me zarpa as amarras
De nômade, peregrino, efusivo andejo.

Presumidamente solto, fujo algemado
Rumo a outro inconsequente nada.

OBSCURO


Há no mar um lado profundamente escuro
Porque a luz do sol ao fundo ali congela
Escura também é uma face da lua amarela
Escuro o firmamento
Escuro o ventre onde não lembramos ter estado
Escurecida a noite indecisa de olhos fechados
Imprecisas vão às cegas germinar o sono escorraçadas
No seio das covas preservando o sonho das raízes nas sementes

Iluminamos a banda escura da terra
No fogo das ideias descansamos as lanternas
Incineramos o desejo ardente pelo nascer fugidio da morte
Mas o mundo debela cruel diariamente apesar da fé
O clarear solitário do obscuro lado grotesco da gente

A MARRETA E O VERBO


A trava retrai e desemperra a tranca
Untada de maresia, verde azul de zinabre
Tosca idade que o formoso tempo tornou o aço impuro.

Ferrugens acumuladas intensificam o que ninguém traduz
Nenhum pensamento tem força igual
Nenhuma vontade detém tal feitiço
Como tem as horas sucessivas sobre a vida.

Somente as palavras - estas sim, desemperram a trava
Destravam, destrancam, quebram se preciso for
Todos os elos por mais ignóbeis possam estar.

As minhas emoções se arrebentam no costão de pedra
Emparedado, feito de frases compreensíveis
Apenas por aqueles que não ouvem ou desconhecem
Os caminhos entre a marreta e o verbo.

VOLTA


Volta e me conta porque tão de repente fostes
Dizes o motivo da tua ida aparentemente sem nexo
Retorna como quem chega e nem pensa em de novo ir

Não direi palavra alguma, apenas hei de escutar-te
Silaba a silaba que proferirdes enfim

Não será regresso porem simples vinda

Volta como vem o sol na profusão dos dias
Chega feito primavera endoidecida de cores
Obliqua, pavimentada, outra vez presente
Sem querer ser intensa, eterna apareça

Vem reviver, reencontrar, acalante desinibida
Pisa o assoalho ignóbil da existência
Entenda apenas que voltas por isso aguardo-te
Robusta de historias, carregada de sonhos
Para juntos irmos a lugar algum um dia

AO CAIR DA TARDE


Tenho tido a mania de compor
Lapidadas canções
Para o vento cantar
Lá pelos mares da lua
Nas geleiras o Ártico
Sobre as dunas dos desertos
Entre as linhas dos Trópicos
Ao meio dia ou no meio da noite

Mas o que ela ouve mesmo
São alguns tímidos versos
Que me passam despercebidos
Ao cair da tarde
No porvir da manhã
Enquanto a frágil brisa
Lhe desmancha os cabelos
E o sussurro que alisa
A saudade que lhe arde

GRAVITACIONAL


Sou extremamente gravitacional
Giro tonto ao entorno dos meus problemas
E quando não os tenho, os arranjo
Através dos planos sensoriais
Que a minha displicência procria.
Veja como soluciono as angustias
Atrapalhadas e cambaleantes que me perseguem.
Sou barulhento desertor das ideias aflitas
Um flautista sem fôlego pronto para a disritmia
Um sem graça qualquer afeto ao que esconjura.
Juro que me apego a porcelanas trincadas
Conservo parafusos enferrujados e chaves quebradas
Que nada mais abrem nem destrancam nem significam.
O desapego unicamente me quebranta
Nas impropriedades que me representam.
De resto tudo finjo, camuflo, insinuo, esqueço.

Preciso apenas de silêncio
Este sim me envenena, e o óbvio.

INCIDENTE URBANO


uma incerta lua todo dia
atira-se do semáforo
entre avenida e rua
vestida de alizarina
travestida de heroína e anjo

surge dentre os prédios
e descalça perambula
onde nenhum olhar alcança
junto a poças de células vivas
sobreviventes do asfalto
em meio a ocre via de fumaça

sai recolhendo o caráter sintético
dos obituários por falência múltipla
desperdiçados como tantos passantes
insertos e perplexos suburbanos
provisórios habitantes da rotina
dessa contemporânea falácia
clamando por misericórdia

assusta-se unicamente
quando ouve claros rumores
de que a todo momento morrem
eternos amores e sentimentos
antes da hora ou passados do ponto

explica-me então que esses abissais incidentes
dependem da ilusória sorte
e que além da cobiça e mais
haverá sempre por certo
entre as faces duplas dessas veias
possíveis acelerados desacertos
pois enquanto alguns fenecem
abrem outros triviais sinais
em outros tantos cruzamentos

DESCAMINHOS


Por uma noite inteira
Nenhuma estrela brilhou
Um acordo interestelar
Determinou o escuro absoluto
Naquele dia em que minha mãe morreu

Também a memória de meu pai
Perdeu-se quase que incongruente
Restando-lhe unicamente as básicas
Funções vitais do acordar, sorrir,
Alimentar-se, tocar viola, cantarolar
Mas sem consciência alguma em saber ou lembrar-se
Do dia em que minha mãe morreu

Conferindo os registros não há outros fatos
Naquele exato momento
Nem houve chuva diferente, nem vento absurdo
E as marés não exageraram
Apenas um meteoro absurdamente gigante
Raspou as beiras da casa
Separando convincente
Os caminhos dos meus pais

MATURIDADE


Habita em sons a perfeição da tua fala!
As tuas sílabas são raras dissonantes dessa melodia
Nas exatas ideias onde prolifera o que dizes
Repletas na partitura dos verbos em diversos semitons.
Transbordo quando ouço a tua alma eterna
Calma, vasta, às vezes até intensa e árdua
Tramar o que os olhos pedem e a boca implora que entenda
Ainda que não contas as tuas impuras e nuas e ternas vendas.

Continua, anda, sussurra, assovia, cantarola, entoa
Insinua loas, balbucia agora, à tarde ou logo mais
Lambe cada sílaba com tua língua profana
Antes de explodi-las em mínimas abismadas bolhas
Como fico eu ante as frases que propalas.

Proponho e permaneço a escutar-te
Pelo terço de anos desse rosário de dias
Inclusive nas contas de horas que adormeço
Hilário ou sereno, mas sempre humano
Traçando aventuras em sisudas aparas
Ou simplesmente arcando o que cumpres
No passar do inusitado tempo
Que arde e verde madura ou perde.

Idade, venero tua algazarra nesse turbilhão velado
Cumprindo a caminhada que me segue e assegura.

DA BOCA ESPERA-SE


Da boca espera-se
Canto alegre
Conforto, sussurro
Hortelãs, sorrisos, sibilo
Assovio, morno assopro
Lábios cerrados, sisudos
Silêncio, segredos e confidências
Saliva
Doce palato
Conversa, palavras
Cuspe e gritos
Intrigas, vômitos
Mordidas, chupadas
Denúncias, calúnias, confusões
Tudo que repara ou acusa
Causa, separa e compara
Explica, condena, conta
Corta nos dentes a garganta
Ou constrói e conserta

Na boca do dia, da noite
Do sapo, da onça, da favela, do homem

Em todas as línguas presas, gagas ou soltas
Passeia-se pelo céu
E o universo bebe, vive, come, beija
Deseja, conspira, apela, pede, agradece, ora
Implora, respira, devora
E morre por ela

CARNAVAL


Aí vem Fevereiro, avivado, aceso, iluminado, bagunceiro.
Vem Fevereiro trazendo trios e salões e escolas e saltitantes cordões
Costurado de batuques e coloridas e engraçadas e dissonantes rimas.

Fevereiro como tantos que já desfilaram por minhas veias-avenidas
Fevereiro como os que me casaram com as calçadas e me cansaram os pés
Fevereiro como aqueles iludidos amores, suados e desprovidos de fé.

Apenas menos dias dos trinta, desde que entendi as semanas
Recheadas de estrofes e ensaiadas como se houvesse trabalho em tê-las.

Ei, Fevereiro, estaciona tua língua avara nos verões de toda a gente
Desse povo que exageradamente samba, santificado pelo peso das plumas
Padecido de promessas descumpridas, iludido como lhes enganam os santos
Que somente intercedem quando lhes desnudam a alma e reiteram a vez.

De qualquer forma, desejo um Fevereiro robusto, seguro, adulto e prático
Um, em particular a cada um, nem maior nem menos, nem menor nem aumentado
Cabível dentro das consciências, encaixado nas expectativas, definitivamente pronto.

Festivo. Festejado. Intensamente celebrado de folias, onde existir alegria em dançar.

Corre


Corro atrás daquilo que preciso aprender
Aprendo bem aquilo que pretendo ensinar

Deixo o mundo renascer ao redor
Certo de que fazer o bem
Alivia o respirar
Propicia enxergar maravilhas

Guardo para um dia especial
Destemido de que acabe se usar
Ou aguardo apenas por guardar;
Lembro-me de que tudo vence
É finito e que a validade
Vem estampada na testa
Em todas as situações

Não temo as armas que trago

Vivo e faço a festa
De resto ajeito o quanto desprendo

EGO


Percebi em minha rua
Garfo colher faca
E concha do mar pedindo asilo.
Noé foi dormir.
A arca estava com goteiras.
O boi ignorando os bichos
Bebia água em pé.
No quintal as rosas afogavam.
A pomba da paz absorta
Acessava o Uol e via Tv
Buscando notícias sobre o
Princípio consequências
E o possível fim do dilúvio.

Foi quando em tempo
Virei a mesa abandonei o barco
E resolvi mudar de mundo.

HÁ TORMENTA NO MAR


Falta água na pia
Lamento que assim seja

Nem Deus entente a peleja
Da escassez de realidade
Tamanha é a coragem

Nas entranhas desses dias
Quanta desigualdade há
Entre o farto e a anarquia
Se em mar há tanta água

Em terra imensa mágoa
Um mundo inteiro ausente
E eu fugindo adoidado
Dos insultos e manias
Poderia ser de outro nome

Ou mesmo em outra baía
Inclusive ser qualquer mínimo
Lavando a alma na pia
Caso ali houvesse água
Não houvesse tanta rima
Nos desmanches da poesia

Lamento que assim seja
Um mundo inteiro ausente
Nem Deus entende a peleja
Entre o farto e a anarquia
Tamanha é a coragem
Da escassez de realidade
Dos insultos e manias

GARGANTA


Se descer pela nua perna
Qualquer unguento viscoso
Saberás certamente ser desejoso
Fruto da malícia que te provoca
Na pronúncia de minha língua
A delícia de minha boca

Se escorrer entre a pele e a roupa
O orvalho da tua fruta
Tocarás sobre a leve renda
Os teus dedos bem de mansinho
Sentindo-te secar a garganta
Tão úmida estará tua gruta

Se ao roçar com os pés o falo
Embrulhados em brancas meias
Sentirás o que imagino ser
A maciez desse doce sonho
Enlouquecido pela nudez
Embevecendo o prazer puro

E se na penumbra do quarto
Largada e lânguida de vontades
Te debruçares por sobre a cama
Chamarás a chama que arde
Como se me ouvisses dizer: te amo
Gozarás ao chamar meu nome

SOMOS RIOS


Permita ao rio
Que administre e cuide seu próprio curso.
É sua forma
Madura e clara de ser feliz.
Que se entenda ele
Com suas dobras cheias no sertão ou nas cidades
Com a escassez ou ingestão de seus monstros
Ou a fartura convertida em remoinhos, vertentes
E fortuna.

Observa o leito, as curvas, o caminho
Que as águas traçam advertindo a paisagem.
Águas esbravejantes com as várzeas,
Descompostas com as margens
Determinadas com as pedras que se impõem
Compondo com os braços
Gestos irretocáveis nas quedas ou planos.

Somos rios
De vontades enrustidas ou afloradas.
Deixe que as águas sigam.
O bom espírito não precisa ser tão sério
E sim gigante.

O TEMPO


Sou um mercador de sementes
Não somente um semeador ou reles sementeiro.

Sou eu a verdadeira pureza
Que deteriora o fruto, arrebata o bago
Estala a vagem, decompõe a polpa
Resseca o talo, carcome a carne
E oferece aos homens, ventos e pássaros
As chances cruas da refloresta
A oportunidade de novas mudas
O reinicio dos ciclos
A perene teia que peneira.

Independo que tuas mãos sintam
A repentina ou comprometida fiança em plantar.

Os meus amigos passam pelo pórtico da Cidadela
Arrebatam jardins e pomares
Sentem as rosas, colhem mangas maduras
Descansam sob os pequenos arbustos
Conversam com as cigarras ciganas
Que adivinham as manhãs e temerosos
Entreolham nos olhos da venenosa esperança.
Simplesmente trabalham, comem, engendram
Regeneram, recuperam as forças tamanhas.

Ao invés, sou essa incólome presença
Porque trago a teimosia resoluta dos amanhãs.

O VENTO TE ALISA


Quem traz mais ilusão ao teu cotidiano
A noite ou o dia ambos repletos de magia;
Quando o sol acende o meridiano
Ou sempre que no ocaso descansa?

Quando afirma, indaga ou das paixões duvida,
Põe teus sonhos na precisão da balança
Vê se cabem naquilo que atende
E se adaptam à tua fantasia de vida.

Lastime somente se perder o compasso
De resto é sorte que se rende ao acaso
E ininterrupta luta por harmonia.

Deixa entender de onde vem tua brisa
O ar com quem divides o que respira.
Os dias virão enquanto o vento te alisa.

PARA JOAQUIM


Um encanto adorna os seus olhos
Que não entendem
Mas já apreendem e ensinam
A melhor enxergar o mundo

Nas pequeninas mãos
A força do berço
Sustenta a morna tarde
De um dia de maio
Tangendo o rubor
De sua face clarinha

De espírito valente, discreto
Sorriso sereno menino, amado, herói
Envolve toda a vida
Ao seu redor

Declino sem pressa
Bem-vindo, bendito
Amigo a esta terra crua
Aonde nos divertimos
Brincando de crescer
No balanço das manhãs

POR MEIAS PALAVRAS


Minto somente quando
A mente trava
E a verdade teimosa
Dilui-se na correnteza opaca
E vaidosa esperteza
Da minha hipocrisia.

Por vezes minto ainda
Quando desapercebo
Que o estado itinerante que tolera a mentira
Cochila a memória
E as informações descabidas
Distendem meu estado reticente, e falham.

Repudio, avilto, e não tenho por hábito
Nem prática mentir.
Mas repentina e aparentemente
Recordo ágeis e inverídicas falas
Que depõe às cegas certos momentos meus.

É quando de acordo acordo
Rebuscando todas as verdades desditas
Por meias palavras.

PIQUENIQUE


Por onde olhávamos víamos ramas
Quarando feito roupas pelo chão
Aguinha escorrendo lá no brejo
As bocas salivando por um beijo
E a vontade de pegar em sua mão

Havia troca de olhares e sorrisos
Despertavam tortas pontas de inveja
Você aqui e eu ali do outro lado
Como em uma tela grande de cinema
No meio de um fim de semana

Qualquer lugar e momento passamos
Levando nas cestas as vontades
Nos bolsos encomendas sutis
As mãos cheias da esperança
Que assim sentíamos a imensidão

Quem ainda hoje canta uma seresta
Se prestaria a uma tarde se houvesse bosque
Para um piquenique longe dos estresses
Levando as nuvens apaixonadas
Para namorar gostosamente num parque?

INCAUTO


Minha santa ordem quase sem mãe
Que jamais permita com teus poderes
Carcomer as pétalas das tuas flores
Depois fingir infinitamente apiedado
Chorar copioso as tuas dores
Deixar borrar os aventais de giz
Mofar os rituais dentro do peito
Decompor as ferramentas de aprendiz
Tornar impuras as brandas mãos
Obsoletas inférteis comprometidas
As ideias discorridas dos ideais
Por negar-me a mim diante do espelho
Trincado de ingratidão

TEIMOSIA


Morto o dia não entende que findara
Cai teimoso voando atrás do fuso
Fugindo das sombras afiadas no lusco-fusco
Confuso flanando no enlevo veloz a oeste
Vendo adiadas as suas findadas horas

Dá conta de si mesmo somente
Onde nas colinas do ocidente os vigilantes
Fazem soar as justas pancadas
E o universo disperso das farfalhas
Faz com que o dia quedo ainda torto
Se reinvente nos quadrantes do mundo
Mudando a forma e o calendário

Eis que até os sábios cerram os olhos e se calam
Ante as atrevidas impertinências do período
Desalmado da luz que se esvai

é quando nada mais se ouve nem se sabe
Em qual vasilha este ciclo caberá
Se dentro apenas do invólucro da terra
Ou fora do amanhã que se distrai

EXISTE UMA DISTÂNCIA MAGNÍFICA


Existe uma distância magnífica
Debaixo dos lençóis que te abraçam e recobrem a cama
Há o corpo aceso por onde falas
E as tuas garras repartem comigo
A insanidade que entremeia e vivifica

Vivo na imensidão do uso da poesia
Que se derrama e perpetua pela orla
Sou afim teu anverso travestido de abrigo
Quando conversas repleta dos apelos
Versáteis à sombra da alquimia

Se o travesso coração e alma entendessem
Das paixões que se debruçam sobre as eras
Abrandarias meus tropeços
Consertavas as tardias conveniências
Antes que as nossas parcas chances nos perdessem

IMPETUOSO


Ensina-me a não estar afoito
Diante da tua beleza
Pois quando te percebo me sinto trêmulo
Como a bandeira que tremula ao vento
Presa ao próprio pêndulo
De um único fio do teu cabelo

Eu sou teu artífice e vértice
Tu a hélice que impulsa além da bússola
Que me prende e norteia ao curso
Íntimo que em mim navega

Carrega-me e me refaça
Doma meu ímpeto a conter-se
Ou desnuda se embriaga comigo
Do mesmo beijo voraz do vinho
Vertido da mesma taça

RESTAURAÇÃO


O altíssimo soberano - aquele que nunca dormiu
Envelheceu desconhecendo o sono
Cochilando apenas recostado à necessidade
De manter-se peremptoriamente acordado
Partiu solidário para longa odisseia
Antes que o caos retomasse o infinito

Assim reimplantou moradas entre quintais
Presas às balaustradas e cercas dos caminhos
Junto aos pomares à beira dos frágeis riachos
Cujas águas inquietas e rasteiras
Voltaram seguir em busca dos sonhos
E das inconstâncias dos oceanos

Vigiou os conceitos das plataformas
Erguidas à procura do destino ideal
Mantendo-se atento aos mínimos gestos
Dos astros no macro espaço entre as esferas
Que circundam e orbitam os planetas
Diante das plateias angelicais

Resguardou o porvir de todos os povos
Recolhendo as possibilidades do desprazer
Eliminando as desventuras da realidade
Convencendo a natureza de que é preciso
Tão quanto necessário e premente
Zelar atento aos ditames dos céus

Soldou os hemisférios circundando os mares
Realinhou as geleiras nas montanhas verbais
Reposicionou novamente todas as espécies nos habitats
Intercalou com noites os claros do sol nascente
Retornando a espera pelo amanhã e depois
O sublime exercício nato da paciência diária

Aí sim ao final da estanque tarefa de restauração
Na manhã do bilionésimo milênio ou algo assim
Contemplando a morada completamente refeita
A missão cumprida e finda a jornada em seu jardim
Descansou por sete dias em sono profundo
Num belo domingo como humano e não deus

SAÍSTE PEREGRINO


Porque saíste, aprendiz, peregrino
Milênios afora em viagens cominadas;
Porque andaste os cinco montes
Nos desertos da alma desertora;

E aprendestes vislumbrar por nada
Os percalços da aridez solidária
Nas colunas da sobriedade
Nas vicissitudes das solitárias dunas
E nos anseios foscos da humildade;

Nas vigas ocas da retidão, vigilante
E sabedor das regras apreendidas
Nas leis do teu árduo oficio;

Porque aceso está o cerne nas bordas e pontas
Da magnânima fumegante estrela
Na labuta, lide, meta, anseios em tuas veias
Batuta maestra que rege esta inefável orquestra;

Entre os fios da prata da espada
Dos cinco instrumentos ímpares
Da construção do teu edifício

- Na régua da exatidão desmedida
No círculo exato da tua essência
No lábaro veredito da caminhada
E em tudo que concerne o anteparo
Da pedra por fim esmerilhada
Em seu compasso medianeiro...

Segui, pois, companheiro
Onde tua vida é tua própria guia
A retilínea jornada
Não nem nunca solitário
Mas em tua única e serena companhia!

REAMAR


Às vezes chove fino, sem ventania
Às vezes o mar de repente para, se esconde da onda
Na calma propícia da brisa envolta de sal

É quando sem luzes descerra-se o escuro
Nas largas avenidas dos oceanos da ânsia
E nosso peito parece arrefecer no carvão

Recolhemos os pés, cerramos as mãos
Pintamos a face com o branco da cal
Contamos com os lábios os fios da visão

Sozinha, entre o reverso e a astúcia
Tua pista iluminada guarda meu pouso
E cego mergulho certo de que me aguarda
A façanha inconteste de em ti descer
Para dentro dos teus braços extrair teu vício
Agarrar o teu voo, saciar a minha alma
E pleno de ti, tornar a nascer

A QUALQUER TEMPO


O espaço, essa flecha insana
Bate feito maço sobre a pele
A carne, o corpo debela
E ela, a alma, incorpora
O que a idade avara afere
Subliminar ao que acontece

Os sabores são seus alicerces
E o que se aterra são apenas as sapatas
Desse edifício aclarado do espirito
Por onde passamos descalços
Relendo versos e os reescrevendo
Entre sorrisos, sonos e gritos

A uns isso tudo é perverso
A outros menos tenso e sem esperas
E são esses os segredos do universo
Vistos de imediato e de perto
Ao longo das esferas e gestos presos
Aos lugares que se atravessa

Aclamados assim somos todos apegos
Desorganizados, absurdamente imortais
Fazendo desse jogo eloquente
O que começa e a qualquer tempo passa
Sem que seu ciclo extinga ou decline ao fim
Pois nem tudo que dilacera morre, apenas cessa

ORA SEMPRE COMIGO


Ora sempre comigo
Unicamente aquilo necessário
Porque o Senhor já aguenta tanta troça
Que seria deveras injusto
Declinar-Lhe o breviário inteiro
Pela simples tola mania de rezar
Apesar de quão desumanos
Por vezes consigamos ser

Nosso Pai permanece envolto
Em seu interminável projeto de eternidade
Redefinindo nossos mundos
Concentrado em traçar Suas linhas atemporais
Esmerilhando a formula de vida
Confidenciando à Trindade
A grandiosidade da própria obra universal
Apesar de quão desumanos
Por vezes parecemos ser

Deveria nos bastar que Ele fique aqui
Tão junto a nós, assim próximos,
Para que nos sintamos por natureza confitentes
Peremptoriamente protagonistas de Sua glória
Confortavelmente amparados e capazes
Do merecimento Dele habitar em nós
Apesar de quão desumanos
Por vezes insistimos ser

Não atrapalhemos portanto Deus
Com as impurezas que nossa indignidade
Não consegue resolver
Muito menos O incomodemos
Com as obliteradas lamentações
Pelo que não dispusemos compor
Manter ou conquistar
Em razão da nossa preguiça em fazer
Ainda que tão humanos
Por vezes tentamos conseguir ser

DEVIA IR CONTIGO


Devia ir contigo à Ilha de Balruos
Aprender como se governa.

Onde as filosofias afloram no ar
E nas brandas espumas das pedras
Que descolam no cais, convivem e enamoram.

Sei que não se parece às Cidades em que vivemos
Nem às Vilas incrustradas nas rochas como em nossa terra.

Há quem mande e respeita
Amplo em liberdade
Farto em sabedoria
Imerso em abundante compromisso com o sacrossanto
Direito do querer e pensar.

Devia ir contigo
Provar o gosto da ética e o sabor dos costumes
Em doses certas, nas porções exatas
Dados em troca da constância e do progresso
Frutos da evolução natural e perseverança das espécies,
Respeito ao bem público
Prazer nos serviços
Profusa crença e fé na palavra do próximo.

Porém minha fome
Ávida, dolorida e áspera
Desconfia de ti desacreditada em mim.

CALMARIA


Caso um beijo distante
Bata levemente em tua janela
Fecha os olhos
Ouve a magia
Sente a máxima sensação
Da intensa calmaria que a toma
Embevece a alma
E o espírito sabiamente silencia

Sensatos são os momentos
De interna ponderação
O coração aquieta o pensamento
E vice-versa nos tornamos parte
Daquilo que se imagina

Assobia agora qualquer canção
Vai sentir que o sopro da melodia
Distraída te recobre e aquece
O frio de tua mão
Como se agora estivesse
Intensamente ardente
Ainda que virtual
O mundo que você precisa
E o sonho que de você deseja
Que quando bem sonhado
Sossega e sacia

FEITOS DE MEDO


Por um tempo estarei sem teu beijo
Sem abraço
Sem aperto de mão
Porque os tempos são outros no momento
E maldosamente nos impõe distâncias

Não me desapego fácil dos costumes
Mantenho colado aos laços os nós do coração
Por isso não entendo desses modernos avanços
Essa forma de conviver sem a relação que nos une
E pune por razões que nos invadem o ego

Estamos sendo feitos de medo
Só não posso desagregar
Da retidão dos teus passos


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HAJA PRECES


Existem homens que não servem
Procriam-se como germes
Tornam-se monstros
E não se mostram
Apenas evidenciam a catástrofe
Admoestam
Omitem
Mentem

Há aqueles que se prestam
A reparar o que não presta
Recuperar desafetos
Aparar finas arestas
Reacendem da mesmice a vida que fenece

Tantos são servidos e excluem-se

Entre bons e maus lideres
Alguns nos representam
Outros lamentável ignoram e desconhecem
Que todos somos parte
Daquilo que nem sempre nos convence

Uns buscam apreços
Outros nem se importam

Haja preces!

SOZINHA


Quando sentamos desconfiados os olhares na sombra dos edifícios
A cidadela parece esconder secreta dentro das suas prosaicas paredes
As sensações e certezas de que tudo se contrai, arquiteta e aquieta

Conseguimos medir no espaço entre o polegar e outro dedo
O tamanho do medo que sentimos
Ao revelarmo-nos desprotegidos

Por certo nos quartos e salas debaixo dos andares e lajes
Há mulheres contidas aquecendo comida
Meninas descalças contando dinheiro
Crianças colando os verbetes das aulas
Enfermos, cômicos, TVs ligadas, computadores acesos, celulares on
Camas desfeitas, janelas com cortinas cansadas, obliquas
Vasos que a descarga não conseguira esvaziar
Marmanjos abnegados bebendo água levemente gelada
Musica tocando entremeada a noticias de que o mundo acabara
E o que sobrara são gestos da sociedade em catarse

Luzes se fazem acesas pelo fim da hora que retarda
Pais retornam de outros países, de novos e velhos mundos
Em estado e maneiras líquidas desarmando-se dos costumes do dia
Carros sepultos no subsolo quietos hibernam
Enquanto despojados os calçados descansam nas soleiras ou cantos
À espera dos donos esquecidos dos passos por onde passaram

Alguém reza , outro esconjura, um trai, tantos sorriem, dormem ou choram
E na varanda, Sozinha delira e se degusta absorta deitada
Enquanto roça os dedos de leve nas pétalas das meias coladas às pernas
Aguardando a calma emergir úmida, sincera, serena, branda, branda, branda

DOCES DOSES DE POESIA


Espalhe as flores do jardim
Pelos vasos da tua sala
Sobre a mesa de jantar
Em cima da cristaleira
No armário do banheiro
Junto à televisão
No alto da prateleira
Colado ao criado-mudo
Perto do computador
Pela cama e o travesseiro
Na rede da varanda
Nas mechas dos teus cabelos
Pelas frestas e janelas

Assim tudo estará florido
Perfumado cheio de cores
Nas abas da tua saia
No laço em teu pescoço
No doce olhar das tuas tardes
Na alegria das tuas falas
Nas lingeries e vestes, toalhas
Na nudez dos teus lençóis
Nos brincos das orelhas
Nos quadros das fases
E em tudo o mais que enfeita
Tua voz e teu silêncio
Tua vida e os teus amores

Verás que as flores por fim
Enriquecerão tua vida
Afugentarão teus males
Dispersarão tuas dores
Renovarão os teus ares
Ainda que a solidão
Seja a tua companhia
Despetale tuas rosas
Espalhe-as por toda a casa
Depois contempla tua obra
Entre polens talos folhas
E doces doses de poesia

DANCEMOS


Dancemos enquanto ainda é possível a mente
Mexer essa esquelética caixa de sangue e ossos
Em que as dobras já nem quase estão mais juntas
E as gastas juntas nervosamente mal respondem
Às ordens tardas do pensamento

Dancemos como dança a chama no seio da acesa brasa
Aparentemente adormecida no interior do carvão precoce;
Basta que uma molécula de oxigênio a desperte
Que ela nos pede a sábia paciência em aguardar flanando
O calor que emana do fogo ao dourar a carne

Dancemos pela espontânea precisão dos passos
Que bailam de braços dados com os ritmos
Cadenciados da batuta nas mãos hábeis do maestro
Ainda que seja um só o instrumento que toque
Ou a plêiade de sons que emanam da orquestra

Dancemos por onde houver música alegria e vontade
Ou ainda no recolhido silêncio do templo de cada um
Porque dançar aclara os amores enleva o espírito e a alma;
Dancemos enfim largados ou de rosto colado à poesia
Pelos bailes da vida nos requintados salões da saudade

LEMBRANÇAS


Lá no silêncio bruto das grotas
Habita a tradução ímpia das certezas
Onde então guardamos as seletas pétalas
Entre as paginas misturadas dos livros amorfos
Escolhidos a esmo nas prateleiras
Da biblioteca de outras épocas

Folhas secas que eram verdes
Verdes sonhos dos amores hoje maduros
Talos ressequidos preservados
Nas íntegras linhas das histórias descritas
Contadas, vividas por todas as sílabas
E frases ali acondicionadas e contidas

O que fez o tempo com as nossas vozes
Por vezes fez das vozes a plataforma
Das cores em que nos modelara a vida

O PARTICULAR UNIVERSO DE CADA UM


Trabalha incansável ao meio dia o dedicado pedreiro
Erguendo sobre alicerces entre andaimes
As torres gigantes da catedral
Dentro do particular universo de cada um

Eu, humilde servente a servir-lhe a massa
Entrego-lhe também a colher, o prumo, nível e cinzel
E meço contente o produto que torna
Símbolo do perfeito na justa medida
Do que fora traçado pelo arquiteto em papel
Para o particular universo de cada um

Eis a arte real que sob o sol floresce e se espalha
Pedra sobre pedra lapidada por incansáveis mãos
Que unidas abraçam o mundo e beijam o solo
Do particular universo de cada um
 
Se preciso for, lhe corrijo as falhas
E também ele a mim me adverte em tempo
Aprendemos com a vida no trabalho mútuo
Construindo em conjunto um único templo
No particular universo de cada um

OPERÁRIOS


Encontre as tuas próprias águas
Aquelas que sejam dignas de formar teu rio.
Valorize tuas nascentes
Os olhos que vertem as cristalinas gotas
Para no percurso formarem cachoeiras
Vertedouros, bacias e surpreendentes baías
Entre os maciços e morros e no entorno
Saborosas beiradas de areia.
Aprende acolher em teu peito
Os aventureiros e frágeis riachos
Que despretensiosos salpicam das veredas
Para dentro de teu leito aninhar e dormir
Como se houvessem encontrado os próprios mares.
Tenha calma nas curvas com a correnteza
Bate firme nas pedras sem machucar o encantamento
Sem denegrir suas belezas ou represar os sentimentos.
Embarque teu veleiro
Singra enquanto há calmaria e vento ameno
Respeitando as dores das matas ciliares
Entendendo os inaudíveis sons das certezas
Ciente de que a vida é a viagem
Que fazemos refazendo como simples
Operários da divina natureza.

NINGUÉM


Ninguém busca um poema perfeito
Nem quem o lê, nem quem o faz
Buscamos juntos um texto justo
Que dê sentido ao existir
Desses que complementam o agora
Que interrompem o vazio das horas
Iludem e abonam as perspectivas
Descartam as aparas da agonia
Balançam as expectativas da mente
E nos faz sentir qualquer item
Absurdo, conjuntural e diferente
Do momento que se vivencia
Nas palavras singulares e plurais

De resto nada mais é importante
Exceto a delicada e sinuosa opção
Incontestável de poder amar

CHEGA DE PROMESSA


Chega de promessa
De esperar sem pressa
Vamos em frente
Cuidemos da vida
Amanhã é segunda
Depois inverno
E a vinda engana
Quem não alcança
Porque nem partiu
Não saiu da cadeira
Nem foi, nem seguiu
Nem se dispôs a acordar
Desperdiçou o abono
Que o tempo deu

Hoje ninguém chora
Estamos protegidos
Da fada da morte
Ainda é outono
Começo ariano
Cedo de abril

Acende a luz
Ou coisa parecida
Busque porque acaba
O que existe além
Da porta que se abriu
Antes que todos
Fiquemos sem

A NAVE E O GOZO


Quisera tivéssemos as mesmas taras
As expressões mais raras
Viajantes nas súplicas da libido
Às claras, nada escondido
Nem proibido, nunca involuntário
Unicamente desejoso e conexo
Sempre presente, poroso
Às vezes perplexo, próprio
Em íntima similaridade
Sob estado de contemplação
Amplamente benfazeja

Por esse tom ameno
Cultuaríamos então o apego
A tudo que se apregoa e enseja
- O vinho, a pétala, a névoa
A nave e o gozo
Que nos envolve e espera
Quando se deseja

INSENSATOS


Preciso alguns gomos para compor poncãs
Inserir sementes nos bagos
Envelopar delicadamente seus adocicados cristais
Costura-los então com cordões de cera e seda cítrica
Acoplar tudo no hermético veludo interior das cascas
Para que não se deteriorem e suportem as intempéries
Dos olhares de cobiça pelo viés cheiro hibrido
E suas magnificas alaranjadas cores

Depois pendura-las na ponta dos galhos
No segundo andar dos pés como bandeiras expostas
Já todas madurecidas pelas mãos do tempo
E aguardar a hora propicia de as apanharmos
Insensatos da janela
Igual fez Deus outrora incendiando astros
Para espalhar estrelas

Simples assim como fazer poesias

DEPRESSÃO URBANA


A depressão urbana
Não vai a noite à praça
Não passeia pela calçada
Não traz a seresta nos dedos
Nunca solta a voz
Não suporta a sombra
Teme o samba
Reserva-se da madrugada
Esconde os fantasmas
Dorme o fim de semana

Desconexa os novos rumos
Não reza medita ou se benze
Até brisa apaga seu incenso
Ninguém vê que não ri
Não se ouve seu surdo
Não canta nenhuma cantiga

Rebelde e só
A depressão urbana
É maçã sem perfume
Revolve-se nesse abscesso
Nessa demência, nesse reverso
A rigidez do absurdo não se suporta
Triste arquitetura que não se entende
Estraçalha seu avesso mambembe
E somente esse estado de morbidez
Arrasta, deprime, destroça sórdida
Pisa, caça, arrasa e a lambe

As cidades angustiadas erguem tanto
Que deprimem sua gente lépida
Em condomínios imaginários
Que as desfazem cidadãs

LAMENTO


Lamento pelos que ainda a aplaudem
Não renegam teus atos e acolhem as sandices que decretas
Que se debruçam e pactuam contigo sobre o visgo que amordaça
Que obrigam que se desfile em fila e marchem cegos
Que se siga sob o perverso e o descalabro
Desalinhados sob as intempéries e o desalento

Não é este o vento nem o cantar da aurora que almejo
Porque não se questiona nem protesta, apenas vão
Acolchoados às divisas que fingem entrever
Ainda que sentem que usurpas, contaminas com escarnio
Mas o que é a troça senão
O fato de tripudiar sobre os sonhos
E a sede de quem apenas pede

Tenho vergonha pelo respeito que perderas
Como feiras desertas ou salas às traças
Sem ideias, lógica, de planos partidos, sem regra
Desapropriada de quaisquer sentidos caprichosos
No passar dos dias, no perder da massa
Onde tudo se esvai, dilui, entorna, desagrega

Quando a ordem entretanto serpentear teu andor
E deparar tua pobre face podre sobre o espelho praticável
Espero que sintas desconfortável, ridícula
O quanto estás nua, sem ética, desumana, solitária
Porque verás as joias que costumavam brilhar, opacas
As insígnias que a reverenciavam, decompostas
E os aventais dobrados ao meio
Desafiando o teu nefasto despudor

CALOR


A pele aquece
A mão sua
A boca seca
A língua umedece
A garganta tosse mas não basta
Porque o calor brota
Aflora dos poros dos pelos
Das ideias nervosas que indecentes
Exploram explodem reviram e descem
Pela porta e janelas fechadas
Onde se tem a impressão e aparência
De que tudo se tornara
Um particular deserto em que nada nasce
Nem acontece senão entontece
Apenas disfarça um grito miúdo
Que se não se mata de imediato a sede
Simplesmente amaluquece

Estamos escravos incondicionais
De qualquer vento ameno que arrefece
E quando no quarto o ar
Não liga ou está mal configurado
E é isso o que acontece

BELO


Agora que a noite entrelaçara os teus dedos
E desvendara os segredos
Do outro lado da sala
Descansa, dorme, flana, voa
Contempla a verde terra que tanto arara
Os riachos mansos
As campinas calmas
As amarelas flores do guaraçai
Em cuja ampla sombra tantos anos brincara

Brinda com os anjos, continua as estripulias
As mesmas que alegravam
Nossos sonhos e dias
Aperta as mãos dos Nonos
Puxa a saia da Mariquinha
Foge do Arlindo
Esconde a botina do Lico
Apaga o cigarro de Valério
Beija a face da Tina

Abençoa com eles nossa rotina
E nos conta se o céu é belo
Se o céu é belo
Por quê é belo

QUARTO DE DORMIR


Existem dias tão semelhantes
Que até parece já terem sido vividos
As noites também são assim
Por vezes repetitivas, usadas
Ah, as horas - estas imensas
Tiras de nuvens derretidas
Os meses, os anos, décadas
Singularmente coincidentes, previstas

Revejo um espelho sem imagens
Achando que o tempo parara alérgico
E que os cabelos esbranquiçados
Resultam das mágicas do inerte
De máscaras incidentes, plásticas
Completamente amorfas, trôpegas
Verberadas, urdidas, lerdas
Cujas cerdas desfazem-se aperiódicas
Pressurizadas em sacos de supermercado

Estranho deserto de insalubre oásis
São estas quatro paredes concretas
Do quarto de dormir
Eis que o mundo aqui se resume
E apenas o ousado assombro me alumia
A cama, o banheiro, o armário
Nos lerdos passos arrastados
Distando o passado e o porvir

AUSÊNCIAS


Você deixou meus olhos
Sedentos novamente de olhar os teus
Reluzentes, apaixonantes
À mercê da lua e dos sóis
Que flanam e flutuam aos teus pés
Incisivos, decididos, decisivos
Abundantemente fartos
De sonho e saudades

Sou alguém que alimenta a alma
De indulgências e fantasias
Nas madrugadas, de manhãzinha
E por todo o resto do tempo
Em que fico intimamente sozinho
Dentro da arrebentação que consome
Os partos que geram as ausências
Daquilo que guia nossos dias

É assim que convivo com a folia
Fabricando espaços, ocupando rumos
No ensejo de enxergar o norte
Atrelado às tuas claras boias
Que me salvam quando entristeço
Adormecendo nos pensamentos
Remexendo as gavetas e caixas
Em que guardamos nossas alegrias

EQUALIZANDO


Penso agora sobre a análise dos números
Em tudo o que com eles incide e procede
Nas propriedades que as equações detém

Entre a esquerda e a direita dos zeros
Como se comportam, se nos importunam
Ou o quanto importam em cada ser

E nos cálculos e resultados impactantes
Das planilhas elaboradas com a meticulosidade
Que a matemática, a lógica e a genialidade pontuam

Entre sensíveis prognósticos e reflexos
Impares sobre a materialidade constante
Nos modelos distintos das exceções semelhantes

Nos pontos percentuais que resultam das oscilações
O quanto tudo é tão abominavelmente efêmero
Indizível e ao mesmo tempo sociável nas fórmulas infinitas

Quando a ilusão diz ter, mas na verdade não se possui
Dissociando as exatas ideias e o ideário das frações
Arquitetadas nas pranchetas do que do imaginário flui

Pensando nisso, tudo é muito tenso e intenso
Deixe-me quieto com minhas elucubrações
Enquanto degusto equalizando a textura de um doce

PASSASSE


Com a mão no cabo do ferro ardente
Elza alisa as camisas entre golas e botões
Realça os vincos das calças, dribla o zíper
Estica a alça azul da blusa junto à lantejoula
Vai e vem ligeira em atos continuados
Plissando as saias, dobrando o blazer
Circundando ombreiras
Armando os punhos
Sobre a macia tábua aquecida
Sob a manta de fumegante bafo
Revendo os amarrotados idos
Depois de quarados nos fios de alumínio e nylon

Elza analisa e dobra ainda cuecas e meias
Lençóis e mantas, calcinhas e toalhas, as fronhas
Por onde à noite repousarão as faces calmas
E serão enxugadas as deliberadas marcas
Que ficarão retidas no feltro macio
Perfumado de amaciante e pedras de anil e ipê
Lavanda floril, jasmim, e outros aromas
Artificiais tão raros, caros e essenciais
Sem cheiro de espuma, sabão, uso e mágoas

Conhece intimamente cada peça
Como se as vestisse
Como se as usasse
Como se nelas grudasse
Como se estas lhe cobrissem o dorso
Como se em seu sexo roçassem
Como se a dona delas fosse
Como se a vida envolta, em torno e dentro delas
Passasse
Passasse
Passasse

ALENTO


Ronda a morte qualquer corpo
Precisa ela que alguem morra
Que algo termine ou se acabe
Sem importar-se em ser feia ou bela
A face daquilo ou de quem morre

Tentamos mensurar o tempo
Impetuosamente medir a idade
Prorrogar o prazo, a validade
Da frágil matéria que utilizamos
Disfarçando as marcas da realidade

Entretanto ainda que insistamos
Conservar intacta esta plataforma
Enfrentamos pasmos desafiando a hora
Que chega o fim e leva embora
Tudo e o todo de toda forma

O que alenta é que há sementes
Mudas, semens, ovulos, polens
Maneiras que refazem da dura sina
A vida brotar intensa e nos lembrar
Que a morte mata, não extermina

ARMA DE BEM


Em meio a essa guerra de palavras vãs
Usa tua arma de bem para modelar as lutas
Travadas e escondidas nas folhas
Das tuas batalhas ganhas
Em meio à selva entre as feras
Que consomem teus desejos bons
Diariamente quando despertas
Ou adormeces tuas escolhas

Apropriando-te assim dos teus coesos princípios
Terás a nítida certeza
De que não há hipótese nem regra ou piedade
Nem caminho desnecessário de se passar
Que não gere liberdade e gratidão
Muito além de qualquer aspereza e vício
Que o acaso aprisione ou porventura
Se agregue à tua sobriedade

Demora entender desse enlace
Mas essa é a conta suprema
Que engrandece, evidencia e dá ciência
A essa dor que não se chora
A essa face que não se oculta
à mansidão que nunca agride
Nem desumana as tolas buscas
Que sublimam a existência

A CADEIRINHA


Descansando dobrada
Vestida de azul e branco
Abrandada
Guardada no plástico
Imóvel
Estática
Limpa e despreguiçada
Depois de tanta praia
Depois de muita água
Depois de intensa farra
Em meio à distância
Concreta do silêncio
Perguntou-me a cadeirinha
Com sorrisinho cismado
- Ei, cadê meu menininho?
- Ah, está brincando ali
Do outro lado

ERMITÃO


É tua esta lua que mandei fazer
Por tese redonda e nas demais fases
E o que fazes para ve-la te-la merece-la

Tua esta plácida relva
Esta viçosa selva todas as colinas e jardins
E por onde andam os teus olhos que não sabes distingui-las

Incendiei os astros acendi as estrelas
Abaixo e acima das nuvens densas e raras
E como consegues ignora-las nem percebe-las

Aprendeste a fazer tuas casas
Criaste asas abriste trilhas e estradas cercastes os quintais
E até hoje não aprendestes ir

Pintei esta magnifica tela
Com cores sabores cheiros e encantos de terra
E lidas com ódio e provocas guerra por ela

Este solo e a carreira que te elabora
Não condizem com o império que te fiz
Escondeste esta certeza toda unicamente por prazer

- Eremita por que então te isolas?

HUMANO AMOR


Do amor que te falo
Não é o infinito e sim
Esse que descuidado
Desmancha-se num grito
Desmesurado de dor

Não é o divino por não ser absoluto
Mas sim humano pois caso desvela
Gera desengano onde não caiba estar

Nem abstrato nem concreto
Por não ser secreto entre a gente
E estar ocluso por fina camada de cera

Esse feito de retalhos de pano
Que o tempo acostuma com a costura
E se não se atenta nem ciúma
Termina quando maltrata incontido ao passar

Do amor que te acho incomoda
Exige que provemos do amargo e o azedo faça acordar
Não por haver medo no amor
Mas que intimide e renasça e reacenda
Pela simples cisma de se vir deixar de amar

INSEGURANÇA


Não temo que pule meu muro
Nem desmantele os segredos que guardo
Tenho medo é da insana loucura
Que irrompe do nada
E te faz desumana.
Tenho medo do teu preconceito
Ojeriza que te desatrela
Faca cega que corta o vazio
Tenho medo do teu poderio
Que te faz insensata.
Amedronta-me essa covardia
Desmedida e desconexa
Paradoxal e até paralela
Que esfacela conceitos
E te põe tão perversa.
Inseguras são tuas respostas
Sem noção são as tuas perguntas
Deus me livre das tuas maldades
E por total caridade
Ignore que existo.
E se não puder sanar tuas dúvidas
E se minha presença inquieta
Reze o terço e toda ladainha
Abra o leque se abane sozinha
Depois vê se me esquece.

GENEROSIDADE


Se o cotidiano causa-te melancolia
Repense tua trajetória
O que fazes dia a dia
Depois reverte as máximas
Dos gestos que pedem sem que apregoe
Para tudo o que aprece e agracia

Estende as mãos à frente do teu corpo
No maior possível esticar dos braços
Para que nem saibas ou veja
Une os dedos nas palmas em conchas
E deixa que de bênçãos se encham
Depois emborque-as e abençoe
E com os olhos ternos agradece

Não guardes para ti
Nem desperdice
Apenas deixe que a chama inunde
E derrame por si


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COTIDIANO


Quase não tenho tempo para
Ouvir teus planos e
Já não tens paciência para
Escutar as minhas lamúrias

Confidenciamos com os
Mais distantes desejos que nos procuram
Buscamos soluções às
Propostas mais imponderáveis porém
Nos furtamos em proferir as
Palavras doces que desejamos ouvir

Ainda temos traçado nas veias os
Sinais das vias da gentileza e
A grandeza da consciência do
Que necessitamos interagir

Somos generosos e
Mansos personagens do
Absorto cotidiano

Falta-nos tempo – esse
Limado grão intransponível da
Soma de todas as
Horas

INFINDÁVEL


Minha caravela singra solta em seu mar.
Velas içadas fartam-se aos doces ventos
Passeiam destemidas em suas profundezas
Sentindo livre o suave sabor de navegar.

Quando cruéis noites de inverno castigam
Necessito corrigir o rumo, tornar preciso
O equilíbrio exato entre as ondas e o cais
Ou ante as calmarias que a tudo desligam.

Sigo assim solitário em ti recitando a loucura
Entre não retroceder ou arriscar a deriva
Parecendo infindável e eterna a procura.

Marujo, a um só tempo capitão e timoneiro
Sou eu o leme, a ancora, o casco e a estiva
Dessa indelével nau da qual sou passageiro.

CÚMPLICES


Da formosura à beleza dos traços
Contornos, olhos, cabelo e nariz
Do modo de andar, sorrir, olhar a vida
Do jeito manso e altivo em pedir

Da cor da pele à tez suave e rara
Das mãos, unhas, passos firmes e nus
Dos gestos únicos de fazer carinhos
Da lucidez de em tudo olhar e sorrir

Do que lemos e aprendemos do amor
Das labutas diárias por sobrevivência
Inclusive a fé que tanto nos regenerara

Seguirão de um só momento eternos
Intenso enigma vivo que perpetuara
Entre os teus sonhos azuis e os meus

AO PESCADOR


Não é porque caminhas vago sobre as aguas
Que um dia nelas não possas mergulhar
Explorar as profundezas oceânicas
Entender o fluxo imerso das marés
Onde tramitam as revoltas correntezas
E todas as incertezas castas dos mares.

Aprender no vai e vem das brutas ondas
O jeito manso de lamber suas areias
Romper as pedras todas e as fortalezas
E respeitar os frágeis cascos dos veleiros
Singrando mansos ao sabor dos raros ares.

Dê piedade aos humildes pescadores
Que tem amor às longínquas águas infindas
Torna branda a imensidão que os castiga
E que não morram de saudades das paixões
Nem enlouqueçam distantes de suas valsas.
Mergulhe a fé intensa em seus corações
E traga-os vivos aos braços dos seus amores.

Amém!

NÓ DE CORDA


Abraço as vindas cansadas
E os prêmios que me trazes
Quando te acolho nas mãos

Tu és a um só tempo navio e cais
Sou apenas simples amarras
De onde desgarras
E vais seguindo teu rumo
Ou permanece angélica
Cósmica e plácida amanhecer
Para meu peito deslaçar

Quem dera sendo eu nó de corda
Suporte os vaivéns dos teus mares
Das imperfeições acorde
E da realidade mórbida
Apague os traços e os rabiscos
Que os riscos dos teus oceanos
Cometem dentro dos meus planos

Choro tuas idas revoltas
Mas recolho as tuas voltas
Repletas de canção

O QUE FAZEM ESSES HOMENS


O que fazem esses homens eternos
Dentro de templos fechados
No silencio sem janelas
Nos enredos de seus passos
Íntimos mistérios
Escondidos em preceitos?

Talvez rezem ou procuram
A oração perfeita e pura
Que cure a alma pela doçura da caridade
E torne mais perfeita e fraterna
Cada ser e a humanidade.

Seriam tantas as respostas
Nessa batalha mística do escuro
Contra a magnitude da vida;
Talvez seja escura busca
Que se aclara com a visão ávida da luz.

Vencem ardilosas e árduas batalhas
Trazem consigo pura e reta
A estrada por onde aprimoram e aprumam
Seus vastos e próprios espaços.

Do que sei guardo com a alma
Se desconheço estudo, e se descubro
Cubro com o manto do segredo.

Me torno também mudo
Como a calma que me resta.

Poucos veem o que fazem
Esses homens de terno.

REFÚGIO


Silencia os trovões à volta
Desliga teus raios abjetos
Encandeça somente as partículas
Das luzes particulares
Dos colares que adornam
As faces cerradas e ocultas
Das tuas vontades loucas

Elimina assim das gavetas
As roupas que adornam
Tua amálgama revolta
Na prata das desperanças
No agouro das incertezas
Na tradução dos olhos rasos
Das razões das tuas contendas

Veleja teu momento ímpar
Crente por entre as ondas
E à beira da restinga
No refúgio da costa âmbar
Espreguiçada no oceano vesgo
Quando entorna os mangues
Desarranjados às vezes
Vergados com a sorte
Sem algas e nem norte
E perspectivas de ordem

Mas nem sempre é o mar
Essa garganta voraz
Devoradora de foz
Ainda que por si mareia
Debaixo do nariz
Tudo se reanima e refaz
No continente vasto
Daquilo que nos instiga
Reavivar idos castelos
Feitos de água e areia

INCÔMODA


Na menor porção
Esconde-se a grandeza do átomo
Com paciência
Infinitamente eterna
Onde o olho nu não alcança
Enxergar ainda que tente

Também eu não consigo ver
A debilidade que me rende
Apesar de gigante e imensa
A mediocridade que me prende
Ante as minhas despojadas
Incertezas que me tornam míope

Evidente que você não entende
Porque fico assim ilhado
E sempre aqui aguardando
A clarividência de sua fina lente
- Sou tão dependente de ti
Que me torno seu sobrevivente

Admito que não haveria momento
Se a vida um dia deixasse de ser
Tão docemente incômoda.  Lamento!

DE CORAÇÃO


Três - apenas três - Lagoas
Sem formas geométricas
Sem margens divisórias...

Três infinitos contidos
Num só sentimento
E em cada filho seu.

Três - sim, não são muitas
Mas capazes de dar vida
A um mundo de sonhos...
Claras aspirações
Como ondas de um mar imenso
Naturalmente represado...

Três infinitos cantos:
Sonhos tempos versos;
Três universais vidas:
Amores trabalhos esperanças...

Três em uma fonte de seres humanos
Capazes de dar
- Mais que uma lágrima -
A vida pela sua existência.

Três - apenas três - Lagoas

DESSINCRONIA


Meus olhos e minha boca
Chegam sempre comigo
A qualquer lugar que vou

Por vezes os olhos dizem muito
E a boca se cala. Em outros momentos
Dissimulam e a boca fala fala fala fala

Há quem não se importe
Ou note essa dessincronia

Apenas a mente ruboriza
Pelos descontroles da minha cara
Despojada de moldada ironia

Deixam-me sisudo ou risonho
Sempre quando e onde
Menos pode ou precisa

IMPESSOAIS


Pendurados nas paredes
Olhos espiam onipresentes
Vigiam até mesmo pensamentos
Gravam nossos modos constantes
Transformam em presente passos
De minutos atrás
Ainda que se conteste
E prove a que se preste e pretende
Sem que se perceba ou incomode

Disfarçados detectam movimentos
Frívolos sem preocuparem-se
Com nossa obsessão e desejos
Registram arrepios, olhares, risos
Argumentos impessoais, tiques
Nuances nos ângulos indiscretos
De quem passa, fica, sai
E até o que mesmo nem chega ou vem

Revejo o emaranhado dos teus cabelos
Tua resoluta vontade de chorar
A intenção em contornar o objeto
Os lampejos e brilhos dos gestos
Pelo tempo que quiser do agora
E ainda se não mais puder te encontrar
Fico com as imagens sem endereço
Desafiando apegadas meu olhar

MEU POVO


Olhando do prédio adivinho
Meu povo passar na alameda
Cheia de pedras soltas nas ruas
Degraus repentinos feito abismos
Piso escorregadio nas calçadas
Sem qualquer porosidade onde pisa

Vagam a sola e a sandália
Entre o asfalto, o chão e o vazio
Passam a passos tortos
Por onde não devessem seguir
Seguem tontos, cegos
Tateando os pés pelo solo
A esmo, sem rumo, a ir

Entrevejo impertinente a plebe
Ater-se a desviar de postes
Placas, poeira, árvores, carros
Tapumes, cocô de cachorro, chorume
Espalhados na correria da insanidade
Ignorando que as avenidas
Cansaram-se da displicência
Dos reclames da Cidade

E sobre a beira da laje
Indiferentes surdas formigas
Perdidas feito gado em riste
Ignoram as aragens disformes
Nivelam suas trilhas com as patas
Sedimentam os caminhos e o destino
Imitando minha gente passante
Estafada de tanto andar

Haicai: APRENDIZ


Ainda não sei
Contar longas histórias.
Só anedotas

ONDE DEVERIA


Onde deveria eu agora
Estar buscando tua presença
Se justamente a tua falta
Inspira-me e faz com que
Minha arte aflora

Não fosse tua existência
Andar por outra morada
Não haveria essa ansiedade
Adivinhando teu vestido
Qual música adorna
Os sons nos teus ouvidos
Se há livro em teu colo
Anéis nos teus dedos
Brisa remexendo os cabelos
Sandália em teus pés
Que te levam a passeio
Ardor nos teus olhos
Arrepio nos teus pelos
Segredos nos lábios
Perfume em teu cheiro
Rima em teus braços
Certeza em tuas crenças

A poesia não é cruel
Apenas se farta impropria
Das simples ausências

DESACORDADO


Raramente sei quando durmo
Por onde ando.
Às vezes lembro os sonhos
Devem ser indícios
Das fugas que cometo
Quando acordo e venho
De qualquer outro espaço
Ou diferente mundo

Então me fico perguntando
Por que ter ido
Para lugar tão estranho
A ponto de ver perdido
Os restos de memória
Que ainda detenho
Ao estar novamente de volta
Enfim acordado

Seria como viver a experiência
De estar sedado
E não sentir qualquer arrepio
Nem de orgasmo
Nem mesmo de emoção
Vertigem ou desafio
Abobalhado e embevecido
De paixão permanente

Você que gosta e sabe
O que é dormir tanto
Por favor explica.
Talvez desperte
E me surpreenda
Quando agora deite
E lá na frente pela metade
Inteiro e sonolento levante

Online


Carrego junto ao bolso
O celular conectado
A um mundo em pandemias
De virus infectado

São tantas as doenças
Que nem sei mesmo os nomes
Mas que nos tiram o sono
Nos matam e nos consomem

IMPUBLICÁVEL


Quisera que teus dedos procurassem por mim
Como escrevessem poemas na face dos lábios
Enquanto passeassem desapercebidos
Por entre os pelos encaracolados
Fazendo carinhos ritmados
Encravando as unhas riscando as coxas
Entremeando as mãos alisando os seios
Extasiando sozinha como quem conquistasse
A síntese do prazer encimado de estrelas

Contento-me em pensar que me sonhas

HUMANO


No máximo te penso
Nem mesmo te ouço
Tampouco te chamo

Arrependo por esse letárgico processo
De abandono aos pedaços
É que apesar de poeta ainda estou insano
Insistindo mais do que minha idade é capaz

Preciso deixar de ser razão
Retornar-me humano sem utopia

Morrer não é mau
Se a vida não parasse
Eu nem partia


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RESPINGOS


Certas histórias precisam ser contadas
Outras simplesmente vividas.
Trazemos um pouco da necessidade
De imitar algumas performances
E um percentual incrível de inventarmos
Os nossos próprios compêndios.
Há quem se acomode sob fantasias
Há quem daqui a pouco esquecerá
De incomodar-se com os esquecimentos.
Dirijo meus dias espaçosamente
Inspirado no protagonismo
Das coisas mais suaves, leves e simples
Afugentando furtivas contendas
Deificando as vultosas texturas
Que abrangem os desejos abundantes
Por onde somente a reflexão perpetua.
Aprendi assim a viver nos respingos
Dos fatos das novelas do cotidiano
Capítulo a capítulo, focado nas finalidades
No entanto longe, bem longe do fim.
Sou eu a maior propriedade destas escritas
O deserdado protagonista sem foco e fora da luz
Porem consciente de que tudo se torna necessário
Desde que de alguma maneira necessite.
Estendo democraticamente a mão
Para que tu me conduzas por estes labirintos
Sem calvário mas com o prazer da jornada
De juntos sermos robustos detentores
Das incontestes superações.
Tens as chamas da perseverança
Trago as garras da esperança.
Somos puros e valorosos irmãos.

MUDE


Troque de roupa quando o desejo mandar
Por estar demasiadamente justa ou largada
Limpa ou suada
E tua carne pedir outra pele
E teu apelo querer outro pano
Ou se porventura na casa falte um botão
Ou enguice o fecho
Ou rasgue a gola
Ou enjoe a cor
Ou não caiba o tamanho
Da dobra da barra
Do frio ou calor
Comprida ou curta
O tecido incomoda
Está fora de moda
Por algum motivo não satisfaz
Põe pra lavar, mude, doe, cose, cirze, remende
Passe, alise, desamarrote, customize

Quando teu desejo pedir
Quando tua vontade mandar
Sempre há motivo e lugar
Aguardando uma nova atitude
Mude

METADE DA ÁGUA DOS MARES


Metade da água dos mares é lágrima fútil
Outro tanto saliva dos escárnios no mundo
Assim vontade e desprezo liquidificam-se
Distraindo as levadas por embates profundos
Lavando as honras em maré fértil

Por isso suspiram avivadas as incertezas
Resguardando em trincheiras os continentes
Apartando as milícias aos milênios
Cumprindo os íntimos sinais da natureza
Reformulando a seu modo tempo e cotidiano

Seres blindados optam chorar sem molhar as areias
Desconhecem a convergência das comoções
Não trazem no pranto essa gênese avara
Nem provocam as marolas e as tempestades
Não vivenciam as delicias das ilusões

Eu loucamente quando choro revolvo oceanos
Com a futilidade dos meus desenganos e paixões

RESTO DE AROEIRA


O seguinte passa pela rua
Desfilando nas calçadas e avenidas
Correndo pelos becos
Buscando saídas
Retornando quando necessita
Avaliando quando precisa
Eximindo-se de tudo
Que lhe possa parecer caos.
O conseguinte viaja nas veias
Enveredando por artérias
Voando em micro ondas e bandas em bando
Desaforando o futuro
À frente do tempo
Cometendo loucuras
Atroz, voraz, veloz como a luz.

E na roça
Sentada num resto de aroeira
A esperança se convence
De que no vasto mundo
A sentença das Cidades
Em todos os sentidos e seguimentos
Ainda converge
Para o interior de cada interior.

UM TOLO


Estou prestes
A me sentir um tolo
Não consigo controlar
A inconteste vontade
Em não partir o bolo
Que me deste

Transforma-lo sim em pedaços
Pequeninos para as formigas
Fartarem-se plenas
Levarem nas costas as migalhas
Distribuindo doces entre amigas
Às carreiras imensas

Depois vê-las
Dormir saciadas
Cansadas do dia inteiro
Absurdamente contentes
Sem assombros e remorsos
Como fazem os inocentes

CRÔNICAS ABERTAS


Nossos caminhos são crônicas abertas
Em formato de prosa e poemas
Narrativas lúdicas dos momentos diários
Entre o ir e vir e as esperas
Um jogo de abraços e dilemas
Leque de encantos e encontros
Folhas de jornais de ontem nem lidas
Textos que reescrevemos com o advir das horas
Verdades retiradas dos parágrafos
Que ainda esperam notícias
Mas que declinamos decoradas
Sem necessidade de pautas

E todos os espaços entre as palavras
E todas as pausas entre as linhas
E todos os pontos concatenando ideias
E as virgulas que dobramos seguidas
Locupletam-se na formosura das pautas
Redigidas por tuas mãos e as minhas

RENÚNCIA


Falo de ti poesia
A quem possa escutar minha fala
Das mil maneiras que tenho para que consigam me ouvir
Sem precisar que entendam minha língua
Ou necessite explicar simplesmente
O uso de palavras que tomo por minhas
Para descrever-te

Além do mais escrevo para que o tempo registre
E me tenha por adepto da cotidiana escrita ser parte
Estendida dos sinais que te revelam avassaladora
E denunciam a expertise de tua significância

Ser ou não feliz não é mais escolha
Apenas resultado de absoluta renúncia
Pela arte

VARAIS


Contrário à corte soberana
Resolveu-se que ao mesmo tempo
Todos devessem estender as próprias roupas
Num imenso quaradouro e seguir em procissão

E enquanto a nudez esteve explícita e exposta
A aldeola tornara-se naquela tarde
Embevecido e incrédulo festival de trouxas e enxovais
De lycra, jeans, algodão, brins
Tricolines, viscoses, sedas
A rendas
Balançando presas às cores
Pelo alto dos postes, prédios e quintais
Ocupando os pórticos e contornos
De uma nesga algazarra de peças
Misturando vertentes e valores

Assim a sociedade rastejante
Até então passiva, cega, inteira
Itinerante apreendeu a respeitar nua
Sem qualquer traje e pudor
Seus nobres e raros tecidos epiteliais, conjuntivos, adiposos
Ósseos, cartilaginosos, sanguíneos, musculares
Esqueléticos, lisos, cardíacos e nervosos
Efervescidos e fermentados pelos sabores de sais
Ópio, ócio e odor
Entremeio a pelos, excrementos
Suor, esporro e escarros
Condimentados, intumescidos
E outros fartos elementos animais
Tão próprios, comuns, até então sufocados, ignorados
Úmidos, ingênuos, diários
De quando andavam ostentados por pechas
E adornos ridiculamente banais

Incrível também como as roupas
Tornaram-se outrora muito mais nobres
Livres de seus corpos, estiradas nos varais

DELÍRIO


Quero a flor e a cor da pétala
Cheiro intenso que perfuma a sala
No bulbo do lírio que ainda hiberna

Quero o talo verde da seiva
O pólen que a abelha leva
Do filete mundo afora

Quero agora ser estame
Teu particular androceu
Ser teu céu e teu encanto
A preguiça que te espalha
Sereno que te orvalha
A palha que preserva teus grãos na relva
Tua selva  e teu jardim
O teu vaso de carpelos
Os germes que lambem teus brotos
Tuas hastes os teus pelos
Densa cera de tuas folhas
Cada cílio de tuas pálpebras

E apenas por mera sorte
Ser por um doce orgulho
A ousadia do delírio
Quando prazerosamente
Tua vontade me molha

ARTEIRO


Colhi de um singelo canteiro de praça
Aveludadas pétalas e esguias ramas
Quem sabe também tão cheias de densa ansiedade
Por deitarem-se suaves na palma de tua mão
Morar entre a graça serena dos teus dedos leves
Que acolhem por safira uma pedra rara

E rosas brancas, vermelhas, amarelas
Agrupadas em buques em teu abraço calmo
E jasmins e hortênsias e orquídeas nobres
Margaridas e dengosas violetas de rua
Roubadas ligeiro da flora de agosto
Para fabricar alegrias e enfeitar as janelas
Desenhar teu corpo e os quintais da alma
Que contempla, recobre e perfuma teus braços

Sou esse serviçal catador de folhas
Rastelando entre sílabas secas e versos soltos
Atrás do tempo enquanto me resta a sede
De versejar a vida feita de escolhas verdes
E antes que finde o inverno e a primavera desça
Continuo feito saúva carregando flores
Para dentro da completa íris dos teus desertos
Porque sei que isto acende teu riso e serena tuas horas
E te tornas jardim de aroma e cores
Brincando na relva carpida de corpo inteiro
Molhada de contentamento pelo miúdo orvalho
Que te ampara, deseja, viceja e atura

Porque em setembro terás tanta fartura
Que esquecerás de mim, teu menino arteiro

NEM SEMPRE É POR FRIO


Quando o pelo eriça nem sempre é por frio.
Na maioria das vezes é a preguiça,
O pensamento vadio,
E a própria delicia que se apropriam da gente,
E traz por todo o corpo um suave arrepio.

Pode ser a incontrolável vontade de explodir
O vazio que causa a saudade.
Pode ser a maldade dos anjos
Brincando de esconde-esconde com nosso brio.
Talvez a espera do alguém distante em sintonia
Ou o estrago que causa engolir palavras
Que não possam ser ditas quando a gente entedia.

Imensa casa em que tudo inquieta em seu lugar.
Meus pés pelo chão gelado, deserto, estéril
Procuram teus rastros, teus saltos, as migalhas do teu andar.
E na moldura da noite no perfume do quarto onde estás
Parece que vejo descansar inocente na fria cama
A fina roupa que adornou teu corpo e aqueceu tua pele
Agora nua, solta, viva, sedenta de amar.

DA SUCESSÃO DOS DIAS


Diariamente o sol nos engana no ocaso
Quando aparentemente diz ir embora dormir
Finge pôr-se atrás do horizonte de cada um
Tingindo o céu de inacreditável dourado

Mas ah, não é ele quem se vai, eu quem fico
Sentado ao pé da cama contemplando
Esse paraíso nesse espetáculo particular
Inacreditável e absolutamente mágico

Seu eloquente abismo não é queda ou declínio
E sim unicamente do dia um louvável estagio
Que nos toma de lampejo, poesia e fascínio

Então se dá esse tempo de absoluta escuridão
Enquanto o planeta gira em seu eixo completo
Conduzindo-nos experientes para um novo clarão

INACABADO


Precisasse falar, diria.
Como não preciso calo
Porque sei que minhas mentiras
Nem mesmo eu as ouviria.
Não escutando, ignoro
Ignorando desdenho.
Qualquer coisa que supunha
Em nada ou pouco ajudaria.
Entendam todos que tenho
A liberdade ao meu lado
Por isso entro e saio a passeio
Pelo ângulo e ótica que concebo
Em até partir a verdade ao meio
E suas supostas metades
Retalha-las sem receio.
Desvendando o que não vejo
Não vendo o que não pretendo
Ao tornar prioridade
Deixo as suposições de lado.
Ninguém conclui a própria obra
Sempre haverá um novo verso
Outras sensações e adendo
A um momento inacabado.
Eis o inusitado segredo!

NO PAÍS ONDE MORO


No país onde moro
Tudo é incrivelmente notório:
Todos choram de alegria
Locupletam-se de bondade
Esmoecem de emoção
Relaxam com a extrema candura
Amofinam-se de intenso amor
Esbabacam de paixão
Afrouxam de felicidade
Derretem de benevolência
Intrigam de generosidade
Amolecem de gratidão
Amuam de tanto rir
Enfadam de bonança
Desolam de tanta fartura
Entristecem-se de apaziguados
Escaramujam de galhardia
Agitam de benquerência
Adoecem de mansidão

E arreados de otimismo
Morre-se momento a momento
De extremo prazeroso altruísmo
Venturosa fraternidade
E inefável contentamento

Tudo está portanto translúcido
No estado de espírito
Daquele país tão bonito
Onde todos tem o hábito
De imaginar a mesmice
Da peculiaridade que se tornara
O mundo em que se convive e acredita
E interrogam - porquê egoisticamente
Apenas eu o habito

AQUILO QUE EU NÃO QUIS FALAR


Tem dia que não se quer poesia
Verso, rima, estrofe, poema, papo, trelelê
Talvez uma leve reflexão para que não se perca o costume
De rever silenciosamente a conjuntura da voz
Sem aviltamento ou recusa da livre arte de pensar.

Na ultima noite estive assim, sem qualquer emoção.
Não quis política, nem quis cantar nenhum avesso
Apenas deixei largado efervescer e fomentar
Essa seiva vermelha que viaja sórdida nas veias
Como alguém que descansa um copo num balcão de bar.

Sentir também é uma obra que resume a aridez
Os impasses e as sórdidas impurezas da alma.
Conheço as profundezas dos desafios e descobertas
E o respeito da carne a tudo que se interpõe à natureza.

Renuncio portanto em pedir o perdão da palavra
Ainda que o único medo que sinta da vida
Seja o do fio de corte da faca da minha estúpida língua
Por tudo o que diz aquilo que propositalmente eu não quis falar

VIRTUAL


O riso amarelo
A lástima púrpura
O olhar anil
O gesto verde
A versão carmim
O presságio negro
A palavra caqui
O remorso neve
A alma nude
A eminência parda
O perdão porcelana
A intenção laranja
A vontade cinza
O amor royal
A certeza champagne
O espanto bege
A coragem magenta
O segredo prata
O delírio pêssego
A tristeza limão
O pensamento vermelho
O querer marrom
A premissa rosa
O calafrio marfim
O sufrágio bordo
A mágoa gelo
A calma ouro
O saber areia
O compromisso fumê
A vertigem turquesa
O sonho palha
A realidade concreto
A solidão tijolo
A alegria caramelo
O devaneio ocre
A culpa grafite

A virtualidade é esse refletor matiz
Distinto destino da contemplação
Entre a saturação mera
E a realidade do que se fez e quisera

VÉSPERAS


Anjo amado que me guarda
Embainhai vossa espada
Pelo dia santificado
Ficarei quieto em casa
Exercitarei o jejum
Rezarei o oficio das doze
Verei dois filmes com os meus
Não irei pedalar nem a caminhada
Tomarei banho morno
Não gastarei risos nem lágrimas
Permanecerei de ouvidos moucos
Aos possíveis rumores da rua

Muito festejei de véspera
E de tudo me resguardara
Descansai pois anjo bom
Nenhum mal me aguarda
Se morrer será unicamente
Na irrestrita medida
Do vasto amor que me espera

ENVEREDO


Hoje trabalho
Assim dissolvo meus dilemas

Descanso
Então refaço os desvarios

Provoco
Descubro soluções

Desafio
Encontro mais alternativas
Para garantir iniciativas novas

Amanhã enveredo

Complemento toda a espera
Substituo resolvidas provas
Certamente por mais problemas

IGREJA


Sei que me carregas pela mão
E que me transformas pela fé
Que me aceitas sempre como eu sou
E que me amparas porque quer
Sei sou o menor dos filhos Teus
Mas Tua bondade me engrandece
Sobre Tua mão me apoiarei
Pois Tua verdade me enaltece

Nasça sempre em mim a piedade
Ao compartilhar a Tua luz
Semeando a paz pela seara
Levarei Tua palavra
Por onde o amor conduz

Não me bastaria a Tua benção
Se não abençoasses meu irmão
Por isso quero ser Teu instrumento
De misericórdia e união
Isto é ser Igreja num só templo
Fortificados na fraternidade
Então bem unidos viveremos
Repartindo o pão da caridade

LOJA DE SÃO JOÃO


O teu vestido é tão belo
Mas tua nudez muito mais
E tua voz tão cantante
Sublima os silêncios das manhãs
E os teus olhos de menina
Enxergam o que vimos jamais
E quando proferes dúvidas
As respostas borbulham
E tuas vontades arrebatam
Os velhos dogmas
Entre o profano e os evangelhos
Assim te renovas e nos rejuvenesces
Aprendemos e discernimos
Entendemos teu compasso
As chaves que destravam
Todas as portas do que ignoramos
És reza e gratidão
Entendimento sagaz
Círio que somente consome
O azeite livre e o rico pão
Prezo-te por teus ritos
Que nos enleva ao eterno
Descortinas nossos eus
Acalmas a língua vilã
Abrandas as tormentas
Consertas as mazelas
Que criamos inconsequentes
Tornando-nos únicos e unidos
Verdadeiramente irmãos

EU RIO DA VILA


A cabeceira da ponte ruiu
Despegou-se decidida
Decapitando a Cidade da Vila
O Norte do Centro
Repartindo a pista
Como alguém que resolve
Divorciar-se de si mesma.
Cansara desse leva e traz
Das mazelas que fazem com as beiras
Com o relaxo empestado
Ao meu frágil leito e às carcomidas margens
Danificadas por erosões tenebrosas
Que se roem em covas
Decompondo ideais e cadáveres.
Quem a vê pensa ser apenas
Uma manta de ferro e argila
Soerguida entre dois conceitos.
Não enxerga suas mãos
Resolutas soltarem-se dos laços
Entre as castas, dentre os sustentos
Abrindo as alças em braços
Encolhendo as pernas
Vertiginando o volume das bases
Implorando auxilio em meu socorro.
Tentam reata-la com gosma
Cimento, sarcasmo, aço, suor e pedras
Como quem sutura artérias
Após um escaldante infarto
Devido ao intenso tráfego de
Sódio, fumaça e gordura.

Por debaixo da viva laje
Rio amargo teimando intermitente
Escoando ignóbil tudo o que lava e declina
Lambe barranco e ferve os nervos
Dos seios de uma gente insólita
Que vem e vai sobre o asfalto
Remendado e partido
Sem apiedar-se de minhas águas pardas
Que se deitam fétidas e quase sólidas
Entre limbo, lodo, lixo, fuligem e folhagens
No azedo da beira do mar.

EM TUA COMPANHIA


Quando teu silêncio estanca minha fala
Quando tua calma apara a minha pressa
Quando o teu zelo repara meu descuido
Quando teu perdão ofusca a minha mágoa
Quando a tua água sacia minha sede
Quando o teu colo descansa minha alma
Quando teu olhar revela o que não vejo
Quando os teus braços soerguem meus desejos
Quando tua bênção serena o que esconjuro
Quando teu conselho apregoa o que rejeito
Quando teu solo se assemelha à minha terra
Quando tua paz sacia minha ânsia
Quando teu suspiro estanca meu soluço
Quando teu norte guia o meu rumo
Quando teu prumo enceta minha linha
Quando teu veludo aplaca minha queda
Quando tua reza ameniza meus temores
Quando a tua cena anula o meu ócio
Quando o teu passo abranda minha estrada
Quando tua luz acende a minha sombra

Prostro-me peregrino
Quando redescubro
Quedo à tua divindade
Em tua companhia

PARENTES


A casa nem tão grande
Ficou de repente mensurável
Com as portas dos quartos sem trancas
Onde nas camas já não mais se repousa na sesta
Pois a hora desse descanso
Agora é formal e duradoura.

Eu nem soube que vieram
Mas os vi, vivi e convivi
Ganhei abraços quando estavam
Cantamos, comemos, beberam comigo água e vinho
Antes de partir
Entre risadas e broncas obesas.

Creio que o tempo se alimentara de nós juntos
Justamente quando nos encontramos esvaímos
Certos da eternidade ornada em momentos
Assim próximos da rotina
A um vulto na retina sem cor.

Gosto que arde no peito
Vontade e certeza de rever
Cada rosto e ouvir suas doces vozes
Como se foram previstos pela volta
Advirão, e os terei justos
Colados, íntimos, parentes.

ANSEIOS


Um ultimo gole me persegue
No copo transparente das intenções
Que arfam e ardem num copo de tequila

Melhor dormir antes que a tarde finde
Senão endoida a palavra
E nada mais me controla
Pendurado naquilo que desejo
E que me falta e falha

Uma eternidade profana
Dentro de uma dose mal tomada
Escrito no idioma úmido de quem te olha
Absolutamente vive de anseios
E nada fala

MEU CORAÇÃO TE ESPERA


Na superfície virgo da terra
Submundo do universo
Meu coração te espera
Anverso e vagabundo
Desesperado de antevéspera
Em qualquer buraco que seja
De profundeza imensa ou rasa
Instado a um esteio de casa;
Na garganta dos questionamentos
Nas cordas vocais dos relâmpagos
Junto a estrondosos trovões
Meu coração te espera
Em matizes pintadas por sóis
Em meio a esplendorosas placas
Multicoloridas de cal
Com gosto de cana e ácido
Azedo agridoce dessa imensa
Saudade pálida vertical;
Entre virgens flores cheirosas
Poderosas torres de verdes talos
Meu coração te espera
Onde os insetos se aninham
E dormem os ariscos pássaros
E sonham os anjos cansados
Enquanto seguem os passos
Dos ventos anciãos
Que assopram e espalham na esfera
As boas e más notícias
Sem subestima e esperas;
No paradoxo de ideias
Sob impactantes mudanças
Ideologicamente perfeitas
Meu coração desespera
Vivendo a opção desse aguardo
Na simples rimada filosofia
Em que amar é modificar
Geopoliticamente reinventar-se
Nas sobras da própria poesia.

SAMAMBAIAS


Minha alma tem inúmeras samambaias
Espaçosas pelo chão.

Chegaram verdolengas e se estiraram
Ligeiras por falsos cantinhos ralos
Disputando com restos de poeira
A umidade reservada às formigas e cupins.

Eu apenas procriei minha particular floresta
Onde descanso entre madeiras e folhagens
Todas as bobagens do tempo que me resta.

Nem sinto falta das ausências de estarem
Perto ou ainda longe de mim.

A NATUREZA DAS COISAS


Do que é feito de olhar aflora
De chuva molha
De papel queima
De oração ora
De novidade anima
De persistência teima
De proteção anjo
De arco-íris cora

Do que é feito de bronze zune
De madeira cerra
De lata tini
De água escorre
Mesmo o que é de ferro fura
De afeto alenta
De arte coaduna
De astúcia fere
De conveniência assenta
De vertigem adere
De alento encanta

Tudo é feito da mistura intrusa
Da generosa dádiva e causa
Da natureza das coisas

TRANSITÓRIO


Fascina - mas calma
Não deixe que o coração amordace
O que tua palma ressente
O que tua luz desconhece
Daquilo que te anseia e apetece.

Procura pois na mesmice
Entender tua parda rotina
A causa do pus que te inflama
O peixe que retém tua isca
A física dor que te amola
A esmola que a vida te encima
Abrasa e te põe intranquilo.

Serena - no entanto amplie teu lastro
Conhece-te idôneo, viril, resiliente
Apura o que induz ao apupo
Encaixe o obvio ao efêmero
Ao que condiz transitório
Intocável, extremo, transitivo.

Porque da alma o que soçobra
É só o que o remédio não cura
E a obra que se depara
A tudo que se depura
Ao vinho que se degusta
E ao vento que te segura
Da sede que te resguarda
Da vida que te assusta.

À SOMBRA SOB OS OLHOS DE DEUS


Há noites que a fronha
Desentende-se com meu rosto
E a cama e seus lençóis
Giram em torno das borboletas
Estufando de fantasmas
O bojo do travesseiro sem ar

Eu permaneço ali
Como um lago imóvel decantado
Descartando alternativas e possibilidades
De não dormir
Como se a revolta das coisas não fosse comigo

Assim faço todos os dias
Quando o carro não liga
A lâmpada não acende
O fio não conduz, o café não coa
O caminho não chega
A cola não adere
A carne não assa
A chuva não molha
A roupa não seca

Talvez seja eu somente
Um vazio banco de praça
Um meio fio de esquina ou poste desnecessário
Sem nada mais dependurado
Esticado em varal
Quarando à sombra
Sob os olhos de Deus

ROTINA


Minha cidade tem apenas alamedas

Não existem ruas
Nem vielas avenidas travessas trilhas ou becos
Mas sim somente alamedas
Por onde largamente disfarço
E vivencio
Na rotina dos meus medos
A imprecisão dos meus passos

ZURRAR


Eram tão poucas vozes para escutar
Que pudemos entender a fala dos dragões
Tão altos gritos dissimulados
Que os ventos ignoraram os uivos
Tão raros brados improducentes
Que as bocas preferiram calar-se
Ouvindo a TV zurrar sobre o armário

Assim a maré se aquietou
E pudemos discernir a similaridade
Entre o zunido da cidade grande
De cada homem atribulado
Ao silêncio de um peixe sem oxigênio
Afogando num canto do próprio aquário
Ali do lado


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EXPERIENTE


Tua unha tatua
Teu nome em minha pele nua
Rabisca irregulares traços
Pelo dorso e pelos braços
Crava aferrada em meu peito
Além dos pelos
Além dos poros
Além da epiderme
Já na carne
Por entre as veias no sangue vertente

Depois teu lábio assopra e a língua lambe

E enquanto se lambuza  experiente
Deleita e goza

NÃO QUERO METADE


Não quero metade
Preciso do todo
De um risco a outro
Ambos os lados e até ambíguo
Começo e fim, termo e início
Ida e regresso, chegada e partida
Polpa e caroço, sombra e luz
A gleba repleta, a taça cheia
A caixa cheia
A paciência que transborda
O círculo completo
O quanto dure uma vida inteira

Não há meio abraço ou beijo
Meio desejo, meia lástima, meia lágrima
Vontade ou sonho ao meio
Ou é bonito ou feio, rude ou simpático
Forte ou fraco, ético ou velhaco
Astuto ou tolo

Que a sorte nos seja palpável e farta

NEGLIGENCIADOS


Como se faz com os segredos
Quando já está evidente
Que se não cuidar explodem

A mente é esse disfarce que pode
De repente causar prazeres
Mas vive das evidências no medo

Vivemos trancafiados em nossas casas
Bloqueados nas ruas desconfiando
De que sempre erramos a estrada

Apesar de tão interligados conectamos
Nosso presente ao mesmo tempo
Ao futuro e passado onde vivemos

Mas não sabemos de onde viemos
Para onde vamos e porque somos
Assim tão negligentes irresponsáveis

A nós todos não nos falta fé
Na verdade as incertezas evidenciam que
Estamos sim carentes de generosidade

O QUE É SER POETA


Esquece o layout da página
Deixa fluir sem formatar
As palavras virão desesperadas
Pedindo licença para entrar
E se acomodarem em cada verso
Desse universo de poesia
Amanhã sozinhas se ajeitam

Mas depois essas mesmas palavras
Exigirão que as declame
Com precisão poética e perfeita pronúncia
Deixarão de ser humildes
E se revoltarão contra ti
Caso as exclua ou deixe fora das linhas

E quando as sentir exigentes e astutas
Saberá o que elas em ti representam
Então se sentirá responsável
Por antes tê-las escondido

Nesse dia entenderá
O que é ser poeta

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

O TEMPO EXPIRA


Fecha a cortina para diminuir o sol
Retrair a luz
Tornar opaca a mera visão do dia

Cochila recostada à cadeira
Cerra os olhos
O instante congela quando fecha a janela

A nuvem densa esconde a lua
Depois chove
E a noite se molha negra e ensopada

De silêncio a madrugada silencia
Tranca os lábios
Aquieta a língua e o pensamento flutua

Não há morte encomendada
Tudo é normal
Como qualquer ato cedente

Apenas continua o gesto motor
Repetido movimento
A gente segue e o tempo expira

Há quem adoeça e soluça e suspira
O prazo extingue
E o corpo – ah o corpo não mais respira

BRINQUEDOTECA


Velhos brinquedos amontoados
Faltando asas rodas braços cordas
Empoeirados sem cores
Mas ainda mantendo pilhas vivas
De prazeres encantoados
Encantados entoados
Cantados catados

Raros e abençoados momentos
Recolhidos pelas mesmas mãos que brincaram
Guardados agora no interior das lembranças
Na brinquedoteca da sala das liturgias
Num quarto de vida
Entre caixas e gavetas do depósito
Em caixotes canecas copos bacias

Brinquedos de pau plástico pedra papel
Arame enferrujado sem cobiça
Alguns milagrosamente inteiros
Não menos brincados mas intactos
Porque nem tudo se quebra ou esvai
Ainda que use abuse conserta-se distrai

Há um indizível cordão que os prende e interpõe
Amarra um ao outro por novelos e nós
Com eles foram construídas estradas cidades famílias
Fazendas casinhas cozinhas estádios circos escolas
Indefinidas certezas de que tudo é possível
Desde ontem até hoje e após

A LUA


Tanta coisa se aclara com a lua
Até mesmo as emoções todas afloram
Na penumbra fina da luz rala
Entre silhuetas de fantasmas magricelas
Flana a passeio sobre vapores e velas
Atracada às ondas calmas e inquietas
Onde a indecisão e a certeza se resvalam
E fica horas sobre o monte a olha-las

Não se abala, adormece ou cala a noite
Martela nas profundezas ostras e pedras
Distorce as correntes, assusta corais
Remexe os silêncios, iguala as regras
Solta as amarras dos barcos nos cais
Fria, ri das calmarias, instiga os canais

Depois se desmancha pudica e indecente
Entre as risíveis falsas juras dos casais

CELESTE


Quando chegou o inesperado anjo
Encontrou ali no quarto ao pé da cama sobre a cômoda de minha mãe
Pequeninas imagens com propriedades cristalográficas celestinas.
Eram terços, orações, formulas de pureza e felicidade
Medalhinhas de nossas senhoras e senhores
E retratos de papel de um composto aveludado multicor
Impressos e detalhadamente envelhecidos num celeste altar
Que desde menina colecionara em sua inabalável e devotosa fé.
Assim que se foi, pediu que um barqueiro buscasse suas divinas reliquias
Que moram juntas hoje abrigadas em sua própria catedral.
Por isso éramos e andamos seguros por essa mão miraculosamente estendida
Que nos amparara e efetivamente protege de todos os abruptos males
E agruras, ainda que o propenso brilho de uma estrela nos separe.

ALDRAVIA PSR 01


rio
deitado
num
braço
de
mar

ALDRAVIA PSR 02


tens
a
sorte
das
velas
singelas

OUTROS TEMPOS


Quando aprendi amar o sertão
Cantava as coisas do verde
Das colinas e capoeiras
Lagoas pantaneiras
Estradas sertanejas
Ipês florindo cerrados
Horizontes sem cercas
Como as linhas da mão

Andava rude pelas matas
E fazia das horas
Intermináveis rosários de versos
Banhados nas águas dos rios
Lotados de risos singelos
Bem distantes das cidadelas
Onde habitavam
Temores perversos

Assim formulei outros tempos
Formei forasteiro
Apaixonado pelas serras
Acrescidas por forças arredias
Nos espaços longe de um mundo
Que somente admitia
Estar forte, certo e recluso
Hoje além do além das esperas

Zumbi


Todo o planeta é agua
Líquido o corpo inteiro
Úmida sensação de molécula viscosa
Molhada à espera da ferrugem
Ressequido sal pela auréola da orla

Mas nada perde o viço
Ainda que deteriore o casco
Sempre haverá liga útil
Algo que se aprove e ensimesme
A qualquer tempo e hora
De zarpar ou abandonar o barco

Aparentemente a demora aborrece
Porém viajar nas horas é isso
Ir onde nem a correnteza ou o vento
Ousam sobrepujar o navio
Quando este mesmo sem lastro
Ostenta ainda que inerte
A imponência de um mastro

Sou crivado de prego arredio
Um bloco de pedra que anda
Entre a margem da onda e a areia calada
Filtrada no bueiro à margem da calçada
Fingindo ser o alicerce do prédio
Ou o remédio vencido que ainda cura

Talvez seja eu essa inválida estrutura
Sem rosto e sem alma
Mas que ainda assusta e acontece
Igual a uma sombra sem nexo
Margeando a beirada de um rio
Onde ao menos uma folha já seca
Despenca de qualquer altura
Esvoaça, rodopia e por fim
Do ardor do sol descansa


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INSIGNIFICANTE


Ser assim opaco
Ou transparente
Depende da natureza do ser

Há quem transcende os limites
Outros ficam aquém

Interessante é que ninguém
Por assim ser ou ser assim
Se torne mais
Ou menos
Insignificante
Ainda que sugue a luz
Ou seja intensamente
Brilhante

Aos olhos do amor
Todos e tudo
É absoluto e importante

AMOROSIDADE


Assim
A quero em mim
Singelamente pudica e audaz
A quero em mim
Como se nada soubesse e tudo escondesse
Segredos mentiras beleza
A leveza do seu corpo metido em êxtase
Assim a quero em mim

Vem
Pois quero tê-la em mim
No despojamento da alma que ama e traz amor
Aquela que descompromissada se dá umedecida
Absolutamente amante desperta sensações
De navegar voando e voar parada
A quero em mim
Assim, assim

Amada
Sou sua castidade, sua prescrição
Não há maior paixão, tara
Dá-me alucinada seu folego, sua maldade
Faça-se em mim
Assim, assim

ZEN


Olhar fixo nos teus olhos que falam e riem
Risos que acalmam as líricas falas que silenciosas
Tua desprendida alma e os sentidos aclaram

Advento, novidade de bem
Mágico poema que reacende a procura pelo mistério
De estar entre as vias que te arremedam seguras
Nesta cegueira que me segue involuntária

Enxergar-te é uma conquista
Desvendar-te aventura
Busco na figura do teu jeito zen
Confortáveis instrumentos onde a nudez da minha ânsia
E o encantamento da tua luz se acomodem

Mas ah, tola fantasia de assim entre olhares e vieses estar
Tudo é tão simples, livre e de invejável nitidez como se dissesses
Calma, felicidade é só um fim de tarde olhando o mar


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ENTRE UM E OUTRO GRITO


Quem imagina um verso e não o anota
Perde a essência de seu momento
Acontece comigo às vezes o absurdo
Em passar a noite versejando solto
E após perder toda ideia remota
Ver-se por ordem todo incompleto

Assim são as chances que se busca e almeja
Passam coloridas pelas sarjetas
As contemplamos e deixamos seguir
Pelas horas macias das preguiçosas sestas
Esvaem-se ligeiras e jamais retornam
E se voltam talvez não venham perfeitas

Onde mora a palavra simples, em qual fonte
Reside também o absoluto ar devaneio
As falhas do que valha o princípio da graça
A generosidade do risco pela ventura
Loucuras do perder-se em outro dia
Porque nos sentimos frágeis e débeis

Esquecemos dos boleros, folhas que bailam
Ante os ditames que desafiam um aflito
Sabor de vento doce recheado de aromas
Que afugenta os dilemas e retoma
Ao menos a vontade de novas conquistas
No silencio sereno entre um e outro grito

SE


Se a hora agora já dobra
O sino do meio dia

Se a meia noite desdobra
Deita-te, repousa, desposa

Todo o ocidente recobra-se
Entre a coluna e o oriente
Repõe-se a energia

Então a acácia desperta
O ideal refloresce
O mal se envergonha e morre
E a fraternidade sobrepõe-se
Porque se refaz e renasce
Onde o amor prevalece

ACORDADA


ACORDADA

Que silêncio fez
Naquela madrugada
Não se ouvia ninguém
Nem se via nada
As horas pararam de passar
Os minutos deixaram de existir
As portas permaneceram trancadas
Ninguém levantou nem saiu
Nem voltou pra aldeia
Mas aquela menina insone
Estava acordada

Não me pergunte o motivo
Não faço ideia
Nem sei de nada

COSTUMES


O que orbita entorno ao teu coração
Reconforta esse peito descuidado
Aproxima-te da minha terra impura
Revive meu jardim já desbotado

Tomando aflições por bons costumes  
Somos parte intrínseca que partilha e ama
Sentimentos diversos sob efeitos divergentes
- Se tua luz me aclara minha lua te chama

Todo o todo em nós é pragmático infinito
Universo muito aquém de simples mundos
Descabendo as retrações dos próprios polos

Há quem denomine ilógico destino
A teimosia eclodir densa ternura
Das nossas unhas roçando os mesmos poros

E O NADA EXPLODIU


Incerteza pacata no pulso
Era nada
(E o nada explodiu
Explode
Explodirá)

Explodira

(Ex ou não?)

Do nada veio o tudo
O tudo veio do nada

Nada veio nada

Onde está o nada?

- Não está mais porque já há tudo
Porém tudo tudo tudo é NADA -

(Apenas)

ENVOLVE-ME


Envolve-me
Me traz nos braços
Enleva-me
Arrebata porque existo
E quero a quero explícito
Deleita, delicia, encanta-me
Me põe sentido

Ama-me
Estreita os laços
Deleita-se porque deleito
De vontade de estar agora
Eternamente ou por um momento
Absorto em teu leito amando-te

E depois de amar-te
Descansar do amor
Recostado em teu peito
Enquanto arfar o desejo
Compartilhado no afeto
Dando-nos perfeitos
 
Envolve-me
Ama-me
Ávida de mim
Como estou ávido de ti
Pleno de amor sem fim

NOVELOS


Varri as tuas ruas
Lustrei tuas calçadas
Escovei os cabelos dos teus quintais

Limpei os armários e gavetas das casas
Banhei as asas dos teus telhados
Afiei as tuas facas e o cortante
Punhal com que descascas as tuas frutas
Desafias as dobras dos sentimentos
E os amarelados novelos de barbantes e lãs
Enfiados entre ralos e apelos
Pelas orelhas dos livros de histórias ainda nem abertos
Nos caminhos incertos com que teces
As teias em que te isolas e enrolas

Santa cidade
Tenho medo e pena
Da falsa piedade plena que distribuis
Da cega fé que te morde o lombo
Endurece a tez
Apodrece o arame com que amarras
As tuas conquistas e ensejos
Pelo singular capricho
Vergado no desejo espúrio
Enciumado de moldar

ALDRAVIA PSR 03


desvendando
sonhos
impossíveis
descobrimos
desertas
ilhas

CARISMA


O carisma com que tratas os teus dilemas
Evidencia o que persegues
Exibe o que inseres
E pontua tuas robustas referências.

Por preferência escolhe dentre as facetas
Aquilo que enceta teus rumos
Apruma e repagina tuas buscas
Reafirma teus mundos
Determina os investimentos
Dentro e fora dos teus sonhos
Em tudo o que acreditas.

Assim procedo
Com o que me condena
Ou indulta.

NÃO NEGO


Não sou de juras e sim loucuras
E quando não possa estar presente
Enveredado por uma live
Uma gif de whatsapp
Qualquer like de facebook
Curtida de instagram
Pela ausência de internet

Estico a rede pela varanda
Nos ganchos dessa saudade
Presos pelas garras
Dos caprichos do sol da tarde

Por três palavras em um bilhete
Imaginando o teu perfume
Não nego que o ciúme
Calmamente me consome

Me flagro incessantemente declamando
Por setenta vezes sete
As letras nuas do seu nome

A COVA QUE CAVO


A cova que cavo pá a pá
Abre uma brecha no mundo
E nela planto a muda virgem
Da erva que gerará sombra
Flores, frutos e folhas
Que ajudarão a oxigenar
Os pulmões da terra

Depois nesse espaço nem raso nem fundo
Estarão sepultas as raízes dos meus dentes
As plantas dos meus próprios pés
O esguio tronco que sustenta
Todos os vértices e meu ventre
Além de restos da massa e seiva que sobrar

Continuarei assim parte de barro e calcário
Pó de pedra, musgo e areia
E quando por fim mais nada restar
Estarei presente em livro e retrato
No fundo de sua memória
Ou junto a uma velha estante
Em alguma sala de estar

UM VENTO HOMEM


O vento é redoma impune escondida
A mente é quem cria sua própria vida
Tem ar alimento dos pés o do vento
Nem homem nem nada
É tudo um evento

É
Foi assim
Rodando rodando
Que a vida começou

É
Foi assim
Parando parando
Que a vida se acabou

É
Bem assim
Morrendo morrendo
Que tudo iniciou

DESMANCHE


Meu coração tem teto de glace martelado
Paredes de geléia acartonada
Porta e janela de gelatina caulim
Chão de papel machê encorpado
Escada em espiral e caracol de caramelo
Forro de anilina adocicada de anil

Quando choro tudo se desprende e derrete
Menos o telhado que flutua lerdo
Num rio placebo amarelo que viaja em mim
E se precipita aos pedaços rumo ao cerebelo
E se arrebenta no precipício da alma deserta
Zunindo um grito forte ferindo os tímpanos

Tua ausência me propõe alerta à espreita
Mas quando convenço que você não vem
Alicerce nenhum me sustenta

ME CHAMA


Quando você me lê
Pressuponho em silêncio
Balbucia os versos
Como quem deixa
Escapar o anúncio
De um suspiro disfarçado
Aquele ah! ligeiro que remete
A um pensamento distante

Mas se em voz alta
Tua língua torna evidente
E aquebranta o reclame
De cada palavra escrita
Nem mesmo você acredita
Que junto à tua boca
Vontade olhar e mente
Você inteira me chama

ALDRAVIA PSR 05


fake
lamenta
cada
news
que
inventa

PROVÉRBIOS


Mercador de sentimentos e provérbios
Rebusco palavras aos quilos
Desde as formosas às peregrinas
Das pequeninas às mais intensas
Refinadas, densas, sublimes, enciumadas
Palavras ditas impensadas, que pesam
Quantas vezes necessário

- Subliminares, divinas, necessárias
Insossas, complexas, inclusive mal ditas
Trucidadas pelas intenções
Espetadas em frases desconexas, gaguejadas
Impronunciáveis, malfadadas, semitônicas
Moduladas em versos empíricos
Recolhidas dentre as mais pudicas sílabas
Recheando frases oclusas, pareadas
Em todos os dialetos e idiomas

Compro-as enciclopediadas ao atacado
Em arquivos e livros empilhados feito containers
Com acentos ou débeis recontos desprovidos motivacionais
Onde não se assenta nem se acentua mas significam pelo fim
Destas que os cancioneiros compõem os seus temas
E as amas sussurram às crias sob o silêncio do sono

Palavras incandescentes, próximas ou distantes
Das que resultam das experiências dos pensamentos singulares
Pluralizadas, grafadas em papéis doentes, ou banhadas a ouro
Incautas, redistribuídas por fictícias pautas, pausadas
Confidenciais, manuscritas, acondicionadas em compêndios
Históricas, atenuadas, presentes, absorvidas na leitura
E as animalescas vomitadas pela hermética da ira

Também as sinônimas e as justas à razão
Que repreendem e até mesmo humilham
Que perambulam entre a escória e o fedor
Alvejadas, cansadas por não terem sido tão ditas
Propaladas, preparadas para o ludibrio
Impressas, impregnadas da razão cautelar
Compiladas em extensas teses expressando o obvio
Ou díspares monossilábicos que insinuam guerra e barbárie

As catalogadas pelos sábios, doutos pensadores e nos tribunais
Rebuscadas na intrínseca genialidade na verve dos oradores nos sublimes púlpitos
Vistas nos conceitos e preceitos das bulas morfológicas dos senados
Desapercebidas e desapropriadas nas ocultas entrelinhas contratuais
Sistêmicas, conjeturais, carnavalescas, infectadas de adjuntos
Preconceituosas, carnais, comichadas, úmidas, secas, engolidas
Aficionadas por antagonismos, sem rumo e rimas
Bem aventuradas, apocalípticas, consonantes, adverbiais

Não somente as negocio sem sentimentos
Mas oferto-as labiais, transigentes e lapidadas
Não as capto ou sirvo como molécula e matéria
Elas sim inocentes me tomam rasteiras
Espumam entre a saliva, a língua, diafragma e dentes
E se fazem prediletas nas infinitas orações
Presentes deste universo racional que tudo fala
Ainda que emudecidas calem os horizontes
Desde sempre, amanhã e ontem semeadas

Sim sou mercador de sentimentos
Por onde intransponível a insensatez escorre
Negociador nato de provérbios e nesgas palavras
Enquanto se respira e ora pelo cálice, o acaso e o agora
Porque ornarão o espelho da indizível lápide
Do dorso um dia frágil que a seu tempo morre

DESCALÇOS


A gente prepara o futuro mas ele chega e nos apanha descalços
Como relâmpagos atrás do escuro diferençando seus finitos
Percalços que atravancam sanar as nossas possibilidades
E logo após seus trovões arrebentam ateus tímpanos
Destapados interpostos a brutamontes ventanias

Ventos de magras palavras e grossos calibres
Diminuindo-nos ao ultrapassado instinto
Sobrevida além desse tempo ausente
Carcomendo lerdo e mansamente
Suas instadas beiradas da vida

Sempre se esvai apagando
Pelo pavio e pela cera
Na chama da vela
A diminuta luz
Queima-se

Nela

XÊNON


Intensa luz de aquarela
Que sobressalta e invade a vidraça
Translucida a penumbra e a membrana
Separando um sopro de brisa
Que emoldura esse olhar da janela

As cores todas amolecidas de calor
As cores todas adormecidas de frio
As cores todas congeladas no breu
Todas as cores intensas por serem
Eternamente da mesma natureza de cor

Não há a mais bela
Todas vêm na mesma direção
Declarar-se imaculadamente puras
Que culpa resiste a essa fotografia exposta
Se não há pergunta nem em vão a procura

Quando em cada retina dá-se o milagre involuntário
Da mistura dos sentimentos e sonhos
Explode cega a fé na profusão da luz da íris disposta
Então na natureza do raio se vê os olhos de Deus
Acendendo a luz da consciência por resposta



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MIGALHAS


Voei do alpendre
Ao curto braço da cadeira

Cobicei pingos de pão
Que rolaram do teu lanche
Involuntários farelos
Das amarras da gravidade

Fartei-me pelo chão
Com o que em tua blusa
Tornara-se sujeira
Enquanto te alimentavas
Das invejadas migalhas
Dada minha liberdade

O mundo pode ser perverso
Mas o acaso da comunhão
Torna a vida mais perfeita

Por isso compensa

ALDRAVIA PSR 04


enfrento
ventos
incertos
abarco
teu
cais

ESSENCIAIS


Somos capins de beira de estrada
Destes que se curvam com os vorazes ventos
Da tua perversa velocidade
Mas quando assim nos reclinas
Deitamo-nos junto às flores meninas
Que conosco convivem no prado
E nos fartamos destemidos
Plenos de felicidade

E com elas assim estirados
Entremeio às pedras do asfalto
Rimos da tua desvairada pressa
Bailamos ao som das cantigas
Dos pneus cegos que te voam
Fazemos firulas com o ronco
Do teu motor ágil vibrante
E descansamos enraizados
Ao pé das campinas
Não frágeis nem marginalizados
E sim robustos ainda que rotos
Porque de nossos macios brotos
Nascem tuas verdejantes colinas

Margeando enfim os essenciais caminhos
Apascentamos os passos do andarilho
Camuflamos grilos e centopeias
Acalentamos as lagartas preguiçosas
Trocamos o puro oxigênio das teias
Contemplamos as estrelas no ápice das trevas
Saboreamos o orvalho nos pelos
E os raios do dia que nos despertam

E ainda que tuas lâminas e o fogo
Consumam nossos frágeis talos
Somos capins de beira de estrada
Ressurgimos das cinzas cruas que nos alimentam
Revigorando as paisagens da tua jornada

PRÓLOGO


Aquele pedaço de lua
Contou-me uma história tão bonita
Mas tão bonita
Que as estrelas que estavam
A luzir ao seu redor
Choraram...

E suas lágrimas lavaram
Meu coração
De sonhador
Transformando minha fantasia
Em verdades escondidas
Nos quartos das fases
Do meu eu

FALTA


Há tanta gente doente
Quero também uma porção de remédio
Que cure qualquer mal, não importa
Se nada me dói
Certamente a qualquer momento
Alguma dor aflora
E se provar de todas as fórmulas
E nada servir que amenize
Quero algo que cure o tédio
E cicatrize
A falta que você me faz agora

Haicai: ÁREA COMUM


Na zona rural
Qualquer pé de laranja
É domínio frugal

SUSTO


Injusta é essa vertigem pela pressa
Intenso não é fazer tudo tão rápido
Nem desperceber a verdadeira imagem
Do que possa sempre parecer propenso
 
Há cadência em toda ação velada
Antes de tornar-se simplesmente
No que se crê o que se pensa

Frágil e singelo é o nascer consequente
Do ultimo suspiro ao romper do elo
Entre os sentidos e a carne
Aquilo que dizemos morte

Existimos no cerne do universo
E somente desintegramos
Da vida num istmo de susto

De igual maneira viemos
A qualquer preço e a todo custo

Para que lamento então
Se estar no mundo num repente
É tão bonito e justo?

TÃO LONGE E PERTO


Há entre nós um grande silêncio
Desconhecido mistério da razão
Que vive tão longe quanto um átomo
Ou tão incontrolável e perto
Feito a vastidão das areias

Deserto e solidão do apego noturno
Vocábulos descritos tatuados
Injetados nas veias
Reservados em talhas de madeira
Adormecidos pela noite inteira

Fazer amor contigo
É sorver velhos vinhos
Enquanto escondidos anseiam
Quando revelados embriagam
Se provados incendeiam

ALDRAVIA PSR 07


aldravias
relusentes
vasos
de
hidropônicas
poesias

AS MÃOS


As mãos dela passeavam suaves com o pente sobre nossa testa
As dele docemente derrubavam os cachos que se desprendiam no piso
As mãos dela banhavam nossa fronte com serena candura
As dele arremessavam nossas ideias muito avante do nosso tempo
As mãos dela desenhavam nosso dorso com seus santificados dedos
As dele corrigiam nossas paixões e avaliavam nossas vontades
As mãos dela apalpavam nossas pálpebras para que nos aquietássemos
As dele comprimiam nossos impulsos e retinham as ousadias
As mãos dela benziam nossa coragem rezando nossos momentos
As dele disciplinavam os gostos que tínhamos pelas fantasias
As mãos dela cozinhavam os pródigos alimentos que nos nutria
As dele escavavam oportunidades para que ganhássemos o que nos valesse
As mãos dela cosiam as vestes puras que nos vestiam
As dele teciam nossos rosários com as contas que merecêssemos
As mãos dela aplaudiam escondendo as travessuras
As dele descobriam nossos erros e corrigiam nossos travesseiros
As mãos dela ajustavam os desejos que nos arrebatavam
As dele afugentavam nossos momentos de fracassos
As mãos dela cobriam nosso peito afugentando a friagem
As dele acendiam a esperança e aqueciam a casa fria
As mãos dela cortavam nossas unhas arrancando as cutículas
As dele arranhavam nossa alma com amor próprio e cidadania
As mãos dela balançavam o berço a rede e nossa piedade
As dele sacudiam nossa preguiça e nos punham envaidecidos da verdade
As mãos dela quaravam nossas meias e calçavam nossos tênis
As dele nos ensinavam a escovar os sapatos e a não sentir as solas
As mãos dela se juntavam unidas em orações por nossos dias
As dele também assim faziam e nos acolhiam em longos abraços
Ambas nos ensinaram a ser família e nos recolhiam nos braços

UM TANTO DE MIM


Estou ensaiando escrever as minhas memórias
Mas lembro-me tão pouco de tudo

Apenas que havia ruas sem calçadas e vastos nacos de areia
Por onde saltava descalço para não empoeirar as ideias

Mangueiras imensas que sombreavam formigueiros
Com galhos repletos de ninhos amplamente habitados

Porteiras às vezes abertas por onde escapavam os temerosos sonhos
Conversas e cumprimentos entre uma barranca e outra do rio

Capins e flores rasteiras, quiçaça, cheirosas goiabas maduras
Guavira, guariroba, ipês, angelim, manjericão

Mãos que acenavam dizendo vem - nunca de adeus
Corais de insetos, aves e animais que se recolhiam por nome

Buscava a forquilha perfeita para um bom estilingue
E pedaços quaisquer de corda ou condão para armar arapucas

Não sentia fome, nem sede, nem esperança de crescer
Apenas a qualquer hora e momento uma irresistível vontade de pecar

As casas eram pequeninas, grande o tamanho dos dias
E os dias eram maiores que o ar que respirava

Não havia rastros, seguia apenas exemplos
Sem guias, cabrestos, rédeas, normas, leis, ordens

Estou tentando explanar minhas lembranças
Mas sinto que as esqueci guardadas por entre folhas no chão

Será imensamente mais fácil perguntar a você
Quem sabe um tanto de mim

ESTROFES


A insistência em compor estrofes
Recolher palavras e dispor
Uma a uma em cada verso

Peneirar ideias
Externar sentimento
Desenhar emoção
Passa ligeira impressão
De que ainda haverá
Melhor poesia
A qualquer momento

Ah esse exercício incessante
Sem explicação ao perfeito
Torna-se vício

Escrevo e esqueço
Depois releio e me encanto

Por isso atrevo a continuar fazendo
Cada poema que faço

SOZINHO


Então parece que Deus foi cuidar dos outros
Daqueles que moram além da minha rua e dos meus muros
Daqueles que estão em outras avenidas, bairros e vilas
Daqueles que se encontram nos sertões e nas cidades vizinhas
Em outros estados, em outras capitais, em outros países e continentes
De repente Deus fica infinitamente distante
Tão longe quanto um instante no universo que só aparece daqui há milênios
Parece que foi passear em outro mundo
Que vive em outro mundo
Divino

Quisera um Deus mais humano, mais próprio, mais meu

Para que esconder-se no fundo dos oceanos?
Para que deitar-se sobre as geleiras dos polos?
Para que sentar-se à beira dos vulcões e brincar com as lavas?
Para que abobalhado ficar observando o movimento de translação dos astros?

Oh Deus, vem cuidar de mim
Afinal sou eu sua maior criatura
Afinal sou eu sua criatura
Afinal sou eu
Sou eu

Eu

NÃO LEMBRO, NEM SEI


O que seria tão intenso
A ponto de tornar-se renúncia
Tão imenso quase que prenúncio
E tão claro que somente
Se pudesse descrever como se pronuncia?

O que seria tão fácil de acontecer
Que jamais pudesse entravar
Intensificaria todas as maneiras de entender
E a gente não se alteraria
Nem se martirizaria por ainda não saber?

Apenas o que com o que a vida
Possa nos presentear
Porque meu ontem já o ignorei
E o meu passado – ah
Desse não lembro, nem sei!

ARAUTOS


Bem feita terra à espera da chuva
Apupos do arado depois da colheita
Como quem espelhando louva
De olhos cerrados a primavera
Ouvindo os ventos harmoniosos
Da era dos trópicos e hemisférios
Brindando o solstício entre os mistérios
Revelados nas forças da natureza

As almas carreando a luz do verão
Sorriem sucintas festejadas
Entrecortadas entre frutos maduros
Hão de existir definidamente
Suculentas em meio a sinfonias
Dezembrinas transmutadas em gente
Arrebatando nós e correntes
Enunciadas pragmáticas de pura leveza

Então copiosos arautos desses aromas
Nos conduzimos pelas baías vertentes
Onde o sol nas salinas custa surgir
Nas distantes geleiras dos continentes
Nas frias semânticas tão primitivas
Galerias de neves entremeadas
Respeitando intenções e pressentimentos
Celebramos a dádiva, a vida e a beleza

UTOPIA


Passamos a infância entre a cozinha e o quintal

Lá fora cortávamos os cabelos das bonecas de milho
À beira do fogo assávamos as espigas e nos fartávamos de pão

Nas arvores balançávamos nas sujas cordas dos galhos pendulares
À mesa saciávamos as vontades no ato propício da mastigação

Pelo terreiro corríamos arvorados comungando entre a sombra e o sol
Sob o teto santificávamos com leite puro e chocolate as hóstias de polvilho

Do pátio partíamos desmedidos atrás da arrelia dos similares castelos vizinhos
Sentados disfarçávamos os olhares da mãe das unhas pretas de terra dos dedos das mãos

Após a porta, serelepes voávamos pelo horário infinito e as constelações
Entre as paredes aquecíamos das esbranquiçadas geadas das friorentas manhãs

Estudávamos nas cartilhas dos portais
Mapeávamos geopoliticamente as trilhas das lagartas
Retapávamos os buracos dos formigueiros
Desviávamos das valas os tenros filetes dos ribeirões
Varríamos dos caminhos as folhas soltas no chão
Distribuíamos as migalhas aos bichos que especulavam pomares e jardins
Cobríamos com penas as leves perebas e arranhões
E dávamos conta das contas dos rosários que a rotina nos permitia rezar

Ainda hoje plantamos utopia
E repartimos os brinquedos de fazer bem
Com tudo o mais que há, houvera e sentimentalmente havia
Porque aprendemos e continuamos a prender
Viajar e conviver entre o quintal e a cozinha
Da casa repleta de construções de silêncio e algazarras
Enquanto os sonhos de infância por complacência permitirem

DA JANELA DO MEU QUARTO


A lua recosta a testa na vidraça lisa e fria
E na penumbra abraça meus sonhos com clarinhos
Ela passa em visita por minha casa
E eu paro a vida para contempla-la
Nada existe mais entre eu e ela
Exceto a imensidão do universo
Plena e tênue luz que absorve
Envolta num labirinto de ondas claras
Me engrandece a alma nessa experiência
Entre a condição humana e o divino

Não é mera coincidência estarmos ali em sentinela
Nos observando mutuamente absortos
Eu viajando admirado em seu lume
Ela passeando acesa por minha morada
Com apenas um frágil vidro nos evitando
Como separasse a ocasião do engano
Se aconchega íntima e pequenina em meus versos

Da janela do meu quarto
Certamente é Deus me observando
É assim que Ele em mim se manifesta

VIRTUALMENTE


Sabe aquela hora
Que a ternura aflora
Que as mãos se encontram
Braços se tocam
Coração dispara

Aquele momento
Que a gente espera eternamente
Como este agora

Então, beijar teus olhos
Seria simplesmente apaixonante
Docemente instigante

Sei que sentes
Ainda que distante
Virtualmente

SABOREIE


Certa vez escondi meus versos
Dentro de um pote de geleias

Ali ficaram hermeticamente fechados
Durante anos a fio. Cristalizaram
Mas não perderam o prazo de validade
Porque foram sempre verdadeiros
Atemporais, simples, muito particulares

Ficarem reclusos não fora em vão;
Madureceram, tornaram-se densos
Menos tensos, mais humanos
Cordiais e amenos apesar de duros
E singelos desde a origem

Continuam transparentes
Ligeiramente ariscos, corteses com a vida
E módicos comigo

Estão agora sobre a mesa
Sirvo-os livres sobre o pão da vida

Saboreie

ENGANO


Algum som
Grita dos confins

Voz que chama
Que declama
Benfazeja voz
Que pelo universo
Espalha-se

Mesmo que paciente ecoe
Tao perto de mim
Eis evidente o despreparo
Engano do meu ser:
Embora insista achar
Que Tua presença
Seja só um vento lá fora
Provas-me a crer

Às vezes não ouço nítida
Por entender que moras além
Dos interesses que mantém
O pouco que consigo escutar
Para bem sobreviver

Mas dobro-me
Sempre que meu espírito canta
Ou minha hora chora

ESSÊNCIA


Existe dentro da gente
Um canto que às vezes entoa
E em outras emudece

Quando entoa encanta
Mas quando cala, fenece

Se regozija comemora
Senão, aquieta num canto
Mas nunca vai se embora

- Ei, silencia!
Talvez você consiga
Ouvir sua essência

RESOLVIDOS


Fica
Podemos falar
Não precisam palavras certas
Saberemos escutar, entender

Sabe
Ficar e dizer
Vai renovar, bendizer
O que precisa ser ouvido
E retirar o que não apaga

Senta aqui
Do lado de cá
Depois resolvidos
Seguimos
Juntos ou opostos

O sentido é um só
Ou para ali, ou para lá

AUDIÊNCIA PÚBLICA


Essa ideia íntima
Resiliente colada a ti
Que gemina quântica
Ainda que aos olhos vãos
Traduz-te santa e pérfida
Mesmo aos pudicos apiedados

Entendes putífera
Propositalmente lisa e lúcida
Paralisada à sílaba diáspora
De uma legião convicta
De débeis alucinados
De ouvidos moucos
Que fazem pouco dos que se interpõem
Ou se opõem a ti

Enquanto cálidos transeuntes mórbidos
Se sentem quedos
Aos gestos mais insensatos
Inventados por tuas ramas
Destróis os argumentos toscos
Artífices das cláusulas inexatas
À sombra das sobras
Dos teus próprios medos

Te arranjas forte
Acima dos loucos
Dos tolos
Da loucura oca
E seus artefatos

A DOÇURA DA TUA VOZ


A doçura da tua voz
É feitiço colado em mim
Canção que tanto desejo
Tempestade em minha veia
Suor denso da libido
Vendaval de vermelha areia
Remoinho no deserto
Do coração em devaneio

Eu sou destemido andarilho
Incerto andejo sem eira
Sertanejo inseparável
Da seara do teu encanto
Matuto das velhas minas
Lavrador desse rochedo
Tangido na insistência
De colher esse teu beijo

A ternura fez de mim
Poliglota destas letras
Intérprete dos teus sonhos
Cancioneiro dos teus versos
Aprendi teu idioma
Falando em teus ouvidos
Decifrando teus anseios
E beijando a tua língua
Assim me tornei poeta

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019

A PALAVRA


Um beijo de qualquer lábio
Um olhar de qualquer cara
Alimenta guarnece e acalma

Mas a palavra efervesce da língua
Porque nasce do pensamento
E explode da garganta única
Esplendida quando arrebata
Intensa porque arrebenta
Intrínseca quanto a navalha
Que presa por entre os dedos
Desliza mansa na face
E delicadamente ceifa
Separa e corta da alma
O pelo da pele morna
E a identidade dura da cara

Já sem olhos risos e boca
No espectro da carne morta
Que a maquiagem escorre e desmascara
A palavra desnuda a máscara
Do involucro da vaidade

Assim se apodrece e renasce
Enquanto a idade anseia
A vida semeia o solo
E a gente floresce e passa

APEGO


Todas as palavras de benquerença
Traduziriam talvez pequena parte
Do zelo que aprendi a dedicar-te
Desde que convivemos

Sigam os sonhos adiante
Como tem seguido a sina
Cumpra o sol o seu destino
Reacendendo incontáveis dias

Passaremos pela vida fortalecendo
Dividindo alegrias bons momentos
E nas frágeis horas de tormentas
Estaremos inquebráveis
Enfrentando os ventos

Amo-te assim secreta e cegamente
Nesse particular e delicado apego

ENDURECER-SE


Às vezes é bem preciso
Compor versos sem contexto
Fazer tudo pelo avesso
Errar o caminho da volta
Driblar velhos pretextos
Passar por outros acessos
Desentoar de vários gostos
Desdenhar de um desfecho
Rejeitar um falso apreço
Apreciar o que não possa
Acatar por ser anormal

Banalizar certas certezas
Refutar as asperezas
Rebuscar no que perdera
Rasurar o próprio papel
Cancelar o que não queira
Amar o que não tem nexo
Repensar uma promessa
Dimensionar a consequência
Começar um novo ciclo
Endireitar o próprio jogo

Assim se suporta o jugo
O ombro se torna terno
E a alma mais serena

DOS VERSOS DE OUTRO POETA


Esperei a lua que vinha
Agora à noite para um vinho
Provaríamos da mesma taça
Deixando na margem do cristal
A tatuagem dos lábios
Ensopando a língua
E ébrio o riso ensaiando
Qualquer possível beijo
Entre cumplices olhares

Deve estar sobre os mares
Acima das nuvens
Ou em alguma fase furtiva
Velando namorados
Ou mesmo enamorando-se
Dos versos de outro poeta

Ainda assim sinto-a repleta
Num agradável brinde
Apesar da ausência

JURAS, SONHOS E SAUDADES


Deita comigo enquanto há desejo
Os meses passarão junto aos dias de maio
E logo a libido acaba
Tudo se tornará relativo
Pouco adiantará se houver oportunidades
Nada significará ainda que exista
Depois um resto de vontade

Pense, não haverá necessidade de amor eterno
Nos motivaremos pela casualidade
Como tantos e inúmeros casos
Que extrapolam os padrões sociais
Sem alucinantes paixões
Apenas em axiomas imprecisos
Que satisfaçam os prazeres carnais

Mas se de repente um único olhar nos prender
Desses encontros de olhares lancinantes
Que cumpliciam os mais irrisórios casais
Ah, certamente após esse casual pormenor
A vida nos porá diferentes
E viveremos além dos tempos e concepções
Entre juras, sonhos e saudades

STREET VIEWS


(Pesquisei pelo lugar onde nasci; a conhecida e gentil voz do Google Maps
pausadamente assim descreveu):

“ - Subir devagarinho a Nossa Senhora da Aparecida
Vai-se a casa sete nove cinco.
Existe muita história ali!
Lá ainda está o pequeno alpendre de pilastras azuis
Aonde nosso pai no final do dia
Escondia bombocados de depois do jantar.
Nos degraus dos jardins
Ainda deve haver cheiro de gerânios rosas e espirradeiras
Porém já não há mais o abacateiro  do quintal vizinho.

- A caixa d’agua azul e branca ao fundo da matriz
A torre esguia do relógio da  Getulio Vargas
O clube de bocha da Nagib Asseis
A tinda tinda da arborizada  pracinha
O colégio Valeriano  Fonseca
A escolinha ao  lado  da velha estação ferroviária
O eterno laticínio Tânia da esquina da João Machado

- Tudo se encontra magistralmente  no mesmo lugar. 

Não  mais achei o Bar do Julio
A Farmácia do Maroca
O  Bar  da Esquina
O Bazar de Oshiro
Nem o Salão São Paulo...
Mas isso é tão relativo que a essa altura da vida
Muito pouco importa.

- Inclusive as portas são as mesmas e se
encontram abertas no mesmo lugar há seis décadas.

- Sinto cheiro de café na Albino de Geovane junto ao começo da Raul Furquim.  
Joãozinho ajuda Maria a embrulhar balas de coco e Vera corrige as provas da escola.

- Certamente Guaraçai não cabe em apenas um poema. ”

UM OSSO EXPOSTO


Bem próximo às minhas mãos
Existe um poço seco
Onde por vezes escondo algumas manias
Como qualquer outro dia
E ali deposito aventuras e medos
Observações, melancolias, dores e usuras
Perigos e frustrações
Possibilidades, feridas mal curadas
Adagas enferrujadas
Cáries não obturadas
Restos das unhas que roo
Sebo que arranco dos olhos, cravos
E sílabas impronunciáveis
De inúmeras frases truncadas

Sempre retiro a água do meu fosso
Porque não desperto nem afogo
As mágoas das minhas afiadas lâminas
E provavelmente desminto os fantasmas
Remediados que atormentam
A conveniência da alma e do destino
Convertendo o incômodo avanço
De tudo que apreço, aprendo e apregoo

Falível, sou parte desta sociedade
Que devora o presente
Mas não se sente doente
Por ter uma tarja nos olhos
E um osso exposto

REPETE


Quero o lóbulo da tua orelha
Entre meus dentes
Mordisca-lo com os lábios levemente
Sentindo o cheiro do tímpano
E com a úmida ânsia
Sentir o gosto da cera

Meus olhos vendados por teus cabelos
Roçando ardendo minha testa
E o coração acelerando
Saltitante fazendo festa
E a língua peregrina e certa
Massageando mergulhando insensata

Qualquer detalhe que nos toma
Demarca infinitamente
O que a gente busca descobre e gosta

E depois relembra marca e repete

ZARPAR


Vem
Vamos para o oceano
Passear no meio das águas
Salgar o lábio, os olhos, a pele
Surfar por entre velas
Veleiros, caravelas, saveiros
E os demais abcessos que a onda apara

Vamos
Vem ensinar a vida marinha
A fugir da linha, ignorar a isca
Esconder da armadilha do pescador
Discernir a evidência arisca do absurdo
Avivar a expectativa que se apresta
Em não frustrar-se por não pescar

Para que haja fartura e não apenas fomento
Exista salvaguarda e não somente caos
Consciência quando enxergar que desperdiço
Expectativa para alguma manhã futura menos densa

Sigamos o barco
Copiosos de esperança
De que algo irá mudar
Nem só o homem tem direito ao alimento e à vida
Vive-se muito bem no interior do mar


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CONTRAGOSTO


Quebra-pedra
Quebra a pedra pra nascer
Nascer no mundo
O mundo é de pedra
Quebra o mundo, quebra-pedra
Com as pedras que jogamos no mundo

No jardim de pedra
Há uma estátua de pedra
Que enfeita a frente da casa de pedra
Onde nasceu o Doto
Onde morou o Doto
E não morreu ali
Mas cuidou do jardim de rosas
E tinha alma de pedra
Por isso hoje ele é tudo pedra
E se eu fosse um quebra-pedras
Quebraria o Doto de pedra
E também o jardim e a casa
Pra mostrar que um quebra-pedras
Pode mais que os antigos pobres
Que bateram à porta do coração de pedra
Do Doto de carne queu hoje é todo pedra
E pó

Haicai: DEMÔNIO


Um câncer impõe-se
Pelo rabo e no casco.
A defecar-me.

Haicai: OLHOS


Olhos pelo mar
- Nas profundezas ou à flor
Oleoso azar!

ORGULHOSO


A moça quando menina
Acreditava que a pedra da marina
Todo dia emergia
E lhe vinha dizer bom dia

E depois de secar-se ao sol
Dourar seus musgos e arrefecer
Mergulhava de vez e se escondia
Até novo tempo acontecer

Essa mulher conta agora à filha
Que a pedra  de Taperapuan continua
Brincando de se amoitar na maré
Em sua íntima baía

E eu pai e avô mentiroso
Para sempre rirei orgulhoso
Dessa nossa fantasia

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

A VISÃO DO FAROL


Eu ando pela praia escolhendo historias
Como escolhe a onda quem deseja surfar
Entre areia e espumas recolho conchas
Seleciono pérolas, poemas do mar

Da enseada de saudades cato lembranças
Separo algas das lagrimas das pedras
E do sal das frias e insensatas marolas
Revivo os relatos de heroicas esquadras

Quem anda comigo enfim não ancora
Se preciso nada, segue com afinco
O traçado espelhado do céu e do sol

Assim incitando o amanhã de mãos dadas
Renovamos o tempo, cientes que a estrada
É a mesma, o que turva é a visão do farol

EXPLICAR


Meu poema não traz respostas
Apenas faz perguntas

Indaga o cotidiano em versos
InquerI as atitudes silábicas
Interpela ausências gramaticais
Questiona cadências
Sem transigir as rasuras
Ou benesses
Que as palavras possam trazer
E a arte explicar

De resto é recitar recitar recitar

MUNDO INCERTO


Por um momento
Achei que fosse somente poesia

Achei ter aprendido isso com o tempo
Nas andanças por caminhos longos e pertos:
Quando se acha, desvencilha.

Mas quem rechaça um coração depois que alucina
Depois que a alma afina as cordas
Pelo diapasão da rotina;
Quem persiste achando-se acima da grandeza
Da flor das paixões
Sem espinhar-se nos cactos dos desertos da bem querência?

Louvo então os acervos que o meu poema
Com sua aquiescência sobrepôs-se aos meus medos
E à graça em conceder-me confessar meus segredos

Contigo sou mais leve, mais humano e belo
Apesar das incertezas do universo

Mas que importam as avarezas desse mundo perverso e  incerto
Se tu plenamente completas meu verso!

ALDRAVIA PSR 06


maus
pensamentos
enchem
cabeças
de
vento

O CHEIRO DA TUA PELE


Suave e leve
Único e diferente
É esse amável carinho
Que nos envolve e fica assim
Impregnado entre a gente

Instado e sobreposto
À flor dos nossos poros
Em meio à penugem rala
Regado a raro balsamo álamo
Avivado e ávido
Está nosso apelo
Roçando-nos indulgente

Levo-te comigo imponente
O odor da tua pele entranhado
E deixo envolto contigo
O calor do meu corpo
Em cerdas no travesseiro
Para que sintas meu cheiro

BELO


Agora que a noite entrelaçara os teus dedos
E desvendara os segredos
Do outro lado da sala
Descansa, dorme, flana, voa
Contempla a verde terra que tanto lavrara
Os riachos mansos
As campinas calmas
As amarelas flores do guaraçai
Em cuja ampla sombra tantos anos brincara

Brinda com os anjos, continua as estripulias
As mesmas que alegravam
Nossos sonhos e dias
Aperta as mãos dos Nonos
Puxa a saia da Mariquinha
Foge do Arlindo
Esconde a botina do Lico
Apaga o cigarro de Valério
Beija a face da Tina

Abençoa com eles nossa rotina
E nos conta se o céu é belo
Se o céu é belo
Por quê é belo

ENTRE LETRAS


Devemos às palavras todo o louvor da língua
A exegese da verve como indumento
Arauta semântica de doce papila

Analise portanto as tuas sentenças
Cada qual carrega a necessidade da crença
O objeto da justa balança
A audácia da reza
A peleja da avença

Palavra alguma se desgasta por má influência
Nem degenera por desuso ou excesso em usa-la
Ainda que represente ou signifique
Sinônimo de síntese em insistentes sentimentos
Instigue o que te fora dito mesmo silenciosamente

Amigo, ame tanto a língua quanto a pátria tua
Suficiente que jamais baste
Para que satisfaça e não enjoe
Renasça sem que desmanche
Revigore sem que vicie
E te fale sem que aquebrante os significados
De qualquer suspeita de pensamento em contrição

Ainda que falho todo texto atesta e santifica
Pelos ensaios, as causas, entre letras e tons
Calar-se é prudência, a palavra é dom

O AR DE SAL


O ar de sal não perdoa
Corrói o poste e a luminária
Carcome a cerca de arame
No bronze de orégano faz bolha
No vidro ocre cria mancha amarela
Estoura o metal da torneira
Estraga os pregos e a madeira
Derrete o visgo e o lacre
Desmancha o verniz estoura reboco
Descasca vinil destrói o plástico
Esgaça o elástico esfarela silicone
Debulha o pano queima a rede
Trava o motor apaga o led
Quebra a corda zinabra agua
Degenera o fio o pavio e a vela
Fura a panela e a louça
Embaça a prata
Teme somente o ouro
Que passivamente o enfrenta

Igual à língua do mentiroso
Com a mentira que inventa
Tudo estraçalha e arrebenta
Menos o tempo que a desmascara

CONVIVÊNCIA


Soltos sobre a cômoda alguns ícones
Alimentam minha consciência:
John Baldoni, Peter Cusins, James Hunter
Rupi Kaur, Spinoza, Thomas More
Goethe, Veríssimo, João Cabral de Melo Neto
Fernando Pessoa, Charles Baudelaire, Ezra Pound
Catulo da Paixão Cearense e alguns gibis da Mônica.

Assim a filosofia o protesto a ciência e a infância
Redesenham minha mente
E me disfarço de poeta em meio a essa gente
Imortal, consagrada e que vive ali
Abundante em generosa convivência.

Sobre minha cabeceira idêntica realidade
Pseuda fantasia, misto de certezas e abandono.

Na gaveta do criado-mudo
Irrequietos  repousam meus poemas.

Não são fáceis os momentos que antecedem ao sono.

MEMÓRIAS


O Arquiteto Supremo do Universo
Anda construindo um mundo à parte.

Nesse empreendimento de divinas jornadas
Determinou ao barqueiro primaz
Arrebatasse para o reino enlevadas
Preciosas joias de fina estirpe
Ainda que não garimpasse tão justos e perfeitos
Ao menos determinados a genuflectir
Ante a magna profusão celestial.

Agindo o anjo de obediência máxima
Ceifou recente então pelas beiras raras
Recolhendo da fina flor na obediência
Duas incólumes insignes graças
Dois vesuvios, dois irmãos
Levando-os para outras esferas no intuito
De engendrarem apriscos em novos templos.

E se aos arcos faltam estes pedreiros hoje
Deixaram nas memórias, alças e afrescos
As formas puras das suas mãos.

HAIKAI II


SEGUNDA JUSTIÇA

Quando falta o senso
Apela-se absurdo
A qualquer instância



VIAGEM

Sob o sol galopa o vento.
Teu cabelo emaranhado
Pontuado de amarelo



TOQUE

 Novembro estaciona
Tão intimamente azul.
Intensa essa zona



OLHOS

Olhos pelo mar
- Nas profundezas ou à flor
Óleos por todo lugar!

RECORRENTE


A saudade não sabe conter
Pensamentos fartos
Férteis
Livres
Pertinentes
Estes que nos tomam
Fervem
Tremem
Inquietam sutilmente

Se soubesse
Não estaria entre a gente

Distante fazes falta
Tanto que choro de repente
E repentinamente também rio
Inconveniente
Como riem as pedras
Das cócegas que lhes fazem
As águas correntes

Recorrente vertigem
De estar tão perto
E ausente

VERSOS DE VIDRO


Opaco espelho
Desvencilha dos minúsculos ciclos
Esfarelados fincados na areia

Esse velho labirinto inútil estilhaçado
Refletia de um lado
As fases das faces monstruosas
Enquanto dormíamos distraídos
Nas escadarias das cavernas

Cuidava das imagens
Velava os mínimos pigmentos de luz
Das imediações
Pensando que nos iluminava
E ria porque nos enganávamos imortais

Nós continuamos iludidos
Robustos de carne e vidro

As suas migalhas no entanto
Transformaram-se de frente
Em versos e cacos
Que a dor quebrara!

A ARTE DE SER AMIGO


Canto só
Onde ninguém possa
Me ouvir cantar.
Canto assim na solidão do meu canto
Somente porque gosto de toda canção
E eu mesmo de mim sou meu fã.

Penso se me ouço e amo meu som
Que me importa você me escutar.
A musica que faço me transforma
Enleva, sublima, alivia minha alma
E me faz reticente cantarolar.

Mas tem dia que me vejo mudo imundo
Na deserta aridez do espirito
Onde nem eu mesmo ouso ouvir minha voz
E em lugar nenhum caibo estar.

Nessa hora solto o meu grito
Busco em seu ombro aboiar.
Generosamente você encanta comigo
E o que cantamos reconforta, renasce.

Repartir a música é viver a arte
De ser amigo.

ALMA FEMININA


Quando de algum modo consigo lhe ver
Minha alma acalma e canta
Porque eu todo ando encantado de você

Aos poucos vai despojando a soberba
Sentindo perder-se a evidente vaidade
Decantar todas as razões que fazem descrer

Eu rio como quem sorri um mar
Estrondo como faz o céu com seus trovões
E silencio igual ao beija-flor diante das pétalas

Essa feminina parte segue-me apropriada
Liberta os meus medos já toscos
Dissolve as lágrimas que me chovem

Acalmo pois diante de ti tudo se aclara
E por ser clara e calma e evidente encanta
Tanto que torna minha poesia rara

APARÊNCIAS


Não sou de viagens
Apesar de andejo
Caminho em círculos
Por meu próprio brejo
Eu nunca me assusto
Com o que vejo
Porque já conheço
Todo o previsto
Antevejo a catástrofe
Antes que venha
Convirjo os meus medos
Em assaz coragem
Transgrido as regras
Que me detém
Nenhuma disputa
Me toma a senha
Jamais me rebaixo
Nem digo amém
Não sou teu guia
Nem sou eu pajem
Convivo com regras
Sei a que sirvo
Se acordo triste
Sofro calado
Mas peço ajuda
Quando errados
Explodem as pontes
Do meu caminho
Reato as pontas
Reforço as cordas
Refaço as vidraças
Estilhaçadas
Remendo o casco
Redijo as linhas
Contorno o curso
Antes traçado
Nesse mar de barcos
Que não navegam

CONFESSO


Meu belo lugar disciplinado
Passeia por dentro de mim
Acolchoando os sentimentos
Depois preventivamente faz companhia
À minha sombra fria e flana
Com ela inocente por toda luz
Impedindo que eu minta, roube
Xingue, mate, arrebente
Faça caretas, cuspa longe
Admoeste, desabe e amoleça 

São estes pecados professos
Intimamente travessos
Que desconheço, não reconheço
Mas são confessos de penitência

Rogai, pois, por mim o perdão dos mundos
E não precise abalroar nenhuma intenção
Exceto a de não querer ser bom enquanto reto
E pródigo com aquilo que não me seja válido
Por ter valido ser correto

SINCRONICIDADE


Todo dia há outro fato, um inusitado feito
Capaz de prender atenções, despertar de novo
Poderes inerentes de transformação do presente
Suplantando coincidências, reanimando a gente
Encorajando os humildes, empoderando pessoas
Dando energia aos fracos, enriquecendo a mente
Daquele que busca o próprio e adequado espaço
Na força do abraço, na retidão dos princípios
Catalogando as loucuras vivenciadas por uns
E invejadas por todos que se passam por sóbrios
Sabedores tão tolos e insensatos dementes

Entre experiências vividas e novas conquistas
Partimos obstinados reanimando inerentes
A sincronicidade que fortalece alma e espírito
Ainda que subestimemos termos vivenciado
Inexatas repetições destas fábulas antes
A máxima da vida é seguir sempre avante

TODA FALA


Espalhei na folha hoje amarelada
De papel-porcelana-aquarela
Tintas onde o sol quarara
Sobrerramas de frágeis bolhas azuis
Fuxicos de gentilezas
Traduzidas por faces que o vento propala
Em palavras sempre simples e doces
Quando abala
De mel da fina flor araucária
A espessura exata de toda fala

Tu que não cala e não desafeta
Torna-te preciosa peça transparente
De impugnável riqueza
Que a pena valha e enceta
Quantificar nessa amena porção
Que emana de irresistíveis sabores
Nos desconsolos sobre nossas caras

Por isso ria-se não do tosco até do belo
Do paralelo renegado cotidiano
Caso a sorte por azar te assedie e roube o norte
Mas sim reconstrua cada quadro
Senão pelo quadrante ogro que deteriora
O que refaz a salvaguarda magnitude viva do agora
Rarefeita perfeitamente qual animal que refuga
Qualquer sobrevida ingrata avilta e avara

BANHO DE CHUVA


Era bom passear na garoa
Saltitar poças após qualquer chuva boa
Molhar-se na salseira mansa
Encharcar no aguaceiro de final de tarde
Coisa de criança, brincadeiras da adolescência
Que permanecem na memoria

Corríamos na velocidade das enxurradas
Melados de lama, cantando feito pássaros
Correndo pelo barro revolvido
Pisando descalços o capim ensopado
Balançando galhos
Roubando as flores molhadas no jardim

Nascia uma fina sintonia
Entre nossa liberdade e alegria
E as nuvens
Encantada meninice que inocentemente fluía
Sem explicação

Agora temos medo da molhaceira
Qualquer molhadela nos põe tensos
Presos à pressa, broncos com a agua a escorrer
Que não passa e não nos deixa passar
Andar, caminhar, correr

Nos esquecemos de morrer
De rir largados na chuva
Tão disforme e aguada tornou-se nossa vida

JANELA


Teus olhos enamoram a lua
Tornando prata a noite bela
Fotografa, filma, prende
A imagem única à figura
Como vela que atraca
Ao cais do coração
Presa pela proa
No infinito vidro límpido
Da janela

Fico aqui imaginando
Onde estará a maior beleza
Se à frente ou por trás dela

UM MAR MAIOR QUE TODOS


Carrego eu um mar maior que todos
Vive ele revolvendo intensas ondas
Dentro dos imensos oceanos
No derredor das ilhas que construo
Entremeio às vértices hipotéticas do mundo

Ainda assim busco entre as vagas
O que talvez não vá encontrar nas entrelinhas:
Leituras diárias da realidade pífia
Compilação de experiências diversificadas
Desertos escondidos no subterrâneo da alma
E a fé sedimentada na concreta diferença
Capaz de entrever a gravidade das minhas luas

Sobre o amor que orbita acima das nuvens
Que cegam minha pátria enquanto julgo espúria
Afogo e submeto minhas vontades
À luz da leitura das leis que regem nossos sistemas
Para remar expressivas naus nas águas claras
Que banham com ardor essa costa finita
Engrandecido pelo significado da palavra amém
Própria dos insanos armadores enquanto amam

ELEGANTE


Se triste é ver um semblante chato
É terno acolher um semblante triste
Pois a tristeza é diferente do sorriso falso
Este sim existe escancarando a face

A tristeza normalmente usa disfarce
Esconde-se atrás de qualquer rosto nulo
Que por vezes nem parece estar cansado
Com o sofrimento que em si abate

Aprende-se com as quedas a enxergar
Verdades e superar dificuldades
Rotineiras que a vida em reservas impõe

Sábio é quem se interpõe ao cotidiano
Enfrenta obstáculos e serena ciente
De que mesmo a tristeza o põe elegante

SUAVE


Cede-me um jarro
Uma taça ou cálice
Qualquer gota que reste
Desse vinho doce celeste
Desde que cesse
Essa minha sede de você

E se nada desse
Um suave beijo desses
Me arrefece

SUPER LUA


A primeira vez que ela viu
Aquela imensa chama fevereiro à noite
Contou a todos que no céu
Havia
Uma super lua
Do tamanho do farol
De um trem

CURA


Já não envelheço tanto a cada dia
Aliás percebo horas sem envelhecer
Acontece quando determinadamente
Consigo poupar a língua
De inefáveis momentos de desdéns

Sinto indo embora a irremediável pressa do dia
Deixando de vomitar vontades por desatar enjoos
Mesmo o espelho agora me enxerga pequenino
Pois me apreende a entender o que ficou aquém

Paro enfim zombando de uma ou outra desventura
Acho que a nostalgia valoriza sinuosidades
E a idade cura onde nem mesmo a imagem
Atreveu-se a ferir ao colocar a mão e não estancou
Diminuindo tensões sem pressa de reduzir voltagens
Sem machucar por bobagens ao perder de vistas
Sem descontar na poesia o que não se desvendou

Ando envelhecendo menos a cada estendido dia
Pela expectativa obvia de ainda não ter vivido

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SEM RESERVAS


A branca fumaça que amanheceu o dia
Não veio trazida pelo orvalhado véu
Nem foi velada pela vazante da maré.

Não ache que de repente apareceu do nada
E por nada cansou de ser densa
Como a criança que pensa que alguém
A esquecera na escola ou na porta da sala.

É oriunda do fogo que lambeu a mata
Ferveu riacho, incinerou raiz
Cremou insetos, expulsou a vida.

Agora, já passado esse tempo de estio
Sei que surgirão dentre os aceros
Ruelas e avenidas naquelas moitas cinzentas
Metros e metros de madeiras, lotes e glebas
A serem destocadas e vendidas
Como brilhantes raros nas prateleiras
Além de ampliar as áreas do seu sítio
Sem pecado e sem reservas

ATÉ O ULTIMO INSTANTE


Ainda terei coragem
De esquecer essa saudade
Voltar àquela esquina
Acostumar-me a estar sozinho
Escalar outros encontros
Arriscar por novos ritmos
Jogar fora velhas folhas
Ilegíveis e sem nexos
Deletar fotografias
Revisar alguns escritos
Retornar lá no começo
Desfazer tolas manias
Repensar certas bobagens
Não ser tão intolerante
Deixar de ser inocente
Enfrentar minhas fraquezas
Resistir aos teus encantos

E se nada for possível
Danem-se fatos e mundo
Disfarço essa tristeza
Saio à tua procura
Até o ultimo instante

ITINERÁRIOS


Tenho guardados em estojos
Alguns caminhos já percorridos
Deixo-os dobrados, organizados
Dentro de envelopes recolhidos
E quando os quero refaze-los
Desdobro-os e volto a seguir
Pelos mesmos itinerários

A cada reinicio de caminhada
Percebo tacitamente
Como os meus pés tornaram-se íntimos
De certos chãos das estradas
Pois foi andando de ida ou retorno
Que recolhi essa identidade
Pisando por solos estranhos
Passando refém pelos sonhos
Incólume às agruras do nada

Dentro destas gavetas de curvas
Retas, ladeiras e revezes
Tantas vezes apreendi minha sorte
Questionando os rumos vorazes
Que me tangeram de um lado a outro
Levado por certos mandos

Enfim percebo já um tanto abastado
Que o prêmio muito além da procura
Em cada trilha foi haver te encontrado

TÃO POUCO SE SABE


Não fora um rio de bênçãos que desceu vale afora
Nem uma tempestade de bonanças que escorreu da montanha
Tampouco um paredão de esperanças que rompeu pelas grotas
Ou a erupção de um vulcão que vomitou benesses na vargem

Não fora um fio de alegria que encantou a baixada
Nem uma gôndola de fé que explodiu sobre o prado
Tampouco um caminhão de promessas irrompeu pelo plano
Ou um avião de vantagens que aterrissou na campina

Não fora um regozijo fraterno no contexto esperado
Nem uma novidade imprevista por qualquer aguardado
Tampouco um turbilhão de progresso para uma gente mineira

Não fora nem tampouco poderá vir a ser o que não seja
Ou seja, não fora nem tampouco poderá vir a ser qualquer coisa
Além do que fora, tão pouco se sabe, e tampouco se explica

EXISTO


Eu penso que existo
Não sei se é verdadeiro
Pensar no existir às vezes é omisso
Seria como remeter a um início
O que se encerrou sem ter princípio
E principiou-se por ter sumido

Às vezes penso que posso
O que não é permitido refletir
Aquilo que se imagina sentir
Por unicamente pensar existir
Sem nenhum fundamento
Cabível dentro do pensamento

Por isso sigo as regras dos mortais
Ou seja, vivo entre possíveis rituais
Que me fazem pensar que se penso
Logo sinto  e vivo um pouco mais

ATREVIDO


Meu menino aduaneiro
Mistura de propósito as conversas
E eu avô experiente
Mais propenso a ser criança
Sem noção fazemos o dia
Ferver às avessas

Servimo-nos das mesmas travessas
O alimento que permeia
Espremer-se pelo leito
Alimenta nossa vida travessa
E a hora pregressa e perversa
Que nos enche com promessa
De nada ou pouco adianta
Suporta ou contenta

A priori nos fartamos das verdades
Desafiamos cada uma das tardes
A nos transportarem para a noite

Há quem não chegue nem dormir
E tantos que nem acordar consegue
Porque a vida nem mais pulsa
Ainda que o pulso peleje

Isso tudo é mesmo uma bagunça
Ainda que nos aliemos ao tempo
Esse atrevido insano
No cotidiano se amoita
Impiedosamente de seu espaço
Nos expulsa

LAPSOS


Se fosse para enxergar o belo te emprestaria meus olhos
Se desejasses carinhar uma flor daria as minhas mãos
Se pretendesses reverberar os bons sons doaria meus tímpanos
Se quiseres difundir a paz entregaria a ti a minha língua
Se fores pelo reto caminho ofertaria os meus pés
Se intentas celebrar o gozo toma meu sexo
Se buscasses o amor desmesurado tornaria minha alma
E para festejar os bons pecados
Poria ao teu dispor toda emoção e sorriso

Mas se em nada disso houver razão e propósito
Seria eu em ti o mesmo mistério e forma

É engraçada a vida de quem se engraça
Nessa bagunça da raça humana chamada paixão
A gente se arrisca e rabisca e enovela nos lapsos
Muito além do que possa parecer preciso
Por ser a soma do amor a busca de todos os riscos
Enquanto e quando se ama

ATABALHOADO


Perco você como quem se atrapalha nos vagões do metrô
Em plena metrópole
Perco você como quem se embrenha no cerne oculto
Da mata espessa escura
Perco você como quem desaparece repentinamente
No meio da densa multidão
Perco você como se perdem os holofotes
Cansados do decaído artista
Perco você como perde o rumo
O navio sem bussola
Perco você como quem perde
A noção do tempo espaço

Perco você porque sobretudo nunca me encontrei
Tão fútil atabalhoado
Perco você porque talvez ainda
Nunca tenha me achado

E se nunca a tivera, como posso perde-la?

TAMANHO FAMÍLIA


O tamanho da família é maior
Que se consegue contar nos dedos ou listar
Família é ser maior
Que estar no afago das mãos

Não é possível mensurar por empatia e amor
Não é possível mensurar apenas na coincidência
Nem pela incidência de sobrenomes puramente convergentes
O tamanho da solicitude é maior
Que as razões em tornar-se tamanho família

A LOUCURA QUE ME ESCONDE


Longe ou perto de mim
Encontro-te em qualquer lugar
Onde os estreitos se colam
Onde as avenidas começam a se alargar
Por caminhos que jamais andei
Por estradas que me fiz passar

Perto ou longe de ti
Busco-te indissolúvel e presente
Num passado que ficou disperso
Ainda que jamais me encontre
Na angústia do agora sempiterno
Que nunca durará para sempre

Próximos ou distantes
O futuro não impõe alarde
Apenas segue contínuo de viagem
Medindo passos num final de tarde
Forrando toscos sonhos sem esperas
Tingindo nossos olhos de verde

O tempo abre-se e arde
Mesmo quando ausente se mostra
De entremeio fingindo ser dono
Dos nossos dias feitos de saudades
Pois enquanto acredito que te acho
Distancias da loucura que me esconde

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EM CADA GOTA


E se ao findar o dia me der um cálice ao meio
E mais meio e meio outro e outro mais meio
Serão deliciosos goles com inigualáveis aromas
Desse tânico raro e violáceo vermelho
A morder meu paladar e a língua a sorvê-lo
Intimamente inebriando-me inteiro

Provar da taça do vinho é um ritual nobre
De frescor frutado, ervas finas, floral, tostado
Um íntimo exercício privilégio de poucos
Ao brindar a loucura no translucido cristal
Que antepara o buque em cada gota que baila
Entre o brinde e o lábio que se entreabre matreiro

Ao bolero, às meias, aos saltos e ao cheiro
Que instigam o devaneio e a paixão sem pudor
Vivencio o diálogo dos sussurros do amor
Às uvas, à vinha e aos sonhos de Baco
Eu, irrequieto poeta provoco, sinto e provo sozinho
Do frescor da lua e sua malícia e final de boca

ENQUANTO ESCURECE


Hoje não mais semeio
Pois é tarde

Deixarei para amanhã cedo
Depositar a semente
No seio do chão úmido
Com o frescor do orvalho
Que se fertilizará ao nascer do sol

Hoje arei a gleba
Alinhei a eira ao nível do solo

A noite baixará a poeira da seara
Seu virgo à espera do plantio
Estará fértil ao femeeiro
 
Agora merecidamente
Descansamos observando as nuvens
Que incendeiam no poente
Ardendo de desejo
Eu e a terra nua
Enquanto escurece

OS MEUS POEMAS


Os meus poemas saltam a página do word
E vagam pelas redes buscando olhos sorrateiros
Que os levem para algum íntimo displicente
Esquecido aberto como vidro de janela
Por onde possam adentrar singelos
Tomando de assalto sensíveis almas
Que concentram o discurso e admiram a arte
Da chuva e sol, pingos e bolhas
Habitantes virtuais de qualquer frase dita
Debaixo das surdas linhas de uma tela
Numa plataforma qualquer azul ou amarela

Tenho mais do que preciso para compor:
O pão de cada dia sobre a mesa me é farto
A água que me lava os pés, escalda as dores
Traz o conforto da prudente sorte
A sabedoria que no momento alenta
Enche a pia e a cama de alegres cores
Na simetria que propicia a solidão do afeto
E os meus rascunhos desenhados entre estrofes
Saltitantes pelos dedos e o teclado
Encenam um idealizado e indefinido palco
Os capítulos que me acentuam a mente

E inconsequente quando não escrevo
Torno-me amorfo, indeterminado e quieto
Pois não tenho outro vício senão este
De desprender meus versos como se despega um filho
Se entrega um brinde, faz-se um sorteio.
Empreendo justa a ilógica tese de fazer poesia
Pelo único presunçoso propósito:
Reverenciar a palavra ideal e o meio
De fazer-me util entre o linho e a linha
Que separa a realidade e a utopia
Que fermenta o vinho e enobrece a vinha

RECOMEÇO


Pareço um menino amando
Cumprindo apaixonado
Quando derreto ao olhar teus olhos
Encantado ao ouvir o canto
Lírico intenso da tua voz

Adolesço ao sentir teu cheiro
Cumpro o que ordena o ímpeto
Dispenso as formalidades
Que me prendem
Aos teus mistérios insanos

Flutuo vendo tua beleza
Lembrando que remoço
Porque volto sempre ao começo
E te repito e recomeço

CORAÇÃO SERTANEJO


Pensar em ti é andar por jardins floridos
Perder-se em campos de dourados trigos
Passear por verdes pastagens
Cruzar pontes sobre rios amenos
Deixar a espuma das ondas lamber os pés
E os pés afundarem na coroa de areia encharcada

Andar por jardins floridos
Certamente seria pensar na cor dos teus olhos
Estar perdido em campos de trigo
É vê-la erguer e mudar os cabelos
Sentir-me a passeio pelas verdejantes campinas
É ter o privilegio de estar próximo ao teu hálito
Cruzar pontes sobre rios amenos
Seria observar teus comedidos gestos
E sentir a água e a areia é deliciar-me
Sobre a luz que evidencia quando me olhas

Vê como és natureza e desejo?
Inexiste qualquer outra forma ou maneira
De lembrar teu gracejo
Senão semelhar-te paisagens e sensações
Ao meu coração sertanejo
Repleto de sertanejas canções

NAVEGANTE


Trago eu a ousadia
De olhar mil vezes ao dia
Os verdes olhos do mar
De apegar-me a maresia
Que salga o aroma nos lábios
Como se pudesse explorar
Entre os ventos arteiros
Os encantos do teu olhar
A distância dos teus navios
Nos rastos do teu andar

Então levo a certeza
Escondida no alforje
Daquele que navega a vida
Sem reter o horizonte
Tudo enxerga mas não vê
Tudo vê e pouco importa
Distinguir o sul do norte
Apenas segue cego em frente
Capaz de pescar nos rumos
De seu mundo confidente

Depois volto e é bom voltar
Porque há quem me aguarda
De braços estendidos largos
À espera das minhas águas
Na ânsia daqueles mares
Navegados entre peixes
Maresias e bonanças
Na volúpia dos bons ares
Viajantes velejados
De um único lugar

O ASSANHO DO VENTO


Quando faço tinir a corda do violão
O som acorda e acordes ressoam
Em diferentes tons de uma musica boa
Que brota do estojo que mora
No bojo do coração

Esse mesmo ar assopra a flauta, faz melodia
Repica nas mãos o bumbo e o carron
Zune no centro da minha voz
Chega aos céus como louvor
Constrói a paz que se precisa
Fortalece minha alma em festa

Enquanto o pulso compassa
E o corpo resoluto respira
Todo meu ser baila suave
No espaço junto às notas que flutuam
E fazem meu peito sereno arfar

Mas há um momento
Em que a orquestra para
Encerra e termina a cantoria
Então a noite silencia
Para que eu possa ouvir lá fora
O assanho do vento assoviando
Ninar meu sono com sua canção

PERDOO


Perdoa-me Senhor
Pela vergonha que passo ante aos recém-chegados
Àqueles que agora nascem em meio aos destroços
Que se deparam com um circo desigual perverso
Permeado de egoísmo poluído desarmado e em pedaços

Perdoo-te porque me ensinastes o perdão
De toda mácula de qualquer culpa da má ação
Pois hás de admitir que nos perdestes por eterno
Quando nos desvencilhamos afugentados ensimesmados
E nada fizestes nem importastes com nossa fuga
E nada fizestes nem preocupastes com nosso medo
E nada fizestes nem revogastes nossos assombros

Agora Senhor que nossos sonhos chegam frágeis tão meninos
Desprotegidos como um dia aqui também chegamos
Poderias antes ter banido das nossas casas
Os embustes que é viver sem entender
Do que é a lida para encontrar bela morada
Sem o dolo das provações que nos assolam
Longe e livres dos males que nos denigrem estrada afora

Embora conheças nossas mazelas
E nada fazes para que delas nos livremos
Perdoa-me por ser minha alma tão pequena
E ante as vossas leis não fazer nada


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PERSEVERANÇA


Meu querer quando parte
Sempre me reparte ao meio
Se leva uma parte contente
A outra parte desconexa
Se descontenta, desleixa
E se deixa perplexa, desconecta

Torna-se um suplicio
Essa metade sem a outra
Uma banda faltando um lado
Incompleta sem um pedaço
Meia face da face inteira

A parte que segue chora
A metade que fica sente
Contentam-se com o que possa
Dissimular a ausência
E quando regressa festam repletas

De resto é perseverança

UM LADO DA RUA


A cidade essa noite ficou diferente
Apagaram-se as luzes, se acenderam as estrelas
E da varanda contando longínquos relâmpagos
Entre nuvens severas, pudemos vê-las
E enquanto as contávamos falamos das belas
Fotografias que juntamos no decorrer do dia
Olhando o escuro da praça e a ousadia da lua

Depois sorrimos desse momento leve
Dissemos adeus e até breve
E cada um seguiu para um lado da rua

EM ESTADO DE POESIA


Pela manhã a vontade de amar-te
Às vezes é mais forte que à noite
Mas noturna é a hora que engraça
Os amantes

Eu faço amor sempre de repente
Pois a sorte comigo me agracia

A todo o tempo sinto tua carícia
E em mim você se faz presente
Tão sagrada e profana
Que qualquer pensamento teu
Me delicia e inflama

Amo te amar
Permanente em estado de poesia

Haicai: MINHA JANELA


Minha janela
Mostra filmes campeões
Do dia a dia

REMENDOS


Mudo de roupa todos os dias
Troco a capa e o aspecto
No entanto pouco me esforço
Em agir diferente.
Ainda que limpo e cheiroso
De vestes mundanas
Fico me repetindo a cada segundo
Como se a novidade pouco viesse
Ao meu mundo além dos panos
E não reciclasse o que penso
Porque nunca apreendo.
Nenhum plano me repreende
Somente a nudez me põe ousado.
Não compreendo afinal
Porque desaprendo
Como o tecido que se desgasta.
Talvez não calcule o que estudo
Não absorva o que leio
Não leia o que estimule
A passar ileso
Por esse circo de comédia.

Porem acredito ser possível
Consumir entre remendos
A rotina que me entedia.

PERGUNTO


Pergunto
Se no futuro haverá criancices
Dessas corriqueiras sandices
Feitas por mim e qualquer um
Nas esquinas das ruas
Amoitadas no banheiro
À beira da piscina
Escondidas no mato
Amassadas nas beiras
Rabiscadas no muro
Debaixo das fuças
Onde todos passam
E os loucos nem sonham
Que possam existir
Assim tão saborosas e boas

Pergunto
Somente porque
Sempre haverá perguntas

VELHOS DITADOS


Não há boca tão bela
Quanto a escarlate da noite
Nem queda tão doce
Quanto o cair da tarde
Um azul celeste
Quanto o do céu ao meio dia
Um azar tremendo
Quanto ser bode expiatório
Um risco iminente
O de bater o rabo na cerca
Ou a tremenda mancada
Em ter comprado gato por lebre

Por sequer um minuto
Ter dormido no ponto
Necessidade maior
Que a de mudar da água ao vinho
Oportunidade ímpar
Em botar as cartas na mesa
E se preciso por fim
Por as barbas de molho
Ousar prometer mundos e fundos
E depois fazer tempestades em copo d’agua
 
Esperar sentado que uma mão lave a outra
Riscar com giz as impossibilidades do mapa
Assuntar assombração sem pés nem cabeça
Resolver as ranhuras pondo os pingos nos is
E por resposta receber baldes de água fria
 
Seria o mesmo que ignorar por completo
O perfume que emana da rosa aberta
Por desejar na língua o gosto do orvalho
Que encharca suave o veludo da pétala

JAMAIS AS ILUSÕES


Se eu pudesse voltava ser explorador
Faria novamente as minhas próprias trilhas
Por entre matas fechadas
Nominando rios dimensionando lagos
Recalculando estradas medindo caminhos
Viajando em sua companhia
E se você não fosse seguiria teimoso sozinho
Por longas viagens invernadas de moço
Em terras distantes e estranhas massas
Como quem aventura e inicia um romance

Mas já não saio daqui da rua e calçadas
E a cada dia vou diminuindo ainda mais
Todos os meus mínimos mesmos espaços
Procuro nos meios-fios os fáceis acessos
Não pulo mais degraus nem saltito tanto
Diminuindo sempre o quanto posso
A distância do entremeio de cada passo
Nem lembro mais certos endereços
E apetece-me permanecer em casa
 
Não que esteja envelhecendo não é isso
Apenas preservando o coração acomodado
Das emoções de alguns impróprios percalços
Longe dos riscos incertos de efervescentes paixões
O tempo matura a idade e até nos faz perder as forças
Jamais as ilusões por isso nos põem mais sábios


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EQUILIBRIO


Passo passo a passo pela bamba corda
Por onde destemido passeio
Cruzando as linhas das fronteiras
Entre as tuas cordilheiras
Nas curvas destas estradas
Salpicadas de estrelas
Voando por sobre rodas
Rondando batendo asas
Pensando sentir teu cheiro
Banhando nas tuas fontes
Seguindo os teus conselhos

Teus pilares sustentam a ponte
Entre meu coração e a mente
Adornas minha morada
Meu peito é a tua casa
Teu lar os meus sentimentos
Da fé que me alimenta
Enfrento os meus tormentos
Sobre as aguas te equilibro
Sou o barco que te navega
A força que te carrega
O alento que nos conforma
Sou teu deus e semelhante

Envelhecemos nas mesmas horas
Num mesmo instante renascemos
Somos o tempo que nos transforma

SONETO


As tuas mãos desenham coisas tão bonitas
Linhas infinitas que se completam em cada ponto
Que me põem tonto admirando as habilidades
Da tua preciosa e discretamente arte

Olhando os teus rabiscos sinto sede
Sonhando teus riscados tenho medo
Velando os teus desenhos transfiguro
Medindo tuas figuras compreendo

O que nas entrelinhas me revelam
Silenciosamente como músicas
Aquebrantando os ritmos dos segredos

Acendendo a tua áurea de artista
Quando uno a ti os vértices do poema
Transcritos por teus ágeis e habilidosos dedos

ÀS VEZES


Às vezes aflora a impotência
Por não conseguir matar a barata
Ao perder o horário do trem
Ao deixar congelar a cerveja
Furar o pneu da bicicleta
Não conseguir estacionar na vaga
Deixar de fitar um olhar
Derramar café na roupa
Escorregar no piso da calçada

Situações tão ilógicas
Incompreensíveis à rotina da memória
Inaceitáveis e desnecessárias

Desacertos surpreendem
Todos os dias são repletos de sandices

Haverá um tempo em que aceitaremos as tolices

BOLINHOS


Ontem uma nuvem boba não se conteve
E derreteu suas vontades
Sobre a terra

Assim caiu uma aguinha à toa
Dessa esparsa que pouco molha

Os pingos fizeram bolhas na frigideira
Onde Jandira suava bicas

Amamos esse cheiro de terra úmida
Ventos rápidos
E bolinhos de chuva

MINHA OUTRA PARTE


Há tanto azul ao norte
Ao sul
Pelo meio e pelos vértices
Onde os olhos descansam
Ou displicentes passeiam
Nas planícies montanhas e dunas
Embarcados nas escunas
Por mares navegantes
Antes ou após a tempestade

Sou besouro levado por correntes
Viajando sempre de oeste a leste
Ou por onde nasce o sol ao seu poente
Para onde sopra o terral
Com cheiro de alecrim e sal
Zunindo e temperando esse anil
Em volta dos seus cabelos
Que é pra ver se você olha pra mim

Tudo o que deixa de ser azul
Torna-me metade
Procurando em ti algo que
Complete minha outra parte

O FIM DE TODO MUNDO


Não fosse a agua não me daria conta da chuva
Apenas da enxurrada
Não fossem os embranquecidos cabelos
Me perderia na fila dos dias idos
Não fosse a taça esqueceria as uvas e do vinho
Não embriagaria
Não fosse o garfo despreocuparia da fome
Lembraria a faca
Não fossem os segredos não faria poemas
Dormiria cedo
Não fosse a arma o portão estaria solto
E livre meu espirito de qualquer medo   
Não fosse a ética não haveria culpa
Estaríamos mortos

Aprenderia a pular etapas descrer do obvio
Rever o abismo por outros modos
Descer muito abaixo do choro
Analisar o jogo
Teria coragem de rezar prevenindo
O inicio e não o fim de todo mundo

DOIS QUARTOS


Minha casa tem dois quartos
Um voltado ao nascente
Outro a oeste onde o sol some

Divido-me diariamente
Entre dois saborosos instantes
O de quando ele nasce
E o de quando se deita no horizonte
E dorme

Assim assisto a madrugada
Do quarto em que ascende
E à tarde do quarto em que morre

Também eu tenho dois momentos
Dois ciclos duas fases
A vida que ficou em minha vida
Ambos feitos de espera-la

Um quando você sai
Outro quando volta
Porem pela mesma porta da sala

BEIJO


A face à espera do lábio
O lábio procurando a testa
Duas caras que se tocam
Repartem o ósculo
Encontram-se e oram
Rezam
Atestam selando cumplicidade
À estampa em forma de afago
Do fraterno apego que rasga
Escancara e desvenda o segredo
Da comunhão fraterna

Um beijo é um ato completo
Repleto de sentimento
Sem rusga
Conexo

Um beijo é um momento exato
De coragem
Entre o amor e o medo



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HAIKAI III


BENGALINHA

Minha bengalinha
Injuria e às vezes sai
Correndo sozinha



DISTANTE

Metade de mim
Falta-me por inteira
Se você não vem

 

SEM CONTEXTO

Não ler teu riso
Seria estar ensimesmado
Fora de um livro

 

AUSTERA

O espetáculo
Jamais tira o brilho da rosa.
Ela é quem chama

 

LIBERDADE

Abro a janela.
Amo enxergar as cores
Nos olhos dela

IRREALIDADES


O que prende as águas ao leito
É unicamente a aparência das imagens
O que segura as ondas sobre a flor
É puramente a coincidência
Não há beirais
Não existem orlas
Inexistem as margens
Não há prudência na testa das tormentas
São meros paradigmas boçais

Achamos que alicerce prende e separa
Que amarra ancora
Que âncora sustenta, fixa e aferra

Tolos conceitos, tudo esvai ligeiro, degenera
Ensaboa como nó na garganta, dor no peito
Prenúncio de temporal

Tão frágil é o mundo
Fortes são as sombras
Que assopram e assombram
Irrealidades coadas sobre todos nós

NO LADO OCULTO DA LUA


Deus agora está morando
No lado oculto da lua
Aonde no princípio descansou
Após a criação do firmamento
Onde guardou as armas peculiares
Usadas na composição do universo:
O verbo, o sopro, a onipresença
Magnanimidade e onipotência
E nos alimenta de bondade e misericórdia,
Persistência, persuasão
Esperança e sobriedade
Cuja saciedade me faz sorrir
Até das graças dos arcanjos endiabrados
Como fossem divinamente argutos
A ponto de me tornar secularmente feliz

Eu, que não me atrevo
Nem mesmo a explorar
O lado escuso da minha rua
Jamais recomendo xeretar o escuro lunar
Se bem que de certa forma
O mistério estelar instiga:
Desconfio que ali exista
Um celeiro de alminhas
Conservadas em invólucros de inocência
- Essa que perdi olhando o céu enluarado
Sonhando achar você!

PREGUIÇA


Acordei
Era manhãzinha
E ante o sol lépido
A figura lerda e sozinha
De um anjo tísico
Perguntou-me como queria
O plácido dia

Respondi incondicionalmente
- Intrépido e narcísico
Quiçá sem essa doce divina preguiça!

COM A SAUDADE


Ao coração dê alento
Aos olhos o brilho de outros olhos
Ao tempo alimento para que não desgaste

Ao amor entrega-te cegamente
Enquanto permanecer vibrante
Qualquer excitante emoção renovada

Se houver rotina muda de rua
Dobre outra esquina
Sente outros ventos

Pela beleza reúna os canteiros
Misture as flores dos vários jardins
Em uma só quadra

Emende as ruas que der
Até o outro lado do mundo
Depois retorne pela mesma estrada

Mas com a saudade
Não faz nada ainda que doa
Por ser necessário sofrer

E POR VEZES


E por vezes
Discordo eu
Do que pensas
Porque tenho
Os meus próprios
Conceitos

É teu direito
Entender como queiras
Desde que a mim
Me respeites

Por bem querer-te
Com ternura
Te respeito

ESTES MEUS VERSOS


Coloquei meus poemas em livros
E juntos saímos livres a passeio.
Primeiro andamos pelas praças
Debaixo de pequenos arvoredos
Colhendo flores, contando estrelas
Observando as singelezas da vida.

Depois dividimos ao meio as vicissitudes
As inquietudes e os pensamentos surreais.
Uns enxergaram-se singelos e feios
Outros mais completos, complexos e bonitos
Mas todos esmerilhados em sentimentos
Ainda que com motes abruptos ou aflitos.

E graças às vezes que os escrevo
E você decifra estes meus versos
Torno-me ainda mais fútil e passageiro
E eles ousadamente infinitos.

CHACINA


De repente e
Sozinho
Ele aparece embriagado
Falando coisas sem sentido
Sentindo náuseas da própria fala
Como se assoprasse uma imaginária flauta
Ou apertasse as teclas de uma sanfona
De fole furado
Chutasse uma bola sem ar
Rodasse um pneu sem aro
Se deitasse numa cama sem forro
Varasse um cerco de nóias
Comprado um pão endurecido
Feijão brocado
Lastimando a perfeição

E amanhã estarão nos jornais
Todas as suas artes
Peripécias
Indecências
Ousadias
Morto na porta de um bar
Sem explicação
Ao lado de outros dez

NOITE APRESSADA


Ah como é bom sentir a noite assim serena
Experimentando o frio da madrugada
Sem qualquer barulho, sem zoada
Protegido e deitado sobre a colcha macia
Descontraído à espera do novo dia

Há quem não tem as suas noites assim normais
Como tenho eu o privilegio em tê-las
Há quem sofre nas macas dos hospitais
Há quem perambula abandonado pelas ruas
Há quem corre fugidio por quintais
Há quem roube e assassine sem preceitos
Há quem treme sem cobertas e sem leito
Há quem cace bandidos pelas matas
Quem mata em desespero e suicide
Há quem sonhe poder sair a trabalhar
Há quem lute com seus próprios preconceitos
Quem chore por um amor perdido e desfeito

Minha noite passa lerda ao teu lado
Em plenitude e completa harmonia
Ainda que não percebas que existo
Porque sei que apressada é a fantasia
Dos meus sonhos te velando acordado

NOITE LENTA


Demoram as ideias a entenderem
Que não estás
Que não vens
Que não sabem por onde deitas

Demoro eu a perceber
Que a solidão me desfaz
Arrebenta-me
Intranquiliza e me aquebranta

Mas sabemos que não precisamos
Tocar-nos para estarmos completos
Tão repleta é nossa sintonia

Abraço-te na distancia e te envolvo no abraço
Que só existe no lado interno do peito

Deixe que as horas lerdas se sucedam
E que a noite lenta retarde meu sono
Assim mais e mais te sonho
E te imagino tão perto
A ponto de estar em ti
Apesar do abandono

GANA


Tenho sentimentos urgentes
Alguns já chorados
Tantos aguardando sorrisos
Nos diversos momentos
Interpessoais

Sentimentos confortavelmente acolchoados
Estendidos sobre o tapume do coração
Travando lutas incríveis no meu ringue

Mas o que mais me deixa zonzo
É a saudade sentada num canto do octógono
Se rindo das minhas luvas desamarradas
Surradas de calçar

Não fossem os hematomas
Não haveria tanta gana
Esqueceríamos fácil da necessidade em lutar

AMANTES


De alguma forma já se deitam e acordam
Lado a lado
Juntos no pensamento espelhados
Bailando enamorados
No momento do brinde ao vinho
Na hora do café singular
Mansos detalhes espalhados
Pela casa
Sobre a mesa e a cama de cada um
Onde disfarçam fingindo desapercebidos
Que amam
Independentemente de estarem ou não
Sendo amantes e amados

BORBOLETA


Ela me tomou pelas asas
E repousou-me no indicador em riste

Eu que estava triste
Fitei os olhos dela me observando
Deliciei-me em seu riso brando
Li seus lábios conversando
Gesticulando, contemplando
Comentando minha frágil pequenez

Sorvi o fresco suor de seu dedo
Matei minha sede
Repus energias

Senti que tornei seu dia mais feliz
Rocei as antenas num furtivo adeus
E voei
Voei
Voei

LANCINANTE


Sei do amor
Que parte a fala ao meio;
Da longitudinal distância exangue
Que se esvai severa
E deixa o dorso quedo;
Frívolo estupor que mingua a veia
Como se pudesse viver
Desprovido sequer de um ai
Pelo fio e frio apelo
Da misericórdia que torna pio
A incessante insensatez
Insegura e injusta dor
De galgar atroz
O que põe doido

Resvala a arte
Em sua lancinante
Inoportuna sorte
Como se também soubesse ela
O dia infinito
Que parto eu
Junto a minha morte

PAREDES


Dentro da casa as paredes são mais ousadas
Tem sentimentos
Já estão acostumadas com nossos ciúmes
Conhecem os pensamentos a pormenor
E comprimem ou enlarguessem nosso juízo
São confessoras e cumplices a todo momento
 
As externas são companheiras no gelo do inverno
Nos isolam das chuvas e dos ruídos
Protegem-nos das atiradeiras dos ventos
Suportam a quentura e o bruto peso do teto
Comprimem o piso, retraem o pavimento
Fazem do lar um reino
Onde penduramos nossas tralhas de vida

Algumas do lado de fora são vistosas fachadas
Outras no extremo interno tem invejáveis ângulos
Erguidas ambas as faces ao mesmo tempo
Pelo modesto pedreiro

Quando nuas revestem indômitas sombras
Porque se isolam mas somam mutuas
As externas desconhecem as de dentro
Como as internas ignoram as da rua
Mas sustentam a mesma estrutura e se complementam
Da casa do prédio do edifício entre colunas

Estar em paz é poder cuidar de ambas
Sem viver de aparência nem estar ao relento

ÚNICA


Nosso gozo
Tão generoso e perfeito
Desnecessita do contato interposto
Pois quem se desmancha é a alma
Muito além da física atitude
De quaisquer pressentidos toques
Habituais de quem ama

Nossos predicados unem gostos
Completam as vontades
Afinidades reveladas
Prazerosos desejos
Sublimando os sentidos

Tu me queres eu te preciso
Necessitas-me enquanto replica
A sonoridade que identifica-nos
E torna a ausência obsoleta

Quando desmistifico-te
Sinto-me única e completa

CANÇÕES


Eu gosto de fazer canções que encantem o dia
Para que toda liberdade sublime e irradie ternura
Que o amargor das taças se torne doçura
Quando a candura suplanta o rancor da agonia
Eu gosto de fazer canções que encantem o dia
Regenerando a ingênua alma que procura razões
Para os dissabores que surgem sem qualquer malícia
Onde a preguiça de pensar atravanca as verdades
Eu gosto de fazer canções que encantem o dia
Daquele que lida com o líder estabanado
Que sem escrúpulos fere na arrogância da lide
As obrigações mínimas dos modos humanos
Eu gosto de fazer canções que encantem o dia
De quem mal ganha o farelo rareado na mesa
E que dorme debaixo da realeza mesquinha
Daquele que usurpa sem modos e afeto
Eu gosto de fazer canções que encantem o dia
Pelo direito a uma cadeira que descanse as pernas
Sobre um chão translúcido e benfazejo
Que acolha sem ódio sem ócio esse oficio
De fazer canções livres que encantem o dia

ENCONTRO


Equivocou-se
Quem rabiscou a folha
Escondeu o livro
Rasgou a revista
Em que fora escrita
A rota o mapa o registro
Onde tua alma habita

Rastreei o destino
A sorte o acaso
Achei a pista
Encontrei a luz que irradia de ti

Descobri o perfume do teu veludo
A beleza azul que te esconde
Na maciez do teu vestido

Você é minha sina
E magnifica esta aqui

ESPERA


De seu coração tudo espero
- Desde a sublime paciência
Em compreender minha espera
Até mesmo a complacência
Por entender o desespero
Cuja tormenta me desespere
Caso a saudade conflite, admoeste, debilite
E atormente esta alma aflita
Repleta de bem querência
Porem inconstante e impaciente
Imatura, avara, intransigente
Sem saber se a desejo porque preciso
Ou se preciso porque a quero

NOITE FRIA


Desconheço qualquer tecido que aqueça
Mais que a força do viço selvagem do cio
O desejo imoderado pedindo abraço
A boca medindo a volúpia do beijo
O corpo desmesuradamente languido
Suando sentindo prazer e arrepio
Por mais incerta que esteja a noite fria

Gosto de sentir tua convexa forma
Voluptuosa e sensual buscando gozo
Se insinuando por gestos e sinais
Que as mãos mapeiem suaves planícies
Tateiem incertas ocupando espaços
Explorando as pétalas dos girassóis
Desenhados na seda que satisfaça
A maciez das tuas claras vontades

Depois tudo vira sonho e calmaria

TUDO JÁ SEI


Fui ao futuro aprender como se morre
Porque da vida tudo ja sei

Morre-se de extenuado amor
De fome, frio, calor, apaixonado
Também da falta de fome e excesso
De paixão, solidão, mesmo que acompanhado

Morre-se de qualquer morte banal
Dessa que extrai a vida sem explicar
De surpresa, de repente, acidente
Até de arrependimento e contente

Morre-se de ilusão antes que esta morra
De idade, por verdades e de mentira
Inveja, infarto, palpitação, alegria
De um coração envenenado e ódio

Morre-se ao nascer e até antes
De ser qualquer ser que perceba
A razão do choro e a beleza do riso
A candura de um olhar inocente

Morremos todos por azar ou prazer
Ainda que não acietemos ser preciso morrer

MATREIRA


Há um quarto de lua minguante
Outro tanto dela crescente
Uma face bela e tão nova
E uma fase ousada e bem cheia

Tem noite que se retrai
Outras vezes ela incendeia
Perfuma agita e faz troça da terra
Que não sabe se a ama ou odeia

Prende os cabelos, solta as madeixas
Faz juras e queixas, invade as loucuras
Dos rios e dos mares, rasura as margens
Baixa e ergue as marés
Joga palavras, remoinha os ares
Treslouca excitada, extrapola, rebela
Se esconde nas nuvens, se disfarça em estrela
Abre-se inteira, líquida, sem mácula
Se delicia nas águas, goza faceira
E repousa e acalma igual à pétala rosa
Que gangorra cheirosa
Entre o lábio carmim e a língua vermelha

Lua matreira, tão calma e bonita
Tem pena de mim

NUBLAR


A tarde nua recobre-se com fino lençol
Depois garoa, esfria, inverna de repente

Equidistantes
Tomamos parte o bastante
De certa melancolia

Enquanto falta o sol
A gente até imagina que poderia
Eu estar aí ou você aqui

Nublar seria diferente

ÚMIDA


Ela não sabe
Se sai com guarda-chuva
Sob o sol
Se usa o guarda-sol
Sob a chuva
Se guarda tudo
E toma chuva
Ou sol
Ou sol
E chuva

Se espera à sombra
A chuva passar
Pelo sol
O sol
Desmanchar a nuvem
Que sobre ela
Faz chover

Então aguarda úmida
O tempo se resolver

VENTANIA


O poema nasce de ligeira agonia
Principalmente à noite
Mas pode ser de dia a qualquer hora
A todo momento
Basta brotar o sentimento de tristeza
Ou de alegria
Ele nos escolhe e arrebata
E somente quando os versos açoitam
Feito ventania
Misturam os barcos
Derrubam as árvores das praças
Assoviam e fazem com que a pele arrepia
Aí sim, assossega e consola
Como quem gozou exuberante
E se recostou pelos cantos
Todo melado de poesia

ARREPIAR DE AMOR


Cada um tem seu jeito
Há quem escandalosamente grite
Há quem silencie
Há quem apenas deleite
Há quem estremece e palpita
Há quem ache tudo perfeito
Há quem se arrasta na cama
Há quem reclama
Há quem finge que ama
Há quem pensa que goza
Há quem fala de tudo
Há quem se cala e dorme
Há quem se obrigue por isso
Há quem agradece e reza
Há quem nem se suja
Há quem sua vertiginosamente
Há quem remoça
Há quem intenso e lerda
Há quem seja precoce

De toda maneira
Arrepiar de amor é coisa bela

NADA


De repente sou a ponte
Onde o rio se deita
E solícito escorre

De repente sou a margem
Que delineia o córrego
E o líquido esbarra e some

De repente sou a praia
Perfeita de espumas
E a maré consome

De repente sou a pedra
Que esbarra as ondas
E desvia os ventos

De repente não sou nada
Nem ponte nem margem nem praia nem pedra
Sou apenas fonte onde a agua medra

VÁ! MAS VOLTE


Corre ainda que não queira
Fuja mesmo que teime não ir
Saia apesar da destemperança
Segue sacode a teimosia
Desprenda sabendo que irá doer
Desobedece só assim desvincula
Some nem deixe pegadas
Voe é mais rápido esquecer
Desapega nem olhe atrás
Busque possíveis horizontes
Procura nem lembrar que esteve
Desencante é muito mais prático
Ignore ciente do sofrimento
Parte antes que seja tarde
Separe torne pedaços
 
Mas se quebrar-se apenas metade
Vá, mas volte
Para que te complete
E me torne repleta
Como antes

À TUA ESPERA


Sumiste igual ao temporal depois do alarde
Desmanchaste entre as cores delicadas
No meio do céu na boca da tarde
Então recolhi os pedaços de inverno
Que ainda restavam congelados
E fiz a minha própria primavera

Olha agora as viçosas pétalas  como se espalham
Trazem elas a maciez da tua pele
O mesmo perfume que te enevoa
O mesmo sorriso que te revela

Florescem junto a esta saudade
Úmidas de encanto à tua espera

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

ADOCICADO


Esse sabor levemente doce
Que desprende dos teus olhos
Vem do teu beijar

Sim, provém dos teus lábios
Quando sorriem, balbuciam e sussurram;
Da vermelha boca, do sorriso claro
Da macia língua que delicia
As palavras que pronuncias

Tu me beijas com o adocicado olhar
Para que claramente
Absorva teu beijo sem precisar tocar
A textura do teu hálito

Esta nossa forma plena de amar

COLARZINHO AZUL


Hoje fui à praia roubar
Alguns clarinhos de sol
Pra fazer um colarzinho azul
Pra ela usar
Pra ela usar

Também resolvi recolher
Umas conchinhas do mar
Pra enfeitar o colarzinho azul
Pra ela usar
Pra ela usar

Estou esperando ela vir
Para eu poder entregar
A ela o colarzinho azul
Pra ela usar
Pra ela usar

Não sei se ela irá gostar
Ou então se vai desprezar
O colarzinho que fiz
Pra ela usar
Pra ela usar

E se ela então não quiser
Devolvo os clarinhos ao sol
Reponho as conchinhas no mar

E pronto

Haikai I


O câncer que me devora
Carcome aonde meu demônio mora.
As sobras anjos levarão embora

 

Peixes estirados na rede.
Se fora do rio padecem sede
Um copo d´agua lhes seria deleite



De verão em verão
Viver juntos simplesmente deveria
Avivar o coração

 

Todo avaro ri
Da festa que viraliza
A testa da avareza

 

Rezo o quanto posso
O terço que a natureza
Ora sobre meu berço

 

Se tem café pronto
Alguém colheu lá por trás
O fruto que a flor deu

 

Notícia boa
Purifica o coração
De qualquer pessoa

 

Calmaria no mar
Deveria também acalmar
Os anseios da proa

MOMENTOS


Distintos momentos
Dou-me ao prazer de busca-los nesse labirinto
Em algum lugar entre tardes e auroras

Quando ainda que equidistantes
Os construo num mínimo horizonte
Tantos em meu passado
Estes por agora
E quiçá outros à minha frente
Entendo que viver é não importar-se com o quanto
Mas sim que possivelmente se fizer por onde

Sei não sou eu o centro do universo
Mas cada gesto meu é portanto o que interessa
E qualquer préstimo que me tenha por resposta
Do pouco que faço pelo que talvez ainda assombre
Velar gratuito o sono dos meus entes
É sempre o mesmo que enquanto também durmo
Renascer contínuo de um ser tão puro que me apresta
A melhor ser todo o tempo que acordado
Puder enobrecer o amor que nos sustenta


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VERBAL


A língua ávida passeia a cavalo
destemida e solta. Lambe
o pescoço em revista à bandeira;
atrevida ergue a face onde o dorso
curva perplexo pelo próprio beiral
sua confortável e certa trilha.
Pátria-palavra nada frívola
súbita conjunção que exulta
o mais nobre preceito verbal.

Amar é todo esse exercício
explicito de exuberância efêmera,
de um povo-poder evidente
incrível e intencional cabível.
Comove-se com a rude arte
faz parte desse ápice supremo
Imparcial inexato convincente;
convive com o sempre
envolto em um desafio real.

Do amor a língua por fim tritura
de forma ambígua e frugal.
Arrebata a criatura e a mente,
debela estruturas e intenções.
Desestrutura o secreto,
preconiza rupturas virais,
torna plausíveis as esperas,
entendimentos concretos,
possibilidades únicas do anormal.

Mesmo quem surja impróprio inviável
controvertido e estrábico contundente
de benevolência augusta improvável;
que apoie ao ócio entre o ópio e a pia
pelas risíveis manchas promíscuas nas vias -
também enxerga relevantes e indomáveis
imagens, registros de indecifráveis cores:
sentimos transpirar incontinente o ardor
que amarga e queima a verve da gente.

FANTASIA


Hoje passei alguns momentos
Olhando o desenho das tuas mãos
A singularidade dos teus dedos
As palmas capazes de unidas
Abrigarem o mundo em conchas
Reterem uma porção de mar
Sustentarem um naco de areia
Assegurarem os sentidos de uma raiz
Suportarem o peso das pétalas da rosa
Elegantemente abrirem um livro de poemas
Postarem-se contritas em oração
Acariciarem a própria tez
Enxugarem os olhos
Alimentarem a alma com manjares
Alisarem todos os amores do mundo
Que se foram ou que surgirão

Agora lembrando-as puras e harmônicas
Pressinto o toque e a sutil maciez
Que possivelmente elas têm
Em alguma outra vez serem tão precisas
Ao afinarem as cordas de um violão

PRAZERES


Meu cachorro late no portão
Anseia em ver o que há na rua.

Qualquer fresta que abre
Escapa e faz festa
Desaparece como fosse a primeira vez
Que algo tão bom lhe pudesse acontecer.

A paisagem é sempre a mesma
A corrida corriqueira
Os pontos por onde mija são os de sempre.

Talvez a conversa com os vizinhos
Nas calçadas e quintais
Tragam assuntos diferentes porque os grunhidos
Transmutam sensações que sempre diferem.

Retorna cansado como quem jurasse não ir mais
Mas vai
Como um poema que relutasse aparecer
Mas vem

SOBRAS


Desejo. Mas simplesmente desejar
Que gosto tem além e após o almejo?
Vejo que pouco entendo desse inesperado
Lampejo que arde a alma e enternece

O espírito, mas se atraiçoa compunge.
Ah, quisera ser indócil, mas tenho medo.
Assim, morro secreto em meus segredos
Solitário em minha redoma de vidro

Escorrendo feito areia dos dedos.
A sorte apara minhas descuidadas loucuras
Ser incauto seria um desafio permanente

Não fosse a ingênua malícia derreter
O que resta das sobras, e me podar e roer
As amarras, por certo estaria sem rumo.

XADREZ


Cada peça na avenida
Trafega no entorno da casa
Umas na volta
Outras de ida
Forçando a estratégia
Nem sempre tomba a mais frágil
E sim a mais distraída

A torre queda sobre a asa
Do casco do absorto cavalo
Cujo peão apeara
Para uma prosa com o bispo
Metido a ser soberano
No reinado do engano
Onde o tudo acontecia
Sob o nariz da rainha
Que temia o oponente
Mas desprezava seu reino
Usurpando rei e súditos
Deliberando sozinha

O logro é essa disputa
Entre servos e servidos
Na hora ensimesmada
Da labuta atrevida
Luta-se a todo custo
Pelo cego custo do espaço
Nesse tabuleiro molhado
Feito de suor e lágrima
Sobra de luz no ocaso
Sombra do corpo no opaco
Vence quem tem melhor tino
Suporta quem tem melhor casco

Assim refaz-se o jogo
E assim renova-se a vida
E eu me fazendo de sonso
Ziguezagueio entre todos
Empurrando com a barriga



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ACESAS


A lua
Acesa assim
Radiante e única
Densa
Desejosa aquarela

Você praia de areia
Restinga e capim
Espuma da onda
Aureola

Eu pedra do mar
Encharcado da luz
Dos teus olhos
Fotografando
As cores dela

Suave brisa
Noturna canção
De beleza rara

Duas minhas paixões
Tu e ela

EM CADA PÁGINA


As ralas nuvens passeando
Parecem muito soltas e macias
Deixam entrever o azul através
Da transparente brancura
Brandas mexem-se medianas
Pelas beiradas do céu
Esticam colam erguem baixam
Gotejam e desaparecem
Irrequietas onde se afirmam
Simplesmente deixadas
Ao sol e se aquecem

Se parecem com as rendas das
Vestes leves que te recobrem
Quando na cama dissimulada
Retiras do barco que te atraca
Os versos que te envio
E te sentes com o privilegio
De ser lembrada e cumplice
Do que há escrito e encharca
Da agua que habita tua espuma

Façamos chover
Em cada página que nos flutua

NENHUM


Não conheço deserto exceto o da alma
Nem é imenso nem inquebrantável
A ponto de vergar junto às palmeiras ao vento
Nem denso posto que passa
Ao menor sorriso que se assemelha

Esse excedente que por vezes me toma
Jamais fora suficiente para dilacerar as entranhas
Pois fosse medir pela quantidade de areia seria uma praia
Se pela aridez do sol seria o ápice da luz
E se pelo frio da noite talvez um oásis de frescor

Esse recolhido personagem é mais grato que triste
Infinitamente mais humano que ateu
E prova sabores ainda que esses sabores
Se estranhem no profundo amargor da mente

Tento aprender a cada dia a ser bom –
Não preciso ser melhor
E dentro dessa mínima bondade
Ensino a ser intenso mesmo sendo nenhum

A vida é feita sobre a soma de palavras
Igualzinho a um poema
Mesmo muito breve

POUCO ANTES DA MENTIRA


Pouco antes da mentira
Houve a notícia de que
Seria veracidade

Não pode!
Então por favor não minta
Ou desminta
Com maior propriedade

Se acaso não possas
Lamentar a falsidade
Invente com retidão
Sentirás quão difícil é
Reverter o que se noticia
Por mera leviandade

E se por fim em nada der
Tua falta de verdade
Confessa-te à consciência
Depois morda a língua
Antes que esta te lamba
Sem indulgência

AMAR


Adormeceria
Como entorpece o equilibrista
Os olhos de quem encanta-se
Sob a atenção do artista

Entorpeceria
Como acorda o olhar
Quem compartilha
A arte de ousar

Permaneceria adormecido
Despertaria entorpecido
Apaixonadamente amante
Eternamente solícito
Ante o torpor de amar

COMUNHÃO


COMUNHÃO

Do pão que reparti
Também comi
Servi a ti e aos teus irmãos
Alimentou-nos
Aclarou a calma
Unificou, reuniu, purificou e afiançou a fé

Por menos que se creia na perfeição da alma
A força que fala ampara sentimentos
Apara o que desaponta
Desponta e complementa
A integridade do todo e de qualquer desejo

Pedaço a pedaço mastigamos
Remisturando gostos e sabor
À rigidez íntima das vertentes
Imprudentes verdades que se misturaram
Entre a língua, palato, fome, fala e os dentes

Esse ato único de ruminar, remói, transforma
Modifica os gestos do rosto, elucida e alimenta
Toda espécie de informação e forma plural
Ilumina a face ainda que por dentro
Erroneamente procrie tártaros e caries
Acaricia a confiança
Sedimenta e aflora a vida
Refaz, revela e nos torna mais próximos

Da construção maior do ser
Num simples pedaço de pão
Revigora em comunhão
Repartir sacia

INSTIGANTE


Ninguém determina nada
Em nenhum momento a ninguém
Não somos donos das coisas
Nada em absoluto nos pertence
Matéria alguma que nos seja dada
A define como nossa
Ainda que tomemos posse
Ou que ilusoriamente finja
Em algum momento nos pertencer

No entanto aprendemos
Que somente as verdades são próprias
E com elas os anseios
As certezas e as ilusões
Que nos alegram ou afligem

E dentre as coisas tão certas e vivas da alma
Está o veneno do pensamento instigante
Esse que nos faz crescer intimamente
Desvendar os mistérios e alimentar as paixões
Justamente pelo incessante desejo de viver

REAL


Creio-te deus humano tanto quanto posso
Concreto, permanente, intenso
Perfeito e verdadeiro, absoluto

Creio-te singular tanto quanto acredito
Único, onipotente e bendito
Presente e místico, impoluto

Creio-te senhor tanto quanto terno
Soberano, leal e sempiterno
Necessário e real, infinito

Creio-te humano deus
Muito além do tanto quanto posso
Muito além do quanto tanto sinto

BULA


Está claramente descrito
Como remendar essa dor:
É preciso tomar as doses corretamente
Dessa droga que irá cicatrizar
A ausência do amor que deixou de existir

Tudo se encontra minuciosamente prescrito
Em negrito times new roman
Incluindo alta dosagens e contraindicações

Parece que o medico responsável dessa bula
Também se perdera enamorado como eu um dia por ti

Ele assina
Mas não diz escrito
Se curou

CANÇÃO SERTANEJA


Quando Cabral
Pisou estas praias
Eu descansava
Num galho de pau brasil
E já era um país
Uma rara nação
Tinha nos olhos
Um estado inteiro
E sangue brasileiro
Nas veias

Continuo incansável
Construindo
Redescobrindo estas terras
Recolhendo tesouros
Respeitando costumes
Traçando o futuro
Com dignidade
Em perpétua
Evolução  

Nos campos e matas
Pelas cidades
Onde a sociedade
Sobrevive
Vivencio os acertos
Choro os degredados
Agrego o que posso
E me convenço
De que sou forte
Que faço história
Porque sou raiz

ECLIPSE


Entre um lampejo e outro
Há um universo feito de páginas
Repletas de palavras e espaços
Completas por estrofes e versos
Dos poemas que te faço
Das poesias que se alojam
Nas historias que te conto
Nas canções em que te canto
Nos salmos que te dedico
Nas loas que te proclamo
Quando te declamo e recito
Silencio, balbucio ou grito

Entre a luz e o lusco-fusco
O breu e o crepúsculo
Mostras-te face a face
Tu te revelas e eu te escuto

IMORTALIDADE


O maior surto
Da imortal idade é dizer:
Tiro nenhum me abala



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SEPARAÇÃO


Eram frutos de uma busca indiscreta
Corrigida pelo tempo abstrato.
Não detinham essa plácida paciência.
Cultuavam sim a perplexa vertigem
De quando checavam suas miragens
Com meia dúzia de linhas levitadas
Declaradamente inibidas que por si só
Astutas os amavam inteiras, secretas.

As tardes arrebatavam os seus barcos
Reviravam suas terras
Onde sombreavam porções de idolatria
Nutridas, reciprocas, reavivadas
Atadas às incontáveis e desejadas
Esperas dos voluptuosos abraços
Que os detinham enamorados
Entre as longas gloriosas rotinas.

Então se olharam pelo avesso, certa feita
E não mais viram defeitos nem distâncias.
Desaproximaram as faces das labaredas
Repensaram sensatos as verdades abertas
E se deixaram incontáveis à separação
Sob o limite da ventura coincidência
Intocáveis, temidos, exaustos
Onde hoje o amor não mais se deita.

VIVA A LIBERDADE


Quando te aparento ridícula
Mal sabes tu que não regresso
Vivo das gerações que se sucedem em seus ciclos
Construindo meu progresso.

Sou macro, muito além da pequenez dos insensatos.

Vivo da fortaleza de um povo calcado no futuro
Obstinado, desejoso de crescer
Que renasce todo dia e ressuscita-me.

Minhas normas e leis são perfeitas
Sem noção porem é minha justiça;
Meu regime democrático é soberano
Infelizes sãos os que conspurcam a política;
Sou farta, gigante, benfazeja
Maldosos são meus mandantes.

Diferentemente de tu que envelhecesses
Torno-me a cada dia uma nova nação.

Na verdade vivo testando teu orgulho de brasilidade.

Amanhã aniversario, viva a liberdade.

CRUEL


Tento fazer poemas
Com as armas que tenho.
Algumas ideias banais
Uns conceitos ligeiros
Antigas normas gramaticais
Quase adormecidas.

Fico olhando olhando
A pagina em branco na tela.
Os dedos fogem das teclas
As letras confundem-se, esfarelam
Nenhuma palavra me permite escreve-las.

É tudo tão ácido, azedo, cruel
Tanta agonia que chega a dar medo.

Mas depois de sofrimento intenso
Eis a poesia pronta!
Seria ousadia ou talento?

ENQUANTO POSSO


Os meus olhos se deitam
Sobre tua leve beleza
E dormem o sono daquele que se realiza
Vendo a neblina ondulando horizontes
Ao longe
Muito longe inacessível
No topo das serras e montes

Assim distante todas as cercas somem
Não existem divisas
Nem há limites
Apenas distâncias no bojo dos vales
E tudo o mais que a paz precisa
Para coexistir presente
Entre a liberdade e a mente

Aquele bom lugar existe
Tão perto de mim e longínquas
São as possibilidades
Que tenho de tê-lo

Nada é meu nem nosso
E sim passageiro
Por isso durmo meu olhar sereno
E sonho o paraíso
Enquanto posso

MINHA BOCA


Minha boca pede beijo e saborosamente beija
Sem importar-se se o beijo sente a boca
Porque às vezes o alvo do beijo são os teus olhos
E por outras certezas a concha das orelhas

Tem momentos em que quer beijar-te as pernas
Outras vezes teus pés por sobre as meias
Às vezes contenta-se em beijar o verso das mãos
Outras necessita perder-se engolindo teus dedos

Minha boca pede beijo e beija e deixa louca
Tua nuca pescoço o dorso e as auréolas dos seios
Quando a língua chupa vigorosa teus lábios

Por entre as coxas onde alcança sorrateira
Minha boca pede beijo e rodeia e beija e passeia
Por onde sabe que você pede espera e anseia

OUSADO AMOR


Impossível tentar entender
Porque cuidas assim de mim
Essa afinidade que nos prende
Esse olhar brilhante cativo
Esse carinho e cuidados sem fim

Desnecessário ousar definir
Certamente será generosidade
Resultado da grandeza
Que habita teu coração
E a repartes a meu favor

Quando penso que nada sou
Que pouco significo em teu ser
Teu silêncio me chama e inflama
Tua voz vem feito oração
E me tomas com intensidade

Então nos tornamos melhores
Maiores, Intensos, idênticos
Mística íris de todas as cores
Âncora de ouro que nos prende
Nos elos desse ousado amor

ESCOLHA


À flor da terra
Ao invés da areia
Aprisionamos na redoma
Porções de tempo presente
Em cinzas ou labaredas

Essa alquimia de brasas
Produz chama incandescente
No translúcido vidro
Que ofusca ou aclara
O caminho às avessas

Se conseguir passar
Repartimos no tênue brilho
Convites para que outros venham

Em não vindo
Seguimos sentinelas
Ao menos iluminando

Arautos de lâmpadas acesas
Aguardamos que os eternos laços
Os chamem
Ou os matem as incertezas

Depende a escolha!

QUALQUER SOM


Procuro um bolero para dançar
Um tango, valsa, xote, blue
Qualquer som, ritmo, melodia

A parceira eu tenho
Falta-me o canto, a sonoridade
A hora que propicia o baile

Nem precisa ser à noite
Pode ser agora antes da agonia
Dos contrassensos dos passos

No meio do balé das ruas
Em cima da cama num quarto
Na porta de um salão fechado
Sobre a mesa do escritório
Na sacada ou jardim
À beira do fogo na cozinha
Em frente à geladeira
Na sacristia de um convento

Onde houver um momento único
Para nos sentirmos livres pela música
Desenhada na luz do sol

SOBRE O TEMPO


Desconfio que algo diferente acontece
Penso ainda ser moço apesar dos noventa
Consigo flanar sobre o tempo como antes
Apesar de que por tantos modos é verdade
Tenho perdido o interesse e a esperança

Desconfio trazer os passos mais lentos
A memoria lerda que nem lembra o que sinto
As mãos inábeis e maneiras desconexas
Porções de amor escondidas nas gavetas
A cama imensa onde comigo ninguém deita
Olhos que não mais evitam mostrarem-se aflitos
Aflições que admoestaram e se foram
Mas deixaram o peso preso aos ombros
Arqueados dos reparos e conflitos
Palavras praticamente inaudíveis ao vento
Que ao invés de serem ditas ficam presas no ventre

Se há grito nem ouço e se escuto não choro
Quando choro disfarço a lagrima que rola
Dependo de ti que me venha ao encontro
Que me põe no leito e dele me levante
E abra os braços e entre eles me encontre

Apesar dessa desconfiança
Nada mais me espanta nem entedia
O que me resta é rir dessa comédia

SEDA


Ela gosta dos acordes menores
Tão mínimos quanto os apelos
Que adormecem por entre as teclas
De um brando piano alvo recém-aberto
 
Ritma pelos suaves dedos dos artistas
Que brilham humildes em sandices
Usando ágeis frases nos trastes das violas
Abalroadas de canções e calmarias
 
Canta nas tardes que ardem melancólicas
Nas plumagens que acentuam as cores do lilás
Nos holofotes que incendeiam as pupilas
Quando fogem sem razão do insano silêncio fugaz
 
Sem as notas não seria ela leve como assobios
Não haveria frágeis quanto nuvens em prenúncio
Nem chegariam amparadas ou deleitariam
Nas entrelinhas das escalas as claves das pautas
 
Lê enfim a flor das gotas ou a granel
Toques, tons, alma, sonhos, melodias
Sobre a grande seda desenhando no papel
Os viandantes sons de seus entreabertos lábios


Eu dela gosto por ser ela assim tão maior
Envolta em dons repleta de poderes
E ainda que advenha dos mais rudes cristais
Tudo transborda em completa poesia

UM EXPRESSO NA LIVRARIA


Em meio aos milhares de livros
A moça de leve eleva até a boca
A borda da delicada xícara
E abraça com os lábios
O líquido que arrebate expresso
A espuma quente da beira da louça.
A fumaça lhe embaça as lentes
O negro néctar alveja ainda mais seus dentes

Ela sibila, cerra os olhos com candura
Enquanto sorve e disfarça a voz
Envolta em doce encantamento
Depois arrebatada de momento
Deita a chávena no colo do pires
Observando a vastidão da mistura
Vestígios do seu batom no café
Açodado por um torrão de chocolate
Como quem lesse placidamente as entrelinhas

E o moço revendo displicente as capas
Floridas dos mágicos títulos da livraria
Retém da memoria uma infância de rimas
Torrando as sementes de um vasto cafezal
Banhado pelo aroma de frases, valsas e poesia

VERDADEIRO


Aprendi a caminhar por isso chego
E pouco importa o que carrego
Se coragem ou medo

Sei apenas que sigo

Alguns voam outros nadam
Sou aquele que caminha
Incansável, indelével, passo a passo

Absoluto e verdadeiro

Um dia canso, isso é possível
Então terei teu colo por descanso
E teu ombro por travesseiro

De novo parto se preciso

Ainda que a saudade doa os pés
E as mãos suadas nada recolham
Andarei calado pereguino

Esse o destino do caminheiro

A DÚVIDA DA FÉ


Se habitas os seres e não respondes por seus atos
Se conduzes aos destinos e ignoras-lhes os rumos
Se os caminhos apontas mas os deixas a deriva
A quem a ti se apega e crê no amor divino
Deveria tornar-se ateu ou permanecer insano?

Quando a verdade farfalha entre a dúvida da fé
Ensina-me então a solidão de ser deus
Para que consiga ser menos radical
E talvez mais humano


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CIRURGICAMENTE IMPOSSÍVEL


Se Bianca ao meio partisse o meu peito
À procura de consertos nesse coração
Diagnosticaria saudades e segredos
De difíceis acessos e manuseios

Se Vitória auscultasse tomando meu pulso
Sentiria navegadas no interior da aorta
Chalanas repletas de alegrias ancoradas
Nessas vísceras arritmicamente quase mortas

Se Laís anotasse meus sinais vitais
Assustaria com esse íntimo transbordado
De diletos momentos e intensos amores
Misturados a prazeres e algumas dores

E se todas descontentes buscassem opinião
De alguém ponderado e bem mais experiente
Ouviriam: precisamos lhe nascer novamente
Dessa velha carcaça soçobraram defeitos

Mas o espírito, esse a gente bem poderia
Arquiva-lo translúcido no armário das almas
Onde nenhuma ilusão sequer tem acesso
Exceto a poesia, porque esta é completa



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DOÇURA


Hoje me roubaste pelo braço
E eu apenas barco atracado
Já nem mais quase navio
Singrei outros mares
Em tua alva companhia

Enquanto na candura levavas-me
Pela rampa e pela fonte a passeio
Eu, velho lobo então cansado escafandro
Reavivei meus zelos
Em tua moça energia

Agora não importa mais
Nem parque, nem bosque
Nem porto e nem mar
Somente o êxtase do teu jardim
E a doçura do teu cais

EVIDENCIA


Compartilha comigo
Tua experiência de Deus
Preciso conceber a humildade
Tanto quanto a enxergo em tuas mãos
A forma de entender a benevolência
Idêntica à magnanimidade
Que se derrama das tuas ações
A expressão da caridade
Tal qual a que se transpõe
No sumo das tuas transigências
E a sobriedade em discernir
Naquilo que tua complacência evidencia

Que se empreenda a providência divina
Em cada raio que teu sol me irradia

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

TORTA


O que pensa aquele
Que mapeia a terra ao meio
Põe recheio assa e come
Vai à tribuna e discorre
Sobre a necessidade que resta
E se presta à exegese
Caricata aventura
Dessa massa disforme
Lixada xingada e some
Em nome da caridade
Das mãos que doam
Repartem se vaza
Na vala onde a brasa
Dispersa a sobra rejeitada

Longa estrada essa torta

CHORO


Quando ouvi os cães ladrarem
Acreditei que passaste solta na penumbra
Ganhando o vazio das solitárias ruas
 
Também vaguei por essas mesmas vias
Assim tentado a ir ao teu encontro

Já não estavas lá
Nem a tua voz nem teus olhos negros

Vencemos as distâncias
Mas a vida mais e mais nos distancia
Choramos sem ter nexo
Enfrentando complexos dilemas
Que nos desafiam

Choro em segredo mas sem medo
De chorar

Nos vemos ao menos
Nas instâncias inexatas da poesia

DEPOIS DE EXTINTA A HUMANIDADE


Depois de extinta por completo a humanidade
A miséria e a riqueza reconheceram duas verdades
Que jamais houvera de ambas necessidade
Que a necessidade extirpara pobres e fartos

Agora que deixara de haver míseros e abastados
Feneceram por terem impróprios se tornados
O planeta retomara seus brios e do caos se livrara
Como se refaz reconstroi e se renova o inabitado

De todos os insetos fora ele o mais nocivo
De todos os animais fora ele o mais perverso
De todas as tormentas fora ele a mais devassa

O mundo sim voltara a ser o centro do universo
Não mais aquele protótipo de deus chamado homem
Que sequer soube de si nem a origem da própria raça


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MINHA CASA DE PALAVRAS


Minha casa de palavras é transparente
Qualquer ideia pode soltar as telhas
Um sentimento destravar as portas
Entreabrir janelas, rebuscar as letras

O meu lar é feito de reversas paredes
Decoradas de verbos sempre no infinito
Sobre alicerces que sustentam vocábulos
Despreocupados de quem os vai conceituar

Pelos cômodos espalhados pensamentos  
Mesas e cadeiras em forma de estrofes
Das torneiras escoam argumentos
Que enxaguam o desnecessário de cada poema

Meu ofício está na insistente feitura
Daquilo que o ócio e o amor chamam poesia
Deito-me sobre a gramatica prática e crua
Acoberto pelo beneplácito da tua leitura

E quando introspecto posso suar alegrias
E quando alegre remoer intensas tristezas
E apesar das claras e evidentes transparências
Secretas são as paixões habitadas nessa moradia

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

PENSO


Penso ser doce o beijo
O quanto suave é tua fala
Terno o olhar que emana
Das belas meninas dos teus olhos.
Penso ser denso o perfume
Colado à tua pele nua
Ou envolta por tecidos leves
Teus segredos avivados
Recobertos pelas rendas.

Penso que a morna agua te banha
Recontando em teus ouvidos
Segredos divagando ideias
Que te põem intimamente acesa.
Penso que te delicias
Sobre a cama intensamente
E se pudesses lembrarias
Com vontades deste tolo.

Penso ser tão macio
O instante da tua ânsia
E de pura nostalgia
Os delírios do teu cio.
Penso pois pensar permite
Tê-la assim pelos meus sonhos.

SEGUNDAS INTENÇÕES


Meu poema não tem segundas intenções
As palavras sabem da própria densidade
Que lhes é delegada
Por isso pesam suficientes dentro das emoções
Que os versos transmitem
E falam diretas ao coração

Sabe, eu às vezes ignoro algumas ideias
Por acha-las fora de algum contexto real
E cometo o maior dos erros de um poeta
Que seria renega-las por meras concepções
Pessoais dos axiomas e suas conjecturas

Preciso aprender a não ter desprezo por verso algum
Porque são eles que compõem esse universo encantador
Capaz de tocar a alma como uma oração
Que faz soar um canto de Deus num aperto de mão
Ou a sensibilidade nos olhos do ateu
Ao perceber a natureza farta que se procria
Na sucessão de letras que se coadunam
Nas estrofes de uma poesia

A maior intenção de qualquer poema meu
É tocar tua mente com a maestria de uma orquestra
Ou depositar nos teus lábios um despretensioso beijo

SOMENTE UMA VEZ


Morrer dói somente uma vez.
Viver sim seria muito mais sofrido.

Quando desapareces dos meus olhos
E te desprendes do meu abraço
Quando os teus passos se rebelam
E foges por caminhos que ignoro
Quando teus lábios não me dão consolo
E teu cheiro te ausenta de mim
Quando tua imagem não mais reflete
A luz que brilha em meu espelho
Quando a solidão me embriaga
Ao invés da tua doce companhia

Viver é muito mais sofrido.
Morrer sim doeria somente uma vez.

ULTIMO POEMA


Jamais saberei se é esta a ultima refeição
A derradeira vez em que ouço tua voz
O momento final de olhar o indefinido mar
O extremo da ponte que me dará o infinito
Terminante centelha que vi cintilar
Notas cansadas de um piano que fecha
Preservando suas alvas e as negras teclas
Para as mãos do maestro que as soube tocar

Deito-me agarrado a esse meu ultimo poema
E caso não consiga acordar para escrever o próximo
Terá sido por certo causa desse derradeiro sono

A VIDA NOS MORDE


Cedemos conformados aos costumes
Tanto nos acostumamos que vira rotina
Repetir rotas
Cantar cotidianamente
As mesmas notas nos mesmos tons

Convivemos com os buracos da rua
Com as goteiras da casa
Com os rasgos na roupa
O barulho do carro
A poeira no livro
O espelho sem brilho
A casa vazia
O coração fechado
A torneira que pinga
Os olhares surdos
Os chinelos gastos
Sapatos sem graxa
Muros altos
Portões trancados
Risos de fachada
Conversa sem rumo
Dor na coluna
Dente estragado
Falta de iniciativa e pensamento lerdo

Mordemos os dias e a vida nos morde
Se não cuidamos
Viver fica pra logo mais tarde

ATITUDE


Meu boi inacabado
Estourou o cercado
Mugiu de amigo
Mijou e se foi...

Podia ter ficado
Ou ido comigo!

NO VISGO DAS CERAS


Nenhuma razão profana
Deveria descrever as dores
Das palavras estranhas
Nos diversos momentos
Em que nascem os poemas

São de estanho estes versos
Rusticamente feitos à mão
Frutos do aço que entalha a madeira
Lâmina dentada recortando a pedra
Que se torna lápide inerte

Pois as intenções decompõem-se
Com os cegos dias estranhos
Porem os sonhos e apegos
Perpetuam-se sem ser perpétuos
Embalados no visgo das ceras

Ainda que esfarelem os amores
Ficam as boas ou más lembranças
Coladas pelas esperas

PENSAS E SENTES


Sei de cor as palavras
Que gostas de ouvir de minha boca
Da fragrância do perfume que te inebria
Da cor que te atrai
Aroma que te desperta
Dos pontos que te põe ansiosa
Quando minha mão te toca

Dos teus gostos refinado
Teus desejos mais secretos
Tua fé inabalável no deus que acreditas

Tuas doces vaidades
Tuas doses de alegria
Conheço-te tão própria e intrínseca
Com tal e qual intensidade
Além do que de mim mesmo saiba
Pelo que pensas e sentes

Amo-te cara poesia

POR TODOS OS LADOS


O cheiro da tua lembrança
Perfuma minha solidão
Seu bailar de um lado a outro na sala
Petarda meu sono
Dilata minhas veias
Farfalha e espalha
A vontade de investir todo o meu tempo em você

Parece ser incrível mágica
Viver entre a vontade
E o disfarce em saber nada
Pedir ou querer estar tão próximo
E a um só tempo enormemente distante
Como um veleiro na agua e longe do cais
Que surfa sem leme em mar revolto
Sem ventos para voltar

Há por todos os lados
Sempre um repetido e novo engano
Entre acertos e riscos de errar

TERRA MOLHADA


Não é cheiro de talco e bebe
Nem café fresco
Nem perfume 212 de Carolina Herrera
Ou algo tão doce que a tudo isso
Assemelhe

É cheiro de adolescência
De infância e ocultos prazeres
Vindo do alto dos morros ou pé das ladeiras
Entre ocas da aldeia

Puro e saboroso perfume
Da cobiçada areia vermelha
Do barro pisado
Torrões do enlameado terreno
Varrida gleba penteada
Misto de pó e poeira
Resto de vento reboco
Gotas de chuva recente

Desmedida e mensurada terra molhada
Assim é teu cheiro amada

INTENSAMENTE


O amor é o todo
Somos apenas versões
Das suas fartas maneiras

Quando adolescemos amantes
Rejuvenescemos amando
Vivenciando as sagas diversas
Das paixões às vezes prósperas
Às vezes às avessas

Por isso sou forte
Nessa intensa façanha
Em busca de amar intensamente
E vulnerável quando amo às pressas

Desconheço enfim uma fórmula expressa
Cada um empreende no ritmo do amor
A própria inexperiência desde que generosa

Se minha amada é essa minha singular cantiga
Sou eu a sua valsa

A POESIA DO MOMENTO


Sente a brisa que toca teus olhos
Contorna os teus lábios
Beija os teus pés
Alisa teus pelos
Enevoa teus céus
Entrelaça teus dedos
Arrepia teus poros
Massageia teus braços
Carinha teu pescoço
Orvalha tua pele
Perfuma tua cama
Inunda tua noite
Enlaça teu corpo
Tirando teu sono?

Essa mesma brisa
Doce leve e ousada
Também vem aqui em meu quarto
Povoar os meus sonhos
Agora de madrugada

Com ela me deito

É a poesia do momento!

A XÍCARA


Gole a gole seca a xicara
Do café degustado
Servido à língua
Sorvido pelos lábios
Entre olhares dispersos
Sorrisos e frases amenas
Nas horas pequenas
Entre um movimento e outro

Assim consumado
Restam vestígios e rastos:
No fundo desenhos na borra marrom
E pelas bordas da boca
Tênues marcas do batom

AQUELA SAUDADE


Aquela saudade
Não tinha coração
Por isso era assim
Tão gostosa de matar
Hoje ela ainda resiste diferente
Porque sabemos que não se tem
Por onde apegar
Diluiu nas águas
Do rio assoreado
Águas que se misturaram
Às do mar
E bem sabemos
Que ainda que chova forte
Não iremos mais voltar
Não iremos mais voltar
Não iremos mais
Voltar

COMO FICO EU


Diariamente por dois momentos
O dia torna-se loiro alaranjado:
De manhãzinha quando o sol arde
E à tarde quando resolve cair

O firmamento colore-se assim
Em santo louvor a quem o fez
E eu poeta ganho esse presente
Num doce abraço do horizonte

Mas durante o dia e pelo meio da noite
Onde o azul predomina ou o negrume
Invade por inteiro céu, como fico eu?

Ah, fico lembrando os momentos belos
Em que o sol brinca acobreando as nuvens
Como faz você com os seus cabelos

DESCONFIANÇA


Esse amargo embaraço que turva as vistas
Exalta aflita falta de carinho e abandono
Noda de reminiscências ocas imprevistas
Calma adormecida pelo desleixo do sono

Manchas de carvão nas vestes da alma
Que podam e apontam o contorno do corpo
Desmancham a indefesa áurea apagada
Perfurando as dobras e rugas da pele

Estampa as marcas do travesseiro de pedra
Ausência de um cinto que afivele o ânimo
E esse jeito comprimido irremediável da mente
Sem perspectivas em saber-se para que vieram

Os sinais de que macios turbilhões revoltam
Ensinam o estigma da deliberada conduta
Desapontam o entrelaçamento das amarras
Quando fingem sumir e surpreendentemente faltam

Não reconte pois agora os segredos nem os revele
Cedo demais depois para que não esvaeçam
Nem tardiamente antes por conta da desconfiança
Como se pudessem outrora por decisão detê-los

MEIAS


Pedi à lua que
Caso ela viesse
Pudesse vir transparente
Despida sem estar nua
Desnuda e ainda assim trajada
Revestida porém descalça
Delineada envolta em neblina
Com a luz de uma estrela branca

Que chegasse acalorada com sede
Aveludada em fina névoa macia
Embrulhada e ao mesmo tempo solta
Suando e umedecendo a seda
Sem ser tecido nem renda
Arrepiada mas não de frio
 
Então ela me veio linda
Meio ousada meio ousadia
Vestindo meias por segunda pele
Exibindo escritos no alto da coxa
Tatuados os riscos desse poema
Cada verso lido desta poesia

PROCURA


Passo por tantas portas durante o dia
Entro e saio vou e venho nada me segura
De um cômodo a outro buscando o futuro

Penso que nada me surpreende
Porem insatisfeito com a estrutura
Desse indescritível labirinto
Reclamo tua ausência
A essa troça que arde o peito e angustia

Necessito-te ávido
Acima de todo escrúpulo
Desprendido de alicerces
Longe dos parâmetros
Apesar do acúmulo dissimulado
Dessa tosca aventura

Andarei a eternidade
Indecifrável à tua procura

RAZÕES


Quisera medir o desconforto da tristeza
Mas desconheço a unidade mais exata
Que se aproximasse ao torpor que no peito
Se instalara

O volume das razões aprisionadas
Pelo tempo que levara equalizando
Os estragos que essa dor fizera

Leia em minha cara as letras tortas
Estampadas pela testa recoberta

Impossível mácula desnecessária
Improvável lágrima que chora

POR UMA CAMA DESTAS


Por uma cama destas
A gente se deita e abre a estrada.

Seguiremos imperfeitos
Por qualquer caminho,
Amassaremos as coisas
Em meio a ausências e rejeitos
E roupas amarrotadas.

Escolheremos como e de que ter medo
Que cores tingiremos as paredes
De quais verdades iremos brincar
Em quais brinquedos passaremos a crer;

Se no tempo certo ou agora cedo
Deixaremos o porvir dizer
Em que solo devemos pisar.

Haverá sempre um abrigo
Próximo a uma margem mínima
Entre os sinceros sentimentos.

Nenhum estrondo ou silêncio
Irá abalar nossos propósitos
Mas caso haja a hora derradeira
Será esta única dose íntima.

Conviveremos com os ventos
Que têm por habito desalinhar
E tornar perplexo o propósito
Do que se acha fortaleza.

Jamais duvidaremos do que brota
Ainda que a madrugada esgote
Qualquer vontade em seguir.

Entre mãos firmes e dadas seguiremos.

CHECK-IN


Não havia mais trem
Após tanto vai e vem
A manopla partiu
Um trilho para cada lado
E os dormentes fugiram assustados

Não foi possível avião
Reduziram a pista
Para sobrar tinta
Dentro da esticada tela
Do bastidor do artista

O ônibus desgovernou
O juízo do motorista
Após o assalto
Em pleno dia
Na avenida de asfalto

O navio não atracou
Devido à ventania
O capitão sentiu medo
De encarar
Os segredos do cais

Nem bicicleta
Nem charrete e carroça
Nada que rodasse
Foi aceito atravessar
As trilhas da roça

Então fizemos check-in e fomos a pé

DIALOGUINHO


- Bom dia.
- Bom dia.
- Como vai?
- Vivo!
- Qual a certeza de estar vivo?
- Estar lendo este dialoguinho!

OS DIAS VIVIDOS


OS DIAS VIVIDOS

Quando puder reconte os dias vividos
Refaça o tempo de frente para trás
Regresse, regrida, reverta, retorne, retome
Tente voltar
Passe novamente cantando por onde precisaste ir
Com outros olhos onde foi desnecessário estar

Reveja e inveje tua pecaminosa vida
Que construíste sobre falsos pilares de amparo
E abrace cada erro com mãos de peregrino
Com carinho e análises de pai

O que houve de acertos somaram-se sólidos
Constituem justamente a piedade com que averiguas o que se foi
Essa capacidade de enxergar o que deixaste fenecer
Tornará grande o que porventura apequena tua paz

Quando puder redesenhe caminhos andados
Sem necessariamente trilha-los de novo
Tenha consciência de que os teus passos
Jamais seguirão os rastros dos meus
Ainda que façamos parte desse mundo imaturo
E tenhamos nos encontrado
Num repente de coincidência sem perceber
Que viver é conseguir ser totalmente irreal

DEVIDAMENTE


Amar é pôr-se despido
Fingindo-se revestido
Porém sem enganar-se
Por já estar devidamente
Preparado e amadurecido
Diante da própria vida

Ama-la é despir-me para abraça-la
Da mesma forma que a sinto despida
Quando te tornas grata
Por alçar-me a ti
E eu a ti por alcança-la num abraço

Enquanto a gente ama
Sonha-se o quanto possa

MANDA TEXTO


Manda texto, não envie áudio nem vídeo
Não quero simplesmente ouvir tua voz
Nem ver os teus olhos, teus lábios e sorriso
Preciso mais que isso
Desejo ler tuas palavras nas entrelinhas
Interpretar as frases, parágrafos
O contexto do teu poema
O significado de tua prosa
O capitulo da tua novela
Entender a tua história

Escreve um bilhete elegante
Posta uma carta cheirosa
Podem ser escritos a mão ou digitados
Que reflitam teus pensamentos
Com a fidelidade da luz e a tela
Ou da cumplicidade entre a tinta e o papel
A dobra e o envelope

Depois sela com um coração e um beijo
Pode ser de batom
Ou emoji

NO ÍNTIMO DOS POEMAS


Estou inteiro contigo todo o tempo
Sem cansaço porque me tornas necessário
Ser parceiro, fiel amigo
Como é a luz para o girassol
Ou a precisão de um rio ao regaço
As estrelas para a constelação
A lâmina para a barba
Um alicate para cortar o fio
Condutor das incessantes verdades
No íntimo dos poemas de cada página
Que serve meus versos aos teus olhos
E aos lábios quando me recitas num balbucio

Embora eu saia e vá embora
Sabes que somos mais que cacos de espelho
Ou pontiagudos vidros estilhaçados
Por conta dos apegos aos despropósitos
Que nos desencontram e desencantam

Vivemos dos descuidos entre a arte e a criatura

PIEDADE


Lerdas asas
Flanam alto
Buscando longínquas correntes

Cardumes seguem
Dançando determinados
No profundo fluxo das aguas

E eu aqui solitário
Com os pés fincados nos medos
Versejando a deriva abobalhado
Achando que recolho e espalho
As mais incríveis e inusitadas emoções

Céus e mares tenham de mim piedade!

RABISCOS


Fico a perguntar
Qual a diferença da fome
Entre um lado e outro da fronteira
Da sede se é maior ou menor aqui ou acolá
Das ideias, ideais, culpa e ideologias
Da necessidade de entendimentos
Das concepções, expectativas e experiências
Da beneficência que assimila o beneplácito
Das nuances da língua, transcritas na fala
Da confidência do acerbo causal
Que por vezes exacerbados nos toma

Achamos que somente nós detemos
A bandeira mais bela
Um hino emblemático
A épica epopeia
Um enviesado ontem de glórias
A certeza mais pródiga
Um futuro tão próximo
E esse presente útil e absoluto
Que nos imprime soberanos

A mesma chuva que aqui orvalha ali molha
E quando aqui encharca talvez ali apenas serene
Mas a neblina é só uma
E jamais apequena a terra
Apesar das duras penas e da febre
Que sem dó tapa, impõe, arrolha
A consciência de quem labuta e assume a batalha

Quem dividiu os lados
Esqueceu-se de desligar os rabichos
Dos rabiscos sujos de guerra

TATEAR


Não se sabe se são os pensamentos
Que conduzem os dedos
Ou as mãos acostumadas sozinhas
Aos intensos dos carinhos caminheiras

Certo é que os tatos se desprendem
Despindo dos segredos
Por singelas ruas do corpo
Explorando seus caminhos

Olha as calejadas palmas desse peão
Tem a mesma ranhura do casco da boiada
A pele dura rude enrugada
Queimada no laço de sal
Do suor da tarde ensolarada

Essa mesma textura tem o coração
Cheio de saudade apertada
Compacta no peito
Enfurnada na alma
Feito bicho na toca dentro da agua
Rodeado de destino sem morada
 
Mas quando ama e trata o amor
Imaginando-me na penumbra enluarada
A minha mão meu bem cheia de viço
Tão nua e certa é a tua namorada

TODO MUNDO SABIA


Das delícias na fogueira
Milho assado na brasa
Churrasco ‘fogo de chão’
Torresmos na frigideira
Queijo coalho sobre a grelha
Peixe na telha e arroz de suã
Na lenha acesa do fogão
- Dessas nossas gulosas manias
Todo mundo bem sabia

Do vinho nobre junto à lareira
Nossas mãos aquecendo-se
Sobre a leve pálida chama
Crepitando na escuridão ;
Das modas cantaroladas
Soladas ao violão
Vigiados por estrelas
Beijos de lábios molhados
Bebericando enluarados licores
Nas noites de cantoria
- Das nossas doces estripulias
Todo mundo já sabia

Dos corações apaixonados
Olhos felizes namorando
A volátil fissura de enamorar
Pela noite inteira lambuzados
Todo mundo até sabia
 
O que ninguém entenderia
Seria explicar o que hoje se espalha
Que tudo aquilo que ardia
Foi tão só fogo de palha

CANÇÃO DA GENEROSIDADE


Embriagai-vos de generosidade
Pois é chegada a hora de serdes abundantemente fraternos
Mas de uma fraternidade clara, translúcida
Impropria para os inconvenientes

Lá no sertão da alma
Quando alvorece a complacência
Doar aflora todas as definições de humanidade
E nos tornamos luminosos e iluminados
Preciosos e mais livres até no olhar

Doai do que vos farta
Fartai-vos dessa singela alegria
Afinal ainda é manhã e a hora propicia


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REPLETOS


Passamos
A vida
Tão intensamente
Colados
Que nem precisamos
Estar juntos
Pra nos sentirmos
Mais pertos
Completos
Refletidos
Tocados
Repletos

NAS HORAS DA TARDE


Eu busco nas horas da tarde
Porque se finda tão rápido o dia
E deixa em mim tanta melancolia
Enquanto ardo o olhar no lusco-fusco

Momentos quando a alma transcende
A linha já nem clara nem escura
Turva indecisa e atrevida mistura
De indecifráveis cores no horizonte

Seria esperança saudade ou ânsias
Ausências ou mera inconstância
Desse peito de amor ardente

Ou nada seria além do decadente
Estado do sol que esmorece cruel
Largando esse rasgo de lembranças?


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PEQUENA HISTÓRIA PRA BOI DORMIR


Quiseram ser donos apenas da terra
Derrubaram o arvoredo em desprezo a floresta
Plantaram centeio sem cuidado algum
Esquecendo-se do joio em seu meio
Hoje se veem rodeados de inapropriados fantasmas

Não mais existe respeito nem medo
De onças jaburus sacis e serpentes
Alias estas se fragmentaram
Em doentes mentes presas por arames de farpas
Não há mais floresta e sim homogêneo
Verde sem grilos besouros e formigas
De raízes rasas e densos repelentes
A insetos animais e a tantas pragas
Certamente incluindo-se à boa gente

Acabaram secos os pequenos córregos
Que escorriam mansos o suor da terra
Pela grande sombra das colinas suaves
Essa roça agora é solo plano nivelado em ranhuras
Uma terra árida que deseja chuva
Pede ajuda a imensas máquinas caras
Que transformam declives em folha parda
E que não leva a nada senão a si mesma

Agora descobrem que esse trigo não mata a fome
E ao invés de replantarem a floresta ou reaproveitar
O que ao menos ainda presta desse gado e cada rês
Protestam, queimam o grão e se retiram
Para outra festa ainda mais nefasta
O que fora árvore tornara-se madeira sem lei
E sobre as paginas desse livro há rasuras

Pobres moços contradizendo as leis da Ordem
Por modestos desejos de tornarem-se reis

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SEGREDOS


Nossas mãos dormem entrelaçadas
Tão próximas e coladas debaixo do lençol
Que se parecem às íntimas conchas
Desenhadas de um atol
Não se soltam, completam-se caladas
Suportam as marolas do mar
Resistem suadas aos alvoroços
Solavancos e aos infinitos riscos do amar

Depois, fora dos espaços, longe da cama
Equilibradas e já rasteiras
Reservam ainda nos tiranos dedos
Cheiros, sabores e nuances corriqueiras
Segredos que nem ousam falar
Aos mais insanos desejos
Para que nem mesmo elas, as mãos
Aos próprios pés possam contar

Isto é ser parte de um todo, verdadeiras
Até mesmo onde porventura
O destemido amor possa instar

TORPOR


Faz frio lá fora.
Agora aqui dentro queima
Uma dor que desatina
O juízo de quem teima
Acreditar que o torpor
Seja só uma rotina.

CADA ERRO ENSINA


Não me tome tão repleto se tua fome não é tanta
Pois o alimento escassa e não é justo que soçobre
O espanto do pecado pelo desperdício da comida

Retira-me do teu armário antes que embolore
Doa-me a quem precisa e pouco tem a recobrir-se
Aquecer do frio, dignificar-se com um mínimo conforto

Da tua agua cede-me um gole que meus lábios molhem
Ou insignificante jarro para que banhe meu dorso
Limpe e lave o sujo que em mim impregna e cola

Vê se ouve minha fala, escuta o clamor que aflige
Minha alma sem guia recostada nas sarjetas
Que margeiam as avenidas dessa vida peregrina

Crê nas verdades que te conto ainda que assuste
E não me cobre do impossível se não te parece real
Pois nem sempre se acerta mas cada erro ensina

ESPUMAS


Este poema que ao acaso chega
Diante dos olhos teus
Nada é senão mera espuma ilusória 
Embarcada em falsa onda em movimento

Espuma desnecessária que circunda
Os cascos das embarcações aos gritos
Espuma fictícia que explode da raia
Quando a agua lambe os pés ou a pedra
Espuma sem noção que se envereda
Por um segundo filtrada pela praia

E ainda assim de tão desprotegido
Vive insignificante sem se desmanchar
Existe incompleto perdura e persiste  
Porque o sentido da palavra é a densidade do infinito
E a ilusão do poeta desse tamanho do mar

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

PEIA


Um dia coubeste inteira
Dentro do meu alforje
Eu bem pude move-la
Amassar, derreter, esfarelar e sobrepor
Como desejasse fugir, soerguer
Completamente verdadeira

Então criaste descontrolada
Quando eu não mais percebi
Não conseguia dobra-la
Não mais amassara
Jamais derretera
Muito menos se esfarelara
Apenas crescera independente
Enquanto demovido suspeitei
Desconhecer sua lógica velada

Saudade é mesmo assim
Transborda, explode
Arrebenta o embornal
Agiganta e dói feito peia

SUAVEMENTE


A maestria com que os teus dedos
Passeiam pelas teclas
Soa nos sons da alma
Uma grata sinfonia aberta
Interpretando a partitura da calma

As claves e as notas bailam nas pautas
Meu coração pulsa incerto
As tuas mãos me tocam e apertam
Com a precisão e suavidade de quem se deita
Em delírio sobre o peito de uma orquestra

Se saio sensível retorno preciso
E quando impreciso desnudo-te porque necessito

Ainda deve haver algum batom em teus lábios
Como há nos meus a vontade de um beijo
Mesmo lavados pelas impossibilidades

Escrevo este poema em teu corpo
Risco e rabisco com os dedos as linhas
Suavemente enquanto recito em teu ouvido
Porque sou sensato e não insensível
E a resposta reside nos teus sonhos



***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

ABISMO


Jamais temi abismos
É das profundezas que brotam também as grandes inspirações
Dos escarpados nascem inesperadas e saudáveis decisões
Do íngreme surge a versatilidade da renovação
Do inexplorado o lado maleável da versão

No fundo partilhamos as melhores experiências
E recolhemos gratificantes os resultados do que buscamos

Enquanto lamentam ausência de luz
Sigo de olhos fechados instintivo como um furacão
Seguro em suas mãos

MESTRE


Então agora sou mestre!
No entanto impressão que trago
É a de que nada tenho e quão pouco dei
De mim, pois poderia ter feito mais
Dessas jornadas intensas por onde fui
Cruzando de sul a norte pelo ocidente
As primorosas estradas por onde andei
Seguindo ordens, observando a vida
Que se transformara sob os meus pés

E das certezas de que cheguei
Ao olhar por onde estive e caminhei
Guiado, seguido, amparado
Generosamente sem reservas
Por todos que de mim se acercaram
Tornam-me também ciente de que fiz
Desmesuradamente por merecer

E se após desbravar tanto viés
Desfruto estar onde conquistei
Ah, mestre então permanecerei
Aprendendo sempre
Do que ainda tão pouco sei

NO LÁBIO DA BOCA QUE LHE BEIJA


Apesar de ter saboreado muita coisa elementar
Propalo unicamente o mínimo que me sustente
Por isso tão ínfima a descrição de mim

Sou aquela que nada apreende e pouco ensina
Que ensimesma banalidades e fúteis posições
Que torce e se prende por onde o vento determina
Que usa do pensamento a consorte mais leve

Sou a mesma medida que o tempo me deve
Porem muito aquém das boas chances que tive
Sou por fim essa complexa completa ociosidade
Ocupando os espaços que a vida me mede

Porquanto a aparência que você me inveja
Veja-me como infundada abrupta e banal
Sou a úmida língua no lábio da boca que lhe beija


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SEGREDOS QUE NÃO CONTO


São secretos meus segredos
Nenhum deles te confesso
Peço somente que se advinha-los
Não me revele que sabes
Pois não saberia esconde-los
Muito menos guardar
De mim mesmo que os conheces

Mas se quiseres publica-los
Antes mesmo que mova os lábios
Ou os teus gestos conta-los
Basta recostar o rosto à janela
Todos lerão nos teus olhos

Deixarão de serem segredos
Mas eternamente serão nossos

DETALHES


Existem coisas que a ninguém jamais contei
Mínimas porções que parecem insignificantes
Que o tempo se encarregaria de guardar e resguardar
Em cantos mínimos da memoria

Mas a você digo com intensa naturalidade
Que até parece estar recompondo detalhes
E revivendo determinados momentos

Assim trocamos impressões cotidianas
E vamos confessando e nos aprendendo
E nos apaixonando por nossa própria historia

TOLICE


Carregamos o tempo e ele nos leva
Apequena nos braços essa carga
Às vezes intensa, imensa
Por vezes amena e mansa.
Assim tudo vem e passa
Esvai sem destino, porem não importa.

Se foi, torça pela volta caso mereça
Ou desapareça vez que não preste nem acresça.
A gente se envolve na tolice
De achar que nada fenece e acaba
Que tudo resiste e nem arrebenta
Por isso quando aquebranta, assusta.

Robusta é somente a esperança!
Esta sim fortalece e renasce as certezas.

Suporta as invejas, suplanta o desânimo
Acalanta e apazigua mesmo quando há desgraça.

A esperança é o tapete da alma
A porteira da vida, a doce agua da fonte
A chave que abre e desentrava horizonte
Muito além de qualquer promessa.

Deixe que o ímpio pense
Que os copos invejam as taças
Que as taças deviam ser cálices
Que os meios poderiam ser vértices
E que o todo se dá num repente.

Quão insano é esse povo que assim apensa!

ABSOLUTAMENTE


Nem tudo se revela
Quando já evidente
Seja absolutamente
Humano ou místico

Do oceano vê-se somente a superfície
Do infinito
Aquilo que o olho enxerga à frente

Cru ou verdadeiramente artístico
Somos o engano da aparência
Quando achamos que o belo
Docemente deixa de ser feio
E a feiura traduz-se
Por desconforto impertinente

Conceituamos por beleza
O que nos apreende
E repreendemos na grandeza
O que recusa o absurdamente

Se mal acreditamos no real
Que dirá deus de nossa mente!

CONFIO


Somos assim tão semelhantes
Tão puro teu modo de agir
Teus gestos mansos, transparentes
Límpida se torna minha alma em ti

Vagando em vão pelo deserto
Perdido em meio à multidão
Te sinto em mim, de mim tão perto
Me encontrarás na imensidão

Se o fracasso me abater
Sobre meu ombro vir morar
Eu tenho fé no teu perdão
Não vacilarei jamais!
Resgata-me em tuas mãos
Descansarei porque confio
Eu tenho fé no teu perdão
Não vacilarei jamais!

Terei a fé dos pescadores
Que destemidos buscam os mares
Enfrentam ondas, tempestades
E tornam seus barcos ao cais

Jamais fugirei dos desafios
Vivenciarei teus dons eternos
És o caminho, és a verdade
Tua palavra é meu farol

PLENO


Ontem a poesia
Esqueceu a minha porta
Vagou torta pela rua
Esnobou
A minha companhia

Visitou outras moradas
Alimentou certas paixões
Desencontradas

Fez do triste a alegria
Do alegre a nostalgia

Encantou enamorados
No sereno olhando a lua

Misturou os sentimentos
Revelou certos segredos
Bebeu vinho
Deu rizadas

Fez insônias pela madrugada
Enquanto eu pleno de versos
Serenamente dormia

SECRETOS


São estranhas as vontades
Esquisitas as manias
Carregadas e apreendidas
No dia a dia da vida

A alguns confessamos
Outros segredos guardamos
Trancados sob as chaves do engano

Por vezes ousamos
Revelar os propósitos

A ti segredo e confio
Porque amo

CHUVINHA


O dia que criei pra ti
Tem flores e altar
Adocicado manjar
Violão e seresta

Tem as fases todas da lua
Em uma só nave
Estrelas que saem do sol
E viram pingos de mel
Vento transatlântico e terral
Aurora boreal e arrebol

A qualquer hora
Tem chuvinha fria
Fingindo ser amena garoa
Alguns raiozinhos teimosos
Provocando estalinhos de festa
Folhas molhadas
Cheirinho de terra
E preguiça à beça
Como o diabo queria

Já a noite que me dei pra mim
Tem somente você e poesia

HÁBITOS DIGITAIS


Quando chegar aquela carta que você diz ter escrito
Talvez eu não saiba mais ler um manuscrito
Acostumado que estou aos novos hábitos digitais

É possível que não decifre sua caligrafia
Ainda que cuidadosamente grafada com tinta azul
Cujas letras arredondadas já nem me dizem nada

Incrível como há também a possibilidade antes remota
De não lembrar em sentir o cheiro do sedutor perfume
Que por certo você irá aspergir por entre as pautas

E não enxergar as margaridas e corações pintados de rosa
Desenhados ao longo das margens do alvo papel
Cuidadosamente dispostos além das estrelinhas de seis pontas

Junto à carta virá também tua foto com uma flor no cabelo
Cuja dedicatória no verso dirá que eternamente me ama
E talvez eu não saiba mais entender dessas tramas ultrapassadas

E ao lado da enamorada assinatura nem me recorde em resguardar
Antes que meus olhos despertem dessa desventura louca
Um beijo do vermelho batom sagrado fruto da tua boca

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

LENTAMENTE ME AMAS


Das certezas mais plenas e puras
Escolhemos a que nos torna onipresentes
Onde eu sou amor amando-me estás
Porque onde estás amando
Achas-me amante sem procuras

Ouço-te nos prováveis silêncios
Me encontras nas plausíveis loucuras
Estamos no cerne de todas as células
Nas gramáticas absurdas
Em todas as grafias
De todos os idiomas

Se perdida e cegamente a venero
Doce e lentamente me amas

MATILHA


Quanta fome tem o mundo
Tanta gente não come
Sem gosto na boca
Nem com os olhos
Porque a barriga e as mãos andam cruas
As bacias emborcadas vazias
Sem tempero algum nas vasilhas
Escassas de sonho e alimentos

Muita sede tem os lábios ressequidos
E a ausência da agua seca todas as veias
Das almas mais nobres que sejam
Mergulhadas na pobreza

Não carrego a tristeza das cidades
Mas sinto o que se sofre
Pela imaturidade cruel de quem rouba
E tira o que pode do pouco que nada tem
E ainda ri guloso e satisfeito da nossa cara

Insana matilha essa que nunca se abala

PRESSAGIO


Hoje meus sentidos adormecem quietos
Os olhos teimam em permanecer fechados
Há um vazio imenso entre minhas mãos
Não ouço nem o silencio quisera teu som
A língua não prova nem doce nem fel
Não percebo nenhum cheiro pelo ar
Inerte, mal consigo manter o equilíbrio
Do lerdo exercício de respirar

Devo estar em fase de pressagio
Esse mau passadio é mais que preguiça do meio dia
Tem tantos nomes, tantas afinidades e distúrbios
Vai muito além da saudade, está após os limites
Corriqueiros e conhecidos da rotina diária
 
Desconforto. Essa a definição mais acertada
Que posso eu admitir estar sentindo já perto do coma
Vésperas da depressão

Preciso urgente de uma oração e duas cervejas geladas

UM BRINDE


Mais uma ou duas doses
Para curar a magoa
Estou seco em ausência de agua
Com sede e ainda que o desejo pese
Rezo para que algo me console
Apesar da significância
A carência de sua presença
Me consome sem guia
Põe disforme na estrada
Em que agora estou totalmente só

Ando em desequilíbrio
Ajo desnecessário
De nada me alimento
Exceto de seu ausentar
E desse nó reviravolto
Que nos amola

Sei que você também a essa hora
Derrama-se da mesma vontade
Recosta seu barco em mim

Um brinde à solidão que nos devora

CRISTAIS


Por vezes tornamos envidraçada a janela das escolhas
Tornando ainda mais perigosos os viáveis caminhos.

Entre certezas de proteção e tropeços
Cabe a cada um decidir enfurnar-se em redoma
Ou enfrentar a vida ainda que decorra o risco
De assistir ativo ou não ver
Como o mundo nos perfaz ou decompõe.

Das tantas coisas que evitamos fazer
Temendo o desconforto e o caos
Aprisionamos as vontades nas cristaleiras
Como fossem raras taças para protege-las
Das displicentes alças estabanadas
De nossas inseguras e trêmulas mãos.

Outros entendem serem translúcidos os vidros
Da alma em forma de sentimentos
Ainda quando porventura alquebrados.
- Este o mote dos fortes.

Brindemos pois com nobres vinhos
Nos mais refinados cristais
Os carinhos e as dádivas que tornam possíveis
Nossos sonhos e vontades reais

MENININHAS


Elas brincam de ciranda em volta da vila
Dão-se as mãos
Pulam amarelinha
Cantam modinhas
Balançam na gangorra
Passam anel
Se escondem escondem do mundo

Jogam peteca e bola de meia
Contam estrelinhas
Lambem a lua
Tomam sorvete com caramelo
Lambuzam-se de chocolate
Lacrimejam
Ardem de lampejos
Beijam-se carinhosamente quando se veem
Entrelaçam os olhares
Solfejam cada uma das notinhas
Recitam as letras do alfabeto

Assim fazem nossas menininhas
Dos olhos quando se cruzam
Loucas de desejos

REPOUSO


Encerra agora outro dia
Não há mais gente na rua
Todo bicho e relva estão dormindo
O sol se perdeu na poeira opaca
Boêmios tomaram a ultima bebida
As lâmpadas encontram-se escuras
Não tem mais vento dizendo nada
Mesmo os fantasmas mais soturnos
Não encontram ninguém para assustar
Os sinos descansam seus martelos
Não há em toda esfera movimento
Visível que valha um brilho de estrela
Viajantes guardaram as bagagens
Aviões estão no chão estacionados
Taxis não tem a quem levar
Trens permanecem imóveis nos trilhos
E os aplicativos fecharam as redes sociais

Também eu permaneço parado
Aqui na solitária beira do porto
Tentando desligar da cama
O movimento teimoso
Da excitada vontade de amar

SOLIDÃO


Há tantos seres sozinhos
Sobre a terra pelo mar
Tanta partícula no ar
Despedaçadas sem rumos
Tantos resumos de vida
Resmungos absurdos
Ais sem poderem ecoar
Sofrimentos absortos
Pelejas estranhas
Nas entranhas de cada um

Nem sei quem será primeiro
Se o que já veio ou o próximo
Do lado oposto ou a postos
Ao menos do máximo
No aperto incomum
Entre o posto e o caminho
Da lagrima que desce solta
Pela pele da maçã do rosto
Até perder-se no orvalho
Do úmido assoalho da manhã

O atrito que tão alto ouço
Já nem tem nexo é destroço
De arremedo do medo
Que causa espanto ao novo
Como fosse pecado ser moço
Proibindo erguer a cabeça
Debruçada do pescoço
Próxima da orelha onde a fala
Ignora e cala esse grito
Implorando companhia

Não tenho a quem dar o braço
Ninguém toma minha mão
As horas se distanciam
Todas as estações fecharam
Apenas os olhos da terra
Que deixam minhas pernas sem chão
Comovem-se com o drama
Das ultimas horas de cama
Em que meu dorso repousa
Até que nasça outro dia de solidão



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SOU EU


Todo dia ando
Perdidamente em busca de mim
Porque sei que buscando-me
Nesta incessante aventura
Arrisco encontra-la
Em minha procura

Será bonito vê-la íntima
Generosa infinita
Gerando uma estrela

Bonita tua silhueta
Bela o que à vida estás trazendo
 
O mundo te aguarda
Mas silenciosamente sou eu
Quem te busca aguarda e espera

A BOCA E AS MÃOS


De repente minha boca anseia
Conversar com tua pele

Surfar pelo labirinto de poros
Entreabertos pelo desejo inerente
Desse preconizado diálogo

E tudo é tão raro belo e recíproco
Que todo o universo se cala
Enquanto nossos sonhos se buscam
E os úmidos lábios passeiam e se falam
Partícipes desse colosso mistério

Tão puro que é bom esse advinho
Sem limites de gemidos e sons
Insignes sedentos e prontos

Feitos do morango maduro entre os dentes
E uma taça cúmplice nas mãos lambidas
Lambuzadas do amor pelo vinho

ABELHINHA PEQUETELLA


Você me olha cochilar?

Claro olho
Por todos os lados do colo
Observo teu sono

Se eu dormir você olhará também meus sonhos?

Ah
Os dormidos serão sempre vossos
E talvez não os enxergue
Exceto se conta-los

Então vê
Porque agora vou sonhar
Depois te falo
Para que sejam nossos

Aninho em teu colo
No cantinho dos teus braços
Adormeço
Cada sono é um carinho
De ninar
De recomeço

Fico pensando se mereço
 
Merecemos!

Dormimos assim
Sempre vigiados viajamos
Subindo e descendo
Os degraus de uma escada
Por entre os caminhos
Do nada

Do nada?
Então teu colo feito um leito
De rio límpido e manso
Onde descanso colado ao teu peito
Nada seria?

A um momento
O abraço fecundo transborda o futuro
Depois acordamos
E os braços se abrem
Arrebentam os muros
Nos dão passagem para o mundo

Precisaria mais dois mil anos
Para entender essa luz
E bilhões de relâmpagos
Todos acesos no breu
Para brilhar agora mais que os olhos teus

Fecha-os
Nana
Que a existência é lâmina
Intensa chama
Reluz
Ilumina

Me diz sem poesia
Felicidade é isso?
Quase choro
Vê a lágrima de alegria...

Sim é isso

Mas virão também incertos dias
Que passarão ardendo

Eu ainda não conheço as cidades tristes
Dizem que elas existem
Alguém me falou delas
Onde os adultos se divertem zombando os pequeninos

São cidades sem estrelas
Sem portas e janelas
Onde as ruas desconhecem as esquinas

Mas eu não tenho medo das cidades tristes
Porque penso que todo mundo lá dentro
É bem maior que elas

O milagre da vida não é somente
O cerne de uma célula
E sim um grão de todo amor que houver
No entorno dela

Então entendemos as idas e vindas
Tristezas e alegrias
Encontros e perdas
Fome e fartura
As fraquezas
A coragem
Menos dos insanos e da covardia

Precisaria de mais corações então
Para guardar tantas imagens
Armazenar as emoções
Preservar a vida
Os exemplos maus e bons

Pois a vida é quem nos grava
E nos leva a passeio nessa esfera

Quando acordar e sair do teu colo
Me levarás pela mão pelos céus
Pelos mares
Nos caminhos?

Se a minha mão não te levar
Os teus sonhos te levarão
E neles poderás assegurar as certezas
Postas em teu coração
E aprenderás a caminhar sozinha

Você tem asinhas
Voa para onde quer no planeta
Deve conhecer toda a terra
Os jardins mais belos
Todas as flores
E o encantamento das cores

Ih
Eu não sou sozinha
Tenho colméia
Além disso trabalho
Eu não sou rainha
E ainda que fosse
Trabalharia
A vida não são só passeios

Continue sonhando
Depois vá brincar

Estarei aqui enquanto dormes
Com meus ferrões a postos
A te vigiar
Quando acordar volto pra rua
Atrás de flores
Polinizar

Você tem asinhas
Me voaria até a lua?
Queria ver de perto as estrelas
Devem ser ainda mais belas

AMOR E AMIZADE


Todos os amores me foram dados:
O de mãe sem qualquer mensura;
Esse permanente que nos escolhemos amantes;
Filial, imerso na evidente cumplicidade;
Entre irmãos, pela conjuntura rara;
Do meu pai, insigne e justo de eternidade
Sempre intensos, límpidos, vorazes
Transparentes de mil formas

Possível seja, claro, que não tenha eu tanto amado a todos
O quanto amaram-me sem cobrarem reciprocidade em nada;
Pouco desarmara o espirito quando necessitara
Enxergar no derredor a generosidade que se exige
De qualquer amante para que o amor se faça
 
De todos os amores que me foram dados
O que nos sustentara, vivifica e não passa
Dignifica-se a alicerçar-nos na fraterna amizade
Que a seu tempo jamais finda, se replica
E recomeça, por ser ela o elemento principal da alma


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DIA A DIA


Delicie-se com aquilo que mansamente
Acaricia teu ego
Seja um pensamento
A lembrança de um vivo momento  
A presença de um sentimento
De uma saudade macia
Dessas que te põe perdida
De vontade de perder-se novamente

E quando estiver assim envolta em pura poesia
Dê-se ao consentimento da eterna delícia
Agarrada a si mesma
No íntimo contentamento
Digno das soberanas deusas
Ou da mulher que labuta e enfrenta a lida
Como qualquer pessoa dia a dia

Assim conseguirá saborear primorosas horas
Deliciadas ainda que na reclusa solidão
E se divididas com alguém que te apraz
Poderão talvez ser igualmente intensas e vividas
Abençoadas por também estarem sendo repartidas

Experimente embriagar-se de toda maneira

INSTANTE


Quando penso em ti escrevo poemas
E os leio em êxtase ao imaginar-te
Assim enevoado pela arte
Sinto que me tomas docemente

Ainda que distante declamo-te
Descrevo-te inteira em cada verso
O verbo que da alma se reveste
Em teu atrevido purpuro instante

Atrevo-me assim a traduzir-te
Através do universo da estrofe
O que te alegra ou comove

Atenho-me ao que me contenta
Dedicar-te cada palavra que me surge
Para que nossa poesia nos renove

O SUMIR DO SOL


Feliz daquele que observa ainda o sumir do sol
Na linha flamejante do horizonte
E que da mesma forma o torna aceso
Reluzente no aguardo das manhãs seguintes

Daquele que no interstício solar admira estrelas
De quem em qualquer jardim
Prevê de um botão aparecer uma nova flor

Feliz sou eu por ter no amor resguardadas
Expectativas irreversíveis de revê-las


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PELA VIDA


Lá pelas tantas da vida
Quando se arruma um amor
O amor desarruma tudo
E desestabiliza a logica
Que se derrama de paixão incontida

Lá pelas tantas o amor
Desestabiliza a logica
Desarruma o todo
De quem arruma paixão
A certa altura da vida

Mas que seria da vida
Se não fosse a logica do amor
Em qualquer estagio de paixão
Ainda que desestabilize
Incontido o que se derramou?
 
Que importa derramado
Desestabilizado e ilógico
Se a paixão refaz e renova
E o amor renasce e revive
Em qualquer fase da vida?

A resposta quem dá é a coragem
De amar e apaixonar-se incondicional
Sem importar-se se revive ou renova
Desarruma ou desestabiliza
Quem encontra paixão e amor pela vida

UM LEVE DESPERTAR


Mesmo antes de abrir os olhos ainda na cama, ouvi seu assobio. Inconfundível. Tentava ele, a todo custo, imitar os pássaros que ziguezagueavam serelepes pelos pés de laranja pertinho da janela do quarto, piando todas as felicidades possíveis dos primeiros raios do sol.
         E ficava naquela sucessão de silvos breves e longos, longos e intercalados, achando que estava sendo ouvido e mais que isso, compreendido e correspondido, interagindo como fazemos nós hoje nas mídias sociais, certamente imaginando-se em uma fazenda do interior paulista ou no topo de uma serra azulada repleta da fria neblina do lago nos meados de um mês de Abril.
         A princípio eu achava engraçado, depois, com o passar dos dias, essa singela graça tornara-se um pensamento interessante. Quase um século de vida para acabar assim, imitando passarinhos!
         Mas era o que se podia fazer. Nunca aprendeu a voar obviamente – coisa de nós, humanos, e com os passos agora atravancados e lerdos e os movimentos todos já bastante parcos, sobrava-lhe encher os pulmões dos frescos ares da matina e chilrear intensamente junto às aves.
         Todo aquele piado de sabiás e pardais somava-se à felicidade dele. Sim, o significado daquela barulheira nada mais seria senão o insigne sinal e a mais sublime forma de dizer: acordei feliz! Que mais importa ao mundo senão isso? Despertar assim é para poucos, afinal há quem nem se levante da cama, quem a muito custo mal abre os olhos, quem desperte sob  severos xingamentos, e quem apenas desperta insalubre como um pedaço de cana plantada na beirada do mar.
          Porem, hoje entendo que meu pai e os passarinhos tem muito em comum: são de livre pensar e donos do próprio mundo, inteligível para um poeta de boca torda que nunca nem mesmo soube assoviar.

CERTEZAS


Antes ainda dos primeiros raios
Enquanto nos monastérios rezam breviários
O solitário poeta compõe piedosas poesias

Enquanto a vida acorda e se movimenta
Freneticamente para o lazer ou trabalho
O atabalhoado poeta traça desejosas poesias

Assim que o tempo passa e a fome sacia
O que as panelas fritam e assanham na fumaça
O abnegado poeta entorna insatisfeitas poesias

E à hora da sesta nas primeiras vibes da tarde
Enquanto alguns dormem e outros ao sol ardem
O ardiloso poeta escreve irrequietas poesias

Já no lusco-fusco do meio termo das horas
Quando as Marias avem declamando ladainhas
O descuidado poeta arquiteta saborosas poesias

Pelo final da noite no profundo da madrugada
Onde a cidade e rincões saciam as fantasias
O inebriado poeta desperta insones poesias

E desde a manhã cedo até o ocaso do dia
Pelo meio das certezas que a vida se apropria
Eu poeta fecundando orgasmos nasço tolas poesias

INTENSO


Nosso coração é pulsante sobrado
Dividido em dois pavimentos
Interligados por degraus assimétricos
De uma escada pensa
Onde nossos espíritos habitam
Cercados de intensidades

Pelo térreo se espalham, cozinham
Trabalham, produzem, descansam
Junto aos alicerces e raízes
Do quintal florido murado

E lá por cima
Do assoalho e sobre a cama
Amam, sonham, meditam, repousam
Reservando às janelas da alma
Os valores que nossas vidas compensam

Por isso vivemos apaixonados

PASSARINHAR


Não invejo os pássaros
Pelas asas
Pelo canto
Ou pelo pio
Muito menos pela leveza da pluma
Ou pelo ziguezagueio matreiro no ar

Não os invejo por serem passarinhos
Pelo desenho de seus ninhos
Ou por outra razão alguma
Senão o relance do olhar

- Isto sim me põe zonzo de arrepio
Enxergando a diferença
Entre seus necessários voos
E meu reles caminhar

POUSO


Meu poema quando pronto
Voa silencioso
Enquanto eu cansado da lida
Da escrita repouso
Despreocupado de seu pouso

Aninha-se entre mãos pequeninas
Mergulha em mares revoltos
Se estende ante olhos cansados
Faz-se decorado pelo idoso
Recitado nos recitais
Cantado pelos corais
Sonhado pelas meninas

Ousado faz excitar
Rezado reverencia
Odiado encabula e magoa
Guardado literatura

Meu poema quando pousa
Diz verdades faz balburdia
Acalenta ilusões
Depois dorme feito menino
Dentro do teu coração

CEGUEIRA


Se te pareço disforme
Olha-me com mais cautela
E se duvidares do que te aconselho
Pergunte de mim ao meu espelho
Te dirá verdades
Que talvez não estejas preparado a entende-lo

Se te apresento insossa
Foge dos teus preconceitos
E por certo e direito de imagem
Teus conceitos suprimem
O que entendes por beleza

E se teu crítico olho não enxerga
As razões que a ti me põe feia
Abandona a nave que transponde
Os espaços chochos da tua cegueira
Depois ria do que vires
Das graças que te roeram sem saber onde

DESAPRUMO


Saio da casa da sala
Do quarto do banho

Desaprumo
Caio de cima do muro
Saio por ultimo sem eira

Separo-me do teu corpo
Minha meta do teu rumo
Primeiro

Embora nem queira  sair
Parto irrequieto
Ofegante

Te levo assinada
Na alma sobre a linha
Em duas vias
Uma tua
E outra minha

ESCRITURAS


Há de vir a qualquer tempo e de qualquer lugar
Grafado em letras garrafais ou mesmo entrelinhas
Algum pingo num i da consciência sincera e justa  
Que releia todos os seres inclusive o homem

Conforte no enlace da solidariedade cada criatura
Aplaque se necessário o amargor da caminhada
Ensine justamente o contrário do que se apregoa
Sobre a contenda e a labuta didática da árdua disputa

Possa intercalar no suor do rosto o sorriso farto
As expressões da agonia à menor dor possível
Para que se cumpram as profecias pela forma amena

Pois tudo é passagem e se esvai na mesma onda
Dilui-se constantemente sem qualquer retrocesso
Ao que venha interpretar ao ler toda palavra escrita



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PERMITA


Quando significar
Permita acontecer.
Ainda que esteja escuro
Não dê pra decifrar
Seja impossível ler
Permita significar
Quando acontecer.
 
Talvez coisa à toa.
Um repique qualquer.
Batuque de pé na mesa.
Talvez seja possível até
Estralar no céu da boca
Um pedacinho de lua
Com gosto de beleza.

Coisas insignificantes
Que fazem roer unhas
Desmantelam atitudes
Distraem os sentidos
Sem motivo qualquer.
Torna-se raro e sagrado
Como textos lidos.

Deixe levar pelas águas
As sobras não faltam.
Mesmo amores passam.
No tempo nada é único
Ruem como as estações.
Há quem sempre aproveite
Das ausências e excessos.

UM TECIDO QUALQUER


Apesar de ter sido um tecido qualquer
Um pedaço de pano que serviu no passado
Para enxugar teu corpo, limpar os teus pés
Forrar tua cama, proteger tua mesa
Recobrir teu sexo, colorir teu sofá
Secar tuas xícaras, guardar tua boca
Lustrar tuas botas, recolher tua lágrima
Teimosa que insistia verter na cheirosa
Fronha macia e alva do travesseiro

Acredito ter sido a tua camisa de linho,
Vestido de seda, chita xadrez
Meia de algodão, lenço de cambraia
Cobertor, colcha e lençol
Fina renda de lingerie, calça de tricoline
Panos elementares tão próximos de ti
Que causavam ciúmes e pensamentos infames
Às ideias quando secavas os teus cabelos
Com as felpudas toalhas de lã

Hoje quieto esfarelo as barras
Amarrotado, dobrado ao meio
Sem propósitos, mas ainda inteiro
Quem sabe um dia necessites de mim

A SENSAÇÃO DE TOCAR ESTRELAS


Estou tão desacostumado de olhar horizontes
Que é como se estivesse desaprendendo de navegar

Nenhuma direção de vento me demove
Nenhum balanço de embarcação me faz assustar
Não sinto mais o salgado sabor dos respingos
Estou sem rumo, vou para onde o barco apontar
As correntes guiarem o casco
A vela distorcer e inflar
Levar para qualquer ilha
Parar em qualquer ilhéu
Rodopiar entre as ondas
Afastar-me do cais tanto faz

Amor, dá-me outra vez a sensação de tocar estrelas
Como um lego mudá-las de lugar


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ARDENTE


Após o chope
Olhos no chão
Os pés flutuam na solidão escura
Vontade de um banho quente

O corpo envolto pela toalha macia
Feito abraço no entorno da cintura
Há sede além do lábio e da mente
Da fervura do analgésico
Anestésico que não sossega nem cura

A noite carente perfuma fria
Toda espuma da cerveja
Se dissolvera
Pela garganta que chama o poeta ausente

Sozinha a chama contínua
Continua ardente

DOCEMENTE


Algumas sílabas teimosas
Não se deixam tornar poesia
Insistem em não rimar
Destoam do bojo da ideia
Fogem arredias da palavra onomatopoese
Não aceitam não estar entre pontos espaços e virgulas

Há mesmo quem se feche para a fantasia
Deteste o incrível figurativo

Eu vivo poetando imaginativo
Dentro das tuas pupilas
Cultivando pétalas ao sol da meia noite
No claro vão do olhar da tua janela
Esperando que teus lábios desejosos
Me beijem docemente os olhos todos os dias

MANGA MADURA


A secreta procura está no tato
No passear leve dos dedos
Sobre a forma e a textura da fruta
E no sentir arrepiar-se pelo cheiro

Na ronda da língua entre os dentes
E na espera da pele pelo lábio
No entreabrir da boca provando a casca
Âmago lambendo desejo e êxtase
Hiato de ruído e silêncio - polpa e amêndoa

A candura verte evidente
Mel e bálsamo escorrendo a esmo
Minando a fonte
Banhando a face da semente
Umedecendo o dorso
Contraponto catarse
Em contato ao frescor olhar
Como suave brisa que alivia

Mormente quem sente esse íntimo desejo
Da cobiça a uma bela manga madura
Degusta a avidez da fome como se beijasse
Padecendo dessa doce sedução mística loucura
Que somente sara e sacia
Ante ao gesto ávido de mordê-la

==
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MEUS GRANDES AMIGOS


Meus grandes amigos
No entorno do esquife certamente mentirão
Aos anjos:

- Deveria ele ter estado mais à mesa
Ter tido mais apego à avareza
Ainda mais parceiro da luxuria
Vivido com um pouco mais de raiva
Ter sido além com a inveja
Desfrutado melhor do ócio e da preguiça
E mais parceiro da soberba

Então dissimulado e sem pecado
Permanecerei passivo absorto
Sem esboçar sequer um sorriso
Fazendo-lhes cara de morto

PENSANDO


Não seria o álcool com limão
Cajá, uvas, pêssego, kiwi, melão
Leite condensado ou açúcar
Ligeira e repetidamente batidos
Dentro desse cristalino quinto copo
A essa hora de sábado
Recostado num sofá
Pensando
Pensando
E pensando-te
Que me põe vermelho

Senão essa cubica e lisa
Pedra de gelo

PROFUNDO OCEANO


Mergulho destemido pelos mares em teu oceano
Nado em tuas águas, saboreio teu sal e algas
Convivo com as ambíguas criaturas descabidas

Navego ao sabor das ondas e dos ventos surdos
Afloro das tuas estranhas profundezas cardas
Um tempo submerso, outro submergido ao avesso

Me tranco em ti totalmente próximo e íntimo
Sou a tua ilha, baía, teu quinhão de pedra e argila
Tua praia recomposta de areia e terra amalgama

Teu lodo e lama, tua cama de calcário e brita
Fértil mangue que margeia as bordas das Américas
E todos os demais Continentes destas vastas costas

De tanta agua lubrifico, giro e modifico o mundo
De tão vasto comando e comungo tuas entranhas
Porem mínimo sou só um pensamento que te agita

QUANDO OUÇO O VENTO


Quando ouço o vento
Zunir em uivo desmedido
Intempestiva palavra sibilante
Cantas ao meu ouvido
Sopras sentido e alento à vida
Compreendo que me tomas

Sentir o ar na pele
Arfar o mesmo ar no peito
Respirar é pontual sentimento
Da intensa grata ação
Da certeza de estar vivo

Enquanto respira e venta
Segue esse veleiro
De casco navegado e bruto
De asas quase recolhidas
Mas ainda içadas e acesas
Pelo infinito viril oceano

Até que eu timoneiro
Entenda que não mais navegue
Rume-o ao estaleiro
Antes que se desmantele

AVENTURA


O que será mais intrigante
Mais densa e intensa e bonita
A vida a morte ou o mar?

Diante do universo da vida
Nos achamos imensos
Mas de tão bela e infinita por vezes tememos

Perante os mistérios da morte
Nos vemos instigantes
Mas de tão indefesos e improváveis quedamos

Da beira do mar tão gigante
Que tanto renasce quanto arrebata
Apenas enxergamos a superfície da espécie

Assim continuamos partícipes da aventura
Sorrindo o riso de quem navega
Chorando a morte de quem parte
Aplaudindo o choro de quem nasce

CANTA


A poesia perde o encanto
Quando não há fantasia
Vira roupa suja num canto
Brinquedo arrebentado de parque
Plataforma de embarque
Sabendo que ninguém vem
Linhas sobre dormentes sem trem
Vento que não mais areja
Fruto que não se deseja

O encanto sem poesia
Não subsiste nem tem memória
Seria um falso desejo
Que o próprio fato ignora
Triste de inveja esquecido
Ferida adormecida sem lógica

Ah mas o meu poema é esse canto
Encantado de azul esperando
A melodia nascida na doçura da tua voz
Por isso canta canta incansável
Canta com infinita ternura
Todo encanto que verseja em nós

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

DISPERSO


Quero o bom da vida sem importar a cor
O rumo que me toma independente da escolha
A forma que abraça desde que abençoe e acolha
O que trago de caule mas também do fruto
Que se molha da mesma chuva que escorre do galho
Que encharca a raiz após ter lavado a folha

E se a semente seguir o destino da enxurrada
Em algum momento tenha abrigo no colo da terra
Podendo ser planta e também florir e frutificar
E alimentar uma nação ou somente um pássaro

Mas que ao matar a fome cumpra-se essa missão
De ser simples ao ser intensa mesmo que dispersa

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

POEMA DO OLHAR PERDIDO


Às vezes meus olhos teimosos
Tentam encontrar algum olhar perdido.
Quando dou por mim estão distantes
Fitando as janelas dos trens
Divisando na multidão que vai e vem
Algum olhar indiscreto, inconstante.
Na mesa de qualquer restaurante
Dentro dos taxis cruzando a cidade
Na fila de espera do consultório
Em frente à televisão
Nas fotos das revistas que mostram o nada
Nos cães estirados nas varandas
Nas janelas abertas para a brisa da tarde
Na face de um outdoor na estrada
Nas igrejas e na chama da vela que arde
Entre os pares que se amam e enxergam.

Olhar tantos olhos é o que mais vejo
Indiferentes não me contentam.
Tu nem imaginas o quanto os invejo
Porque perdidos estão os meus
Que nunca te encontram.

COM OUTROS OLHOS


Deveria existir um controle remoto
Que retornasse os giros da terra

Pudéssemos escolher determinadas cenas
Retroceder um a um seus quadros
Dentro de um espaço de tempo gravado

Ganharíamos a chance de releituras
Da redescoberta de algum detalhe
Marcante que talvez se escondesse
Ou deixara de estar revelado
E porventura já estivesse perdido
Da memória
 
Sinceramente escolheria rever
Quando ainda a via com outros olhos

DISCURSO DE POSSE NA ALBPS



“Eu canto porque O instante existe E a minha vida Está completa. Não sou alegre Nem sou triste Sou poeta”

Pretensões à parte, porém calcado no poema Motivo, de Cecília Meireles, inicio agradecendo o Altíssimo por me conceder a coragem e a ousadia da perseverança na literatura. Trago comigo a séria convicção de que não chego a ser, nem tenho pretensões da intelectualidade, mas unicamente em continuar a ser autor de poesias. Ainda assim atrevo-me a estar aqui com o objetivo de somar junto aos doutos e ilustres pares. Considero-me um humilde artesão dos versos, sendo minha maior matéria-prima, portanto, a palavra. E como bem diz Victor Hugo, “As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade”. Assim, o que produzimos por vezes são brisas e por vezes, dedos que calcam feridas. Porém sempre justos e próprios pela grandeza da arte.

Parafraseando o poeta Carpinejar: ‘Todos somos poetas, entretanto alguns são autores’. Em assim sendo, respeitando a ótica de Carpinejar, além de poeta, também me atrevo a dizer que sou autor de poemas. E é por essa escola que venho me especializando através de ferrenho e continuado exercício da inspiração. E por assim ser, mais um sonhador; e por ser assim um mero aprendiz na labuta esmerilada das palavras, acredito-me pronto a também passar a colaborar com esta Casa em prol da Cultura, da Educação e dos bons costumes à nossa Sociedade junto às Senhoras e Senhores Acadêmicos, fazendo jus aos votos e à confiança que mui generosamente me foram dados.

Confesso que o cotidiano me tem proporcionado gratas e inexplicáveis saudáveis surpresas. E poder estar aqui em vosso meio hoje me é uma das mais engrandecedoras conquistas e das mais prazerosas alegrias alcançadas. Por isso, repito, sou muito grato à vida, a Deus, à família e aos senhores, partícipes desse meu cotidiano.

Quando ainda menino e pela juventude, muito escrevi, preguei, falei, apregoei poesia, caminhando por essa seara bastante espinhosa, porem deveras gratificante. Nasci ha dois mil quilômetros do mar, porém cantando com muita propriedade as belezas do Centro Oeste Brasileiro, minha origem, com muita transparência e sensatez. Tenho impregnadas nas ruas da minha amada Três Lagoas e Guaraçai, os ingredientes do Oeste Paulista e do Mato Grosso do Sul - uma ferrenha militância nas Letras, através de Jornais, Livros, Revistas, Escolas, Universidade, Instituições e sólidas parcerias e amizades sempre ainda presentes e até hoje muito altivas. Foram bons tempos falando de poesia e espalhando poemas por onde andei.

No final dos anos 80, passando a residir na Costa do Descobrimento, fui eu, literalmente falando, o descobridor da felicidade plena ao ter tido o privilégio de ter sido tão bem identificado e criado meus laços e espaços entre vós, portosegurenses, gozando do afago nativo dessa gente baiana. As últimas três décadas, portanto, passei incubando valores literários os quais vieram à tona novamente e que, repito, graças à generosidade dos meus pares, me trouxeram até aqui. Confesso que até cobicei esse momento na Academia, mas em face a tanta intelectualidade existente nessa cosmopolita Cidade de Porto Seguro, não sentia acontecer tão rápido e hoje. Entretanto o Supremo Arquiteto do Universo assim o faz realizar. Por isso minha eterna gratidão a todos.

MEU PATRONO – CADEIRA Nº 18

Destarte, ao tomar posse da Cadeira de nº 18, reformulo meu compromisso com a literatura, prometendo honrar os ensinamentos do meu patrono LUIZ GONZAGA PINTO DA GAMA, sobre o qual passo agora a discorrer:
Quando me fora dada a opção de escolha da Cadeira 18, me chamou a atenção a vida e obra desse baiano nascido no dia 21 de Junho de 1830 na capital Salvador. Luiz Gama foi um rábula, orador, jornalista e escritor dos mais respeitados e admirados de sua época. Nascido de mãe negra africana livre, vinda da Costa da Mina (correspondente ao Golfo da Guiné, Litoral da África Ocidental) que ganhava a vida fazendo quitandas, e de um fidalgo português que vivia em Salvador, cujo nome o poeta nunca revelou. Em 1837, Luiza Mahin deixa a cidade e parte em direção ao Rio de Janeiro, ficando o filho aos cuidados do pai. Este, segundo o próprio Gama relata, era um homem de posses, apaixonado pela pesca, pela caça e principalmente pelas cartas. Vivia de uma herança que havia recebido em 1838 e, dois anos depois, já se encontrava em plena miséria.

Em novembro deste mesmo ano, portanto aos dez anos de idade, o menino Luiz Gama foi levado pelo pai a bordo do navio “Saraiva”, e lá vendido como escravo. Dias depois, ao desembarcar no Rio de Janeiro, foi levado para a casa de um negociante português que negociava escravos sob comissão. No mês seguinte, foi novamente vendido, junto com um lote de “cento e tantos escravos”, ao “negociante e contrabandista” Antônio Pereira Cardoso, que os levou para São Paulo.

Porém os escravos vindos da Bahia eram tidos como “desordeiros” e “revolucionários”, devido ao marco histórico que foi a Revolta dos Malês, ocorrida em Salvador em 1835, da qual a mãe de Gama, Luiza Mahin, teria participado. A Revolta, portanto, foi um levante de escravos de maioria muçulmana na cidade de Salvador, capital da Bahia, que aconteceu na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835. Os Malês eram negros de origem islâmica, que organizaram o levante. Depois disso, os escravos oriundos dessa cidade eram preteridos pelos compradores, como deixa transparecer o depoimento do poeta: “Fui escolhido por muitos compradores, nesta cidade, em Jundiaí e Campinas; e por todos repelido, como se repelem cousas ruins, pelo simples fato de ser eu ‘baiano’”.

Sendo assim mais uma vez renegado por ser negro e pela origem, Luiz permaneceu por mera conveniência do destino, na casa do senhor Cardoso, onde foi encarregado dos serviços domésticos, tendo aprendido com outro escravo, também baiano, o ofício de sapateiro. Ali se estabeleceu, aos dezessete anos de idade, o primeiro contato de Luiz Gama com as letras, através de um hóspede que viera de Campinas para a capital, com o objetivo de estudar.

Em 1848, Gama fugiu da casa de seus senhores, tendo conseguido, logo depois, documentos que confirmavam a sua liberdade, uma vez que era filho de uma negra liberta. Em 1856, foi nomeado amanuense da Secretaria da Polícia, onde serviu até 1868, quando foi demitido por “bem do serviço público”. Para esclarecer o motivo real da demissão, o poeta faz a seguinte confissão em carta ao amigo Lúcio de Mendonça: ‘A turbulência consistia em fazer eu parte do Partido Liberal; e, pela imprensa e pelas urnas, pugnar pela vitória de minhas e suas ideias, e promover processos em favor de pessoas livres criminosamente escravizadas; e auxiliar licitamente, na medida de meus esforços, a alforria de escravos, porque detesto o cativeiro e todos os senhores, principalmente os reis.’

Em 1859, Gama publicou Primeiras trovas burlescas de Getulino, no qual consta o famoso poema “Quem sou eu”, mais conhecido como Bodarrada, no qual expõe o preconceito de cor na sociedade brasileira. O poema foi escrito em resposta ao apelido que os intelectuais da época tentaram lhe impor: bode - termo usado de forma depreciativa para designar os negros. Também como jornalista, Luiz Gama teve uma atuação política bastante intensa: foi aprendiz de tipógrafo do jornal O Ipiranga, e redator do Radical Paulistano, no qual colaboraram, entre outros, Castro Alves, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa. Foi ainda responsável pela redação de O Polichinelo – primeiro periódico político satírico da cidade de São Paulo, o que faz Alberto Faria atribuir a Luiz Gama a fundação da imprensa humorística paulistana.

Nos anos 60, o advogado autodidata Luiz Gama se esforçava para tratar dos casos de escravizações ilegais e de abolições individuais e coletivas do Estado de São Paulo. Costumava dizer: “Eu advogo de graça, por dedicação sincera à causa dos desgraçados; não pretendo lucros, não temo represálias”. Segundo consta, Gama teria sido o responsável direto pela liberdade de aproximadamente quinhentos escravos.

Além de advogar, Gama realizava conferências e publicava polêmicos artigos nos quais explicitava seus ideais abolicionistas, motivos pelos quais era perseguido e ameaçado de morte. Liberal exaltado, foi o primeiro negro brasileiro a lutar contra os ideais de branqueamento da sociedade e pelo fim da escravidão. Mesmo debilitado pela doença, saía carregado em uma maca, para atender seus clientes desejosos da liberdade. Faleceu em São Paulo, em 24 de agosto de 1882, deixando uma emocionante carta-testamento ao filho, que se configura para nós, seus leitores de hoje, como vivo exemplo de homem público e literato que, mesmo diante das vicissitudes da vida, não abandona seus ideais.

Existencial, num de seus nobres poemas indaga:

Quem sou eu?

E ele mesmo responde:

Que importa quem?
Sou um trovador proscrito, Que trago na fronte escrito Esta palavra — Ninguém! —

NOSSO COTIDIANO

Meus queridos: perdoem se acima tratei do lado um tanto sofrido e melancólico do Poeta Luiz Gama, digno patrono da Cadeira 18 desta Academia de Letras de Porto Seguro, da qual agora passo a ocupar. Mas assim o fizera no intuito de mostrar o quão a vida nos é por vezes ingrata, e o quanto diuturnamente necessitamos encontrar maneiras de dar a volta por cima, procurar reconstruir espaços mais dignos para nós e nossos filhos, e até contar com a sorte, ainda que seja a duras penas. Descrevemos acima, portanto um cenário de dois séculos atrás.

Porém quero citar neste momento, o jornalista Leonardo Sakamoto, em uma de suas recentes colunas no Uol deste Janeiro do ano do ano de 2020, século XXI:
“ Vivemos ainda hoje, em pleno século XXI - um contexto de ultrapolarização política. Nele, desumaniza-se quem defende posicionamentos diferentes dos nossos, não reconhecendo que essas pessoas tenham os mesmos direitos constitucionais. Pelo contrário, defende-se que sejam caladas e punidas por pensarem diferente. À força, se necessário. Passando por cima das leis, se preciso.”

Sem querer me alongar, faço apenas observar que os anos, as décadas, os séculos e gerações se sucedem e não conseguimos aparar as arestas, fazer as aparas do preconceito reinante num país tão grande, tão rico, tão oprimido e ao mesmo tempo opressor como é o nosso amado Brasil. Não é lástima, porque não choramos nem jamais lamentaremos em vão, e sim observações cabíveis a um grupo pensante e ativo como o nosso.

De uma coisa estamos convictos: a arte liberta, fala, é ouvida, demove, comove, impõe, modifica e nalgum momento renasce, floresce e produz seus frutos. Por isso é tão profusa, por isso tão significativa na vida de todos nós. Se existe algo que devamos diuturnamente questionar de nossos líderes e autoridades e também de nós mesmos como sociedade civil organizada - é que nos deem conta da saúde da Cultura e da Educação pelo menos dentro dos quadrantes do nosso Município. Se nos indignamos com o índice de analfabetismo em nosso gigante Brasil, quantas vezes indagamos dos nossos próceres, quantos ao alcance dos nossos olhos ainda não possuem acesso à escola, a um livro, e são privados de um mínimo de conhecimento para que possam dizer-se alfabetizados! Lembro Mario Quintana, a despeito da importância da Literatura: “O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.” Infelizmente são tão poucos que assim procedem. Com dignas e raras exceções, nossa gente tem dificuldade de pensar porque utilizam-se poucos mecanismos de apoio e incentivo à arte e à cultura.

Em assim sendo e considerando, somando-me aos demais Confreiras e Confrades desta Academia, desejo e prometo continuar no ofício da palavra não na intenção de apresentar respostas prontas ou insensatas, mas sim permanentemente questionar o quão possível é, o que a vida faz de nós, afetos da alcunha dos versos, e o que com ela contribuímos para minorar sofrimentos e injustiças tendo a arte por instrumento, através do belo, da fantasia, da realidade, do poema, dos textos elaborados que possam instruir, comover, permitir alegrias e gerar vida pensante seja em qual for a realidade.
Que nossas letras possam até estarem chochas, nuas ou gélidas quando de certa forma incomodamos, mas jamais desconexas ou fora de contexto quando tantos pretendem que possamos a qualquer preço e custo cultuar a mudez. Afinal como diz Nietzsche, “Nada é tão nosso quanto os nossos Sonhos”.

Continuemos a falar de amor, a cantar a vida em todas as suas nuances, a cultuar o belo, o prazer e a alma, e a também saber incomodar por meio dos severos pensamentos e do aclaramento das ideias e ideais, a sonhada liberdade, quando a realidade assim exigir de nós. Que através dos nossos versos, frases, parágrafos, cadernos, livros e palestras, consigamos disseminar o belo e a fantasia, ainda que a realidade por vezes se torne inóspita. Deus nos permita um longo tempo entre vós para que sejam plenos de realizações e graça, os nossos passos. Mas caso disso venhamos a ser privados, que ao menos “seja eterno enquanto dure (Vinícius de Moraes)”.

Viva a arte, viva esse momento, vivamos todos com dignidade, decoro, honradez e humildade. Mas sobretudo, sejamos fraternos difusores da arte e necessidade do pensar.

Porto Seguro, 14 de Fevereiro de 2020.

Paulo Sergio Rosseto

Referências:
• eBiografia
• Wikipedia
• Arcodacultura
• Letras UFMG

= www.psrosseto.com.br =

PASSAGEIRA


Vem do mar essa vontade adiante
Insistente, pegajosa, desertora
Intermitente
Às vezes condutora
Por vezes repentina
Jamais passageira

Vontade de querer-te
Aqui na terra, na lua, em marte
Amar-te terna e docemente
Eternamente
Semelhante à valsa
Que termina e não passa
Permanece inconsciente
Consistente
Qual perfume instigante
Deliciando prazeres

Se quiseres senti-la
Deixe que o mar te encontre

PEDAÇOS DE MIM


Aparentemente quando recolhemos os cacos
Damos a entender que estamos alquebrados
Divididos ao meio, prostrados e tortos
Fadados ao desterro, condenados e em desespero.
Não são estes os pedaços de mim que desejo evidentes
E sim os de contentamento e profusa exaltação.
Bem aventuradas partes do meu ser quando trazem contentamento
Bem aventurados momentos do meu tempo que produzem alegrias
Bem aventuradas as horas do meu dia que constroem otimismo
Bem aventurados os olhares que transmito, os silêncios que distribuo
Bem aventuradas as palavras que propalo, as ideias que espelho
Bem aventurados os segredos que te conto para teu discernimento
Bem aventuradas as lições que retribuo quando aprendo o que ensinas
Bem aventurados os apelos que te faço para que também melhores
Bem aventuradas as paixões vivenciadas escolhidas como pérolas
Bem aventurados todos os nossos encontros e os diálogos que mantemos
 
Sejam benignas as porções que me reparto
Os fragmentos e estilhaços que por mim tocam teu ser
As frações que te alcançam e complementam
As fatias que se somam aos prazeres que te acrescem

Porque és parte
Somamos pedaços
Unindo ao todo o que nos torna então inteiros

SEMINUA


Uma nuvem maluquinha
Endoidecida de vontades de chover
Derreteu-se inteira sobre a Cidadela

O que era uma chuvinha descuidada
Alagou quintais, telhados e avenida
Deixando ensopada também
A moça que de branco vestia
Os sonhos de alguém

Da janela embaçada e amorfa
Somente meu poema a notara
Encharcada de cantigas
Ardendo-se em chuvas
Seminua de alegria


O menino pisa descalço o meio fio
Corpo ferido
Corpo fedido
Corpo frio
Desprotegido e só

O corpo é pisado na calçada
Quando deitado
Quando amoitado
Quando açoitado
Atingido e só

O quando escalpelado na rua
Não insiste
Não existe
Não resiste
Fustigado e só

O só simplesmente desmanchou-se
No meio fio
Na calçada
Na rua
Desprotegido atingido fustigado
E só

TOMA-ME


Se te sentires indefeso sem rumo pelas sombras
Excluído até das sobras e restos da madrugada

Se vierem os lamentos pesados sobre os teus ombros
E entre escombros pisares sobre pontas de estilhaços

Se as mentiras se apegarem à tua mente oprimida
Comprimindo tua ansiedade escravizando tua vida

Se em desalento o desencontro desfolhar teu íntimo
Sem ritmo teu coração perder os sentimentos

Deixa que a poesia te faça lembrar de mim
Não espera outro dia amanhecer sem fim

ORATÓRIA


A boca molha e clama ardentemente
Pela outra boca

Cobiça, profana
Deseja o absoluto
Declama o encanto, recita e canta

Cala enquanto a outra fala
Fala de si quando a outra cala
Passeia os lábios, ri da interlocutora
Sonha com o beijo arteiro que a quer beija-la
Saliva, anseia, pela ideia acesa
De tomá-la presa pela língua morna


Até faz caras ante um bocejo
Solta a voz se a garganta grita
Retém os sons quando sussurra
Por vezes urra e engole a borra
Do apregoado choro quando magoa

Ah, a boca sabe a exata hora
De rir sem graça ou gargalhar
Rasgar os dentes se necessita cuspir
Reter aflita o ar por alimento


Mas sobretudo ora e elogia mais que maldiz
Pois pela reza fomenta o fôlego
E todo o ser que a tem se curva
Nesse místico momento


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OS TEUS OLHOS


Os teus olhos
Me veem iluminado
Mas olho aqui dentro
E tudo está escuro
Pardo
Cercado por um muro

Adentro-me
Desencontrado dessa luz
E cego assim
Não me enxergo
Tateio
Embaraçado em virgulas

Tua piedade no entanto
Insiste renovar-me
Resgata meu cansaço
Mostrando insistente
Generosamente
Meu ser em teus braços

Teus silenciosos olhos
Na verdade
São donos de mim

REAPRENDIZ


Eu passaria novamente pelos mesmos caminhos
Inclusive repetindo todas as curvas que dobrei
Revendo quedas e descidas de esguias ladeiras
E também por elas voltando aos topos que já pude alçar

Tomaria ainda os mesmos atalhos das estradas vicinais
Talvez até conseguisse ainda encontrar destrancadas  
Cancelas que larguei abertas para você passar
Ou que alguém deixara livres a quem optasse ao regresso

E caso retomasse tais caminhos e não conseguisse
Novamente reencontrar todos os que comigo vieram
Duas certezas de pronto me caberiam: ou seguiram
Em frente e o promissor destino os tomou de abraços
Ou desgarraram por outros rumos dos quais desconheço

Eu passaria ainda que tardio e sobre destroços
Novamente pelos caminhos repetindo as margens que vaguei
Mas desta vez evitaria ao menos parte dos tombos e tropeços
Reaprendendo as chances, colando cacos
Com as gomas que o próprio tempo me ensinou fazer



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TRAÇOS


Entre as linhas das mãos
Há o risco da paixão
Nem curvo nem reto

Curto, nada entrecorta
Mal começa se emenda
Longevo dura uma vida

Sozinho na palma aberta
É desenho discreto
Fechada se mistura
Ao do destino, futuro, sorte e utopia

Quando as mãos se alcançam
A gente abraça a alma
Quando postas
Se tocam em oração

Enquanto nossas palmas colam
Essas linhas ou traços de poesia
Entrelaçam-se, acrescem e jamais se soltam
Por serem simples, livres e tão nossas
Essas mãos

AVENTURAR-SE


Sou deveras inesperado
Justamente porque na vida
A vida toda é simples aventura

Dessa mistura de presente e passado
Ai de quem não aventurar-se

Antigamente achava eu que o futuro
Fosse o imensamente distante

Hoje sei que o bastante vivido
Nada fora senão um ilhéu no arquipélago
Das circunstâncias do meu mar de anos

Tudo o mais são respostas que eu encontrar

BAGUNÇA


Houve fina garoa sobre a poça
Que até então já aquietada
Sossegara brincando após
O primeiro chuvisco na praça

E assim enchendo-se novamente de chuva
Dessa vez na calmaria da rua
Transbordou vagarosa pelo declive
Ensopando as falhas entre as pedras
Cantante e desperta como toda água
Mansa, esguia, boa, límpida e fria

E lá embaixo depois de alguma andança
Espalhando-se feito enxurrada
Na lama do paralelo ao pé da calçada
De novo em descanso deu de cara com a lua
Espelhando-se em si de felicidade
Toda melada em risadas descontraída

Entra o vento apressado afeito criança
Nessa profusão de imagens fazendo bagunça
Rodopia e sacode lambendo a paisagem
Tremulando áspero entre ondas
As surpresas amigas que entredizem

- A que ponto chegamos, querida!

DESCALÇA


Esse tapete da sala
Nessa casa tão vazia
Em que você pisa descalça
Chama suas verdades
E você entedia

O sofá por onde deita
A cama em que namora
Hoje vai estar sozinha
Pela vidraça da janela
Seu olhar sai e passeia

Tudo de você me procura
Tudo em você me anseia
Porque sabe que a distância
Vigio os teus segredos
E você adora

ENTRE AMOR E AMANTES


Sempre ouvi dizer
Que a noite é dos amantes.
Mas posso amar antes?

Antes que a lua nasça
Amar seria pecado
Ou só sem graça?

E se estivermos amando
Ao chegar o sol e o dia
Continuaríamos?

Amar sem reservas
Preservaria os amantes
Dos não amores?

Quem sai e quem vem
Jura amor que renasce
Amando ou amante?

Ser toda forma
De amor permissível
Será possível?


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PASSAGEM


Quem passa
Segue um caminho
Veio por ele e por ele
Seguindo vai
Ou por ele veio e agora
Vai por outro
Depende da escolha
Da sorte da sina
Consegue seguir ou decide
Voltar

Quem volta não peca
Somente refaz
Se ganha ou se perde

Quem segue não sabe
Se chega ou se volta
Adquire ou desfaz

Se ultrapassa da ponte
Além da fronteira
Pela cega porteira da emoção
Depois ou aquém dos limites
Infindos limites
Somados à ocasião

Após a viagem
Sobram sempre certos
Restos da passagem

SOMBRA E LUZ


Toda sombra passeia
Debaixo, de lado, de costas.
Vive comigo de ameia
Seguindo por onde sigo
Entre altos e baixos e extremos
Acostumada ao entremeio
Sem desmanchar-se dos rastros
Resmungo ou desdenho
Do que consigo ou daquilo
Que de mim se desprende
Retrai, inflama ou liberta
E por onde meu existir alerta
Inconsistente conduz.

De repente pode amanhecer sem sol
E me desvencilho do escuro
Ao acender o pavio mesmo de tenra vela.
Ei-la presente, viva, mansa, colada
Como elemento supremo
Intangível, sem importar-se da cor
Ou som que amiúde e insigne
Qualquer sóbria matiz produz.

Companheira inquieta, perfeita, parceira
Em todos os movimentos ou imóvel
Sempre além de ângulos e vertentes
A renovada sombra intermedia
Ainda que ignore ou não consiga vê-la
Constante debaixo do nariz.
Vivemos todos iluminados
E a existência é a sequência
Dessa dúbia insistente verdade
Calcada entre um vulto e a luz.

SUTIL


Sou tão lascivo quanto pressupunha
O sentimento do sutil amor que insiste
Em tornar-me ausente por ser volúvel
E libidinoso sendo ser por si inconsistente

Nem triste enquanto sonhador inveterado
Nem apavorado pela impossibilidade
Em não saber esperar o tempo reverso
Quando de amar em vão tenha me curado

Sei que ser poeta é estar só entre escolhas
Se livre entre pensamentos sem juízo
Escravo das vontades levianas diferentes

Sou essa releitura misturada de aprendiz
Brincando sério com amores aparentes
Inconformado das escolhas como amante

TEU VENTRE


Teu ventre arde feito o sol do meio dia
Sobre as areias lisas
Sobre as matas densas
Sobre as aguas mansas
Sobre a solidão dos desejos

Teu ventre queima feito o gelo na pele
Teu fogo queima feito o olho da gente
Teu beijo é sol de fogo
E me consome impunemente


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ISOLAMENTO


É outono e o trópico ignóbil
Vira-se fútil e sem tempo
Reprimido em quarentena
Os dilemas da ultima estação

Talvez nem haja primavera
Caso o inverno venha perverso
E acirre o espirro do medo
Intensifique a eloquência da tosse
E em brasa a febre da sorte
Encerre o brilho dos olhos

Somente o amor perambulará pelas ruas
Em vigília aos pasmos amantes
Dentro de casa


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OS MOTIVOS DA POESIA


Troco um ano por um dia
Desde que possa ser intenso
Intimamente denso em alegria
Copioso em bênçãos
Um dia de horas válidas
Dessas que aliviam
Minutos cujos momentos
Prazerosamente extasiem
O sentido da existência
E os motivos da poesia

PRECISO IR CONTIGO


Preciso ir contigo
A qualquer lugar que nos caiba

Aonde a gente saiba devagarinho passar
Sobre as bem-vindas ondas das horas
Passear por amareladas alas de sol
Ouvindo os apelos de qualquer lugar
Sentir as moléculas da alma fresquinha
Respingarem bailando alegres em névoas e bolhas
Alisando a saudade pelas pernas

Quero simplesmente e de verdade
Passear de mãos dadas agora
Aonde a gente vá e volte
Muito além dos sustos das superfícies
E juntos na emoção amiga do afeto

Que dentro ou fora esse passeio seja imenso
Que juntos seja pleno
E perfeito enquanto intenso

SINA


A noite belamente preta
Roça as tranças negras
Sobre o peito do velho mar
Que desperto em ondas
Arrepia a pele límpida
Desejoso de amar

Assim surgem os dias
Que contamos com as cigarras
Depois do cantar

Assim vão-se os anos tolos
Curtidos nas lágrimas salgadas
Dos oceanos do olhar

Se tristes ou alegres
Depende o navegar

SOBRE A FACE DELA


A vida ensinou-me a crer
No salgado milagre da lágrima
Esse inusitado poder que tem o choro

Tão forte quanto um fio de cabelo
Algum verso perdido num livro fechado
Danificado por um temporal

Por nenhum olho conseguir enxerga-lo
Maturou num vinho velho
Tornou-se reservado e melhor

Choro que pede lembrança
Choro que de pura alegria
Completa os momentos bons

Pelas tristezas do mundo
Chora-se sempre e todo dia
Com a cara de assustada

Há ainda quem chore de rir
Das mazelas acontecidas
Intensamente pela terra

Eu choro porque à flor da pele
Qualquer sentimento arrepia
A lágrima pensa sobre a face dela

APAVORADO


Tolo quem acredita
Que deixando o livro fechado
A Tv desligada, o jornal dobrado e mudo o rádio
Cala a aquecida voz na madrugada

Ainda que dure somente a ingerência
De um pensamento ligeiro mal expandido
Rápida no querer de amar será essa parceira
Voraz em continuados movimentos
 
Prazerosa e audaz sempre estará a experiência
Que nos toma por companheiros de viagem

Quanta bobagem há debaixo das plumas
Desse pavão apavorado
Tomado de vertigem e medo
Porque logo mais o dia nasce
E deixará de ser cedo e pardo

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

PASSO


Pequenos gestos a qualquer momento e lugar
Desde o dormir ao passear pelos sonhos
Dependurado no dorso de uma nuvem rala
Vendo chover ouvindo o piar dos pássaros
As mãos aparando a leve fumaça do café
Borbulhas do espumante brincando no cristal da taça
Minha criança dançando balé
Caminhar quieto em direção à praça
Depois voltar no tempo e reler as cartas
Que te escrevia com palavras sem nexo e graça

Tenho tudo abastado repleto dos prazeres raros
Completo como se completa
Meu ciclo a cada dia

Por isso não envelheço
Apenas passo

PERTO DE TI


Procura
Pois perto de ti
Sempre poderá haver um encontro
À tua espera

Todos os dias partimos
Eternos buscadores sem asas
Ainda que em desencantos
A vida é essa valsa sobre as ondas
Esse balanço submerso
Essa mistura de ritmos

Encontre
Pois perto de ti
Sempre poderá haver uma espera
À tua procura


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PODERIAM


Era tarde e ela nem sentia
Que o poema no fundo da noite ardia

Ambos sabiam, entretanto
Que velavam vontades
Pressentiam inquietos
As artimanhas e lembranças
Amenas do dia

Quando se soldam os quereres
Indomáveis com poesia
Pouco importa se podem
Ou num repente deveriam ou não
Fazer de inesperadas miragens
Os manjares que queriam

Adolescer é desmanchar-se
Esfarelado e sem propósito
Assistindo no passar da idade
Veloz que se distancia
Ousar por falta de coragem
Pecar por não ter ousadia

Enorme a cama, tão farta a carne
Insana insônia que a solidão silencia

POR DEBAIXO DA PORTA


Caso esse vento arteiro soprando lá fora
Colocar agora a língua suave e assoprar
Pela mínima fresta por debaixo da porta
E levemente ventar por entre tuas pernas
Entrega-se lânguida ao frescor do arrepio
Que essa benfazeja brisa te acaricia

E caso resfria puxe a coberta
Aconchegue-se ao florido jardim
Do seu travesseiro

Mas se o sono faltar
Dê-se ao direito
Do devaneio

E se porventura incendiar
E tornar-se intensamente desperta
Jogue o lençol
Deixa-se nua
Aos doces apelos
Desse vento poeta

TEMPORAIS


Toda vez que perco o horizonte
Creio haver um mar a minha frente
Tão longe de mim equidistante
Como as rosas de um jardim
Ou uma nuvem passante
Que se desmancha insana
Por entre respingos de lama
Ou alvas fronhas de algodão

São aguas verdes revoltas
Remexidas pelos mesmos ventos
Que soltos conduzem minhas barcas
Serenas cada uma a seu porto
E as nuvens aos seus tantos
Destinos e encantos
Revestindo travesseiros
Sobre as camas da paixão

Todos esses travessos romances
Atravessam-me intensos
Ainda que de mim jamais saibam
Porque nunca mais retornam
Porque se tornarão propensos
A viajar outros céus e mares
Esculpindo suas torres imensas
Apesar dos temporais

DOCE DELEITE


Vai muito além da vontade
Por algo doce na madrugada
Um manjar branco ou pudim
Um naco de goiabada
Algum pastel de Belém
Camafeu de nozes
Diamante de morango ao creme

Extrapola o apetite
Pelo açúcar que excita
Que molha os lábios
A boca salivando treme
Por esse lascivo desejo
Do beijo adocicado
Legitimo chocolate ao leite

Doce deleite que arrebata
A sede não de água
Mas do carinho que mata
A saudade que arde sem jeito
No âmago do peito
Nos seios em pêssego
E por onde o querer lateja

ENCARACOLADOS


Quero morar sob um teto
Coberto pelos fartos fios
Dos teus cabelos dourados

Quero deitar recobrindo meus olhos
Com os cheirosos fios suaves
Dos teus cabelos dourados

Quero perder-me em tua face
Cercada pelas mechas brilhantes
Dos teus cabelos dourados

Quero beijar tua fronte
E morder teus lábios vermelhos
Entre teus cabelos dourados

Quero amarrar os meus sonhos
Às tranças charmosas longínquas
Dos teus cabelos dourados

Quero desnudar os teus seios
Camuflados pela orla rosada
Sob os teus cabelos dourados

E quando molhar seca-los
E quando despentear escová-los
E quando embolar penteá-los
E quando soltos prendê-los
E quando presos solta-los
Cheirosos entre meus dedos

Quero alisar teus cabelos
Imaginando teus pelos
Aloirados macios pequeninos
Encaracolados

INQUIETO


Na areia da praia olhando essas ondas
Disciplinadas que vem e se perdem
Não se ocupam de outro afazer
Senão sucederem-se intermináveis
Independente das marés
Somente cumprem vontades dos ventos
Ou então de seus pequenos mares
Pergunto-me por onde andam os propósitos
Que tantas e tantas vezes rogado jurei

Passaram enfurnados pela mesma janela azul
Por dias enfileirando essas horas cruas
Repletos de tanta poesia explicando as agruras
Correntes vermelhas internas em mim.
Presos à pele por dentro dos vasos e veias
Entrevendo diferenças entre espirito e matéria.
Tão vulnerável, leviana e desconexa
É minha alma concreta fatiando mantas nas carnes
Penduradas sobrepostas sobre mantos de areia

Podre é o submundo do mundo que julga
O improprio preconceito de todo azedo
Recolhido para investigativas biopsias
Analisadas pelas lentes toscas da miopia
Que assolam a criação dos conceitos
Preconizados robotizantes me guiando
Para onde não fossem meus versos jamais saberia.
O fim que me espera nos braços da determinação
É o que me sustenta inquieto sobre a terra

LÁ FORA


Bem sei que lá fora há riscos evidentes
Porem a ânsia do noturno fascina e clama

Entretanto não voo por temor mas razão frágil  
Permaneço quieto enquanto escuro
Ainda que as asas esgueiram-se ágeis
Entre galhos, lençóis e travesseiros
Às vezes passados, outras em frangalhos
Dobrados justapostos pela casa
Camuflado ninho de penas e folhas

Contenho ao ímpeto que me chama
Tão insone como tantas vezes faço
Equilibro imóvel como toda ave
Até que o sol em consideração
Volte dúbio num pio um raio à forra
Nesta vasta e ampla liberdade de sonho
Que não me tolhe e sim acolhe e ampara

São assim os limites de quem ama
Soturnas as amarras ainda que pense
Por não ser recíproco a quem lhe possa
Recolhe-se por amor à própria sorte

POR UM MOTIVO QUALQUER


Provavelmente por um motivo qualquer
Não terei mais tempo de ver uma aurora boreal
Não visitarei nenhuma catedral de Roma
Não estarei hospedado em nenhuma suíte presidencial
Não irei pilotar um Fórmula Indy ou Learjet
Não tocarei nas bases da Torre Eiffel
Nem irei lavar os olhos nas aguas do Sena
Não apertarei as mãos do Papa
Não serei recebido com honrarias na Casa Branca
Nem pisarei as areias no entorno de nenhuma pirâmide egípcia
Não farei um show no Madson Square Garden
Não concluirei curso algum em Harvard
Nem irei seduzir uma jovem atriz global
Não serei diretor da Império Serrano
Não apitarei um jogo qualquer da Seleção do Brasil
Nem cantarei no Lyric Opera Of Chicago
Nem terei a dádiva de conduzir a Orquestra Sinfônica de Berlim
Nem brincar entre os divertidos pinguins no Polo Sul
Nem voarei até a Estação Espacial
E outras pequenas coisas mais

Certamente deve ser por algum motivo torpe
Que nada disso poderá se dar

Mas o que realmente importa é que você leu esse poema

CONCRETAS


Durmo estirado no chão
Fora desse colchão sem graça
Prefiro a pedra fria que me acolhe
Do que a macia espuma que finge que forra meus ossos
Que até aquece mas não me envolve e nem abraça

Descanso num banco de granito
Exposto ao relento na praça
Colado à calçada onde apressado você passa e nem nota
E se apercebe finge que não vê e se olha ainda faz troça
Ou desvia por temor a minha provável ameaça

Balanço na rede dependurada entre o piso o teto e a parede
Por ganchos de anzóis presos ao nada
Parafusados em buchas espremidas em concretas certezas
De que entre o pó do cimento a agua e a areia calcada
Existe apenas a vontade e o cuidado
Em não me soltarem no vazio da palavra

Assim vou ensaiando meu jeito tardio de entender
Que tudo o que faço além e batalho acima da contínua lavra
Permanecerá à flor da terra mesmo que virtualizado
Enquanto esse corpo que já mal ouve e quase nem fala
Cessará sob a lápide somado a qualquer punhado de terra
Mas não diferente do que o amanhã também te espera


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É TUDO SOBRE VOCÊ


Quando vier a primavera desvinculando o inverno
Toda a neve do mundo se tornarão cores
A aurora de cada dia terá diferentes brilhos
Um por um entardecer escorrerá mais puro
Todos os caminhos serão mais curvos
Porque nas sinuosidades das voltas
Colheremos livres flores no entorno dos retornos

Engana-se que o amor faz vínculo com a estrada reta
Paixão alguma enceta a lógica do concreto
Coração nenhum é discreto quando apaixona
Nem compassado bate quando de saudade enche
Amar alguém é entender de si próprio e dar-se
Afoito intenso propenso impetuoso e poeta
Arremetendo ao futuro a estação presente

É tudo sobre você o que escrevo e sinto
Cada verso e poema desse livro aberto
Desnecessário explicar minha alma feminina
Bem sabes que são todos teus meus versos

***Do Livro POEMAS QUE VOCÊ FEZ PRA MIM - 1ª Ed. - 2019***

O QUE DIGO QUE DIGO


O que digo que digo
São máximas ditas para que reflitas
E se acreditas também a outros repitas

Mas se não dizes e omites refletir
Como posso mais eu convencer-te
De que o que te é explícito ao ouvir-me
Deixa de estar nítido e implícito
E deverá servir-te e aos teus?

Confesso-te que se dissesses
Essas mesmas verdades nuas assim
Conhecendo-me como sei de mim
Por certo não te iria acreditar
Posto que duvidar é muito mais insano
Que qualquer outro item a crer

Mas ainda que apregoemos em vão
Sabemos que o mísero humano em cada um
Suplanta a imensidão no vazio
Ante a oculta face do infinito ao que é

A isto chamam verdades
Em nós denominamos fé

PÁGINA ESCRITA


Perto das expectativas mora uma garota bonita
Tem cabelos crespos, olhos instigantes
Lábios incandescentes, mãos de raro veludo
Anda devagarinho, por vezes serelepe
Fala sobre as histórias e experiências
Que vivenciou no presente que vivera os instantes

Chama-se Página Escrita
Por onde tua leitura passeia e decifra
Imagina, viaja, aprende, crê
Ou faz de conta que acredita
E vira, como se vira um dia em horas
No horizonte

SAUDADE


Não seria solidão
Simplesmente uma ausência
Dessas que a gente ganha
Quando se desmancha
Aquilo que a gente sonha

Na verdade é saudade
Dessa que se instala e apossa
Dói e continua doendo
Arrasta-se por um tempo sem fim
E permanece corroendo

Nem dá tempo de pensar
Quando vê já está sofrendo
Às vezes demora passar
Mas não seria solidão
E sim somente ausência

CONFIDENTES


Vivendo vamos tomando liberdades
E assim cada vez mais
Deixando de ser livres

Íntimos dos planos vindouros
Próximos das filas do acaso
Pertos das armadilhas dos segredos
Junto das inescrupulosas correntezas
Confidentes dos inacreditáveis complexos
Confessores de pecados rechaçados
Sabedores de incuráveis culpas
Conselheiros de promessas desmedidas

Nessa corda de nós que nos prende a alma
As intenções e a paixão nos tomam por guias

E quando percebemos estamos soltos
Porque são esses gestos que nos içam
E dão sentido aos nossos dias

NO FERVOR DA MADRUGADA


Essa tua ousada libido
Mora num lugar tão quieto e calmo
Que ate mesmo qualquer vento perdido
Deitando-se em teu colo cheiroso
Inventaria de não mais ventar
Somente pra te ver suada

Mas esse indiscreto arzinho
Desperto de gula e prazeres
Eriça e te rebuliça os mamilos
Revira teus olhos bonitos
Desabrocha teu danado risinho
Põe-te do avesso acordada
Adentra a tua vontade faceira
E arteiro se esconde mansinho
Por entre os teus pelos macios

No fervor da madrugada
Quem não cobiça e se atiça
Após a insônia do cio
Aos apelos da geladeira?

O CIRCO


Eu me entristecia quando uns sentavam-se em tabuas
Outros em poltrona estofada
Se nas elucubrações do artista
A emoção do riso
A expectativa do risco
E admiração pelo ato
São únicas na comoção da plateia

A lona do grande circo
Foi aos poucos rasgando
Os panos erguidos
Deixaram evidente palco picadeiro
Camarim camarote e arquibancada

Então compreendi que viver é ser partícipe
Do mais lúgubre ou alegre espetáculo
Depois de ser todo pouco importa ser parte
Se não estiver nua e transparente e repleta
Nada será arte


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SELVAGEM


De todos os poemas
Escolhe o mais arteiro e atrevido
Aquele que melhor te despertar a libido

Pensa quando fora escrito
Imagina as intenções
Advinha o motivo de ter sido feito
Depois de singela análise
Medrando o quanto fora selvagem e difícil
Esse ato de esconder entre palavras
A premente vontade de um abraço

Depois sorria e disfarce
Como eu disfarço

TEIMOSAS


Ensinei minhas mãos teimosas a pouco se verem
Às vezes encontram-se, revezam
Condecoram, aplaudem, e retomam seus lados

As minhas mãos pouco sabem uma da outra
Ainda mais quando advertem, apontam, condenam
Cumprimentam, auxiliam ou dão adeus
– Aprenderam a gesticular sozinhas

Porem mantem uma incrédula cumplicidade de energia
Ajudam-se obvia e espontaneamente para segurar uma barra
Desatar algum nó, pontilhar a viola, carregar emoções
Destravar as janelas, encontrar os rumos

Estão é verdade repletas de solidariedade
E assim convivem debulhando situações interceptadas
Pois até quando minha mente se põe em oração
Unem-se e necessitam dessa união
Mas não se leem

Independente de onde meus pés andem
As minhas mãos precisam ser lidas por minha vida cigana
Enquanto isso folheiam livros e escrevem historias

À PROCURA DA HORA CERTA


Estamos todos à procura da hora certa
Inventando estranhos costumes para usa-la
E nunca a achamos, mesmo estando despertos
Em constante sentinela

Dizem que há esse momento exato
De ventura ou de absoluto azar
De aguardar o fruto ser maduro
De ignorar ouvir o fluxo que condiz
E valorizar balelas presas no verso da antessala

Vivemos cercados de consensos e querelas
Desconhecendo os segredos da boa ou má sorte

Que nos apanham constantemente desprevenidos

 

Para onde nos levarão então

As facetas incineradas desses sonos mal dormidos?

O QUE DEFENDO PORQUE CREIO


Convença-me com qualquer palavra
Peça com veemência
A ti disporei todos os sentidos
Ouvidos
Para que inteire da tua sentença

Somente não exija que compadeça
Não há complacência quando se força
A teimosia insensata em acreditar
Consentir
Nem que adiante se arrependa

Hoje talvez conceba certos arroubos
Diferentemente do que outrora entendia
Damo-nos ao direito de repensar
Antever
Essa surtada e disforme dicotomia

Somos todos imperfeição de conceitos
O que defendo porque creio
Não deveria colocar-me acima
Sobreposto
Ao oposto dos teus preceitos

Quando será que dissolveremos
Essa farsa açodada
Sufocante cegueira de cadafalsos
Dissimulados
Que nos põem tão pequenos descalços

Por isso tenho medo de dormir
Em dias semelhantes e tão iguais
Que afugentam nossas historias
Experiências
Ato supremo da razão do existir


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REPENSAR VOCÊ


Eu desarrumei a casa por completo
Tornei moveis obsoletas estacas e arquétipos
Troquei tudo de lugar
Pulei todas as configurações do dia
Para chegar à hora necessária de mudar
Depois saí remontando os rastros
Caminhados entre cômodos e esqueletos
Reaprendendo reconhecer o que modifiquei
Para comigo se convier voltar a conviver

Apreendi pelos armários algumas dores
Predispus em gavetas alegrias e prazeres
E deixei sobre a mesa nostalgias passadas
Pois é sempre bom reler momentos idos

Falta-me agora destrancar portas e janelas
Reavivar os ares e repensar você


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REPÚBLICA


O tempo desistiu de entrar ali
Não reconstruiu
Passou por tras, preferiu as vicinais
E o beco morreu
Escondeu, encolheu, estagnou-se

Mas as moscas daquela rua sem saída
Guardaram nas asas
Alguns punhados de estrelas
Então juntas hastearam-nas em bandeiras
E tudo parecia diferente

Porem se perderam ao vento
Sem eira nem beira
E tudo voltou à mesmice
Infelizmente

BOA PRAIA


Johw, você dormiu?

Não, ninguém mais consegue dormir em Taperapuan!

Estranho isso, amigo Toddy, uma madrugada de sexta que teve início ainda na noite da quinta, seria propícia para um bom sono, mas não se consegue relaxar com esse som altíssimo.

Mas Johw, é Gustavo Lima quem estava cantando, é bonito.

Sim, Toddy, também gostei, o som dele é mesmo bonito. Difícil foi aguentar os gritos dos escrachados animadores achando que faziam um ‘esquenta’ pra Gustavo.

Pior ainda foram os rojões, Johw.

Verdade, Toddy.

O que esses caras têm na cabeça? Soltam bombas à meia noite, às duas da madrugada, às quadro da matina... quanto desrespeito humano.

Humano e animal, cara!

Estou com o rabo entre as pernas de tanto medo até agora, amigo.

Sorte sua, Toddy. Eu nem isso tenho para enfiar em lugar nenhum.

Chegou o sol, irmão.

Chegou, mano.

Vou dormir e você?

Vou à praia virar latas.

Au au, então boa beach!

ESPIRITUAL


Muito além das aglomerações e acima dos grupos
Mora com peculiar particularidade
O espírito que se fez parte
E a parte que se tornara única
Longe de arroubos e apupos

É como se entre capas as páginas escondessem entrelinhas
E nalgum canto delas a palavra extinta por premissa
Morasse apenas num mínimo fio de pensamento
De um livro omisso transcrito pelas eras
Presente porque nascera
Vivente por toda espera

Porque pensas que não penso
Porque achas que não sei
Porque dizes que não creio
Desprende-se dos ossos a carne inerte e dela solta a pele

Quando a morte é certa e incerta a aurora
Se a veia cansa e sozinha estoura
Já era

INSPIRAÇÃO


Deveria não vê-la todos os dias
Até perder o medo da saudade
Deixar de imaginar possibilidades
Excluir da rotina toda mania
Desvincular a ousadia de acreditar
Que tu ou dormes junto às estrelas
Ou vives entre todas para incandesce-las
Apagando a máscara azul do firmamento
Para que na densa negrura eu possa vê-las

Para o momento um bocejo
E mais tarde um banho de sereno
Tornará suave esse fardo de exageros
Enquanto rezo benfazejo
Os sacros ofícios das vésperas
Mastigando as contas de um rosário
Aguardo-te peregrina e eu romeiro

Eu sou a guia que se serve da cegueira fria
Dentre vocábulos antológicos de um dicionário
E tu meus dedos que te reescrevem candeeiros

QUANDO EU ESTIVER DE VIAGEM


Quando eu estiver de viagem
Não fiques buscando-me nas estrelas
Nem permitas ser fantasma diuturno em teu jardim
- Não estarei tão longe que poderás esquecer-me
Nem tão próximo a ponto de assoprar tuas orelhas

Encontra-me nos arquivos do teu coração
Onde de certa maneira passei
Nalgum cantinho existi nas formas de emoção

E se por acaso a saudade arder mais que um segundo
Certamente irás sorrir certa de que de algum modo
Aprontei alguma boa arte em teu infindo mundo

E somente por esse disfarçado riso
Nos valerá a pena ainda estar guardado ali

DESCASO


Sim, meu país tem fome e cisma
Por não comer
Mas jamais vergonha em não partilhar
Tuas insanas farturas

Mesmo assim não é triste
Apenas talvez resista
E resistir às vezes é digno e direito
Por ser difícil entender
Quão indigno é o que se assiste
Desse lamentável avaro abandono

Meu país não inveja
Apenas padece e rasteja
Enquanto houver tua gula
E despreparo

MÁSCARAS


De repente privastes-me os lábios
Ainda que estejas à minha frente

É diferente ouvir tua voz
Sem vê-los pronunciar as palavras
Entender a gargalhada
Sem poder contempla-los sorrir
Sentir que me querem e beijam
E não olha-los franzir maliciosamente  
Quando a língua os umedece
Sibilar por entre os dentes

Escondem-se do batom
Daquele tom que tão feliz te põe
Ficaram ocultas as maçãs da face
Que aspiravam meus olhos no relance
Pelo contorno da tua insinuante boca
Semicerrada quando me ouvias atenta
Balbuciante e de mim faminta
 
Perdestes o balanço da cara
Assoprando fios rebeldes do cabelo
Que compõe a tua morenice doce  
 
Que saudade de quando mentias
Insinuantes e disfarçados caprichos
Expressões e segredos sem máscaras


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PEÇO UM ABRAÇO


Peço um abraço
E se concordar não disfarce
Abrace

O abraço pode ser o alvoroço do pecado
Porém inefável é a versão mais plural de Deus
Ele alcança dois corações em estado de graça
E os molda e zela como se a sorte os selasse

Mas se houver ausência
Deixa que o silêncio replique
Pense como se fosse e sentisse

Pode ser ao deitar-se
Ou se acordar e lembrar-se do desejo meu
Que lhe abraçasse antes que dormisse
Deixa que esse sonho nos enlace e embale nos braços
Como se a um passeio levasse
 
Abraçar faz a saudade cingir um só espaço
Porque cada abraço é uma prece
Onde amar acontece

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

PERDIDAMENTE


Viver cantando assim a toda gente
É delicadamente tatuar no peito
Todas as maneiras de ser romântico
Dividindo o amor intensamente

Entregar à flor o brilho de um sorriso
Recostar felicidade onde houver choro
Construir sonhos de paz em plenitude
Recolocar a esperança onde preciso

Reacender e reviver cada momento
Buscar discernimento e maturidade
Mantendo-me eternamente menino

Ser instrumento e som dessa necessidade
De me enamorar por ti a cada novo vento
Perdidamente amando-te a todo instante

POESIA


Não sei bem se faço poemas
Sei que transcrevo os versos das canções
Que a tua presença impõe
Para que meu coração cante
Meu espírito louve
E minha alma te aclame
Intensamente dona de mim

Qual oração que recito
Medito, bendigo todas as formas
De ao rezar estar junto a ti
Num final de noite de outono
Quando a insônia e o abandono
Torna a poesia mais exata
O silêncio mais puro
O sussurro um enorme grito
Nos bilhões de anos luz
Do abismo infinito dos sonhos

Já não sei mais em qual planeta
Vivo, para onde irei ou venho
Apenas sei que te componho

UMA SÓ LETRA


As boas palavras aclaram ideias
Exaltam sorrideiros pensamentos
Branqueiam o alvejado esmalte
Enquanto mordem a carne dos lábios
Emolduram os dentes

Refinam o hálito prazerosamente
Mastigam, deglutem, engolem, ruminam
Cospem ou vomitam toda verborreia excedente

As boas palavras escovam amigdalas e vísceras
Lapidam a língua, burilam vocábulos, babam sílabas
Separam, pontuam, pausam ou encerram contendas
Afetas a qualquer diálogo contundente

Descongelam a mente e plantam saborosas pronúncias
Docemente salivam e irrigam e enlevam a verve da gente

As boas palavras harmonizam o silêncio e o discurso
De quem fala, de quem ouve, descreve e as soletra
As semeia e as escreve peregrinas, fortes e singelas
A quem se atreve a dize-las ou busca-las certas
Sapientíssimas e perpétuas ainda que ditas erroneamente
Sem que se proclame, perceba ou se ouça
De si mesmas sequer uma só letra

POEMAR


Recrutarei outros conceitos para novos poemas.
A ideia usual até permaneceria comum e corriqueira
Afinal não se pode modificar tanto quanto se queira
Apenas com palavras, sejam novas ou as mesmas.
Poderei até vestir minha máscara com nariz vermelho
Pronto a continuar mentindo poesia por onde passar.
Há quem ache meu poema não ser verdadeiro.
Creio chamam arte a esse sacrossanto exercício de poemar
Nesta cotidiana reflexão diante deste velho espelho.
Não, não importa em qual dia da semana ou do mês;
Continuarei viajante estradeiro, peregrino, caminheiro
Mas deixarei de ser estrangeiro – é isto o que a poesia faz –
Portador das laboriosas e estupendas capsulas de paz.
Se quiser vir comigo, traz tua virtuosa memória
Somaremos nossas rimas, rimaremos o desaparecimento
De todas as mazelas existentes no pensamento.
É, não há melhor remédio que remedeie as intrigas
Senão a velha verve e a rima de um bom cancioneiro.
Cruzaremos o mundo versejando sobre alegorias
Compondo estrofes para singelas cantigas
Depois descansaremos entre os hemisférios
E dormiremos livres nas páginas de algum livro
Sob os olhos entre as mãos de algum menino.

RESILIÊNCIA


Tanto vaguei pela beira do cais
Que em minha veia corre agua salgada
A carne tornara-se restinga e areia
E os músculos raízes no lodaçal do mangue

O coração petrificara com a mente
Os poros vertem limbo e maresia
E os olhos já nem se importam mais
Se ainda é noite ou outro dia

Da garganta surge o urro das ondas
E a língua lambe as pedras de apoite
Entretanto não me faltam silêncio e ar

Sim, o puro oxigênio que dança minha espuma
Adaptou-me a ser teu rumo e horizonte
O mar por onde teu barco navega e se apruma


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A CAUSA DA QUAL MORRI


Põe-me longe sepulto retirado dos amigos
Distante dos parentes
Em cova rasa de condomínio
Cercada de estranhos vizinhos
Onde se desconheça o bom-senso
E não reconheçam a causa da qual morri

Sempre vivi muito próximo ao apego
Religado à exacerbada bonança
Descomunal à pequenez do meu mundo
Não será justo que se perpetue
Quando o tempo e os dias
Não farão mais sentido
Atreva conviver a eternidade
A engana-los com a índole de boa gente

Pois se assim tivera sido os teria amado mais
A ponto de não ter partido sem tê-los deixado
Com as certezas de que não duvidaram jamais
 
Por isso que seja erma minha ultima morada
E nada e ninguém no extremo derredor
Conheça as insalubres trapalhadas de um ausente
Que nem mortos auferidos ou vivos mortais
A meu gosto e pedido nem se lembrem ou arrependam
Terem me posto ali sob a alcunha de indigente


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BARBAS DE MOLHO


Certas coisas nos cegam tão de repente que quando abrimos os olhos ficamos pensando: como não as vi! Sim, tem situações inusitadas ou repetitivas que sempre nos pegam de surpresa. Quando alcei um ano após minha primeira metade de século de vida, prometi a mim mesmo que a partir dali não assustaria com mais nada. Venho tentando fazer isso já há dez anos, mas por mais autocontrole que se tenha, há por vezes (e muitas vezes, por sinal), algum espanto na curva. Prova de que estamos sendo submetidos constantemente a novos aprendizados. O desconhecido deve ter para todos, o significado de novos conhecimentos adquiridos. O inusitado precisa, portanto andar de mãos dadas com a nova realidade, sendo que essa nova realidade necessita de constante esforço para tornar-se parte do cotidiano.

Filosofices a parte, acontece que me considerava tranquilo, tomando os cuidados básicos de fuga da covid-19, com a finalidade de me preservar para preservar os que com os quais convivo e me cercam dia a dia. E assim driblando a rotina, um dia após meu aniversário levei satisfeito e cantante, meu braço nu de encontro a ponta de uma agulha que me faria a gentil fineza de introduzir em meu organismo a primeira dose da Oxford.

Agora estou aqui leso, dolorido, enjoado, e o pior de tudo, fingindo vender saúde para não preocupar quem me cerca.

Mas os sintomas são leves ante ao que vejo noticiar sobre as mazelas que essa pandemia provoca a cada fração de segundo por todo o mundo. Então, não é motivo de queixas ou reclames o que venho agora fazendo, mas sim, um nítido exame de consciência.

Primeiro, não sei no que isso vai dar e como irá acabar. Se isento e imune dos malefícios do sars-cov-2 ou pego pelo rabo (braço) e ao invés de inoculado, agente e distribuidor desse desgraçado vírus. Não sei se me isolo ou continuo a fingir até que esses sintomas sumam ou me debilitem por vez. Que estranha sensação de impotência total. E nem foi na curva do caminho, foi na retilínea estrada com total visibilidade e previsibilidade de sucesso.

Antes que os olhos apaguem por vez, pois nem estou conseguindo mirar mais a branca tela do computador, registro esse susto que nem sei onde irá ser publicado, para que não desperte qualquer preocupação em quem me ler.

Aguardo agora a segunda dose, que daqui há três meses virá. Depois disso tudo, espero poder sorrir do tropeço e dar risadas contigo comentando estas linhas. Porém, se der zica, não chore por mim!

Fui.

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EU TOCO UM INSTRUMENTO


Eu toco um instrumento belo
Pela forma e pela corda
De sopro ou fole que assopra
Que tange rebomba reverbera
Com a boca as mãos os pés
O coração

Meu corpo é esse instrumento único
Uníssono
Por vezes desafinado
Mas que ainda produz boa musica

Então todas as notas curvam-se a estes sons
Que a minha alma orquestra


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MELANCOLIA


Eu não ousaria mexer na solidão
Quando esta só significaria
Esconder o próprio coração
Dos existentes amores
E daqueles que porventura virão

Perceber se é possível fugir
Para algum horizonte sem luz
Onde o olhar não possa alcançar
Onde o amor resista adentrar
Faz sofrer ver o mundo ruir

Enquanto espero sozinho
Passar esse atroz turbilhão  
Vão-se meus dias e as noturnas canções
Sem qualquer razão de alegria
Que me tornam assim tão tristonho
 
Eu não saberia compor outra melodia
Enquanto meu peito padece

A máxima incerteza que aflita
Depura a melancolia
De pura melancolia

PARA DEPOIS DO CARNAVAL


Deixem as batalhas para depois do Carnaval.
Contenham os ânimos
Embainhai as espadas
Guardem os rifles e canhões, fuzis
Poupem a língua do sarcasmo hostil.
Deem às crianças liberdade e fantasia
Às deusas fantasias e malemolência.
Desmanchem os pelotões
Criai apenas blocos.
Cessem as marchas para ouvirem os coros
Das simétricas matreiras marchinhas nas ruas e salões.
Hasteiem as bandeiras das escolas
Os estandartes das agremiações
Os santos mantos dos desejos
Estampados nos mastros da alegria dos trios.
Desnudai os sentimentos que invadem as praças
Com sonoros tambores e tamborins.
Arrastões somente de ousadia
Excessos de explosões de felicidade nas avenidas.

E depois, quando tudo isso passar pela cidade
Riremos incomodados da paz que essa guerra de folia
Por alguns inconsequentes e deliciosos dias
Conseguiu nos dar.

PROVAÇÕES


Inverso de todo passarinho
Minhas penas pesam por dentro
Coladas às ânsias das asas da mente

Se voo e flano insensato menino
Cumpro as indesejadas sanções
Que fazem morada em meu ninho

Repreendendo os falsos modos
Liberto medos e vícios
Das plumagens da vaidade
E torno esse breve existir
O quanto possível mais leve

Suportar qualquer intempérie
Que afugente minha máscara
Do veneno que me consome
Escancara-me pecador confesso
Nada santo nada anjo nem sonso
- Porem certamente mais íntimo
Das provações do divino
E nada é mais humano que ser digno

UNIDADE


São únicas as nossas vontades apesar de diversas
Nós procuramos
A falta dela é como se queimássemos a língua
E perdêssemos o paladar
Ninguém usurpa da liberdade do existir

Pisamos todos sobre mosaicos de pedra
Uns acolchoados
Outros nos granitos em pelo
Tantos na batida terra e torrão
À baila do realejo que regula o pensar

Em algum canto mora o encanto da unidade
Mesmo que andemos em paralelo
Ainda que às cegas buscamos o porvir



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APARÊNCIAS


Na beira do campo entre a grama
Há uma singela flor amarela
Num frágil talo verde sem prumo
Que a ostenta pouco acima da relva

 
Enquanto a mansa brisa perpassa por entre as ramas
Sobre as macias folhas um gesto breve aparentemente a deita
E verga suas pétalas num balanço suave
Como a alma estendesse o próprio corpo sobre a cama


Garoto olha atento
Não julga o rude vento  por autor desse movimento
Foi apenas o pouso maroto 
De uma gaiata borboleta


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SEM NINGUÉM SABER


Não gosto de fazer poemas que remetam à morte
Porque detesto que os meus amigos lembrem-se
Que um dia também poderão morrer

Prefiro que cantem as melodias alegres
E leiam sobre amores e saboreiem as dádivas da vida

Instigo para que brindem as alegorias
Mergulhem na fantasia de que são todos eternos
Infinitamente abençoados pela eternidade
Em resposta ao zelo existente que para comigo têm

Os meus amigos e a fraterna amizade que nos convêm
Não tem tamanho nem cabem dentro de covas
Por isso jamais extirpa nem deteriora
 
E na minha hora em que sozinho eu partir
Sairei à francesa em silêncio enquanto festejam
Para que ninguém note a minha dor por ir sem querer

Partirei calado sem ninguém saber

SIGNIFICADOS


Se até meia palavra detém significados
Meia porção de poema ainda que breve
Descreve infindos predicados
Para quem o ame ou despreze
Mesmo que esdruxulo ou sereno
Severo ou eterno como um brilho no infinito

Por isso todo verso
Ainda que no apelo do amor farfalhe
Sempre é bonito em qualquer idioma
Se consegue dos sentidos avizinhar-se
Pela emoção de quem o separe
Independente de quem lhe reserve

Ao poeta apenas cabe o exercício da escrita
Nos poros da alma suada
De alguém que o leia ou declame

SONETO DO AMOR MADURO


Esperamos algumas dobras aprendendo mansidão
Depois, nos mesmos espaços a fio tivemos por lição
As certezas do intrépido desafio em vencermos
A vastidão dos doídos encantos indomados do mundo.

Outro tempo nos fora gasto no cotidiano desbaste
Daquilo que se desvendara com o surgir das verdades
Tão distintas quanto translúcidas com o passar da idade
Tão carismáticas a ponto de tornarem-se cumplicidade.

Fomos assim perseguindo ilusões e vencendo vaidades
Conquistando a amizade, obedecendo raras vontades
Distantes da subserviência, do ócio, das tolas paixões.

Tornamo-nos generosos, íntimos, prósperos e próximos
Tão comuns como apropriados são os doces sentimentos.
Então descobri que a amara desde o primeiro momento

TREM DAS ALMAS


Assisti da janela tantas almas
Desde a tenra juventude até poucos dias
Seguirem calcadas nos mesmos dormentes
Longitudinais estendidos mundo afora

Cada parada e partida ao longo das estações
Transpunham os embates das aragens
E tornavam-se inesperados passageiros
Repletos de encantadas aventuras

As torrentes de soslaios, no entanto
Descolaram as madeiras desses solos
Desunindo no entrelaço o aço dos trilhos

Desde esse dia todo amor desavisado
Que assusta, desviaja e nem desafia
Fechando as paralelas, descarrila

DESLUMBRE


Quando duas línguas se tocam
O mundo de quem deseja o beijo
Torna-se oração perfeita

Sabores ardem sedentos
Nesse encontro de saliva e espasmos
Extraindo dos lábios molhados
Aceites inaudíveis das vozes dos hálitos

Da ternura única e efervescente
Todo perfume tateia o momento
Assistindo espargir pela sala do anseio
A dissimulada fome engolindo as palavras

Dado ser afoito intenso e místico
O espírito aguarda que o corpo entreveja
Pelos olhos fechados em êxtase
O deslumbre da língua quando beija

PARA SEMPRE


Quando se deixar de amar
Por onde o amor se vai ousar prender
Novamente acender feito semente para brotar
Se ausente ele estará distante da gente?

Quando se perder o amor
Quem o irá reencontrar de repente
Quando se partir o amor
Quando se negará amar
Quando se prover do amor reticente
Quem o irá retomar?

Mas se morrermos de amor
Viveremos amando
Amados para sempre

PLENITUDE


O que deseja o ser senão a vida
Cotidiana
Em plenitude e soberana!

Por isso o universo movimenta-se
No entorno do perfeito
Respeitando os limites e ciclos de cada espaço

E tudo o que há disforme, sara
Cura senão pela mão do homem
Sob a luz do divino

Melhor vive quem acredita, renasce, revigora
Quem busca no sacrossanto tempo
O sonho lúdico da natureza humana

E aquele que apesar das agruras do mundo
Mantem-se conectado ao cosmos
E a ele se irmana

Sim somos física matéria
Mas sobretudo alma



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PROSSIGO


Passam os pássaros tagarelas
Um pouco acima dos fios
Resvalando nas pontas das árvores
Rasantes sobre telhados
Em algazarras pelas janelas

Brincam de voar no centro do sol
Em círculos similares
Sem pedir licença pela barulheira

De tanto vê-los assim acesos
Voa também o meu pensamento
Além do peso da consciência
Sobre as nuvens da ignorância

Enquanto espalham-se à beira da fonte
Uns continuam voando sem parar
Prossigo a pensamentar

VELHO TIMONEIRO


O mar a essa hora
Mais parece um lençol amarrotado
Estendido sobre imensa cama
Depois que a lua espelhada deitou-se nua
Brincando libidinosa entre as pernas de quem ama

Eu velho timoneiro de um navio calado
Que tantas vezes deu-se aos prazeres dela
Hoje assisto da areia os arrepios do lastro
Mas sem pretensão de segui-la a nado
Ao aguardar que me venha insólita a madrugada

Aprendi que nada há de mais insensato que a fartura
Há tanto peixe e não mais sei busca-los
Tantos rumos sem outra vez persegui-los
Tantos amores entre lua e aguas e não torná-los
Tantos dias colhidos sem retoma-los

Vejo o tempo tecer suas historias
No anseio da amante um marujo que volta
Nos braços do pescador um risco de navalha
O almejado descanso de quem navega
Sobre a tabua das marés os frutos da batalha

Permaneço assim em silêncio e sóbrio
Sensato entre o futuro e os dias pregressos
Observando o curso dos barcos sem lastimar meu norte
Ciente da certeza de que a lua me tomara ainda moço
Pois antes de me beijarem a boca eu já lhe fazia versos


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BREVE


Na sumária manhã
Boa parte das pálpebras se abre com o sol
Desperta mesmo quem mantem cerradas as janelas

São os compromissos do organismo
Em naturalmente recompor movimentos
Sair do mérito horizontal
Encarar de olhos abertos as luzes do mundo

Eu ainda no breu do ventre
Piso o chão à espera do dia
Não por temer que não venha ou clareie
E sim por reconhecer
Que adentre meu vagabundo sonho
Acostume complacente descompor-se em endemia
E me fazer dormir eternamente

Nesse dia leve
Nada de mim mais restará poemas
Unicamente a fantasia de que fora um sono breve

DESENHOS


Embora  raie  o  dia  nos  tons  da  íris
Por  vezes  não  enxergo
A  cor  maior  que  azuleja
O  matiz  do  firmamento

Claro  azul  do  jeans  nos  retratos  das  estrelas
Azul  ainda  verde  e  maduro  da  fruta
Raios  do  fogo  do  momento  da  boreal  aurora

Imagine  fossem  também  azuis
O  rude  asfalto  e  as  rampas  dos  telhados
A  noite  azul  escura  refletiria  surreais  desenhos
E  a  neve  azul  em  lava  escorreria  exata  pela  terra

Seriam  ainda  azuis  os  reflexos
Dos  meus  sonhos
Nos  ciscos  dos  teus  olhos

DISFARCES


Impossível fingir o sorriso
Se a mentira inventa olhares
Impossível dissimular o tremor
Se o suor aflora da fronte
Impossível camuflar a ansiedade
Se o corpo todo interage
Impossível esconder as palavras
Se os lábios balbuciam e entreabrem
Impossível esquecer os caminhos
Se os passos buscam os rastros
Impossível reter a saudade
Se o coração inquieto espera
Impossível separar as razões
Do amor que em si revela-se

Desnecessário negar os disfarces
Quando a paixão se aclara

OUSADIAS


Meu sol costuma dormir pertinho
Nada dessa historia de ir ao Oriente no final do dia

Ele não viaja, apenas desliga a luz e torna amanhã
Alguma parte de ser que seja tarde
Ou faz amanhecer algo que precise
E nunca deixa de brilhar por mim

Antes de apagar põe os pássaros em suas árvores
Arrebanha as nuvens aos seleiros
Diz aos ventos que arrefeçam e se refaçam
E aos arcanjos que clareiem minha áurea
Para que eu não sonhe em vão ou perca o sono
Descabido temeroso com minha própria insônia
 
Mantem por fim alertas um punhado de estrelas
Por sentinelas, pois caso ela venha saberá
Onde me achar apesar de qualquer escuridão
Que me tome nos braços por ser ainda noite

Ensinou-me que a vida sem ousadias
Por vezes fica ilegítima e sem graça
 
Logo após faz manhã e entendo por fim
Que nada é à toa

PERMITA-SE


As rosas não são iguais
Não por não serem todas rosas
As melodias são distintas
Não pelos arranjos nem pela poesia
As palavras diferem-se
Não somente por possíveis ignóbeis significados
Os mundos são dispares
Porem nunca pela distancia entre si

Mesmo as dores similares
Divergem-se caso a caso
Os pensamentos variam
Não por serem mínimas ou incríveis ideias e ideais
Dos sentimentos cada um torna-se único
Apesar dos mesmos conceitos

Tudo tem e traz
Sua própria digital e raiz
Que aglutina distingue caracteriza denomina
Motiva conceitua e particulariza

Há quem creia ser nobre
Há quem ache vulgar

Pouco importa
Permita-se feliz

ACOBERTO


Porque criastes nas artes a perfeição
E descansastes ao sétimo dia da criação
Achais que o mestre artista
Cujo acervo se ouse pleno e completo
Deve imprudentemente ceifado
E de uma plataforma outra acoberto
Contemplando a própria obra como fizestes
Dormir sob o sopro insigne da eternidade

Assim ainda na flor da idade
Levastes Vinicius, Cecília, Guimarães, Leminski
E tantos bons mestres
Que nos deixaram legados imprescindíveis
E importantes transcendentes a esta dimensão

Quanto a mim
Pseudo autor de torpes versos e pobre verve
Peço-vos perdão por ousada e displicentemente
Haver me propalado poeta
E que de mim vos esqueçais por esta vênia
Permitindo-me seguir adente nesta escola
Teimando de aprender por algum tempo mais
No precípuo ensaio de escrever poemas tão ruins
Que a minha morte por ora jamais vos valha a pena


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CONTRIÇÃO


Senhor, nesse momento de incertezas vãs
Piedade primeiro aos teus servos desolados
Abandonados pelos teus propalados pastores

Estes, trancafiaram-se em suas mansões e palácios
Isolados nas catedrais, reclusos pelos mosteiros
Retidos nos templos, escondidos nas igrejas vazias
Como se longe das ruas fossem intocáveis e salvos

Afugentados do mundo enclausuraram em seus espaços
Contidos em suas túnicas, batinas, sobrepelizes
Enforcados por seus cíngulos longe das ovelhas
Envoltos das estolas e dalmáticas
Vestidos das casulas e ternos assustados
Encarapuçados de suas mitras e ricos solidéus
Mas despidos da franca humildade do ser amado

Estes homens que tanto bradavam ‘vendo-te os céus’
Clamam desgovernados por seus próprios cajados
Astutos implorando o perdão dos pecados
Mas sem coragem de ir vê-lo face a face
Tanto oram e ainda quedam-se duvidados
Blasfemando a perda da moeda da fé

E a mim, Senhor, nu pecador confesso
Que de tanto nega-lo até nem sei e nem entendê-lo posso
A mim nada peço exceto que descanse
Longe das sombras do assombro desses falsos bons moços
Para que possa com teu povo lutar por um mundo novo


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DESEJO


O desejo
De muita sílica anônima
Seria transformar-se
Em venerável vidro
Deixar de ser puramente
Cálcio e sódio
Soldar-se mansa
À ponta de um cadinho
Moldar-se em multiformes cores surreais

Ser para-brisa de carro
Copo americano, litro de cachaça
Travessa resistente, vitral de igreja
Janela de prédio, porta giratória
Gude de cristal, jarra para sucos
Tampa de farol, pote de geleia
Lente para óculos de grau

Depois de frágil massa
Transparente e dura
Cometer o risco
De mudar-se em farelo
Quebrada em mil caquinhos
Pela própria criatura
E se não conseguir voltar a ser óxido
Ao menos um átomo em algum milênio
De pó de mico levada pelo vento num sopro
De poeira sobre um móvel no quintal

ENAMORADA


Qual porta incorpora a alma
Enquanto renasce o corpo
E quando fenece o físico
E o corpo se degringola
Para onde ela vai-se embora?

Há quem diga que paire
Outros dizem que se esvai
Pelos rumos do nada
Em que o vazio a atrai
De onde idêntica veio
Cumprindo sua jornada

No entanto eu creio
Que antes dessa morada
A minha alma inquilina
Em outra plataforma de vida
Era tua enamorada

Desde então desmedia as ausências
Desde então persistia sensata
Desde ali entendeu de anuências
Desde lá me amou tão menina
Que hoje dorme tão pequenina
Nos meus braços de poeta

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

ENTRE COLUNAS


Venerável tempo
Eis-me absorto por entre colunas
Descalço
Nem vestido nem nu
Revestido de contemplação
Com a chama da alma na palma da mão
Longe dos deuses e nobres
Junto aos justos imperfeitos
Puxando as balsas pelas roldanas
Nem ao norte nem ao sul
Exatamente onde os astros me põem
Distante do gradil onde dormem
Todas as situações das eras vincendas

Eu subo os vossos degraus
Desço ao subterrâneo da lógica e dos defeitos
Passeio no entremeio das consciências
Onde se misturam destino e sorte
Quando a fome manifesta
O calor e a luz das sarças
E a morte a vida apresta

Sob a abóboda que o aço arca
E a foice corta se a carne é fraca
Junto os meus pés no arquétipo esquadro
E voo até as vossas alças
Aprendendo a ser forte puro e bom
Como devem ser lapidados
Os passageiros desta barca
Esses homens meus irmãos


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SUSTENTAÇÃO


Pelas asas que não tenho, voo e vou
Vou em voo em pleno movimento
Nessa indefinida avenida de vento

Com o dinheiro que não ganho
Não logro, adquiro, almejo ou possuo
Descontinuado do que apago e apego

Dos males que não causo
Descanso a consciência em descaso
Não me culpando por não lhes ser dono

Aos valores que me dizem amar-me
Desarmo e fraciono o querer de pronto
Repartindo a alma por resposta
 
Entre as dádivas que me cabem
Quito-as à medida que posso
Para que me saiam mais caras

Mas ao tempo que me resta
Que não sei ser longo ou mínimo
Silencia a morte minha orquestra

Que este incondicional amor me siga
Em sua interativa sustentação
Mas não me cegue

UM POUCO MAIS DE HOJE


Ainda tem um pouco mais de hoje
Antes que a manhã volte e amanheça

São as artes das horas ocultas
Que se mostram em partes

Assim se torna mais precioso o que se aprecia
Intenso e evidente seu claro
Mansa e macia essa espera arredia

E ainda que soubesse que partisse
Passaria a vida nessa plataforma imensa
Seguindo essa roda sem freio e sem guia
 
Contemplando-a por nada e não quisesse
Minha teimosa tolice insana e insistente
A esperaria

CERTAS VONTADES


Tenho certas vontades
Que ninguém acreditaria se as contasse
Tão inimagináveis que certamente surpreenderia

Mas o que seriam os anseios
Senão se evidentes o viço para a imaginação fértil
O alimento essencial da curiosidade alheia

No entanto tudo deixa de ser desejo
Quando calo as suas possibilidades
Ao primeiro pasmo que sobeja

Fervilha em mim qualquer coisa razoável
Dessas que instigam e incendeiam
Pelo simples fato de tornar-se exposta

Ante ao que sonho e vivencio
Há um abismo de considerações falhas
E é por elas que vivo buscando respostas


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GOSTO DE VIVER


Quanto gosto a gente faz do viver
Notícias: o homem perde o paladar
Não se sente mais cheiro algum
Cegos seguem por corredores sem fim

Eu caminho surdo a tais pressões
Pois gosto da vida e seus sabores
Dos odores dos segundos e das cores
Ainda que haja muros e escuro esteja

Procuro nos espaços que possuo
Sentir o coração intenso amar
Tudo o que essa visão me entrega

Assim encontro precioso sentido
Em todo gesto em cada regra
E o mundo a mim jamais se nega



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PELOS MARES


Evito as profundezas
Tenho medo dos mares
Mesmo assim toco meu barco

Nele embarcado
Surfando estranhas águas
Vivo a vida à flor da pele

Enquanto remo essa galé
Desbravo meu mediterrâneo
Ainda que por rumo errôneo

Mas o que é o certo senão
Um conceito mero e caro
E absolutamente leviano

O que seria a ancoragem
Uma vaga entre as ondas
Um risco a qualquer plano

Vêm os ventos ou se calam
Continuo velejando
Esses males não me abalam

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

POR DENTRO DE CADA UM


Anda tanta gente por dentro de cada um
Imprimindo sensações lubricas, absolutas

Há em cada íntimo uma pessoa oculta
Intrépida, intrigante, esnobe, insana, incomum
Digitando regras, regendo normas
Tardiamente desperta para o bem
Secretamente agindo incubada em ócio
E que a qualquer momento
Aflora em lugar nenhum transparente
Por Infantis atitudes levemente adultas

Dorme tanta gente no interior poeta de onde vim
Que desaprumo irresoluto, mas asseguro:
Quando me acho único, máximo e adulto
Ajo expondo meu lamentável lado imaturo
E se recolhido percorro meu deserto árduo
Completo minhas buscas justamente por ser puro
O anjo menino que ainda se recolhe em mim


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AMAR A QUALQUER TEMPO


Amar a qualquer tempo
Vicia os amantes
Alicia ao viço que se torna lícito balsamo
Entre o vício e seu vinco excêntrico
Emaranhada teia de nylon
Intrincada e sutil peça de aço
Insaciável artífice
Repousado sobre um mesmo espaço

Toda a riqueza do amor existe na abundância
De certezas afeitas aos sentimentos dominantes
Amemos incondicionalmente

ANDANTES


Quando passeei meus sonhos pelos teus cabelos
Encontrei razões de não estar sozinho
Sozinhas minhas mãos não iriam por teus pelos
Não fosse o sentido de fazer carinho

Quando viestes flutuante beijar minha sede
Descobri o bom gosto do arrepio da pele
Sozinho jamais estaria suando os poros
No roçar dos lábios úmidos que o desejo impele

Se descalço andei por todo o teu corpo
Permitistes vir de intensas viagens
Mapear sensações preparando gozos
Próprio de quem envereda por tenras paragens

Dão-se as mãos ávidos mutuamente amando-se
Enamorados sentimentos de amor e ternura
Nenhuma razão haveria não fossem pensantes
Os segredos íntimos arrítmicos de toda criatura

Olhares, palavras sussurradas, êxtases
São doces cantigas embalando andantes
Passeemos separados porém virtualmente
Vimo-nos amando-nos, sentimo-nos amantes



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BALANÇO


Se a menina solta dançando um sonho
Faz do balanço um trapézio e flutua
Voando descalça e livre no espaço
Na esquina da noite sobre o chão de areia
O mar inveja o vento que a empurra
E ela vai pelos ares e por ali passeia

Se a menina faz do trapézio um balanço
Entre as cordas num tapete de tábua
E se esguia na cara da noite balança 
Sob os olhos das pedras na boca da praia
Dá-se o espetáculo ao sabor das ondas
E ela sai pelos ares e o mar desmaia

Se esse doce bailar toma de encanto a menina
Se a felicidade a extasia e dela se apodera
Quem dera também no horizonte surgisse
A lua faceira iluminando essa noite 
Balançasse cercada de uma via láctea inteira
Sussurrando à menina uma doce cantiga

E se a menina passeia nesse vai e vem
E se sorrindo ao seu público ela o entretém
A natureza a enfeita e o tempo ensina 
Que a arte ciúma do artista que não cumpre
A sina em crer o quanto à vida faz bem
Ser simples e quanto mais pura mais linda

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CONFISSÕES


No íntimo há uma fome incontrolável
De tocar nos teus cabelos
Roçar a boca em tua nuca
Sussurrando lentamente
Que tu és minha loucura

De fato tenho sede do teu beijo
Desejo de tua língua
Qual sabor de tua boca
Degustar tua saliva
Mordiscando os meus lábios

Quisera carinhar as tuas costas
Num abraço em que teus seios
Recostassem no meu peito
Onde as mãos despetalassem
Arrepios tão verdadeiros

Descobrir se entre as pernas
Há pelinhos tão macios
Quanto estes que margeiam
As curvas do teu pescoço
Bem juntinho das orelhas

Lamber logo acima dos joelhos
Por entre tuas firmes coxas
Entre os lábios marejados
Do visgo das profundezas
De desejos tão inchados

Ouvir estes teus loucos gemidos
E o pedido adocicado
Que complete nosso gozo
Por um instante ainda que seja
Sem limite e sem pecado

DESAFIO


Percebe como a música é a mesma
Perfeita a melodia
Eterna porque encanta
Canta-a
Entoa

Mas também desconfia
Da tua fala incerta
Que tua voz não mais acerta alguns acordes
Que tuas cordas não vibram como deveriam
Que teu sopro antes tão forte quase não assobia
Que teu peito não vibra apenas chia
Que tua memoria esquece o refrão
Que os ouvidos apagam esse teu som
Que viver é esse perpétuo desafio

EM OUTROS TEMPOS


Em outros tempos
Estaria vendo teu rosto por inteiro
O sorriso verdadeiro escapulindo dos lábios
Junto às falas e frases em sons amenos
As maçãs rosadas debaixo do olhar matreiro
Entre as mechas douradas dos teus cabelos

Em tempos passados
Tocaríamos as mãos seladas entre os dedos
Pelas palmas suadas expelindo desejos
Abraçaríamos sem medo assegurando afagos
Como quem baila ao ritmo apressado
De um silêncio desmensurado

Em novos tempos
Estaremos cada um a seu modo em diversos lados
Talvez até sussurrando ainda apaixonados
Imaginando-nos amantes
Amados ou então ausentes

De nós nada sabemos no amanhã escondido
Do tempo apenas conhecemos o que veio antes
Do hoje é o que temos para ser vivido


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PEDREIROS POETAS


Não, não sou poeta pelo simples ilógico querer
Tanto que por vezes incomoda-me a poesia
Poderia estar gozando de outras formas de prazer
E justamente estar lendo o que alguém outro escreveria

Mas quando isso acontece eu me despeço da leitura
E vejo-me no involuntário clamor de fazer poema
Some do meu derredor todo o concreto da existência
Entrego à minha mão o verbo que a mente ordena

Então vou construindo palavra a palavra os seus anexos
Como um oleiro funda alicerces de argamassa e argila
Depois edifica casas absorto no suor do rico ofício

Quando se vê encontram-se ambas lapidadas, concluídas
Mais uma e outra e outra obra predicadas do Arquiteto
Feitas de magia, sonhos, barro, sintaxes e raros versos



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DIABRURINHAS


Passemos incólumes pelas diabrurinhas do tempo
Assim evitaremos que o mundo sofra
E se desgaste e dobre inútil por nossas sobras

Não é justo que as agruras derrubem nossos laços
Que o bagaço da impiedade sobrepunha os bons frutos
Que alguns vieses destruam as referências
Que não haja perdão aos pecados breves
Que os muros cerceiem nossos traços

Passeemos vivazes pela orla das benesses
Recolhendo as danuras que porventura resultem dores
Certamente estaremos mais leves

INVOLUNTÁRIOS


Tenho vontade de pular o muro
Sair da rua
Cair no teu quintal
Enfrentar tuas sombras correndo atrás dos meus dilemas

Você também poderia
Vir agora em meu pomar
Trazer mais flores para o jardim
Recolher as roupas estendidas no varal ou despi-las

Poderíamos nos encontrar em qualquer um dos portões
Da minha casa ou da sua
Conversar pelo interfone
Dizer se chove ou faz frio se tem sol ou noite ou lua

Combinar um pernoite
Qualquer café num perfume
 
Mas continuamos involuntários
Certos de que as vontades passam
Bastando ignora-las como fazemos com as ousadias

Enquanto isso a noite morre o dia

PECADO


No princípio
Pouco antes do merecedor descanso
Recobri o planeta de verdes paisagens

Desarvorado
Achando Deus o que fiz ser bom porem exagero
Empenhou-se nas intermitentes derrubadas
Abrindo incríveis clareiras por toda a terra

E vendo as glebas nuas e cinzas
Espalhou gramíneas nas grandes pastagens
Canaviais pelo meio das matas
Milho soja algodão café e o nada nas imensas aragens
Eucaliptos em quantidade modificando as paragens
Sem controle e piedade
Justificando abastecer a usura dos mercados

Agora me acorda implorando restituir o antigamente
Que pecado!

A FÁBULA DOS NOVOS TEMPOS


PRIMEIRO DE MAIO DE DOIS MIL E VINTE E UM, e escuto gente dizendo que estamos definitivamente mergulhados na era digital e no tão propalado home office.

Que a pandemia em definitivo ensinou a todos, principalmente brasileiros, essa nova modalidade laboral. Trabalha-se à distância.

Sim, ninguém mais precisa sair de casa, cumprir horários, enfrentar trânsito, submeter-se a longos percursos utilizando os próprios veículos ou o transporte público. Que ampliou e permitiu um maior e melhor convívio familiar, pois pais e mães não se deslocam mais para as suas empresas, e por conseguinte, filhos estudam online; e isso permite interação ampla e irrestrita, reaprendendo a todos o quão saudável, necessário e gostoso é o convívio diário entre cônjuge e a prole.

É, a impressão que tenho é a de que quem assim pensa e age ou está gozando de um privilégio sobrenatural ou não está enxergando um palmo da realidade diante do nariz, e se está, tá tirando onda com a cara do povo.

Se a massa diuturnamente não sair pra rua para cumprir no mínimo 44 horas de jornada de trabalho semanal, perdão, mas quem irá lavar suas roupas, fazer seu almoço, colocar o bico da bomba de gasolina na boca do tanque do seu carro, entregar seu delivery,  tirar o leite da sua  vaca, obturar os dentes de seus filhos, trocar a lâmpada queimada do poste, recolher os enormes sacos com o lixo que você produz e larga ali fora do portão do seu quintal?

Estamos vivendo uma fome quase que sem precedentes. Uma desigualdade social inimaginável, um desgoverno epidemiológico sem fim.

Esse Primeiro de Maio tem muito mais que 24 horas. Tem a duração da falta de trabalho, a extensão das dores da alma, o comprimento do buraco na barriga e a insignificância de mais um boleto vencido sem condições de ser pago.

Haverá home office enquanto houver quem sustente com as próprias mãos e salgado suor, o tráfego que mantém plugados os gigabytes de sua internet.

Se não é trabalho será falso, senão ócio.

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INVERSOS


Benedito Poceiro sempre dizia
‘No buraco onde passo o dia
Busco agua para quem à flor da terra
Logo mais possa matar minha sede
Mas não a desperdice’

Uma vez uma lata com lama revolta
Caída da borda lhe partiu a cabeça
Foi-se o dito pelo não dito lá no fundo

Soterrado no fosso cumpriu a sentença
Houve menos agua gasta no mundo

PARA J FERNANDES


Seu manancial de palavras
Fala por si
É uma fértil fonte
Que jorra frases calculadas
Céleres, justas e pontuadas
Que nos remetem
A inesquecíveis e inesgotáveis viagens
Através de verdades e fantasias

Os seus textos
Sempre tiveram sabor brasileiro
Tempero baiano
E receita muito particular
Pois os ingredientes que utiliza
Para nos alimentar a alma
São próprios e da melhor qualidade

Segue esse seu caudaloso rio num menu
De singelas, precisas, saborosas e sábias histórias


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PARA O MEU CORAÇÃO


Ao teu coração peço que guarde
Os versos que teus olhos leem
Desenhados na lousa da ilusão
Pelas mãos de uma poesia

Recomendo
A alegria das escolhas
A sorte dos bons costumes
A dádiva da fantasia
As cores mais preciosas
Os doces encantamentos
Apimentados momentos
Canções e seus silêncios
Os sonhos mais prosaicos
Comezinhos sentimentos

Para o meu coração
Quero apenas o teu

TERNURA


Desconfio que ao teu coração faço algum bem
Pois recolho teu gratuito sorriso quando escolho
Passar uns momentos grudado em teus olhos

Não consigo te imaginar longe dos meus planos
Fora até mesmo dos santos demônios
Que atiçam perpendicularmente minha imaginação

Conheço-te melhor que a mim e te preciso
De todas as maneiras inclusive as blindadas
Pelo sofrimento indesejável do inesperado

Aprendemos a repartir os sentimentos
Os gostos pelos prazeres suaves da natureza
De nos reconhecermos nos apegos mínimos

Onde se aclara a saudade que acabamos sentindo
Há uma doce ternura religando toda essa certeza

UM MESMO SONO


As minhas mãos tem luvas
Assim posso tocar despreocupado
Em tuas feridas
Os meus ouvidos estão vedados
Então não ouço os teus apelos
Teus gemidos de dor não apiedam

Entre um curativo e outro
Tomo sorvete
E você faz qualquer prece

De cansaço o dia escurece
E nós dois dormimos um mesmo sono


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DEUS FEZ A FOME


Deus fez a fome de todos nós

O tempo exato de suporta-la
Cabe à generosidade e consciência
De cada ser e oportunidades

Seja insípido amargo insosso ou de sal
Aquilo que nos alimenta agora
Igualmente deveria dar-nos fome de Deus

Ou dele saciássemos


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PRANTO


É com ele que se rega o desencanto
Desespero de semente
Quando não consegue parir
O fruto, a flor, a muda
Romper-se, explodir, nascer
Pensar em ser fértil, planta
Encantar-se do porvir

Negro desespero
Claro desencontro

No íntimo trazemos todos
Esse desafio em ser próximos
Prósperos de felicidade vasta
E deixar tudo pronto para o outro
Quando os anos pelo tempo
Sejam ásperos pela pressa
Infinita que não sacia nem nos basta
Ainda que os apelos e os dias
Brandos de nós nos façam outros

Rompemos aos gritos o esforço
Em fazer do choro um ligeiro dilema
E do riso um cruel compromisso
Pois nem sempre é possível ser dóceis
E às vezes necessários difíceis

Em soluço ou aos prantos
A vida só nos quer ávidos no esboço
Do viço de ser simples para ser plena
Sem a indumentária áurea de ser santos


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SOZINHA


Sou vizinho da praia sozinha
Onde desenho de manhazinha
Junto às desapegadas ondas
Meu caminho de areia molhada
Sentindo o vento inquieto sorrindo
Ziguezaguear em paralelo
Por entre as mechas do meu cabelo
E os pés  mansamente lambidos
Entre os lábios da água morninha

Quando esse mistério natural se acende
É tão fácil contemplar no instante
O desafio tamanho de cada sede

Ainda que o mundo esteja opaco
A vida torna-se transparente
E todo sorriso mais instigante

TODO TIPO DE CANTO


Eu me encanto quando ouço
Todo tipo de canto

Há momentos no entanto
Que simplesmente a voz embarga
Por não saber ouvir ou não poder cantar
Ou se solta entorpecida no acalanto dos tons

Talvez eu não me veja tão alegre cantarolando
Nem esteja triste quando ando emudecido pelos cantos
Acontece que os dias são assim um tanto diferentes
E a gente se põe mais intimamente sensibilizado
Entre estranhos sons de desencantos alegrias ou torpor

Ainda assim haverá sempre um suspiro
À espreita de qualquer enunciado de canção sendo ouvida
E uma cantiga ensaiando a própria melodia pronta
Demovida da garganta afinada de um cantor



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ABNEGADO


Confesso-te que estou aquém das tuas dúvidas
Porem muito além dos teus pesares
Se desconheço as respostas que me pedes
Há tempo sarei dos males que padeces agora
E ainda que não pareça que me aflige o que sentes
Abnegado sofro enquanto teus conflitos enfrentas

Apesar da serenidade aparente
Que o momento nos impõe como meta
Suplanta tuas agonias
Supera tuas próprias dores
Enfrenta as tuas mazelas

CERTAMENTE MORREREI


Certamente morrerei mais tantas vezes
Pois meu orgulho poderá não desaparecer
E exigirá que me repita nesse ato final
O quanto necessário precise padecer

Já morri de amores, de imediato contentamento
Saudade, alegria, felicidade plena, frio e de rir
De inveja, medo, prazeres, desconfiança e sono
Na prescrição das dores que me fazem reviver

De repente a morte continue seu laboratório
E se experimente mais em minha espiritualidade
Aprimorando seu oficio em me matar por onde for

Apenas não gostaria de viver no abandono
De quem não sentirá pesar algum estando ausente
Ao recobrir na terra aberta meu ultimo momento

ESCRITAS


Todas as vozes que te falam de mim nada dizem
Se elogiam enganam-te
Mentem por enaltecer-me
Exageram quando aplaudem
Detratam ao enobrecer
Porque não sou nem resisto dentre padrões
Que costumas por normal ao ouvir conceber

Sou a madrasta consciência
Esta que te finge entender
Portanto não ouças de mim
Apenas leia-me o que puder
E terás a fiel noção de teu ser


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ESTE CÉU


Este céu é o mesmo sobre o campo fértil e o deserto

Por todos os lados soltos da esfera
Mantem presas as aguas nos leitos
As raízes aprofundadas
E todos os seres e coisas plantadas
Ainda que o vento as desenterre

O que se desprende queda
Experimente a queda, não desespere
Depois se levante e novamente voa

Este céu pequeno sobre a tua cabeça é imenso
Por isso cada tombo é diverso ainda que doa

Não importa se da mesma ou diferente altura
Sobe pois ao céu e desapegue a terra, criatura!



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ONTEM, HOJE, QUASE TODO DIA


Ontem, hoje, quase todo dia
Passeamos pela praça da saudade
Rememoramos passado e utopia
Que fomentam os sonhos fartos da poesia

Num fechar de olhos se viaja
Por estados que a mente vasculhou
E a qualquer próprio momento interaja
Com o presente que num instante já findou

E nesse rio de caudalosas e profundas águas
Seguem o curso prazeroso da memória
Sentimentos de que sempre se repetirão

Outros atos de satisfação ou duras mágoas
Pois assim nós escrevemos nossa história
Misto de penas, desejo e gratidão


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UM ABRAÇO


Desejo a sombra da árvore
De uma copa que recolha meu cansaço
Abrigue meus silêncios
Sossegue e seque o suor dos meus braços
Refaça esse ser que morre e canta
E renasce em seu próprio canto

Nem precisa sementes fruto e flores
Basta-me a sombra e talvez pássaros
Pousados entre folhas e galhos
Espiando meus sonhos
Inspirando meus ânimos
Para novos passos
 
Preciso a sombra da árvore
Como quem deseja um abraço

AH MARIA!



Se a visse outra vez do meu lado passar amaria a fumaça
Se a visse de mim desprender-se amaria as centelhas
Se a visse de algum ponto partir amaria as fagulhas
Se a visse na curva dos olhos sumir amaria as saudades

Se a ouvisse novamente voltar lhe seria dormentes
Se a ouvisse surgir lhe amaria os brilhos
Se a ouvisse então retornar amaria seus sinos
Se a ouvisse chegar nesse horário te acolhia nos braços

Amaria embarcar na primavera e por todas as plataformas
Deslizante entre os vidros a poeira e o vento nas janelas
Passageiro que sou das emoções rotineiras
Encravadas no banhado sertão das estações pantaneiras

O fogo e o vapor em sua imensa caldeira
O rugir das roldanas no aço dos trilhos
Chiando longínquas ou no meu travesseiro
Vislumbres da idade seguindo trilhas boiadeiras

Amaria seu cheiro de estrada de ferro e madeira
Amaria o arrasto das pegadas nos vagões de areia
A deserta incansável ausência de ilusões que se foram
Apelos do coração de paixões verdadeiras

Enfim vieste de viagem soberana vestida de estrelas
Que extasiado brindo eu à vida feliz por revê-la
Ah Maria Maria atravessará o tempo que lhe é pertinente
Enquanto eu num repente cá estou de passagem


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CONSTÂNCIA


Mesmo os rios de tantas vezes
Não se topam infinitos
Fazem curvas entre matas
Ah! contornam pelas pedras
Circundam barrancas
Às vezes tornam-se menos nítidos
Mas não sei se mais rasos ou profundos
Mansos e bonitos e disciplinados
E se acabam assoreados
Ou no colo de outras águas
Às margens em voltas e vindas

Alguns rechaçam
Aquele necessário momento de introspecção
E trocam a correnteza da foz
Por passeios na praça
Derramam-se entre as ruas
Espreguiçam rebeldes nos quintais
Até invadem casas
Encharcam fogões e camas
Depois dormem enlameados
Da fúria represa de suas mágoas

O bote de minha vida segue seu curso
Apesar da inconstância e dos temporais
Eu é quem não sei ser sereno
Abrupto riacho e tão pequeno

INACREDITÁVEL


Em alguns lugares onde havia florestas
As árvores agora mal convivem
Noutros solitárias sobrevivem ali e acolá

Dizem que existem lugares onde nem existem
Não resistem e secam e de solidão morrem

Fenecem tristes porque nenhum pássaro 
Ousa fazer ninho em seus galhos

Sem formigas cigarras cupins 
Sem a vantagem do verde das folhas
Não sombreiam nem arrefecem não suportam

Soube de um causo onde desocuparam os lugares
E foram morar na imagem de alguma tela
Pendurada na parede de papelão 
Nalguma sala na invasão na favela
Ou apartamento de concreto longe do chão
Sem mudas nem flor nem fruto ou semente

Alguém contou isso ao porteiro 
Quando pediu notícias da terra
Este de pronto disse-lhe
Meu Deus rapaz como você mente


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PERDIDAMENTE


Se te pareço sem noção 
Que chego a ser esdrúxulo
Tanto esquisito quanto excêntrico
Extravagante por ser ridículo
Inverossímil coração,
Amo-te perdidamente então

Experimente amar num descuido
Apaixonar se o juízo perder-se
Como desejasse um chocolate
O envelope pelo remetente
A árvore enamorada à semente
Um chute guiando a gol
A voz harmônica empostada 
Teus olhos iluminados de azul 
Como se em paz morressem
Às cegas por todo o sempre

Ser do amor tão discípulo
Por vezes acalanta o vexame
De estar egoisticamente amante
E nada mais permitir-se
Exceto a generosa certeza
De entender que seja possível
Amar sem exceção ainda que ausente

Quem assim age desassossega
Interage com a irrealidade
Endoidece de emoção

Amo-te ridícula e excentricamente
Na solicitude do amor imprudente
- Vê quão voraz é a paixão!



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SONETOS ESQUISITOS


Sonetos esquisitos para ninar mosquitos
Sem pé nem cabeça, nem asas, ferrões
Zunindo em volta das luzes feito insetos
Morando sob imundas lápides e porões

Justamente onde adormecem insensatos
Aqueles que subjugam os semelhantes
Que se julgam mais humanos porque podem
Esse poder aparente e podre de aparatos

Sonetos que exaltam a voz do povo
Por isso seguem por veias entupidas
Limando quaisquer restos de inconsciências

Unindo-se à dor de injustiçados
Meus versos destes sonetos esquisitos
Riem fartos das tuas inconsequências


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TRÊS LAGOAS


Era eu menino e moravam caudalosos rios à minha frente
Tão longos, intermitentes, profusos, infindos e soltos
Em cujas margens verdes de silêncio ouvíamos absortos
O passar das horas nos longos trens sobre os nossos brios

Era eu crescido em meio às desertas largas ruas de areias
Que de uma calçada à outra mal se ouviam os clamores do futuro
Incompreendíamos os porquês de tanta luz e a tatearmos no escuro
À procura dos sonhos que regessem as nossas jovens veias

Agora longe, atrás do tempo que escoara por aqueles trilhos
Ancorei meu barco num falso porto refestelado de saudades
Onde tudo é pedra, pressa, asfalto, agito, instância sem volta

Ainda existem rios porem não mais com as mesmas aguas
Permanecem as ruas mas estas ignoram toscas verdades
De que envelhecem os olhos mas as valsas ainda sonham-te

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UM FIM DE TARDE


Um fim de tarde acontece todo dia
Mas nunca se dá sozinho e sem alarde.
Mesmo após o sol ter ido de país em país
Deixa ainda costurado no tecido do céu
Por bons momentos o seu prurido.
Há sempre uma ultima nuvem ardendo
Brandamente vermelha e até entediada
De pele queimada e tecido redesenhando-se
Com qualquer brisa que lhe retoque mansa.
Alguma nuvem que tenha sumido na estrada
Que precisara descarregar sua chuva
Regado e carpido o feijão que será colhido.
Alguma nuvem igual a mim
Que passara toda a tarde a espera
De alguém transeunte de qualquer tempo.

Conheci uma estrela invisível que viajava pela terra
E todo o seu mundo era tarde porque seguia
Imprescindível recolhendo os últimos clarinhos
Iluminando os trilhos opacos do sertão dos vagalumes
E os intermináveis vagalhões dos desertos e mares.
Mas andava desviando para além das cidades
Onde as luzes sobrepunham-se ao lusco-fusco
No poluído e desumano horizonte abcesso da natureza.

Mas eu acostumara olhar para o outro lado do entardecer.
Sempre passava a minha infância de vigia
No laborioso oficio de acender a lua quando ela vinha

EU ABUSO DE CERTAS CORES


Eu abuso de certas cores
Do vermelho por exemplo
Sangro-lhe pelas veias
Eu não acho feio que o mundo de ocre me tinja
Mas odeio um mínimo corte no dedo

Assim pensam os parvos sobre as necessidades:
Desde que não me atinja o medo
Pouco importa se a peleja quebrou-se a vidraça
Pois me vejo na farsa do espelho

Oh ruas sem saídas destas nossas soturnas cidades
Vigiai para que não perambulem por elas
Nenhum coitado sem graça sem remédio sem paga
Depois o conforto se areja

Mais logo quem sabe esteja
Nos braços do descanso quem deseja
Ouvir a lucidez do silêncio

Enquanto prosperar qualquer forma de inveja
O amor nos console o choro pelo encanto


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SEDE


Na hora da sede intensa
O líquido que se desmancha em porção necessária
Anda pelo interno do copo aparentemente lerdo e lento
Por demais devagar e manso abrasa estar cheio
Tanto que a língua cansa dessa espera e ainda mais amarga
Arde no sal da saliva rala parecendo lágrima
Impaciente na garganta molhando o esôfago do sedento
E suado corpo que chora e implora e deseja a benfazeja
Gota que ao longe calmamente orgulhosa sai pelo olho
No cristal do vidro transparente e olha e aguarda o momento
De ser imediatamente sorvida junto às tantas outras moléculas de agua

Também minha boca tem essa mesma precisão quando anseia seu beijo
E qualquer virgula que se interponha entre essa vontade e o desejo
Torna-se mais insensata que o tempo do mais sutil e absurdo pensamento
Como se o ardor do carinho e o amor não fossem os mesmos enigmáticos
E não ocupassem céleres um único espaço dentro de um jarro com gelo
Esperando ser um gole de agua de um copo escolhido a esmo
Idêntica reciprocidade de alguém também por ti sedento

FINGE


Finge, pode ser bom mentir um sorriso
Omitir um brilho no olhar
Dissimular se fizer menos sofrer

Olha a abelha comumente nas auréolas da flor
Esvoaça, faz zumbido com as asas
Tão leviana e causa medo às nossas orelhas

Ouça o pio da coruja no breu
Traz o pecado arteiro das fibras
E acreditamos venha ser o presságio no cio

Morda o caqui e vê como amarra
Adormecida língua lambendo o lábio
Que somente arrepia por estar verde

Cheira a translucida escama do peixe
Que se deixa fisgar pela gula esguia
Da farta e arisca suicida isca

Tateia, passa as mãos pelas costas
De cada uma das estrelas tortas
Com a intensa luminosa saciedade falsa da lua

Mente, pode não ser tão ruim fingir piedade
Quando corre o espírito desconfiado da hora
Propícia de sair ao encalço das certezas
De que tudo nasce e pela mesma porta morre



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IOD


Tem cinco pontas esta estrela
Cada uma de si companheira
Cinco companheiros irmanados
Fraternos caminheiros
Obreiros de uma vida inteira

Cinco forças erguendo a obra
Traçando passos certeiros
Cinco mentes sentinelas
Aclarando a viva egrégora
Despojados semeeiros

São cinco castiçais acesos
Evidenciando da luz a beleza
Lados coesos de um teorema
Fortificados pelo espirito
E objetivo que os conduz

Cinco almas peregrinas
Andejos do árido ocidente
Empreendendo nas ferramentas
Árduas lições da lua acesa
Junto à orla do oriente

Tem três letras essa estrela
Em cuja chama as traz escritas:
Para que o homem seja puro
O mundo um tanto mais justo
E a humanidade perfeita


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MEUS ANTIGOS REIS


Meus antigos reis
Não traziam o sangue azul da realeza
Eram sábios como os meus pais
E inocentemente tolos como eu
Que em todos eles piamente acreditava

Os meus heróis de outrora
Traduziam suas mais incríveis ocultas forças
Em ternuras de brinquedo e armadilhas de enganos
Lutavam compulsivos não como imortais
Porem como decentes humanos

Aqueles ídolos da infância
Deram-me as chances de acreditar no próximo
E não única e propriamente neles
Não eram perversos e nem cultuavam
As desigualdades mundanas

Foram meus professores confessores
Flanavam pelo meu imaginário
E deixavam-me ciente de que nem tudo
É singular página ilusória
E nem a realidade eternamente sórdida

Ainda hoje continuo pela mesma estrada
Nessa íntima viagem que me atravessa a vida
E em cada estação ainda os identifico
Povoando meus anos por essa lida
Repleta de castelos escudos feitos e anjos


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MEUS PROBLEMAS


Sentado aqui no macio conforto da sala
Sou vitrine para as nuvens calmas
Que passam e me olham de soslaio

Também para um coqueiro carregado
Que aproveita o vento e balança altivo seus cachos
E ri da minha sede pois sabe que lá não subo

Por vezes voa algum apressado pássaro
Levando insetos no bico ou no papo
Ignorando que existo como ele do vagar

Permaneço abstrato tomado na preguiça
Ciscando palavras no terreno do alfabeto
Enquanto as acho para mais alguns poemas

Nada mais passa pela minha janela fechada ou aberta
Senão a natureza de cada coisa verdadeira ou falsa
E o tempo impiedoso desprendendo meus problemas


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PIRATA


Arrebataria meu barco em alto mar
De encontro a um vagalhão inesperado

Alquebrada, a proa soçobraria a estibordo
E suas partes desencontrariam por esse velho casco

Assim esfacelando blocos inteiros
Afundariam docemente entre as salgadas lágrimas
De olhares brejeiros

Entenderíamos que a solidão do mar
Seria bem menor que a de não amar
E que a dor de amar nada seria
Ante a ávida gula desse voraz veleiro
Inundado de saudade navegada e navegante
Por um qualquer timoneiro
Apartado de ansiedade retida sem serventia

Quisera atirar nesse oceano toneladas de poemas
E vê-los manchando as encostas
Escritos nas areias meladas de poesia

VARAIS


Toma-me por evidente
O conceito usual de ser bom.

Há quem leve como obsessão
O custo dessa cumplicidade
Em entender-se inútil e prestativo à bondade.

Para quem nunca viveu dessa pressa
O vil admoesta as intenções
Para sempre exige que se ponha
Ao vivo atento precavido à ruindade.

Tudo que dói da dor
Que perambula pelo nefasto da sala
E que desatenta despenca as incertezas
Ou se apossa e fecha as janelas
É um passo de maldade.
 
Por isso já moro fora de casa
Colado às cercas dos quintais
Lá onde as intempéries
Ficam mais perto da rua
E a realidade é transparente lençol
Seja de lama, asfalto ou areia
Estendido nos varais.

AQUELE QUE ABARCA O LOUCO


Genial aquele que abarca o louco
Quando a dor senil se desdobra
E lhe sobra parcimônia e tolerância
Para entender suas escolhas

Eu conheço apenas os insensatos
O resto que se descubram
Tadinho de quem lhes deve
Coitados de quem os cobram

Jamais tome emprestado outro dia
Achando que valha um tempo
A velha navalha raspa e apara
A aridez do pensamento

Sou discípulo do momento cego
Por isso me apego indecifrável
Aos apelos do conhecimento
À inefável sentença do fogo

Onde o ego atinge a cinza
Extirpa-se e a vida se apaga
Estoura a bolha da lucidez
Mas o amor jamais acaba


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CONVICÇÕES


De nada estou certo
Sempre abominei as certezas
O tempo é afeito a surpresas
Nós as tornamos distantes
Soltas nas correntezas se vão
Ou por sorte sentimos por perto
O que por viés longe estavam

Ontem choveu todo o dia
E enquanto o chuvão chovia 
Não vi nenhum pássaro pela varanda 
Cobiçando migalhas de pão
As formigas se ocultaram
Ninguém abriu as janelas
Também me ausentei da rua

Os insetos já circulam
Sabiás brincam nas poças e caçam-nos
Os vizinhos dobram as vidraças
Amarrando as cortinas nos raios da manhã
E eu de soslaio saio de acaso 
Como saem os pensamentos
Sem saber se advirão 

Ainda que perdurem as dúvidas
O tempo derrama surpresas
E abrasa ou moi fortalezas
Cada coração constrói seu edifício
Mesmo sabendo o quão difícil é
Alicerçar certezas nas ilusões
Danem-se as convicções



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DIACHO DE FOME


Diacho de fome que arde no bucho
Que rebaixa o bicho
Que o torna insano como qualquer homem
Um pária sem pátria sem rumo e sem nome
E vice-versa

É fome de verso diversa sujeita
O peito lhe aperta por estar na sarjeta
Sem voz e sem teto sem afeto e sem graça
Não importasse praça quintal ou casa
Nem absurda conversa

O mundo separa-nos entre o farto e a falta
E a alma se despe do corpo se mata


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POÉTICOS


A minha boca
É um velho copo pedindo agua
Para um lodoso pote pela metade
De um surrado corpo cheio de sede

Tua generosidade
Oferta-me em taça de cristal fino
O verde extrato das uvas raras
Jovial vinho servido em jarras
Inebriante néctar divino

Somos o contraponto
Entre o ébrio e o equilíbrio
Líquidos porem éticos
Herméticos ainda que sóbrios
Absolutamente líricos

SEM PODER CHEGAR


Já não posso ir
Sair é um fosso fundo do poço
Inacreditável surreal
Indizível destroço

O homem se esconde do mundo
Completamente impotente
Nada mais é importante
Diante do incomum
Nem a hierarquia dos anjos
Nem a comunhão dos santos
Nem o descredito ateu

Nada se faz mais tosco sobre a terra
Senão a incerteza da espera
Ante a ciência da humana miséria  

Talvez haja ainda uma era
Um tanto menos vulgar
Em busca de caminho

Já não posso ir sem poder chegar


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VIAJANTE


Na indiferença entre estrada e caminho
Os meus dias teimosos porem decididos
Levam-me viajante ainda que sozinho 
Seguindo rastros e largando pegadas

De onde vindes? – pergunta-me o pretérito
Para onde vais? – questiona o destino
Temeis o futuro? – indagam o risco e a sorte
Para o sul ou para o norte? – frisa o rumo

- Pouco importa! – respondo convicto às verdades
Peregrino semeio amigos não vãs amizades
Meu eu poeta é rude e nem sempre afável

O poema é furtivo e talvez desagrade
A palavra despreza e incômoda incomoda
Mas se a poesia vive é isto o que vale


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EU TANTO DISSE TE AMO


Eu tanto disse te amo
porem a tão poucas
que a minha boca passou a omitir
a pronúncia dessa oração

Acostumou-se a ficar calada
para não ser repetitiva
afinal com qual propósito tanto dizer
uma obvia expressão a um único par de ouvidos
já sabedouros do que viria escutar

Chegou um tempo em que sequer os lábios balbuciavam
e outro tempo cujos pensamentos e coração
disso nem mais se ocupavam

Até que os meus tímpanos lá no íntimo do martelo
souberam auscultar na meada da imprudência
de ti o que a minha língua silenciara

Hoje
todo o meu ser te fala

LEITURA


Certa feita adentrei um olhar
E lá dentro daqueles olhos dos quais nem lembro a cor
Havia um mar intenso aclarado e profundo
Tão grave como fosse um grito inconformado de escritor

Caminhei devagar pelas bordas retinas
Até redescobrir sob as pálpebras
O relicário das imagens resguardadas

Então desabotoei as cortinas que ofuscavam a mente
E como se abrissem torneiras e portas e janelas
Surgiram impagáveis linhas
Em quintais sem reservas e muro

Retornei espalhando gotas enroladas em luzes
Que espanavam do lado escuro de incríveis paisagens
Douradas e raras coleções de palavras lidas
Escritas sobre as paginas de um livro a minha frente


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NO ENTORNO DO FOSSO


Passeio de elevador
Mas temo que se soltem os ganchos
E rebelde ganhe os céus


Como saberei descer se tenho medo
Da altura da tua voz e do teu olhar?

Tua voz acusa e declama-me
Teu olhar seduz o que me vê

Não posso descolar da terra
Ir parar nas nuvens
Nem com os ventos por elas seguir

Portanto não destampe os edifícios
Cuide para que não se destelhem
E não me elevem além da cobertura

Está cedo
Ainda há poemas a fazer
No entorno do fosso 


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RABISCOS


Risco no espaço
O contorno liso do teu rosto
O esguio desenho do teu corpo
Oblíquos segmentos que aos poucos
Dão a dimensão da tua imagem
Viva e evidente na memória

Então essa transparente miragem
Procura esconderijo e calma
Aqui dentro de mim

Redimensiona e extasia
Condensa a saudade que aflora
Como misturasse arabescos traços
Borrando ariscos matizes
Em vãos rabiscos
E o coração em mil pedaços

SÃO SOBERANAS AS PAIXÕES


São soberanas as paixões
Aos olhos vívidos dos apaixonados
Ainda que ridículos pareçam ser
Seus louvores seus pecados
Risíveis gestos inexplicáveis 
As enamoradas inquietudes 
Tornam-se efêmeras verdades 
Que só o pensamento dirá eternas
Pois o tempo é uma brevidade
Do tamanho de qualquer frase
Que expresse ou reprima um sentimento

Onde foram guardadas as loucuras
Cometidas em nome dos amores
Encontram-se também os sabores amados
É como se déssemos refúgio aos sonhos
Que extrapolaram as próprias voltas
E mais longe bem mais longe se acharam

Eu sou das paixões um fã inveterado
Vivo das tolices expressadas nos poemas
E os meus poemas ainda que desritmados
Buscam tua alma ou os teus olhos apenas



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TRANSFIGURAR-SE


Jamais te acostumes à eternidade
Ande tão disforme que precises
A sensação do apodrecer
Do definhar
Do inexistir
Do empobrecer a própria pele

Não finjas que a beleza está
Somente onde há luz iluminando-a
Nem mais sábio e leve sejas
Ao tentar omitir e ocultar de ti
Os sentidos dos teus próprios males

Apiede silenciosamente às tuas entranhas
As tuas dores
Para que vejas em outros olhos
Quando prazerosamente sorrirem fitando-te
Ainda que destemperados
Da vida todos os sabores

Santifique teu presente
Fartando-te das tuas verdades

ABALROADA DE POESIA


Há algo em ti
Que além do espírito
Também é pura luz

Certamente não vês
Bem sabes que a tens
Mas a ignoras

Fica camuflada nos pelos
Esconde-se nas orelhas
Aflora na planta dos pés

Reluz em pleno dia
Brota do inconsciente
Inunda como um rio

Esse ato inconsistente
Que te despe e põe nua
Chama-se lembrança

Junto a tua alma
Faz-te traduzir-se
Enamorar e revela

Íntima à melancolia
Miseravelmente bela
Abalroada de poesia


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ANTES SÓ


Antes só me era permitido entender
Quase nada além do necessário
Compilei quão frágil a cegueira toma
De arrasto o tempo que não se pode ver

Depois ousei enxergar ainda que não visse
Sequer alguém além da redoma

Quebraram-se as vertes e as dobras
E os anelos das cortinas

Antes só me era permitido acreditar
Sem sequer a razão da dúvida apropriar-se
Dos paradigmas quando se indaga
A verdadeira visão por respeitar

Assim tornei mansas as batalhas
E amenas as causas por elas supostas

Ainda vivo como dantes
Mas não mais só sem respostas


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ESPERA


Espera terminar a nota
Para que outra nota o som suceda
Espera a próxima letra da palavra
Para que a frase se forme completa
Espera na largada da corrida
O início da chegada ao fim da jornada
Espera pela hora do descanso
Espera o ponto certo da comida
Espera terminar a noite que virá o dia
Para reformar a casa e retomar a lida
Espera terminar o monólogo e dialogue
Espera intuir as energias
Se precisar volte a religar ou desligue
Espera por maior alegria
Espera as estações cumprirem as sinas
Dos ciclos indizíveis sem lacunas
Espera baixarem as espumas
Decantarem os teores da calma ou da ira
Espera caminhando se preciso
Ou à sombra de um jardim à beira da janela
Aprenda e saiba esperar a espera

ILUSÕES


Depois de estender seus amores
Sobre ásperas tábuas e aramados
Ele encontrou-se sozinho estirado
Como se nunca tivesse amado jamais
E somente às vezes doeram-lhe
Tais indesejáveis enroscos e tantas esperas

Sentiu por todos as mesmas dores
Vivenciou idênticas desconfianças e alegrias
Percebeu que nem tudo fora a seu tempo
Encomendado pelo inócuo coração já cansado

Não considera acerto o que dera certo
Nem inoportuno outras possíveis reversões
Aprendeu entretanto que amar é necessário
Tanto quanto livremente passear o pensamento
Por todas as suas diferentes versões

Agora amarrado às próprias experiências
Conclui sua jornada à sombra das sobras
Intimamente chamadas ilusões



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VENTANIAS


Tão fraca essa chuva desacompanhada de vento
Proveio certamente de alguma nuvem dispersa
Fugidia da madrugada de alguma noite sem graça
Estanque sobre o telhado acima da minha cabeça

Não que não mereça que meu derredor se molhe
Com essa calmaria própria dos bem-aventurados
Porem estou acostumado a solavancos constantes
Tanto que me estranha tamanha bonança repentina

Sou eu afeito de trovões e ventanias da montanha
Que sacolejam e soçobram insanos restolhos de asas
Absurdamente inconstantes entre abas e serpentinas

Por isso a minha casa é de pedra incólume e bruta
Plantada sobre sólidos e poderosos alicerces da lida
Mas despreparada à suave nudez de uma brisa



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VISITA


Hoje fui revê-la
Novamente me tomou pelas asas
Descansei em seu indicador em riste

Foi diferente porque não mais estava triste
Continuei fitando os olhos dela me observando
Seu riso claro continuava ainda mais brando
Quando em estado de graça
Levou-me até a sala contígua  
E ambos a mim fizeram vivas

E como da primeira vez matei minha sede
Repus energias
Novamente certa de que tornei mais feliz
Nosso dia

Rocei as antenas num furtivo até breve
E voei ganhando os céus
Sob olhares e beijos de adeus

***Do Livro EM ESTADO DE POESIA - 1ª Ed. - 2019***

ECLIPSE


Ela apanhou a lua
Ficou na ponta dos pés
Esticou as mãos e simplesmente apanhou-a
Tão natural como quem se estica inteira
E rouba frutas maduras
Laranjas pêssegos mangas
Cachos da videira

Ela roubou o sol
Da vasta constelação de estrelas
Com propósito único
De despertar a aurora

É muito cedo agora
E ambas incandescentes na perfeição da esfera
Incontidas, fluorescentes, avivadas
Brilharam a noite inteira
Seminuas em minha mente


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EU VENERÁVEL DE MIM


Martela-me o severo malhete da consciência
Eu venerável de mim ouso-me em riste a palavra
E ouço de pé e a postos a sentença que mereço
Ainda que esta arremate minha própria cabeça

Dou-me aos meus atos constante vigilância
Sobre todo o agravo pela oratória transcrita
Sei de onde vim mas desconheço o destino
Por isso o presente é o que me representa

Caso descumpra as leis impõe-me a carapuça
Cega-me os olhos ora ceifa-me a garganta
Mas não permita que caia eu em desmazelo

Pior que renegar seria descrer por completo
Da magnitude indescritível de tua imagem
Por achar-me maior que a própria ordem


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ÂNFORAS


O poeta deita seus versos nas virgens talhas de barro
Como faz o vinhateiro com o néctar de suas uvas
E se não saem a contento elemento e contexto
Aguarda paciente o tempo moldar os seus erros
Ele cura a acidez dos vinhos e a turbidez das bebidas
Cicatriza a flacidez das vinhas e açoda seus frutos
Propicia o prazer da colheita como faz um beijo
Onde as palavras adormecem ébrias nos lábios
Cínicas sedutoras sedentas e loucas de desejos

Nossos corpos são preciosas e esculpidas ânforas
Em cujos vasos efervescem espírito e almas
Onde cada palavra decanta seus significados
E se mantém características aos sabores da terra
Ao palato das raízes revolvendo os solos
À pureza das campinas verdejando os elos
Apreendendo sentido à verve sorvendo a safra
Servida ao surreal inaudível som do espaço
Transbordando floridas eras da colheita à taça

Envasa os seus poemas em mágicas estrofes
Como faz o vinhateiro escolhendo as jarras
Lendo títulos rótulos descrevendo aromas
Degustando ervas raras combinando espécimes
Tanta poesia vivos sonhos íntimos ideais
No entanto perdem-se nas sarjetas e estradas
Quando uma nobre bebida na garrafa é quebrada
Quando as mãos cruelmente mantem escondidos
Os livros de um poeta com suas páginas fechadas



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CAMINHOS


Moro tão fora do mundo
Que a madrugada me traduz nos carinhos da arrebentação
E o pensamento me salga o sono de alga e areia

Depois quando nasce a luz na leveza do dia
Os sonhos fazem tanto alvoroço entorno das coisas
Que até os caminhos aquietam para ouvir a sinfonia

Quanta certeza teria eu para estar aqui
Pareço um enorme rio que repousa em seu leito
Afagando um afluente recém chegado a seu ninho

Mas sou inconstante como plumas ao vento
Mergulho e desassossego do sono profundo
E voo pelo mar afoito sem qualquer apego
Levando-te nas asas pelo gosto de andar sozinho


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A TOSSE


A tosse do peito se apossa
Explode da boca
Mas não se sabe 
De onde ela nasce
Se do oculto fosso 
Da ânsia do corpo
Ou do irreverente sopro 
Que sai fazendo cócegas pelo esôfago 
Que expulsa a agonia da alma
Por excesso de sede 
Ou elegia à fome
No pântano danoso
Que destroça o pulmão

Sei apenas que num impulso 
Sozinho tusso e me desmancho sonso 
Qual um gozo zonzo de solidão



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INVIÁVEL


Nesta manhã ao fim do arrasto na enseada
Doze homens puxavam a rede por longas barbas
Nada tiraram das aguas doces exceto folhas emaranhadas
Os cento e cinquenta e três grandes peixes faltaram

De repente o decimo terceiro homem caminhava
Sobre as areias no leito do rio sujo e assoreado
Os amados irmãos entreolharam-se calados
Ninguém atrevia a dizer nada

Às vezes é inviável o milagre


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NÃO TENHO PRESSA


Ninguém se importa sendo a carga leve
Quando o fardo flutua ou flana
Sobre o ombro de quem o leva

Poucos se importam porque a vida é breve
E essa brevidade aparente
Aparenta imortal e eterna para quem a vive

O farto mundo do outro engana quem o observa 
Ilude o sossego e acende a inveja
Contrapõe-se à paz que cada um almeja

O peso da carga mede-se pela interna beleza
Daquele que a suporta ainda que a meça
E se destroça e esforça para que a ela mereça

Não sou usurário e a nada me apego
Apenas sigo carregando meu ônus
E confesso não tenho pressa



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O OUTRO


Eu guardei tudo o que ele pediu que aguardasse
Nada fora desperdiçado
Até mesmo as sombras recolhidas e armazenadas
Para serem usadas como lembranças de luz

Guardados também as peles trocadas
Os dentes de leite e os podres
As unhas cortadas, cutículas
Os pelos, os cílios, as lágrimas rizadas
Os calos, as cáries, suores
Caspas, acnes, espirros, tosses, odores
As dores, pesares, e o gozo nos prazeres

Tudo ficará assim vestido de poeira
Por questões dispostas na caixa de digitais
A infância que se fora, juventude
O que assoprei ou me assombrou

Só restarei maduro onde houver o outro
Porque ali sempre haverá respostas
As coisas mais insignificantes
Usará como vestígios de mim
Ele, o tempo, é tudo que soçobra
Ou o resumo que ressurge do que me sobra

Enquanto ainda penso que virá
Bem sabe que passei


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QUEM NÃO ERRA


A lida às vezes navega
Por barcos sem mastros
Desprovidos de velas
Navios sem lastros
Sem cordas nem âncoras
Timões em proas sem rumos
Barcos calados na areia
Aportados em baías
Degredados

A sorte às vezes recende de mágoas
Tal qual vela sem pavio
Cela sem dorso nem doma
Chinelo quebrado pisando descalços

Ainda assim os mares continuam
Acolhendo os seus rios
E os rios galopando percalços
Nos tomam nos braços
Acolhem nossas naus
Amenizam nossos passos
Restituem-nos pacientemente a vida

O cotidiano é a soma de esperas
Expectando acertos
Mas quem não erra?

ACINTE


A loucura é possível acinte 
Desconexo incidente intrínseco da mente
Daquilo que arrebenta a origem
Complexa mutante do todo 
Transeunte sob a finita face reticente

Pressuposto acidente acontecendo e ocorrido
O horror escorre feito sangue 
E traz o torpor por desdobramento pendente
Mordido e absorto pela dor
Espúria e contundente

Vivendo de modo aturdido
Eu louco advirto e previno-me incólume
Antes que a lucidez me raspe o juízo
E eu ache demente e sinta-me impune
Ante todo ser vivente


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ABRAÇOS ABERTOS


Quando se abre um abraço
Traz-se para perto e entre os braços
A contemplação do amor diverso

Tantos vieram de abraços abertos
E nesse aperto de enlaço
Te identificas e me reconheço
Como centros do universo

Por isso abrace abraço 
E nos abraçamos certos desses gestos
Cercar-nos contra o perverso
O despudor de quem descrê 
De que a alma necessita encontro
E encontra-se quando acena 
Transposta de sentimentos
Acalma absurdamente serena

Abraço não é redoma 
É dádiva que sublima graça
E transcende espaços


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IGREJA


Sei que me carregas pela mão
E que me transformas pela fé
Que me aceitas sempre como eu sou
E que me amparas porque quer
Sei sou o menor dos filhos Teus
Mas Tua bondade me engrandece
Sobre Tua mão me apoiarei
Pois Tua verdade me enaltece

Nasça sempre em mim a piedade
Ao compartilhar a Tua luz
Semeando a paz pela seara
Levarei Tua palavra
Por onde o amor conduz

Não me bastaria a Tua benção
Se não abençoasses meu irmão
Por isso quero ser Teu instrumento
De misericórdia e união
Isto é ser Igreja num só templo
Fortificados na fraternidade
Então bem unidos viveremos
Repartindo o pão da caridade

RECEIOS


Aprendi a ter receio 
Das situações prementes
Não da voz da consciência 
Nem dos ausentes momentos 
Temo as ações cotidianas
Dessas que deliberam insanos
Que santificam demônios 
Conjecturam ideias profanas
Idealizam absurdos
Ridicularizam as sarjetas
E posam de inocentes

Tenho medo do ser gente


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REERGUER-SE


Um dia passei a língua de encontro a terra
Não levei voluntariamente um torrão à boca
Mas fui impelido ao chão de rasteira 

Eu raspei no solo todo o corpo e a cara
E provei o gosto daquela crosta rara
Que teve para um mundo e meio 
Inigualável sabor de tombo e chacota

Ouvia dizer que aquela terra era ruim
Que não tinha valia por ser íngreme 
Pedregosa e tão poucamente aerada

De fato aonde a minha língua lambeu o lugar
Pareceu-me um pedaço amargo exaurido de nação
Destes onde as santas putas parem exacerbadas 
Filhos sem pais em estado aleatório e decrépito

Mas não era escarpada nem putrefata aquela terra
Tinha sim o sabor denso das raízes e de fértil lama
E o intenso cheiro de pelo ralo em molhada pele 

Duvido que alguém possa governar um país
Sendo eternamente tirano por derrocar seu povo
Ainda que nos arruínem e nos debulhem às feras
Sempre seremos pátria e nos soergueremos de novo


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FINADOS


Quem passa no derredor dos túmulos
Curioso lê os espaços resistidos
Entre uma data e outra
Sobre as lápides agravadas

Há quem tenha restado menos
Há quem tenha permanecido mais
No entanto todos experimentados
Os cúmulos da existência
Ao ter reaberto os olhos
Ao ater respirado o ar
Dito qualquer palavra
Ouvido além do silêncio soar

Quem passar pela minha cova
Imagina-me deitado sem cor
Sem ouvir mais nada da vida
Imóvel e sem falar
Como se nem estivesse ali
Como tantas vezes fiz

E ainda que haja dia ano e mês
Não tripudie do que o tempo quis
Qualquer hora será tua vez


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MINHA ESCRITORA


Essa menina nem sabe ler
Já põe o livro em seu instante

Estala as frases pagina as folhas
Rabisca as páginas com giz de cera
Reescrevendo à sua maneira
Novas histórias com outras letras
Nas prateleiras pela estante

Depois cansada deita serena
E faz com livros seu travesseiro
Cobre com as linhas as suas pernas
Colore as capas com os cabelos
Ilustra os contos de belos versos
E acorda rindo dos próprios sonhos

Minha menina nem sabe ler
Já ousa ser grande escritora


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MORRO DE CONTENTE


As casas fincam os pés na terra
Para que as intempéries
Não demovam suas sólidas sapatas

Pelos cômodos se espalham moveis
Cujos pés e pernas os tornam fixas sentinelas
À espera de quem os visite ou more

Quem passará pelas portas
Quem irá assistir das janelas
Quem deverá expulsar a treva acendendo as luzes
Expurgar os defeitos por dentro delas?

Todo prédio tem seu muro que delimita o quintal
Adversa e alerta que se respeite o portão
Portal donde livres transeuntes são as ideias

O coração é esse imóvel enraizado nas veias
Aguardando que amores e amigos venham
Habitem os sentimentos mais íntimos
E se espalhem seculares entrementes
Ainda que isto demore

Bem sabes que se moras no meu peito
Morro eu inquilino de contente


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VENTANIA


Vieste repleta e de repente
Tomaste assento em meu peito

Fizeste-me trovador e poeta
Destes cantantes que se perdem
No ardor dos raros instantes

Vidente e profeta
Mendigo das letras
Lavrador de palavras
Contumaz caçador de fina estampa
Magico dos verbos e tempos
Que dentre versos se encaixam
E encantam

Tornaste-me manso e mansamente
Um vento confesso

Quisera soubesses desse
Amor que professo

GRAÇAS


Pensei todo dia plantar uma árvore
Nas longínquas terras do meu País
Pelas rodovias do meu Estado
Ao longo das estradas de meu Município
No largo das avenidas da minha Cidade
Ou nas ruas de minha Vila

Elas cresceriam floresceriam frutificariam enraizariam
Convidariam pássaros sombreariam
Procriariam lagartas cigarras formigas
Atrairiam cupins
Porém são apenas glebas virtuais

Pensei começar pela estreita calçada
Contigua ao meu minúsculo quintal
Mas se as planto fora de casa
Elas se assanham espreguiçam largam folhas
Invadem os seus direitos e você acharia ruim

Desisti desse intento
Hoje somente faço poemas
Estes cabem em mim





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INSTRUMENTO


Um poema torna-se completo
Quando o crivo dos teus olhos o aprova
Quando massageia os lábios e o sentes como beijo
Perpassa pela língua qual um doce desejo
Enrubesce, toca a face num carinho que se prova
Comove ou simplesmente quieto alenta

A palavra madurece no entorno dos sonhos
Quando lida falada ouvida ou cantada
Oscila entre a angústia e o inesperado
Vem em forma de versos como os segundos
A seu tempo transforma e a arte muda o mundo
E em si mesma complementa e completa

Cada leitor para um poema é imprescindível abrigo
Ser poeta é mero instrumento

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MENINO


Quando a infância passa 
Parece que o mundo acaba
Parece que passa o mundo 
Quando a infância adolesce 
Quando parece que o mundo acaba
Parece que a infância passa
O mundo parece que adoece
Quando a infância acaba
Quando a infância passa
O mundo parece que passa
A infância parece que acaba
O mundo parece que adolesce

O mundo adoece ou renasce
Quando passa a infância
Quando adolesce a velhice
Quando rejuvenesce a infância
Quando o adulto acaba menino
Quando o menino adolesce

E a gente envelhece?


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ALEGRIA


Verto águas de maneira fácil quando rio
Como se um mar volvesse meu íntimo
E os olhos lacrimassem pela face
Com a intensidade de um grito

Esse irresoluto coração é um quarto
Desse casario chamado corpo
Por estar vivo se diverte com a arte
Absorto intervive cada parte
Para que nunca me quede morto

Chego a ter calafrios de arrelia
Dá-me cócegas a tristeza
Por isso choro insaciável
Acometido de alegria




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APESAR DE IMPERFEITO AO MENOS SER JUSTO


Um monte de gente feriu-se com a peste
Ainda restamos nós para contar a historia
Talvez sejamos a sobra da humanidade
Por algum motivo estarmos vivos agora

Mas não só da peste se escapa ou se morre
Diz-se que ninguém se vai antes da hora
Empreender esse estágio deve ser nossa meta 

Há tanta gente no entanto sem dor e já morta
Debelada por dentro estirpada por fora
Que se ainda lhe sopra o santo verbo da vida
Em vão desse dom faz uso e de forma indevida
Cego usurpa escraviza ultraja maltrata
Se achando imortal desdenhando o destino

Ainda que exausto cabe um custo ao pedreiro
O de andar por inteiro a brigar por equidade
Abraçado à carência de quem pede uma esmola
E de dedo em riste combater peito aberto
Enfrentar poderosos e sempre verdadeiro
Apesar de imperfeito ao menos ser justo

ATREVIMENTO


Somos meninos deslumbrados por paixões
Desfilamos atemporal o que passa e nos segue
Não perdemos jamais essas intensas manias 
Das deliciosas folias provindas de emoções

Do amor que a cada um nos persegue 
Há quem ache exagero, diria eu romantismo
Há quem diga insano, chamaria ousadia 
Considere imaturo, preferiria continuar tolo 

A deixar de sonhar enquanto os anos se esvaem
A deixar de exalar um olhar atrevido ou tardio 
A suprimir do sorriso a intenção de um beijo...

Que seria do amor não fosse o atrevimento
Exaltado nos versos e canções dos enamorados
Não fossem eternos os apaixonados sentimentos!


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PERDER-SE NO CEGO AMOR


O amor sempre acaba na hora incerta
Como botijão que seca no fazer do almoço
Como agua que falta em meio ao banho
Net que falha na transação do boleto
E Deus que ignora fazendo-se moco

Em resumo nada mais estranho eu
Nem acho ser desprezo a chama que apaga
Nem relaxo a omissão em lavar-se
Ou pretexto deixar de quitar a dívida
Ou Deus postar-se indiferente e tolo

Porem o amor esvair-se não perdoo
Quisera que voltasse acondicionado
Em capsulas compactas ou compressas
Ou que o usássemos como pomada
Para cicatrizar tantas fissuras abertas

Quisera que o amor fosse ainda pano
E suportasse os ventos nas velas
Sem importar-se com a textura do tecido
E as tatuagens riscadas nas rusgas
Da pele falseada pelos tantos tempos idos

E que não pudéssemos enganar-nos da perda
Dilaceradora da alma putrefata moída
Desenganar-se da própria dor sofrida
Ao sustentar que amar é o maior dom da vida
Porem perder-se no cego amor é uma merda


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ACASOS


Por fechar os olhos

Vislumbrei os meus sentimentos

Até então eu não os tinha nem claros nem livres

 

Foi no fixo breu dos olhos fechados

Que se tornaram iluminados

Libertos por estarem soltos

E de mim tão pertos quanto breves

Que os achei redescobertos pelo rosto

 

Fechar os olhos deveria ser tão contínuo

Quanto mantê-los despertos

Afinal é quando nos redesenhamos mórbidos

Que o encantado estado das coisas

Revela-nos como somos

 

Então a morte seria a profilaxia do acordado

Ou a esdrúxula condição do sono?

Metade de mim é essa arte que se reverte e desperta

Todo o resto é a outra parte

Que recobre de acasos meus atos


O portal do tempo é o parto


[email protected]

AUSÊNCIAS


Estive quase sempre
Presente quando pude
Isto significa ao certo
Um considerável percentual
De ausências
Pois mesmo presente estando
Em até não podendo estar
Foi como estivesse
Estado semi-ausente
Porem uma vez estado onde nem fui
Fora plenamente

Estou agora revendo possibilidades
Em ir ou não novamente
Caso permita irem
Essas ambíguas partes pertinentes
A que possivelmente não vai
Junto à que pretende
Continuarei onde estou
Às vezes ido inteiro
Outras reticente

ENTRE VEDAS E MUDRAS


Ela alça suas dobras
Com seus passes de yoga
Flexiona as belas pernas
Recolhe os braços de antenas
Mobiliza as nuas costas
Massageia id e ego
Com mantras de Om Namah Shivaya

Apensa entre exercícios
Sorri silencia sua escolha
De infinita criatura
Como navegante insinua
Após transpor precipícios
Tão volúvel pousaria
Nas entranhas do Himalaia

Passa a língua entre os dentes
Imóvel nem gesticula
Apenas pensa-se e fecunda
Inteiro estado de graça
Desvenda as nodas e traços
Entre vedas e mudras
Orvalha encharca se molha

Pudesse eu entender se
Quando o êxtase passa
Se deusa intensa humaniza
Ou mais sábia resiste
Transmuta o sonho em espelho
Contemplando-se pudica 
Delicia afeita em malícia




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PARALELO


Rezam as mais ternas orações
De que a piedade é das ações
A mais doce virtude humana

Apiedai-vos pelo mundo controverso
Do poema quando este nada diz
Pelo tempo perdido que os fiz
Quando deveria ter estado atento
Às inúmeras outras formas de provento
Ao ócio tão necessário ao descanso
Aos passeios ao teu lado que me opus
Pelas noites fugidias do sono pelos sonhos
E às conversas e embates que não tivemos

A poesia tomou-me em paralelo
Instrumento arisco da palavra profana
Já não vivo sossegado sem o verso
Sem a estrofe e a ousadia da rima
Eclodida da cândida página inespecífica
Dentre as folhas abertas de um livro


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VULNERÁVEL


Desconfio ter um jardim muito vulnerável
Às vezes tem medo de mim
Acredita que posso a qualquer momento
Podar uma roseira
Furtar-lhe uma flor
E isso seria uma grande perda
Pois entende que todas as suas aveludadas pétalas são
Insignes
Imprescindíveis
Insubstituíveis
De inestimado valor sem fim

Ao mesmo tempo contenta-se por servir-me
Perfumadas rosas tão saudáveis
Pois sabe que quando as levo
São para alegrar os olhos e o coração de minha amada

Realmente não compreendo meu jardim

AINDA AGORA


Desde domingo reconto as horas
Enumero os anos
Domino o menino que foi embora
Embora ele venha a qualquer hora
E se valha do velho que existe agora

Se velho não seria ainda
Talvez antigo nos preceitos 
Usual nos conceitos diria aprendiz
Generoso por inteiro e arteiro
Aquele que revalida a própria história

Não faço questão dos demais dias
Se desde domingo decanta o tempo
Que afunila e desprende a fagulha
Que ainda acende a vaidade de outrora
Mesmo que a validade da idade desentoa

Tem sentido ter duplo medo
Só não preciso alarde e espanto
Quanto custaram-me bons segredos
Advindos do que serviram antes
Aguardo-os que me valham ainda e agora


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BORDEJAR


Quão boa e nobre a sensação de circundar esse oceano
O sereno passear pelas bordas do teu lago intenso
Rudes ondas te escondem sob a saia de bons sonhos
E eu navego velejo tergiverso pairo sem querer voltar

Essa a arte verdadeira de bordejar sem pressa
E ao mesmo tempo apressado para alçar teus olhos
Ver-te precisa entre as ilhas da pele e as algas dos abrolhos
Dourados ao sol do norte ou ao vento minuano nos cabelos

Teu dorso é orla onde rola entre o pelo areia e sargaço
Abrigo e alimento da fragata de silhueta esguia
Essa arisca ave que guia meu mar escuro de ilusão
Quando alerta meu juízo das tempestades e marés
Quando vem quando passam quando advirão

Recolho-me à sensação de sentir toda a certeza
Dos rumos que as correntes irão singrar meu barco
Nalgum porto qualquer pelo teu corpo em viagem
Cuja miragem me distancia do cais e se apequena
E se eu perder-me em meio a essa correnteza
Salva-me com tua língua lambendo este poema


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ENTRE A NOTÍCIA E O POEMA


No meio do quarto despiu-se por inteira
E já saiu do banho com a roupa de dormir
- Um florido e confortável pijama
De pernas e mangas bastante longas
Que apesar de folgadas ajustavam 
À moldura ziguezagueada do seu corpo

Olhou pela ultima vez o celular:
UOL – “Dormir Nu Traz Mais Qualidade De Vida”
ESCRITAS.COM – “José – Poema de Carlos Drumond
                                                                            de Andrade”


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MINHA VIDA


Semana passada resolvi fazer o registro de um novo e-mail, pois o que uso por bom tempo, ao longo dos dias foi sendo invadido por um turbilhão de mensagens de conteúdos estranhos, cuja caixa de spam já nem consegue mais absorver ou distinguir quem é quem nessa jogada multilíngue da virtualidade moderna. Culpa minha, certamente, que andei descuidado ao deixar portas abertas para os sites espiões fartarem-se com seus famigerados motores. Acontece que acabamos vinculando ao endereço eletrônico principal, celular, computador, e as contas das redes sociais. Assim, qualquer curiosidade que nosso permanente consumismo resolve pesquisar na internet, segundos depois dezenas de ofertas sobre determinados produtos ou serviços são despejadas na caixa de entrada e permanecem ali ramificadas e debulhadas em tantas outras mais similares.

Mas enfim, já estou usando um novo e-mail, e esse ainda limpinho e desvinculado dos principais avaros portais. E não se preocupem, pois o antigo faz automaticamente um redirecionamento das mensagens autenticadas, o que não me fará perder o contato de ninguém que me tem escrito, e deverá me manter a salvo, por enquanto, dessa disputada guerra invasora.

O que me chamou a atenção, no entanto, e quero fazer notar aqui pra vocês, foi justamente o momento de fazer o cadastro com os dados pessoais para obter a nova inscrição de e-mail. No campo Nascimento, coloquei obviamente onze, depois abril, sendo que no item Ano, marcava no automático, 2021. Então fui rapidamente retroagindo o calendário há algumas décadas para trás. Uma, duas, três décadas... quatro, cinco, seis: 11/04/1960! Achei legal isso.

Então ao invés de avançar para o próximo campo do formulário, resolvi brincar um pouco com os meus bem vividos anos. Desta vez fiz ao contrário: 70, 80, 90, 00, 10, 20...

E de novo: 21, 10, 00, 90, 80,70, 60 – onde tudo começou.

Não aguentei, fui para o Word, e dei o seguinte título ao documento:

MINHA VIDA

·         1960 –

·         1970 –

·         1980 –

·         1990 –

·         2000 –

·         2010 –

·         2020 –

Então à frente de cada bloco de dez, comecei nos subitens, a identificar algo relevante em que a vida me marcou e tomou por especial minha atenção – escola, casamento, filhos, neta, empregos, conquistas, perda de minha Mãe, mudanças, livros. E por aí afora, listando no meio desses sonhos, toda a realidade dos 61.

Certa vez li uma declaração que o diretor teatral Aderbal Freire-Filho fizera à Folha em 2008. Ele confidenciava que tinha o hábito de anotar coincidências numa agenda, na esperança de desvendar o mistério da vida.

Bem, posso concluir que não tive nem tenho essa ousada pretensão de Aderbal. Mas, após esse doce exercício que me custou bons momentos de recordação mnemônica, de uma certeza não abro mão em confessar a quem interessar possa:

            - Eu existo. Meu Deus, como sou feliz!!!


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NASCI


Não chorei porque nasci
Não senti o corte umbilical

Chorei somente no momento seguinte
Para que alimentassem a fome
Do tênue ar a carne que me trouxe aqui

A primeira lição foi respirar
As demais adquiri

Ademais sobrevivi


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POEMAR


Recrutarei outros conceitos para novos poemas.
A ideia usual até permaneceria comum e corriqueira
Afinal não se pode modificar tanto quanto se queira
Apenas com palavras, sejam novas ou as mesmas.
Poderei até vestir minha máscara com nariz vermelho
Pronto a continuar mentindo poesia por onde passar.
Acho chamam arte a esse sacrossanto exercício de poemar
Nesta cotidiana reflexão diante deste velho espelho.
Não, não importa em qual dia da semana ou do mês;
Continuarei viajante estradeiro, peregrino, caminheiro
Mas deixarei de ser estrangeiro – é isto o que a poesia faz –
Portador das laboriosas e estupendas capsulas de paz.
Se quiser vir comigo, traz tua virtuosa memória
Somaremos nossas rimas, rimaremos o desaparecimento
De todas as mazelas existentes no pensamento.
É, não há melhor remédio que remedeie as intrigas
Senão a velha verve e a rima de um bom cancioneiro.
Cruzaremos o mundo versejando sobre alegorias
Compondo estrofes para singelas cantigas
Depois descansaremos entre os hemisférios
E dormiremos livres nas páginas de algum livro
Sob os olhos entre as mãos de algum menino.

QUE FIZERAM DE MIM AS ESTAÇÕES


Fria manhã de inverno
Lá fora a relva úmida
Exala interno sentimento
De que o âmago da vida
Resume-se a meras palavras escritas 
Guiadas por pautas traçadas
Em branca folha de caderno

Iluminada tarde de primavera
Lá fora jorram cores
Por nuvens claras de cera
Onde os olhos reviram de amores
As promessas ilusórias
Descritas entre quintais e jardins 
Em belas pétalas de flores

Quente noite de verão
Lá fora entre luzes acesas
Descansam as sobras do dia
Vertentes da escuridão
Digitais gravadas na mente
Prescritas fórmulas 
Reverberando alegria

Soberba madrugada de outono
Lá fora dorme a natureza
Espremida entre silêncio e breu
Nem tão quente nem tão fria
Remando as barcas do tempo
Vagueiam sonhos tardios
Repletos de astucia e pureza
 
Que fizeram de mim as estações
Presas a tantas e todas que vivi
Uma parte da vida bem as senti
Outras me voaram por indícios
Sou eu ator partícipe destas cenas
Ainda que as traga em círculos 
Recompostas de lembranças
 
Se sorri ao ouvir gritos
Ou gritei ao me ver sorrir
Misturei meus labirintos
Transpus máximas e os venci
É porque observei lá fora
Que o passado está aqui dentro
E o futuro efeito incerto do agora




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VOAR


O mar também é sertão
Imensidão deserta cujo andejo é pescador
Marujo navegante prático capitão

Meu barco a deriva procura por um cais
Aduaneiro cobro-me por versejar
Pelas velas do saveiro onde o leme é a solidão

Timoneiro vou levando pelos ventos
Nada colho senão historias e aventuras
Professadas bem depois

Confesso não sei nadar em tuas águas revoltas
Posso até desejar um mergulho teimoso
Mas ninguém precisa saber destes medos

Talvez fosse menos flácido e pecado voar


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COMUNIDADE


Há um dente meu doendo
Apiedo-me com a dor nele
Sofrendo eu por inteiro

 Os demais dentes que ali convivem
 Incomodam-se do sofrimento ruim
 E comigo a mesma dor dividem

 Como acontece com as mãos
 Quando um dos dedos arde ou sangra
 Todo o meu corpo desanda

 Deveria ser assim entre irmãos
 Caso um não esteja bem
 Ninguém estará bem também

 Como os dentes convivem na boca
 Como os dedos residem entre as mãos
 Dividimos num mesmo peito um só coração


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APERTO


As nossas mãos já não sabem dessa procura
Desacostumaram de carregar-nos pelos parques
De passearem grudadas por calçadas e ruas
Nem mesmo andarem pela orla pedem mais

Os nossos dedos são aleatórios fantasmas
Permissivos transmissores predatórios
Não mais podemos transitar pela cidade
As mãos unidas foram sinônimo de amizade

Não sinto mais o suor das nossas palmas
Da calorosa sensação de protegidas
Da transição entre o perfeito e o rascunho

Agora cerro o pulso e toco leve seu punho
São novas formas de expressão mais consentidas
E as nossas mãos unem a seu modo as nossas almas

DEUS TRISTE


Deus triste contempla os desacertos de seu povo
Que ao mesmo tempo em que clama por piedade
Faz da liberdade um descalabro homicida

Ele persiste em contemplar os desacertos de seu povo
E chora aflito em cada alma que perde o corpo à morte
A cada alma que a morte leva sórdida a vida

Desta vez não teve animo para abandonar o tumulo
Não ressuscitou – preferiu estar dentre os abatidos
Quedou-se deprimido ante tanta aflição

Deus triste permanece deitado recolhido em seu nicho
Pasmo sem ação ante a feracidade dos ladrões e algozes
Que desmantelam os princípios básicos do viver

Deveria estar feliz por receber essa urbe em seu reino
Mas não faz sentido tanta gente ao mesmo tempo fenecer
Deus chora triste e solitário - por mim e por você

ESSENCIAIS


Experimente entender as ausências
Às vezes são essenciais quando presentes

A pausa alongada na música
O tempo que se descansa
Segredos que não se contam
Verdades amarrotadas
Deus quando em silêncio 
Testando a paciência
Como fosse nossa última dança

Aprendemos a alimentar os sonhos
Rabiscar futuro e destino 

Cozinhamos sem perceber
A resiliência da rês ante o abate
A solidão das estrelas no infinito
Ruas distantes cruzadas na infância
Lagos mergulhados cheios de dúvidas
Cada um carrega insuficiências no espírito
Tristonhas ou de ingênuas alegrias

A nostalgia mora além da perfeição
Bem acima do conceito daquilo que é bonito 


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O HÁBITO DA ESCRITA


Eu me preparo para escrever algo novo, como quem arruma as malas para a próxima viagem. Às vezes uso um simples lápis meio sem ponta, por vezes alguma caneta falha, e na maioria delas o laptop, cujo sistema operacional normalmente trava. Sem contar que de repente, lápis, caneta e computador estejam funcionando e intactos, mas cadê papel para rabiscar a palavra ou tela para acompanhar diante dos olhos cada caractere digitado. Digo isso com o objetivo de confidenciar o sofrimento que é encontrar as ferramentas certas para fluir assunto e inspiração diariamente. Haja ansiedade!
          
Sempre tive esse mesmo problema ao saber que devia sair de casa para um passeio ou nova viagem qualquer. O que levar, para quantos dias, como estará o tempo, quem irá comigo ou encontrarei, e o que fazer.
          
Essa expectativa é quem sempre remexe as emoções. Porem depois que se ganha estrada e velocidade, o traslado se torna felicidade, e aí é aproveitar o deleite e toda a magia que a escrita impõe. Porque após quilômetros, parágrafos ou estrofes e frases, reler e dar-se à leitura é a mais prazerosa das conquistas. Veja você, então, como nascem os textos, por mais simples que venham a ser, mas na mais pura das vontades e intenções.
         
Quando ainda criança, o maior conforto que recebia antes da partida, eram os olhos de minha mãe vigiando as minhas tralhas. Seu olhar me acompanhava por todo o trajeto. Aquelas pupilas cabiam certas cuidadosamente dentro das minhas malas, e preenchiam todos os cantinhos. E até hoje tem o peso exato do que minhas forças suportam carregar.
          
Por isso sempre achei oportuno e necessário fazer de cada paragrafo uma necessidade particular. Assim, tanto estou pronto para um novo destino como para outra redação, desde que me permita voar.
          
Foi assim que conheci o mundo e passei a criar as minhas próprias historias. E é assim que arranco de mim as mais doces emoções que a arte propicia, sem sequer sair do lugar.


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PAIXÕES


Por qual labirinto afunila minha ira
Se quando calmo esqueço ter sido insano?
A raiva desmedida dilata a pupila
Remexe por dentro onde habita o profano

Homem desesperado à cata de Deus
Somente Ele é capaz de amansar-nos o humano
Junto às enigmáticas elucubrações

Tem piedade pois de mim que exagero
No apetite ante a gula da ofensa
Para que a voz da razão nos resguarde
E o ódio jamais vença nossas paixões



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ESPELHO


Tentaram mudar o mundo por estar velho
Vãs tentativas desconexas
Fizeram o planeta sentir a perversidade
De tanta gente errônea desenformar a terra

Agora de conversa em conversa
Tentam reestruturá-la porque a visão é outra
Mas o homem reflete essa desestrutura
E se enquadra e depara sem argumentos
Com a própria cara fora do espelho


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FIM DE TARDE


Vieste e antes que a visse intensa 
Trouxeste a calma para minha ânsia
Qual flor que doa à brisa a essência 
Da tarde que finda, e da alma se apossa 
E torna sublime a presença 

Chegaste infinitamente densa
Tornando a tempestade mansa
Mergulhada em onda imensa 
Generosa, suave, infinita e serena  
Desejando que o momento falasse

Diante da tela nua esperando palavras
Estivemos solícitos perante o silêncio
Buscando que um verso nos descrevesse
- Deste lado eu abrupto aprendiz de poeta
- Daí, tua íntima poesia viva, completa


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INTERGALÁCTICA


Em outro planeta nem todo longe da terra
Cada dia distende ainda que seja domingo
Às vezes por causa da segunda antes encerra
Ou mais cedo inicia por suceder a um sábado
Se indispõem com a hora exata na fração dos segundos
Cedendo aos caprichos da preguiça ou vontades

Caso morresse a luz e o azul de todos por lá cansasse 
Sair do caos tornar-se-ia a inexigibilidade galáctica
Poucos fariam para extirpar do perpétuo o escuro
O desconhecimento surreal de qualquer futuro
Não se preparam para o diferente do agora
Pouco importaria se deixará de ser reverso esse ciclo

Alguém precisaria lhes alterar o calendário
Pudesse contar-lhes o dia enquanto o sol claro ressurge
E encerra-lo no prelo advir da noite verdadeira
Então essa ilógica contagem surreal de lá mudaria
Haveria um só gênesis e não mais genealogia
Seria transposta a era da disritmia à do retorno 

O homem por lá se igualaria a todo ser vivente
Ninguém diferente seria do mar e das montanhas
Naquele planeta nem todo longe ou distante da terra
Seria como por aqui onde há bonança e a vida plena impera
Mas não se deve jamais intervir em outros mundos
Sob pena de perdermos por quase nada nossa paz interna



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SANCHO MODERNIZADO


Era ele menino
E da janela contemplava o quartel

Achava que patentes, inclusive a de capitão
Entre o quepe e a farda abaixo do pescoço,
Ostentavam mogno, cedro, mármore, aço, pedra-sabão
- Mas nenhum algo frágil,
Tipo pele, carne, vermelho sangue, osso e coração

Vendo o rei seminu agora envolto em fios e eletrodos
Aos pés do capelão, com pança tão protuberante
Olhando-se no espelho e vendo o quanto similares

Revestiu-se da ideia de também nalgum dia
Se tornar presidente!



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MISÉRIA


Sem luz a mata perde as cores
E metade do mundo quando é noite
Não come
Não por falta de fome
Nem por falta de dinheiro que compre
Também não por carência de alimentos

Não come por estarem dormindo acometidos
De grave dor no pescoço e na língua
Que os impedem de terem acesso à vida
De já não terem o paladar mais pela boca
Que não desperta mais a libido
Quando todos os manjares ausentes
Não fazem sentido além das vontades
Coibidas
 
E quando chega o sol
Ainda amam e sorriem 
Ao pedir um prato de comida



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CERTEZAS


Quando menino eu via
O sol desmanchar-se lindo
E perguntava-me irrequieto
Para onde estaria indo 
A imensa luz que explodindo 
Caía ao findar do dia

Agora estou certo de que
A cada vez que se esvai e esconde 
No encalço dos seus próprios giros
Sou eu quem está partindo
Sou eu quem está partindo
Sou eu quem está partindo


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COSTURAS


São os seus dedos quem determinam
Os rastros e trilhas da linha no pano
A agulha apenas perfura e cirze

Quem borda são os olhos
Quem cinge seus sonhos
Quem dobra é seu tempo
Que apara os seus desejos
Desdenhando a costura

Essa moça faz do tecido sua alma acesa
Que despe o que precisa e mostra o que a esconde
Onde somente a imagem alinhava a emenda
E cola uniforme as cores sobre a pele
Ilumina-se do brilho da seda no corpo
Como a sede sacia o lábio pelo copo

Assim a moça traja o que ela mesma tece
Enquanto desnuda qualquer aceno em silêncio
Como um furo ao pano que espera o fio
Da linha profana que o perfure e cose

Essa túnica de versos
Que se transmuta em veste
Reveste recobre e deixa toda palavra vaga
E a minha alma muda


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HORIZONTES


Nasci entre caudalosas lagoas de rios

Por cujas beiras de areia crescera a cidade

Mas eu na contramão das aguas

Deixei de aprender a nadar

 

Mal molhava os pés

Já antevia possibilidades de afogamento ao lacrimejar

Chorando assim embainhava cismas e medos

Recomendados por meus pais

 

O fim daqueles dias também morria todas as tardes

Abrasado entre as correntezas

Mas subitamente emergia na oposta margem das manhãs

 

Eu não entendia aquele fascínio caprichoso do sol

E como jurara viver para teimosamente revê-lo surgir

Sentia vontades mas acovardado com ele eu não fora jamais

 

Agora distante daquelas doces aguas e na borda do mar

Espero sozinho o sol trazer-me os mesmos brilhos de outrora

Pois sei que ele ainda se perde naquelas aguas distantes daqui

 

Não mais choro nem de medo nem saudades

Pois descobri os significados de ocaso e aurora

Idêntico ao sol que intransigente pra dormir

Cruza resoluto e aclara a pequenez dos meus sonhos

Ante a imensidão do meu país



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ESCREVO


Escrevo
A quem escreves filho meu?
A qualquer passageiro de amanhã

Para alguém que desapercebido
Tropece nas letras e arrebente as palavras
Ou nelas se enfurna e as remete a outrem

Ontem eu lia
Escrevo agora sobre o papel disforme
Entre o homem e sua fome
Em nome da poesia

Acontece escrever também
A quem não consome tempo em arte
Escravo da cegueira que lhe arde
Nunca sabe
Não viu nem lê

Escrevo
Antes que anoiteça e eu vá
Ou seja tarde


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A TERRA É AZUL


Não há céu nenhum sobre nós
O mundo é solto no firmamento
A terra é azul sob o sol
Todo o resto é encantamento
Negra ante o brilho da lua
A magia é encantamento
Árida ou molhada de chuva
Seu cheiro é encantamento
Recoberta de flor e floresta
Frutífera de encantamento
Fértil pelada ao vento
A poeira é encantamento
Sob tempestade adversa
Revolta de encantamento
Banhada por oceanos
Incólume de encantamento
Tomada por ordinários
Não deixa o encantamento

A terra é azul sob o sol
Plural universo entre nós
Encantamento paralelo


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A ÚLTIMA HORA


As roseiras e samambaias na floreira
Nada dizem se não as rego
Apenas secam e despetalam
Pelo brio que sustentam
Não vergam seus talos
Endurecem-nos e se não apodrecem
Estalam

Eu no entanto
Quedo por qualquer besteira
Desmancho desmantelo
Resseco os lábios pela ausência de riso
Introspecto
Impossibilito e apavoro

Mas nossas raízes teimosas
Permanecem ávidas por uma chance
Até a última hora

ESSA SUJEIRA NOSSA


O mar não suja só expurga
A mata não suja somente expele
O deserto não suja talvez invada
O rio não suja às vezes inunda
O céu não suja apenas recobre
A terra que teimosa se renova

Na astuta ação do ímpio sujeira abunda 
Onde o germe maledicente procria

A mente gera o que não deteriora
E a mão da gente inconsequente mela

A natureza do mau espalha delinquências
E nos põe constantemente à prova

Todo dia nos acovardamos calados
Ante a crueldade que destroça

Essa sujeira do mundo é unicamente nossa



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POR UM FIO


Ainda não estou tão morto porem já frio
Lenta a vida pulsa
Estivesse febril haveria repulsa 
A morbidade expulsa a réstia de luz
E a morte avança avança

Quantas solas de calçados
Pelos passos caminhados foram gastos
Quantos rolos de papel
Limpando o anus por esses anos usei
Emendasse os cabelos pelas pontas
Em separado que distância os cortei
Fizesse as contas do volume mastigado
Quanto fora comido e devorado
Calculasse os olhares lançados
Distâncias alcançadas simplesmente admirando
Quanto foi suado quanto arrepiei
Quanto desejado quanto já gozei

Quanto de lágrima fora vertida
Por todos os motivos chorados
Quanto de agua lavando a alma
O corpo e a mente sempre maculada
Quanto sono então dormido
Com sonhos ou sem que os lembrasse
Quanto de dinheiro amealhado
Quanto gasto quanto resta a receber
 
Quanto trabalho concluído
Quanto construí sem saber
Quantas unhas cortadas
Quanto sangue escorrido
Quantas palavras pronunciadas
Quantas precisaram engolidas
Quantos espirros quantos sorrisos
Quanto ar aspirado quanta bufa já soltei

 
Quantas mentiras creditadas
Quantas verdades soltaram-se desatinadas
Quantos nomes já clamados
Quantos ainda chamarei
Tantas dores tantas máximas
Restarão ensimesmadas

Ainda nem mais nem menos vivo
Porem ainda morno
A vida por um sopro
A morte por um fio


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IMAGINA


Imagina enfim
Se a luz é ou não companheira das sombras
Pois tantas vezes seria a noite quem iluminaria o dia

Desapercebido porém
Passando de soslaio pela penumbra me iludiria
Não fosse a certeza de que esses raios são apenas sobras
No extenso veludo negro do alpendre do céu
Onde o sol morreria

Apenas pelo gosto de ressuscitar no brilho de cada estrela
Amanhã a tarde intensa poderia predizer-se ainda mais bela
Desde que eu a olhasse pelos olhos da poesia

BEM MAIS LONGE


Faço de cada ida a algum lugar uma viagem
Pouco importando a distância que caminhe
Se a intenção e o destino é chegar perto
Sair já fora uma rotina corriqueira
O resultado de partir desenha a meta
Mas se não venho tantas vezes é porque perco
A referência dos rastros para o retorno

Há quem estime que voltar é desprazer
Há quem espera que regresse sem pudor
A vida é fase e a gente sempre faz de conta
Que o ir e vir nada mais é senão a ponta
Da alça de cada aventura que nos lança
À incríveis jornadas que nos exigem como prova
Minimizar o que o horizonte arrefecer

Porem se creio piamente no que acho
E busco sempre alcançar todos os sonhos
Componho por minha conta o meu presente
Eu vou além muito além e bem mais longe
Mesmo quando inconsequente ainda rechaço
Não por temor mas precaução do que disponho
O amor me ampara mesmo que eu não saiba ver

LÁBIOS


A agua e o ar se movimentam
O sopro no vento
A onda no mar
Um voa meus sonhos
Outro afaga os ais
E todos se encontram
Num único porto
No limbo dos dentes
Nem longe nem perto
No abismo do olfato
Batendo nas bordas
Onde os lábios margeiam
E a úmida língua
Bailando na boca sentindo sabores
Sacia a alma
Alimenta o corpo
Respira em poesia
Inspira depois
Acaricia
Repousa
E a alma desposa-me

FORA DE LUGAR


Bom seria contigo uma xícara de chá
Vinho brando champanhe ou terroir  
Seria estranho não partilhar a bebida
A nossa frente sem compartilhar ideias
Deixar de silêncio ou ficar sem se olhar
Balbuciar doidices chamar o nome
Despretensiosamente confidenciar

Acho que o chá na taça e o vinho na xicara
Após tanta fala seria desnecessário cuidar
Das palavras ou algum nome fora de lugar

Valeria fechar os olhos para achar o sonho
Tornar-se vulnerável intruso confidente
Despretensioso endoidecer por amar

Estranho nem sem beber nem bem sonhar



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PACIENTE


Meu barco fazendo agua
Seria isto suficiente para um breve desespero
Sinal de alerta para qualquer jovem marujo

Ah o velho marinheiro continua seu curso
Remando paciente buscando o cais
Uma vez já mais perto que distante do porto

Essa a lição da maioridade
Desprender-se do casco ainda que erroneamente nade
Ir adiante mesmo que convalido definhando afunde

Pela certeza de chegar a qualquer ponto
À frente ou abaixo do esperado encontro
Há o acaso entre o azar e a sorte de haver partido

São assim as conquistas os amores os sonhos
As paixões que traspassam o turbilhão do tempo
Somos todos navegantes desse mar incerto



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SOBRE AS CAMAS


A vara que ergue a corda
Estica o varal até a altura do sol
Para que o lençol seque e quare
Um pouco mais alvo debaixo do céu
Permanecendo hasteado no alto do pau
Livra os arrastos da límpida barra no chão
E preserva o mundo exposto de cada um

A moça contempla o acinte do vento que acorda
Esvoaça o tecido e embandeira o quintal
Então penso que todos os dias lavam-se roupas
Onde se apagam os rastos deixados de suor e amores
Apenas para estender as cores e enfeitar o portal
Por onde transitam prazeres e dores
Vestígios dos nossos sonhos e dramas

O mundo é esse circo irreal
Enquanto descortina o próximo segundo
Achamos que o envelhecer amarrota as camas
Mas na verdade revive as fibras e o ideal
E renovam-se os panos enviesados
Enternecidos por vivas chamas

TOLICE


Crio um parêntese no meu dia

Paro para olhar a chuva na porta aberta
Com o frescor do respingo teimoso na cara

O cair da agua chiando demora
Retorno ao poema salvo na tela

Quanta tolice comete o poeta
A poesia acontece ali fora


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OLIMPÍADA DO TEMPO


Tanta gente morre nessa olimpíada do tempo
Enquanto sigo eu narrando esse jogo
Assistindo ao espetáculo
Hesitado em ser adversário e autor 
Ator de papeis de múltiplas novelas

Sou o cão absorto olhando o futuro
Estendido incompleto se vendo no espelho
Quarando os miolos num sol de primavera
Com as patas no chão e o peito arfando
Docemente esperando que alguém acorde
E caminhe ao meu lado por dentro e por fora

Pois minha ousadia no cotidiano
Sem sombra de dúvidas e por iniciativa
Esmurra o ócio e entreabre janelas

Somente assim se vai ao mundo
Eu conquisto cada minuto que me espera

ETAPAS


Considero paixão cada etapa vencida
Mas para que possa vencê-las
É preciso lutar essa luta aguerrida
E dela entender os ditames do tempo
Cada oportunidade e a rotina da vida

Lá de cima da montanha
De onde possam vir teus medos
Ouço chamados contínuos e apelos
Para que eu chegue ao cimo
E contemple a paisagem

Certamente seja esse o segredo do vento
Varrer-se na pedra sem perder-se da nuvem
Inda que não as tenha entre os dedos

INDIGENTE


O santo torrão onde pisa meu pé pode não ser meu
Pois nenhum palmo desse abençoado solo sequer me pertence
Não se lavrou em meu nome nenhuma escritura pública
Em que me ateste a posse de qualquer morada ou cerca
Não grilei gleba alguma no radar da noite nem a herdei
E nem de ti o mundo tomei para que desolasses sem chão

Plantei sim árvores inúmeras nas beiras das plagas
Semeei o verde ainda que tuas mãos devastassem as eiras
Ajudei-te a recolher os grãos e preservei tuas sombras
Transmutando as poças em riachos viçosos diversos
Que seguem o curso no entorno da orla de versos
Juntando as fronteiras longínquas desta nação

Sou eu agente dessa massa que se orgulha e se ampara
Se te envergonhas não seja de mim ou da raça
E sim da oculta imagem que te reflete no espelho
Pois a terra que é tua é o lugar que me abraça
Ainda que seja eu indigente e não comungue dessa hóstia
Prossigo forte país feliz altaneiro – sou o povo tua pátria

O CASCO DESSE NAVIO


Quisera
Que a mesma vela que nos levará para outra quimera
Navegasse sob a intensa luz de um só pavio
Esperando derreter a cera sob um sol de primavera
Imerso nas aguas de qualquer um lago
Por onde deslizasse o grosso casco desse navio

Seguíssemos talvez
Ainda que seguidas vezes diluídos em rios
Ao invés de consumirmos em cinzas nossos pedaços
Soldássemos as fendas desse calado
Equilibrando o corpo à sombra do círio
Revestíssemos de coragem abóboda e lastro
E simplesmente de novo partisse

E se lá na frente assoreasse
Ou se tombasse o mastro sobre delírios toscos
Enxergássemos ainda que febris desastres
Por vieses e enroscos
A fugaz serenidade face a face




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A LUZ QUANDO FOGE


A luz quando foge escurece o canto
Nem por isso o lugar perde encanto
Se a contento não se vê iluminado

A escuridão não é caos e sim ordem
Claro seria a definição apenas de um lado
Pois a mente tende a refugar o lúgubre

Acima do pressuposto ato falho
Cremos que a presença do breu seria anormal
E não por inverso a plenitude

Tola crença quem somente enxerga
Sob o foco de um mesmo raio
Desleixa o coração que aclareia o opaco

Se faltarem todas as cores inclusive o preto
Que jamais degenere o que age em secreto
Porque segredo é coragem e não apenas medo 

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ARREMEDO


Para esta viagem
Preocupa-te somente
Com as vestes da alma
Com a roupagem com a qual
Enovelarás o espírito
Para que tornem lúcidos e transparentes
Os teus atos
E passes de ida tão próspero e terno
Como estivesses novamente refazendo a vinda

Não tem medo
A morte é só o arremedo da vida


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BUSCA


Ande atrás da palavra certa
Destas que acendem e ardem
Se espeta desperta

Saiba que há sempre uma sílaba exata
Ainda que em frase solta
Não se encabule com nenhum vocábulo

Mesmo que fira deixa que afete
É assim que age o silêncio
Para que o teor se complete

E o belo que há por trás da ideia
Não se contem calado
Mas revela-se



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VAGALUME


Vivo iludindo meus sonhos aclarando espíritos
Como faz o pirilampo que afugenta o escuro
Tornando-se fulgente entre abelhas e mosquitos

Encanto-me com singelezas acendendo ideias
Em pleno espalhamento da luz porem sem ser estrela
Ilumino a minha casa com o fulgor da própria asa
Com mínima e parca energia imanente das colmeias

Entretanto espia-se o brilho e pouco importa se ligeiro
Sinuoso esvai-se ao breu como escorre o tempo
No inconsequente entremeio existente entre as fendas
Por mais que se apertem os dedos o que importa é o legado
Mútuo entre mestre e aprendiz seguido por primeiro

Alguém ao aperceber-se talvez da ousadia do vagalume
Possa invejar ou julga-lo por seu lampejo fugaz
Ser de pura insensatez querer se almejar lanterna
De minha parte porem desejo unicamente que a luz 
Independa de brilhar mas aclare áurea e alma 
E fortaleça nosso ser tornando a vida mais bela



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BRIOS


Certo rio certo dia deixou de viajar
Empoçou suas aguas entre bancos de areia
Cansou de invadir o mundo das barrancas
Perdeu-se nas próprias pedras e beiradas

Um senil pescador que nadara em seu fundo
Chorou sete dias e viu que as lágrimas
Corriam saudosas no regalo do leito
E que naquele peito vida ainda haveria

Reuniu lá da vila todos os condenados
A viver sem futuro por falta de brios
Despertou-lhes a fome da fartura de peixes
E os levou para a ponte já sem necessidade

Juntos simplesmente insanos sonharam
Com a correnteza refeita novamente fluindo  
Assim conta-se que o rio voltou a rolar
Mas já não sei confirmar pois mudei de cidade



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LEVANTE


Se tua arma mata
Talvez tua alma esteja morta
E nada mais importa

Nem a vida abala
Nem mesmo a bala da arma que atinge
Qualquer figura intacta

Beirando a morte
Mate – eis o mote
Avante! brada o bravo comandante

Depois alguém despetalará flores
Rosas pelas mesmas ignóbeis mãos
Em algum túmulo simbólico ornarão tuas dores

A ao menos um ignorado do front
Bandido ou soldado morto nalgum levante
Hão de lembrar-te


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RESSURREIÇÃO


Para onde irá tua alma?
A minha permanecerá
Não irei a lugares
Nem subirei patamares
Estarei retilíneo sepulto com meu corpo
Onde dele dependo para viver a mostra do que penso

Dormirei por séculos entre os pecados cometidos
E os deslizes perdoados pela mera bondade do acaso
 
Assim sobreviverei atemporal ainda que a carne debulhe
Mesmo que esfarinhem os ossos
Sobreviverei porque o íntimo permanecerá
Desde que tua generosidade
Comigo se apense e a piedade partilhe
Onde os nomes descansam dado o privilégio de amar

Mas ao raiar do décimo milênio despertarei
E ai quem sabe poderei por fim descansar

A FONTE


Olha como a fonte grata
Molha ao redor do olho por onde verte
Entre o musgo e o lodo verde
Sua alegria em brotar dentre as pedras

Tenra a agua que dali nasce e medra
Empoça e ensopa e escorre ligeira pela mata
E mata a sede do mato que a espera
Porque em riacho denso se converte

Nada pede ou apela
Exceto que a deixem cumprir sua meta
De ao espreguiçar-se do seio da terra
As gotas respinguem afrescos onde alcancem

Essa a arte da vida que somente entende
Quem generosa e densa nos gestos se enlaça
À vocação ainda que mínima quando abraça
As margens por onde seu curso segue

E tenazmente persiga a sorte
De ser feliz ainda que custe
O ardor maior da inconstância
Por aquietar-se para que outras gotas passem


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PELA CROSTA DA TERRA


Este céu ainda que amanhã tenha as mesmas cores
Carregará novas nuvens por ventos diversos
Também eu espero encontrar lumiares
Como os tantos que em mim estiveram

Céu e eu estamos além dessa nebulosidade mera
Ele faz chover nos lugares dispersos
E apazigua ou alenta as dores enraizadas no dorso

Enquanto eu lavro meu mundo insalubre
Ele revolve alumia e procria a esfera

Ambos vagamos insanos soltos pela crosta da terra
Ele transmutando em sereno minhas lágrimas tortas
Eu lambuzando em azul esse orvalho dos ares


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SEM GRAÇA


A praça 
Oferece árvores flor e jardins
Passeio gramado e calçadas
Porém está deserta

O deserto
Acolhe pessoas carros e dunas
Vasta areia a céu descoberto
Porém sem jardins

O mundo é canteiro 
Fértil de escolhas


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A MELANCOLIA


A melancolia por vezes bateu à porta do justo
Sem conseguir esmaecer-se

Da primeira tentativa nasceu o peregrino
Assim saíram  a caminhar juntos
Na oportunidade seguinte emergiu o eremita
E trancafiaram-se ambos em profusa solidão
Por terceira via eclodiu o imprudente
Que inconteste os instigou a loucura completa

Por fim fez do sonhador
Um iludido se achar poeta



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BESTEIRAS


Sobre as pedras
Passeiam bons e ímpios
Elas não se incomodam que passem

Em minha cabeça também martelam
Pensares ruins e do bem
Mas com estes meus cabelos embranquecem

Seria o tempo essa dualidade descolorida
Que quando extrema inconveniente
Denoda e esfarinha os miolos?

Preciso entender a desmedida prudência das pedras
E calmamente encetar que desfile em mim
Algo além da procissão de más ideias



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QUEIRA OU NÃO QUEIRA


É o olhar o mais tenro gesto da sabedoria
Pelo olhar dá-se o gosto do poema
Através dele se ouve os passos da poesia

Cheira a gerânios quando o encanto peneira a tarde
E a paixão enxerga o menino que aceso arde
Na febre efervescente do dilema

Não são os olhos pois estes nem sempre veem
Mas sim o sentido exato de encarar o mundo
Por nuances jamais porventura vistas

As ruas entre línguas se cruzam ligeiras
E as palavras proferidas são descritas
Nas placas espalhadas das esquinas

Ninguém perde o endereço nem o ritmo da andança
Se os olhares intercalam os percalços da cegueira
Queira ser o destino de cada um ou não queira



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ENQUANTO EU IA


Eu sempre fui
Aprendi desde cedo a sair
Doía mas o clamor do destino me aquecia a ida

Via num lampejo
Os rios que riscavam os rostos
Dos que ainda assim me vendo ir sorriam
As lágrimas se desenhavam em curvas e retas
Das estradas que eu seguia
Procuravam os próprios espaços
Escorriam e pingavam de saudade dos idos

Seguia o contrassenso que me esperava
Aguardava-me a sequência dos dias
Então me confortava de que a qualquer tempo viria

Hoje por fim permaneço
Já não saio porque os caminhos não me cabem
Tenho agora o mesmo clamor de vazio entre os dedos
Que tremiam nas mãos dos que ficavam
Enquanto eu ia


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O SANTO TORRÃO


O santo torrão onde pisa meu pé pode não ser meu
Pois nenhum palmo desse abençoado solo sequer me pertence
Não se lavrou em meu nome nenhuma escritura pública
Em que me ateste a posse de qualquer morada ou cerca
Não grilei gleba alguma no radar da noite nem a herdei
E nem de ti o mundo tomei para que desolasses sem chão

Plantei sim árvores inúmeras nas beiras das plagas
Semeei o verde ainda que tuas mãos devastassem as eiras
Ajudei-te a recolher os grãos e preservei tuas sombras
Transmutando as poças em riachos viçosos diversos
Que seguem o curso no entorno da orla de versos
Juntando as fronteiras longínquas desta nação

Sou eu agente dessa massa que se orgulha e se ampara
Se te envergonhas não seja de mim ou da raça
E sim da oculta imagem que te reflete o espelho
Pois a terra que é tua é o lugar que me abraça
Ainda que seja eu indigente e não comungue dessa hóstia
Prossigo forte país feliz altaneiro – sou eu povo tua pátria

CIRCUNSTÂNCIAS


Estou indo enfim a lugares desconhecidos
Tanto fugi de alguns caminhos e escapei por outros
Por tantos que inclusive escolhi

Descubro agora que todos se cruzam
E levam a um único destino
Ainda que o incerto será sempre o mesmo lugar

Não temo novos tempos amedronta-me a mesmice
Ou a involução do meu pensar
Por isso apresso e aprecio as circunstâncias

Preciso tanto que a vida me perca!



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COMO SOU


Mesmo sem ver o céu de hoje à noite
Porque as luzes do chão
São mais fortes que as das estrelas

Ainda que não ouça a cantoria dos mares
Os sons das ruas me interrompem
Todos os ciclos que me vem como açoite

Até as minhas mãos andarem distantes
E os passos que der estarem muito aquém
Donde os pensamentos me enlevam

Negligente é a tradução desta realidade
Que torna irreconhecível o meu entorno
Apesar de escancarada credulidade

Porque nem tudo é possível
Se a vida é verdade
Como sou improvável?


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MUTUAMENTE


Toda alma deveria morrer de paixão
Pelo frasco que a acolhe transigente
Onde o inseparável espírito coabita
Fartando-se de efemeridades e benesses
Entre deliciosos pecados e frutuosos sonhos
Sem preocupar-se da realidade evanescente,
Amarem-se mente e corpo mutuamente

Viver desta mania repentina maneira
Em revelar o bem olhando bem de frente
Nada assustaria, tudo surpreende
Nenhum ser seria um pote mal fechado
Nem vidro, nem lata, clone de produto rotulado
Seríamos todos incensos de essências
Fumaça que perfuma e refaz no ambiente

Por vez que se quebre o vidro e a tampa amasse
Mesmo que nos tranquemos para o mundo
E o mundo nas tortas voltas nos revolte
Somente quem preza o valor da amizade
Dá-se na condição divina de ser homem
Refaz na fusão humana a eternidade
Detém a capacidade de amar plenamente

Então, que não se rompa nenhum elo da corrente
Ainda que a intempérie se revele reticente
Saibamos ser fortes, donos do destino
Mestres e aprendizes, eternos meninos
Sentados à mesa deste farto banquete
Que nos serve a vida dispersa pelo tempo
Cada grau de graças sorvidos, vagarosamente

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NAQUELE LIVRO


Aquele livro de capa amassada
Páginas soltas amareladas
Gravuras turvas puídas
Manchadas de gordura e lágrimas
Folhas rasgadas da brochura
Orelhas e dobras refiladas
Onde a tinta das letras muito negras
Duvidavam que podiam ser lidas
Trazia nas entrelinhas
Além dos nossos cheiros
Raros rabiscos a caneta e lápis

- Nomes aparentes dos netos e filhos
- Telefones de vizinhos e outros parentes
- Contatos de onde pedir taxi e gás
- Do novo médico dos rins
- A senha do cartão da poupança
- Aniversários e endereços ilegíveis

Residia sobre a estante
Entremeado por receitas
Comprovantes bilhetes e papéis
Sendo consultado várias vezes
Sempre que o telefone tocasse
Ou no instante em que a saudade doía

O tempo tirava-nos de casa
Mas as lembranças seguiam vívidas
Como adereços livres
Gravadas naquele livro


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EUS


É diferente o caminho
Por onde faz andança o amor 

Sei tanto quanto desconheço de carinho
Assim nem desejo nem penso ou imagino
Quão dissabor traria viver sem paixões

Gostar é partilha que faz diferença
Partilhar é propenso e constante princípio 

Vão-se as razões que a ilusão reinventa
Enquanto lágrimas molham as areias
Do coração feito ilha ou precipício

Chora-se de dor e prazer
Por destemor ou sofrer perverso e intenso

Meu verso detem essa lâmina de dois eus
Aposta teimoso no apogeu o que vivencio
Recorta em traços esse lado oposto do adeus

Enfim vive pleno em silêncio
Ainda que persista em amar sozinho


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PATRIOTAS


Quando menino inventava pátrias
E as distribuía contente
Para que no final das entregas
Houvesse alguma cumplicidade
Entre toda aquela gente

Além de vizinhos e colegas
Vinham também desconhecidos
Párias e filhos de outras plagas

Tornávamos fiéis amigos
E sem necessidade de qualquer patente
Cada um tomava um país e suas rotas

E até hoje ainda que sozinho
Viajo rodando o meu mundo
Reencontrando patriotas


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AGORA


Eu me divertia andando sobre linhas desconexas
Como se passeasse os pés sobre molengas cordas
Equilibrasse e destemido avante fosse e as avessas 
E até pulasse com pernas firmes as horas bambas
E em nada segurasse exceto nas bordas da esperança

Agora acesso as calçadas entre rampas
Com receio de escorregar pelas lembranças


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LÁBIOS


A agua e o ar se movimentam
O sopro no vento
A onda no mar
Um voa meus sonhos
Outro afaga os ais
E todos se encontram
Num único porto
No limbo dos dentes
Nem longe nem perto
No abismo do olfato
Batendo nas bordas
Onde os lábios margeiam
E a úmida língua
Bailando na boca sentindo sabores
Sacia a alma
Alimenta o corpo
Respira em poesia
Inspira depois
Acaricia
Repousa
E a alma desposa-me

MUTUAMENTE


Toda alma deveria morrer de paixão
Pelo frasco que a acolhe transigente
Onde o inseparável espírito coabita
Fartando-se de efemeridades e benesses
Entre deliciosos pecados e frutuosos sonhos
Sem preocupar-se da realidade evanescente,
Amarem-se mente e corpo mutuamente

Viver desta mania repentina maneira
Em revelar o bem olhando bem de frente
Nada assustaria, tudo surpreende
Nenhum ser seria um pote mal fechado
Nem vidro, nem lata, clone de produto rotulado
Seríamos todos incensos de essências
Fumaça que perfuma e refaz no ambiente

Por vez que se quebre o vidro e a tampa amasse
Mesmo que nos tranquemos para o mundo
E o mundo nas tortas voltas nos revolte
Somente quem preza o valor da amizade
Dá-se na condição divina de ser homem
Refaz na fusão humana a eternidade
Detém a capacidade de amar plenamente

Então, que não se rompa nenhum elo da corrente
Ainda que a intempérie se revele reticente
Saibamos ser fortes, donos do destino
Mestres e aprendizes, eternos meninos
Sentados à mesa deste farto banquete
Que nos serve a vida dispersa pelo tempo
Cada grau de graças sorvidos, vagarosamente

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MUTUAMENTE


Toda alma deveria morrer de paixão
Pelo frasco que a acolhe transigente
Onde o inseparável espírito coabita
Fartando-se de efemeridades e benesses
Entre deliciosos pecados e frutuosos sonhos
Sem preocupar-se da realidade evanescente,
Amarem-se mente e corpo mutuamente

Viver desta mania repentina maneira
Em revelar o bem olhando bem de frente
Nada assustaria, tudo surpreende
Nenhum ser seria um pote mal fechado
Nem vidro, nem lata, clone de produto rotulado
Seríamos todos incensos de essências
Fumaça que perfuma e refaz no ambiente

Por vez que se quebre o vidro e a tampa amasse
Mesmo que nos tranquemos para o mundo
E o mundo nas tortas voltas nos revolte
Somente quem preza o valor da amizade
Dá-se na condição divina de ser homem
Refaz na fusão humana a eternidade
Detém a capacidade de amar plenamente

Então, que não se rompa nenhum elo da corrente
Ainda que a intempérie se revele reticente
Saibamos ser fortes, donos do destino
Mestres e aprendizes, eternos meninos
Sentados à mesa deste farto banquete
Que nos serve a vida dispersa pelo tempo
Cada grau de graças sorvidos, vagarosamente

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PROCISSÃO


Quando chegavam os santos dias
Ficava da janela olhando a procissão
Alguns levavam velas acesas nas mãos
Enquanto outros disputavam o andor

Cantavam
Mas o burburinho nem sempre era oração

Então não entendia bem os modos da minha gente

Nos outros dias comuns
Eu ficava observando as saúvas
Que imitavam os adultos com exímia precisão

Algumas carregavam folhas
Com tamanho ardor que pareciam homens
Desfilando nos ombros os santos da cidade

Mas o chiado que faziam as formigas
E os rastros que deixavam pelo chão
Era a mais sagrada e sincera definição
De profusa religiosidade

Então bem ouvia Deus gargalhando de contente


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INDULGENTE


Paira sobre a idade
Certa ilusão de que nova paixão é utopia

Conta em segredo quantas paixões ainda teria
Ainda que lhe venha o medo dos futuros dias 
E já não tenha mais noção de felicidade ou melancolia

Porque a vida é essa eterna evasiva poesia
Nos dá a visão de que se é bucólico 
Sofrer ou sorrir bastaria

Quem está no campo imagina a cidade viva
Quem está na cobertura de um prédio
Sonha em colocar os pés na terra fria

Há inconstância espalhada pelo cotidiano
Dualidades naquele dia em que não se quer pensar
Aquele dia em que não se quer sofrer
Mas não há um dia em que não pretenda amar
Mesmo que ser amado não seja tão pleno

Ainda que intempestivo
Creio na indulgência do amor permissivo
Daqueles sem tempestade
Que faça momentos parecer eternidade


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Toda alma deveria morrer de paixão
Pelo frasco que a acolhe transigente
Onde o inseparável espirito coabita
Fartando-se de efemeridades e benesses
Entre deliciosos pecados e frutuosos sonhos
Sem preocupar-se da realidade evanescente,
Amarem-se mente e corpo mutuamente

Viver desta mania repentina maneira
Em revelar o bem olhando bem de frente
Nada assustaria, tudo surpreende
Nenhum ser seria um pote mal fechado
Nem vidro, nem lata, clone de produto rotulado
Seríamos todos incensos de essências
Fumaça que perfuma e refaz no ambiente

Por vez que se quebre o vidro e a tampa amasse
Mesmo que nos tranquemos para o mundo
E o mundo nas tortas voltas nos revolte
Somente quem preza o valor da amizade
Dá-se na condição divina de ser homem
Refaz na fusão humana a eternidade
Detém a capacidade de amar plenamente

Então, que não se rompa nenhum elo da corrente
Ainda que a intempérie se revele reticente
Saibamos ser fortes, donos do destino
Mestres e aprendizes, eternos meninos
Sentados à mesa deste farto banquete
Que nos serve a vida dispersa pelo tempo
Cada grau de graças sorvidos, vagarosamente


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AOS INTENSOS AMORES


Tenho mantido alguns intensos amores:
Às árias das flores e vinhos
Aos textos soberbos que sombreiam a alma e seus valores
Entre o sangue e os laços parentes
Por momentos da calma incontinente
Até mesmo pelas faltas da gente

Manter amores é arte que se espraia infinitamente
Pelos corredores donde o espírito encanta
Pelas singelezas em que a saudade se esconde
Disfarçada a espreita achando a felicidade de ser

Alguns amores nos pregam sustos e vão embora
Consomem até derreter os arredores das horas
E se fazem de tão íntima grandeza
Belos caminhos aos nossos perenes olhares
Atentos olhos que reluzem
A fartura que espuma e escancara nos seres

Sei que mereço manter esses avessos amores
Por isso vos amo às vezes




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APELO


Cerro os olhos
Aspiro todo o frescor da brisa
Então displicente respiro
Sinto teu hálito vívido pela sala
Teu cheiro a perfumar a noite
Ânsia minha que precisa imaginar-te

Manda teus olhos nalgum sopro
Teus lábios por uma nuvem
Tua voz em única frase
Que acolherei teu riso leve
Junto a qualquer bobagem que perpasse
Por um pensamento breve

Vê que teu poeta apela
Porque tudo de ti me inspira
E apesar desse atrevimento desconexo
Te revido mil poemas
De alguma forma dizendo
Da tua cumplicidade clara
Que ouvistes meu apelo


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CONTINUAMOS


Sinuosas nuvens pairam vagas
Sobre dunas desertas entre céus e mares
Intensas ondas remontam a esfera
Revolvem tudo o que navega
Entre fossos de rochas e areias
À mercê do vento que apela às folhas e reverbera
Nos seus devaneios nos derredores

Invejosos de vontades alheias
Águas sonham ser gelo
Neve pensa derreter-se
Ao não suportar o próprio apelo
Que o cálido sol leva-as ao desespero

Enquanto o ardor assoprar calores
O coração expulsa o ventre
Um tanto o sangue repulsa
Outra porção tripudia e pulsa entre

Mas o meu irreverente sopro valsa
Porque se o tempo acaba as vísceras
O pensamento renasce e perpetua esperas
Esse não passa

O amor refará a baila dos oceanos
E sinto que nas severas tempestades
Há o acalanto
Ainda que se vão os dias
Encerram-se em mim os anos

Se a isto assistindo até então não morro
Natureza e eu resistimos
Ainda que breves continuamos


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Toda alma deveria morrer de paixão
Pelo frasco que a acolhe transigente
Onde o inseparável espirito coabita
Fartando-se de efemeridades e benesses
Entre deliciosos pecados e frutuosos sonhos
Sem preocupar-se da realidade evanescente,
Amarem-se mente e corpo mutuamente

Viver desta mania repentina maneira
Em revelar o bem olhando bem de frente
Nada assustaria, tudo surpreende
Nenhum ser seria um pote mal fechado
Nem vidro, nem lata, clone de produto rotulado
Seríamos todos incensos de essências
Fumaça que perfuma e refaz no ambiente

Por vez que se quebre o vidro e a tampa amasse
Mesmo que nos tranquemos para o mundo
E o mundo nas tortas voltas nos revolte
Somente quem preza o valor da amizade
Dá-se na condição divina de ser homem
Refaz na fusão humana a eternidade
Detém a capacidade de amar plenamente

Então, que não se rompa nenhum elo da corrente
Ainda que a intempérie se revele reticente
Saibamos ser fortes, donos do destino
Mestres e aprendizes, eternos meninos
Sentados à mesa deste farto banquete
Que nos serve a vida dispersa pelo tempo
Cada grau de graças sorvidos, vagarosamente


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NÃO SOU PENSADOR


Não sou um pensador
Aliás as vãs coisas que penso não me acham em si
Riem-se de maneira absurda e voraz
Tão assaz e intensas são as suas asneiras
Volúveis ideias simplórios ideais

Certa vez pensei que pudesse deixar o amor
Sentado na soleira da porta vendo o tempo passar
Sem me esquecer de amar
Que pudesse guardar dos perigos das horas
Os clarinhos da lua sem que fossem embora
Que voltariam amanhã para os olhos ainda úmidos
Os sorrisos de cada lágrima que chora
Que as palavras que dissesse
Cerceassem dúvidas por verdade e mentiras

Ora envelheci na oficina dos versos montada no sótão
Do coração tentando produzir poemas como quem retira
Da toalha da mesa e dos amarrotados lençóis
As manchas prensadas da solidão que atordoa

Tudo que penso enfim esvai mas nunca aquieta
Deteriora quando a consciência me acorda
Apenas a teimosia perdura acometida da ilusão
De estar aprendendo a pensar poesia
Com olhares de poeta



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EXPLICAÇÃO


A mais velha presunção de todas as eras
Desde que surgira o mundo e o verbo fizera
Insiste o artista em perpetuar sua arte
Ao contar em fatos tantos cantos diversos
Entre a lucidez e o sonho de uma conversa
Tornando em poema qualquer insana ideia
Surgira o poeta perseguindo a poesia

Se todo aquele que o lê lhe devora
Acomodando no espírito um único verso
Recontaria o tempo imortalizando o texto
Vivendo aos berros sem um único grito
Dar-se-ia a junção da palavra à voz concreta
Quando a canção entender-se mais verdadeira
Seguirá a poesia devorando o poeta

Tantos versos se reprimem pelo deserto
Incertos ao vento naufragando em mar alto
Outros sentimentos aforados tomam de assalto
Saborosos néctares de benfazejas chamas
Tão singelos diálogos que segredos componham:
Se insistem ao poeta em descrever tais encantos
Sussurram poemas que em silêncio te sonham


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SAUDADES


Já senti saudades diversas
De momentos
Épocas
Lugares
Pessoas

Nenhuma tão forte em mim ecoa
Quanto essa que me atravessa
De uma conversa boa


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ELOGIO À TERNURA


A ternura é uma espécie rara
De silêncio de pomar ao meio dia
Onde somente há o zunir de moscas azuis
E abelhas ocupadas em lamber frutas maduras
Semeando polens entre as flores
Levando cera pelas folhas
Misturando cores e cheiros ocultos
Dos frutos presos nos visgos e galhos
Alimentando pássaros e formigas cortadeiras

A ternura faz com que o anjo
Se ocupe em descobrir
Porque a flor desprendeu-se da haste
Tombou sobre a mesa
E foi ao chão voar entre as cadeiras

A ternura é um vulto solto
Sob o céu arcado de estrelas
Ainda que sujo de nuvens e sol
À noite talvez se possa vê-las

Ela junta conformidades às hipóteses
E nos dá a certeza de que 
Se não se pode colar certas extremidades
Tudo se refaz desde que se respeitem vontades

A ternura é justamente esse olhar sobre as esperas


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PARA O OUTRO LADO


São os laços que trouxemos 
Que diversamente nos atraem
Ademais criamos os demais
Os quais nos fortalecem
Ou por vezes nos traem

Diferente de embaraços os laços
Prendem tanto quanto os nós
E se desmancham se não bem apertados
Dificilmente desapropriam 
Ambos os lados até saltam 
Mas nem sempre repentinamente 
Soltam se descuidados

Se bem arrochados comprimem
E exprimem excelsa união das partes
Selam os valores ainda que inaptos
Pois que se opostos sobrepõem-se
Os lados quando se unem entrelaçam
 
Realmente os laços que trouxemos 
Ou criamos ou refizemos se desmanchados
Mostram-nos que do cordão que viemos atados
Somente estes levaremos de volta 
Para o outro lado



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PECADOS


No amar nunca vi pecados
Pois não há o que se arrepender
Dos excessos inconstâncias e modos

Exceto o não ser sincero a si mesmo
Pois no amor se a consistência é fugaz
Todo o resto deixa de ser verdadeiro

Quem traz as mãos postas em reverência
Aprende que entre ambas manifesta-se
A sinergia que dá sentido ao que é bom

Então é esse calor que nasce primeiro
Que flutua e oscila entre um e outro coração
A fim de pôr essência ainda que a razão resista 

Há amores que se põem sobre frágil balanço...
Que importa se vem e vão mas compreendem
Que a única mácula do amor seria não ter amado!

Pois no amor há que se eternamente empreender
O exercício de amar sem arrepender-se
- Não amar-se sim é sério pecado


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POEMA RESSENTIDO


Após sete dias de árdua guerra
Ou invasão de um País encravado nalgum lugar do globo
Faz silêncio total de quem por si só
Evocaria e apregoa liberdade igualdade fraternidade
E outras tríades diversas – ainda que não fosse nesta mesma ordem

Nada!

Ninguém se pronuncia
Não questiona
Ninguém faz uma nota de repúdio ao terror ao horror aos sofrimentos da terra
Não se comovem não se posicionam...
Continua tudo irrelevante como qualquer outro fim de carnaval
Quando a ressaca sobrepõe-se a toda e qualquer ideia
Ainda que mais tosca depois da folia

Mas afinal ainda não é nem meia noite nem meio dia

Ainda!

DEGREDOS


Quando ouvíamos comedidos
Os avós contarem macabros degredos
Andávamos por escuros imaginando a dor

Estou agora na antessala da mesma casa imaginária
Revisitando imagens e apelando aos meus credos
Vencendo insanas guerras que submetem ao horror

Estão comigo somente fantasmas ao redor
Que me fazem comover tanto nestes tempos
Diferentes de quando irrequieto a astúcia sobrepunha

Deveria sabê-lo pois a idade calejou sentimentos
Os anos andaram minhas pernas por mundos intensos
Por onde partilhei confiança e recolhi meus medos

Apesar das lutas acostumei às batalhas rivais
A observar o quão são frágeis os argumentos
Que põem à margem nossos dilemas

Não trago as moribundas sentenças do passado
Somente prezo para que haja mais esperança
E prevaleça entre o meu e o seu mundo a paz


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ESCRITAS


Depois de passeios densos por palavras
Encantado em meio aos versos
Divertindo-me com estrofes
E nutrir parcerias a tanta rima explícita
Descansar entre ideias íntimas
Cultivar frases distintas por ilusões
Jogar junto ao sonho diverso do fonema
Zarpando entremeio a retóricas e sofismas

Ainda que o fio da sintaxe
Porventura me corte a garganta
Não fiz sobrar tempo vasto
Senão para as escritas:

Oh, valeu a pena
Cada verso de poema


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NA COR DOS OLHOS DA GENTE


Mesmo sem sombras o oceano dissolve a luz
Sobre sobras que deixa transparecer

O restante guarda nas alcovas

Também ele é feito de assombros
Que soçobram ou encantam nossas vidas
Diante do mistério absoluto que prova
Na fluidez da solidão das ondas

Parece insensatez contumaz
Ocultar da face do mundo
Tesouros tão profundos

O oceano mente incontinente
Mas detém seus motivos e segredos
Quando desassombra nossas mágoas
Ignorando angústias e medos

Tão imenso quanto soberbo
O que o oceano esconde do horizonte
Revela-se na cor dos olhos da gente


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SEMBLANTE


Sem filtros é mais bonito teu rosto e mais linda
São tons diferentes de apelos nos olhos
Brilho difuso de luz em cristal transparente

Olhando de perto parece que os lábios tem gosto
Das cores dos ventos de inverno de agosto
Trocando preces e indulgentes lampejos de afetos

Insinuas ocultas vontades ardentes velados arpejos
Iludindo calmamente quem olha o desenho atraente 
Da boca nos contornos de giz em leves movimentos

No entorno azul da face há disfarçados sorrisos breves 
E tantos barcos varrendo soltos os traços que gostas
Carregados de axiomas de onde nascem precisos desejos

De resto tens na nudez do espelho a nitidez do semblante
E mesmo que a si negues ser infinitamente bela
É instintivo que sentes a exata certeza e noção do perfeito


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TARDES BRANCAS


Sempre que as horas se descrevem pálidas
Octas do céu unem-se às suas nulidades sorrateiras
É como se os espíritos desprendessem da terra
E pairassem nas nuvens gélidas enciumando as estrelas

A tarde - essa efêmera polida de sandálias brancas
Pisa o profundo e deixa rastros nas veias
Profusamente passa de propósito e de encalço
Mas passeia tão leve como se nem adensasse
Peso algum sobre o cansaço do mundo
Apenas sobre nosso tempo e anseios

Suas sandálias brandas imitam tiras de couro
Presas por fivelas plásticas em fios de prata
Claras do ovo em neve da Antártida
Cores despidas das velas acesas
Tao ligeiras são as suas pernas
Tão névoas são as suas penas
Brancas e suaves também as suas meias

Hoje ainda domingo iludimo-nos
Nunca saberemos dos mistérios que a noite prescreve
Nem a quem de nós deixará vivo para as próximas feiras


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UM LIVRO PRONTO


Chegaste pela porta aleatória
E apesar da face recoberta
Exalava na janela dos olhos 
Imensa poesia aberta

Na voz repleta de dúvidas
Dizia alguma história incerta
Sobre asas que voavam
A lugares que nem sabia
Que em si cabiam e não se davam 

Foi de acaso que vi e ouvi
Ao acaso que recolhi teus vértices
E por eles apreendi meus versos
Inversamente do que previ
Mas que me fizeste vir de encontro

Foi de manhã enfim
Vieste pedir uma palavra qualquer
Mal sabia que trazias um livro pronto


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AOS POUCOS


Se conhecesses a poesia na intimidade do poeta
Entenderias a pressa que existe em nascer seu verso
Poema não se faz vez em quando é copiosa promessa
Exercício de rotina da alma desigual dor repentina
Que explode no coração sem a qual não se completa
Bamboleia o corpo todo de um modo incongruente
Afeta a emoção sem noção brota do fruto da mente
Logo após aquietar-se no colo de quem o sente


Se soubesses do poeta na intimidade do seu sonho
Verias como ele morre de um amor tão perverso
Capaz de transforma-lo na vírgula mais íngreme
Que separa sua realidade das possibilidades previstas
Ao expor suas paixões sem mesmo que ninguém o sinta
E a um só tempo renascendo como a metamorfose dá-se
Intrínseca quando escreve reinventando-se no gozo
De sua própria poesia solta e só nalgum momento


Se olhasses o poema na intimidade do seu verso
Entenderias o poeta compondo seu próprio mundo
Sem ser tolo nem débil nem relés vagabundo
Perambula entre palavras com olhares de menino
Depois voa entre estrofes voraz por sentimentos
Até entregá-las prontas a uma alma ansiosa
Por guardá-las peregrinas formosas cheias de encanto
Adornadas da beleza de algum sentimento bonito

APRENDE


Aprende:
Se trazes à tona
Amiúdes detalhes
Suaves
Miúdas vontades
Em singular artimanha
Destas que burlam internamente
E doem ou alegram até as vísceras 
E perambulam entre uma ideia qualquer
E qualquer outra forma premente
Onde apenas a serena figura das gentilezas
Dome a doma dos sentimentos

Bem sabes não contraponho -
Fogem-me as palavras ainda que amenas
- Fico sem argumentos



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EM PLENO ESTADO DE POESIA


Ela costuma vigiar
As flores da orquídea que lhe enviei
E rega cheia de ternura as pétalas macias

Às vezes tem os talos entre os dedos
Às vezes examina as sépalas
Às vezes toca em torno dos labelos
E põe os bulbos tão perto dos lábios
Que o vento entrelaça pela haste esguia
E desfia com singela simetria 
Tanto que embaraça nos rostelos
Os fios de trigo dos seus cabelos

Depois espia encantada 
Cada nuance de cor
E sente um cheiro de poema 
Em pleno estado de poesia



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EPITÁFIO


As três últimas palavras de qualquer poema
Deixo-as a quem pressentir que houvera arte no que compus
Outras três rimas a quem leu do que fiz
Três estrofes aos que souberem que escrevi
E três poemas àqueles que desejarem de algum modo
Entender que existi

Aos amigos
Suplico que semeiem
Todos os versos escritos nas entrelinhas das minhas mãos



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PASSAGEIROS


Eram extensas claras estradas 
Sem retas ou curvas
Nem pontes nem guard-rails
Onde carros e trens ficavam parados
Aviões as margens estacionados
Navios nos piers
A esperar por ninguém nos passeios

Quem seguia eram as estações nada ligeiras
Estas sim entremeadas sucediam passageiras
Trazendo e levando cada um a nenhum lado

Até que a vida as tornou turvas
E as viagens apressadas fizeram de nós
Nesta curta jornada
Meros passageiros


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ABRIGOS


Disse-me uma vez o silêncio
Não haver função mais bela
Que a do fazedor de palavras

Faz palavra pra cantor
Palavra pra quem nada diz
Palavra de chamar amor
Palavra chula sem valha
Daquelas que oram e curam
Dessas palavras que choram
As ofensas das malditas
Palavras que não se falam

Vive pensamentando e ri
Da lavratura da ideia
Idealizando vocábulo
Dando voz ao tagarela
Torna sonoros fonemas
Dispõe os significados
Permitindo que se escreva
Imprima e comprima no peito
A palavra certa de agora

Minha língua é aprendiz
De toda palavra dita
Nos idiomas da terra



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DISTÂNCIAS


Entre pétalas penachos
Soltos na brisa serena
Em meio aos risos do sol
Era a rosa e o girassol
A cotovia e o rouxinol

Saudade são leves traços
Que às vezes faz doer

Era orvalho no clarear
Névoa cinza de entediar
Folhas levadas ao vento
Entre estranhos sentimentos
Do frio intenso a judiar

Saudade é indócil pena
Que faz estremecer

A inquietude faz gozar
Mesmo que a lágrima queime
Os olhos por torturar
Era o próximo e a distância
Na inconstância do que não vem

Saudade é poesia
No coração de alguém

DORES


Não desejo que leves
Nem retires as dores destas linhas
Segue com as tuas
Bem mais leves que as minhas

Dor vem do repente
Surge perfeita na medida densa
Da magnitude de quem a sente

Não aparenta nem ostenta
Quem se ilude ou pensa
Que a suporta ou divide
Dolorir-se entre o alívio e a pena

Entretanto admito que sintas
Que roubo tuas dores mesquinhas
Para torna-las amenas
Sobre teus ombros doídos

Segue então com as que te restarem
Certamente mais brandas 
Quão as minhas

REFLEXO


Tenho na moldura algumas possibilidades chulas
Outras avulsas óbvias de não terem acontecido
E algumas vazias que jamais puderam ter sido

Creio ter nascido de algum descuido destes
Pois me enxergo na paisagem que atenta
Vem sendo repetida no vidro de um mesmo espelho
Que apesar de frágil não se torna velha
Mesmo sendo mínima ainda está intensa
Densa em face ao que se encontra lícita
Possível por assim ser cíclica ainda que arrebente
Perpetuará teu riso de menina

Sei que em face ao tempo tudo é passageiro
Que o incrível surge sempre do repente
Por isso amo o nulo e o reflexo das coisas tolas
Em se mantendo livre o pensamento aberto
Talvez seja o segredo de uma imagem boa

Pouco importa se tudo acaba e morre
Quero um gole do teu beijo cor de uva crua
Ao molhar meus lábios no teu vinho puro
Terei sempre em mim teu olhar perplexo
Da certeza de que tua beleza perpetua


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SONETO DE SAUDADE


Passei tantos anos peneirando areia
Retirando a sujeira jogada na praia
Rastelando retalhos de algas sargaços
Pedaços de plástico e madeira

Às vezes não se podia esvaziar a lixeira
Havia tralhas que não queriam ser desfeitas
Restos de tudo abandonado sem dó
Mas que serviam de alguma maneira

Como se estivesse abanando sentimentos
Limpo agora as saudades do coração
Rastreio palavras renasço esperanças

De no árduo deserto da árida inspiração
Voando no passado mil pensamentos
Ver fluir em versos tão doces lembranças 


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TANTO PRECISAM OS SERES


Tanto precisam os seres
Para sobreviver:
Da piedade dos ventos
Da bondade das chuvas
Da generosidade do tempo
Entre as raízes e as sementes
Na intimidade do ar

Da total complacência das sombras
Do que antecede e o após a fartura
Da postura do sol e indisciplina das luas
Do cio das nuvens
Da gentileza dos rios
Da fertilidade e misericórdia da fome das feras
Do acaso da fauna e da flora no sono da terra

Para o bem viver
Tão pouco careceria o homem
Senão da própria consciência de ser


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VARAIS


Fiz da poesia um varal
E nesse esticado arame ainda que farpado
Exponho ansiedades e dilemas
Gritos que se entrelaçam por palavras
Em versos sortidos

No varal dos sentidos
Pendo meus medos
Cada linha revela sentimentos

Os dilemas dançam em ventos diversos
Numa teia inconstante minha alma se expõe
Ansiedades despidas vulneráveis dispostas
Como roupas nas quais o tempo roça
Entre rimas e metáforas flanam embandeiram
Em velas presas pelos versos navegam passeiam

E assim nesse varal de emoções expostas
Entre lágrimas e sorrisos e até falácias
Minhas letras são compostas
Cada verso é um fio que sustenta a minha essência

A poesia é a janela da alma inquieta
O que me completa estendo no varal da vida
Não fosse assim nem seria poeta

ALMA POETIZADA


Conecta tua alma ao silêncio
Se ouvir o íntimo será refúgio
Se enxergar o ilógico seja delírio
Se adivinhar o mágico cabem segredos
Se tiver gosto virá do incógnito
Se cheirar ávida haverá promessa

Conecta tua alma à cantiga
Se existir solfejos criará folias
Se encontrar abrigo será santuário
Caso haja lógica rirá da alegria
Se houver vazio sentirá repleta
Se buscar razões achará respostas

Mas se a saudade não deixa calar
E se os sentidos se perdem no ar
Ou se a inconstância escorre na lágrima
Não deixa que a tristeza seja imã
Sê passarinho e apenas confia
Conecta tua alma à poesia


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ANSIOSA


Fosse eu um vento arteiro
Remexia os teus cabelos
Esvoaçava teu vestido rosa

Fosse então ansiosa pétala
Perfumava-me em teu largo sorriso
Dessa flor que te põe cheirosa

Fosse simples gota da água
Inundávamos os jardins soltos
De felicidade imensa e calmaria

Fosse uma canção singela
Por tua voz suave e única viria
Embalar a tudo de amor constante

Fosse um beija-flor ligeiro
Sugaria destes úmidos instantes
Tudo o que faz ser singular

Que nos veem além dos olhos
Submersos rios distantes
Represando o ardor do mar

E porque a hora é sonho
Deito-me com meus poemas
Enamorando-te agora

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DESABRIGO


Eu desabrigo exposto ao frio
Os poros a carne os ossos
Fumo os afazeres secos escaldantes
Insuflo a umidade elegante dos ventos

Quisera dormir sem sono
Almoçar sem fome
Deixar de banho
Urinar contra a vontade
Fingir que descanso
Gozar sem alarde
Desregrar a rotina estafante
Desvencilhar dos costumes

De repente não quero nem mais ter nome
E sumir com as necessidades e sentimentos
Estirar às vísceras as apimentadas aventuras
 
Eu ando a esmo reeditando as loucuras



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ESPERAS


Em derredor de toda casa
Circunda a tal felicidade
Seja entre espaços curados
Nas dimensões dos quintais
Seja nas asas dos pardais
Que voam livres pela cidade
Há nos moldes de vida
Entre propósitos e soluções
Orações que rogamos
E as intenções que se reza
Cada ser preza os princípios
Que o tempo ido ensinara
E permanece em busca e à espera
Dos diferentes conceitos
Que a escola da vida
Através das lições lhe provera

Façamos de cada novo dia
Nova oportunidade rara


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PARCEIROS


As tempestades aparecem
E nos assombram
Quando chegam
Perturbamos para enxergar o que ficou
Se alguma coisa restou no lugar
Sem vergar exaurir sem quebrar

As tempestades acontecem
E nos assombram
Quando passam
Convocamos até os risíveis laços
Para refazer os estragos
Remendar os trilhos que truncaram

Não estamos acostumados aos dissabores
Aos destroços dos descaminhos

Não podemos consertar sozinhos

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SEDE


Os meus olhos tem sede de horizontes
De imagens que ainda não vi
De poentes que ainda não vieram
Das manhãs que já vivi
Dos amores que me chegaram antes
Das tardes que se apagaram sem sentir

Meus olhos anseiam o desconhecido
Auroras de sonhos por nascer
A bruma dos segredos escondidos
Nos caminhos que estão por percorrer

Procuram nas linhas do destino
Encontros de almas que se entrelaçam
Histórias que esperam ser escritas
Em cada abraço e sorriso que enlaçam

Meus olhos são do tempo viajantes
Sedentos das inconstantes instâncias
Que voam além das fronteiras conhecidas
Buscando entre insights e disfarces
Respostas para perguntas incessantes

Meus olhos são buscadores de encantos
Desvendando segredos nos recantos
São testemunhas de lágrimas e sorrisos

Em sendo exploradores incansáveis
Desbravam o tempo sonhadores
Buscam na essência da vida cada instante

URBE


Quanto maior a cidade mais gente ao relento
Mais forte a dor o sofrimento
Mais intensa a solidão danoso o tormento
Mais triste a sina grave o lamento
Maior o descaso o desalento
Mais se gasta sem ter maior o endividamento
Mais profundo o corte mais sangramento
Maior a teimosia menor o argumento

Quanto mais rica a nação maior desigualdade 
Mais alta a ambição frágil a moralidade 
Mais violenta a guerra dolosa a humanidade 
Mais escura a ignorância difícil ter caridade 
Maior a opressão menor liberdade 
Mais falso o sorriso menos verdade 
Maior o preconceito menor igualdade 
Infecundo o diálogo menor razoabilidade

Convivemos nesta fervura em transição 
De insolúveis dualidades 
Cada um a seu modo e jeito 

Somente o amor transcende realidades 
Mas onde há coração?
Em qual ritmo bate em seu peito?

A SEDE DA RUA


NAQUELA NOITE UM MUNDARÉU DE ÁGUA
SENTINDO-SE REPRIMIDA
DESCEU DECIDIDA A NÃO MAIS SER ENGOLIDA
PELAS BOCAS DE LOBO
E INUNDOU E CEIFOU MUITAS VIDAS

Após três semanas de intensas chuvas, minha rua de areia preguiçosamente ainda filtra as ultimas poças, cuja lama vai sendo ressequida pelo forte sol e o fétido cheiro do barro recoberto de composto vazado dos dutos da Embasa se dissipam dissolvendo a nata. O mundo inteiro soube que choveu muito neste canto baiano, aliás, muito além do esperado e previsto, inundando ruas e ruas e avenidas, transbordando rios, desfazendo riachos, arrebentando córregos, invadindo espaços como pode. Agora, a natureza se refaz, ou nos refaz de sua tresloucada descarga pluvial.

Estranho que as ruas calçadas sempre tiveram um recalque comigo. A princípio, nunca residi em uma casa cuja rua fosse pavimentada. Quando solteiro, a Rua 2 de Julho (hoje Dr Munir Thomé) era puro areião vermelho misturado a bosta de cavalo. Casei. Fui morar no Santos Dumont, na rua vermelha recoberta por cascalhos e carrapicho. E foi a conta de mudar de casa, meteram asfalto de uma ponta à outra da Thomé. Dois anos passados, nos mudamos para a Lapa, e oh o mundão de terra se repetindo por aquelas bandas. Ah, foi virar a esquina e dar tchau para o Santos Dumont, o piche recobriu todo o seu vermelhão... Interessante que o único trecho da Lapa sem asfalto media exatos cem metros, justamente onde foi erguida a minha nova casa. Mais seis anos de areia e lama, e vice-versa. Resolvemos mudar de Cidade. Adeus MS, vamos pra Bahia. E foi trocar de Estado, também tingiram de negro aquele estranho pedaço que faltava.

Após três ou quatro ruas trocadas por aqui, esta permanece mantendo as origens. Areia esbranquiçada, misto de antiga praia e restinga, duzentos metros distante do mar, lençol freático à flor da terra, chupa toda a agua possível que desce até mesmo fora das previsões normais. Um caiaque azul já navegou por ali há anos atrás, então não é a primeira vez que o Chamagunga joga a aguada fora.

As aguas cansaram da rotina das mitigadas bocas de lobo, fugiram para os lados e acima, preencheram todos os fossos, apagaram rastros, invadiram quintais, deixaram lodo e lama. As areias da rua as consumiram, matando a sede do subsolo, vertidas por Deus. Sobrou a céu aberto uma camada nesga de terra úmida suficiente para colar solas de sapatos e pneus. Até que seque tudo, ou chova mais.


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EM VIGÍLIA


Não dormirei tanto
Assim desadormecido
Semearei versos que te acordarão
Amanhã cedo
E darão luz aos teus medos
E trarão sombra para teu conforto

Tenho em ti a sensação
De um pensamento comedido
Pela exata premissa existente:

Dormindo menos acordarei pouco
Assim desperto me farei apto
A dormir eternamente

LEIA


Tu que não te cansas de ler o mar
Não canso eu em mergulhar
Meu poema no codinome do teu olhar

Leia linha a linha de cada onda
Leia entre o balanço que elas têm
Leia sobre as pedras e as espumas
Leia as entrelinhas que se reescrevem
Leia as letras da tábua rasa e cheia
Leia para que ao lê-las se revezem
Na superfície nas profundezas
Leia no tênue brilho das estrelas

Tu que não te cansas de ler navios
Não canso eu em navegar
No raso rio do teu sonhar

Leia enquanto chamo as embarcações
Leia por rumos que se revezam
Leia mesmo que os olhos jamais alcancem
Leia para que se sintam cais
Leia quando o verbo não ventar mais
Leia enquanto há rumores de ventanias
Nas profundezas e superfícies
Leia sob a tênue luz de algum luar

Mas se te cansas ao ler meus versos
Verte tuas águas densas por outras fontes
Deixa que te leia eu nos horizontes



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MIRAGEM


O que gosto nos teus olhos
É a convicção com que costumas
Olhar meu rosto quando olho-te

Vívida vertigem num relance de adereço
Leve qual folha de afeto que fita e voa
Enlace de fugidia bolha ao vento afoito
Nuvem que esvai sem rumo e endereço
Perder-se na paisagem cúmplice à toa

Ver-te é miragem
Achar que me fitas é fábula
Pensar que me enxergas - tolice

Ainda assim me perco sitiado em tua foto
Desenhado em tua imagem
Adormeço




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NINHOS


Meu poema desavisado
Caiu nas graças do teu olhar
Num ímpeto balbuciado
Entre teus lábios se fez cantar

Depois de então aninhado
Aquietou-se nalgum lugar

Enquanto cisco saudades
Vasculhando velhos ninhos
Para que outros versos nasçam
O passado assa meu peito
Como se essa ausência tua
Sentasse nua ao meu lado

Porquanto amálgama o tempo
Nos tantos versos que faço
Se não perdurar sejam límpidos
E sob a graça da tua face
Minha arte imersa em bálsamo
Entardeça de luz teu olhar

Que este apaixonado poema
Depois de então declamado
Durma guardado no teu sonhar



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REFORMAS


Na tesoura de madeira
Sob as telhas no alto da cumeeira
Moravam cupins dormiam morcegos namoravam pardais

Os anos acumularam poeira nos fios que cruzavam o forro
E sobre as lâmpadas que já nem acendiam mais
Mas ainda assim iluminaram gerações

Nas paredes e chão para espantar o sombrio
Foram postas novas cores varridas as dores
Pintadas em demãos escondendo o passado
Avivando as conquistas e alegrias que ali existiram

Toda aquela cobertura
Assistiu o tempo passar calado
Que entrara e saiu pelas portas e janelas
Dias e noites a fio

Era uma casa perfeita
Onde donos e tudo o mais que ali fez morada
Espiara o tempo fora de lugar

A casa agora aguarda vazia e renovada
Outras historias colossais como
As que vivera quando abrigava um lar


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SIMBIOSE


Há instantes em que num relance
A areia da praia sente-se farta
Dos tantos pés descalços calcando-lhe o chão

Há momentos entretanto
Em que a areia da praia sente profunda solidão
E molha-se de saudade dos mesmos pés descalços
Cujas ondas apagaram as pegadas dos passos
Cravados nos grãos

Nessa intermitente simbiose
Ao pisarmos, a areia acaricia suave os nossos pés
Depois se refaz plena
Nos carinhos profundos das marés



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A FLÂMULA


Diante da baderna
O vento se deu ao direito
De enrolar a bandeira ao mastro

Foi a sutil maneira
Que encontrou para tomar no peito
As dores da pátria

Após a tempestade
Que devassou o planalto
Foi soltando o pano devagar

Desgastes à parte
Tudo a seu tempo foi se revelando
Foi voltando ao lugar

E a flâmula silenciosa
Baila de novo solta
A nos olhar

DESAFINANDO


Ando empenhado em reler
O manual de convivência entre os bons
Mas não consigo encontrar
O tom da canção que nalgum momento
Desafinando me fugiu das mãos

Pode estar no embrulho final do pacote
Amarrado a barbantes à garganta
Talvez no imbróglio da voz entrecortada
Sufocada pelo nó da bravata
Ensurdecida de lorotas

Seja no sentido das viagens
Que descuidei fiz inversas
E fiquei com medo de machucar
Ou a tentação repentina de amanhã
Adormecer ao invés de acordar

Pode ser a venda que pus dos olhos
Acreditando que quando abertos melhor leria
A partitura como o todo da sinfônica
Sendo que ela é tocada por partes
Mesmo quando nada se pronuncia

Ando desafinado dos instrumentos
No coral de nuvens esfumaçadas
Somente a calma sincronizará as voltas
Assim reaprendendo a modéstia
De repente consiga reencontrar as notas



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IMPRESCINDÍVEL


A poesia nem sempre acerta
Encontrar bons sentimentos
Entre razões transparentes
Por vezes a poesia é rude sagaz imprópria
E fere por não ser vil nem vilã
Nem conivente com quem a cria

No entanto aviva o espírito da busca
Nessa eterna procura
Faz-se irmã de quem a lê
Refugia-se no âmago da mente
A poesia é a incerteza da arte
E dela fatalmente se cura e apropria

Que dos sonhos nasçam poemas
Palavras que façam sentido aos ouvidos delirantes
Que dos lábios surjam palavras
Poemas imprescindíveis aos corações amantes
Que das faces reluzam escritas
Versos vivos complacentes entre olhares amigos
Que dos risos brotem versos
Escritas feitas do eterno fruto de vívidos instantes

Que a poesia nos dê as certezas da alma
Em detrimento à utopia


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INCAPAZ


Não moraria em tua aldeia
Cercado das feras e matas
Sou nativo da cidade
Onde o asfalto me rodeia
Jamais trocaria o conforto
Pelas nuas trilhas de areia
Cristalinas vidraças luminosas
Por paredes encharcadas de poeira
Sou o moderno ar da cobertura
Acima dos segredos das colinas

Mas ah, como tudo é tão incapaz por aqui!


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INCOMPREENSÍVEL


Quisera buscar significados
E rápido viera à mente um predicado
Diferente

Ventos vozes em remoinhos velozes
Cegaram a compreensão
E nada fiz que impedisse
Esse tremor nas mãos

Se a face encharca por saudade ou desejos
Se os braços buscam apoio para que o dorso não vergue
Ou se a fala embarga de emoção
É porque resisto ante a insistência do tempo

Nessa hora de calmaria pós turbilhão
Deixa-me em contrição

LONGE DA MORTE


Escrevo para que não morram as letras
Nem as andorinhas! Ambas tão precisas

Das aves para traduzir os sentidos
Das palavras que não esvoacem sozinhas
Às vésperas do poeta reuni-las

Se descuida voam sem caminho
E o céu é tão vasto tão vasto que o verso
Se não lido esmaece descabido
Do lado de fora do ninho

O poema é melhor mais tarde
Na garganta da noite
Quando precede ao vinho




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NOSSOS PÉS


Nossos pés mostram as curvas das estradas
E traçam as linhas rotas dos caminhos
Quando descalços imprimem rastros
Quando calçados demarcam caminhadas
Com saltos entrelaçam-se aos compassados passos
Quando saltitam balançam-nos sedutores os braços
Apressados sombreiam leves o corpo pelo espaço
Mesmo cansados sustentam-nos apenas
Quando calmos elevam além do solo
Quando alegres desfilam e dançam nos palcos 
Quando choramos flanam emocionados
Se em êxtase comprimem as pernas
Quando relaxam entreabrem-nos os lábios
E ainda que em desavenças seguem-se calmos
Quando doloridos imploram descanso
Quando exigidos afloram os calos
Perseguidos tatuam sobressaltos
Saltitantes aprofundam as pegadas
Quando nos trazem é porque já nos levaram
E no ir e vir abundante as solas calejaram
Quando empoeirados relatam andanças
Se vestidos suam se nus resfriam pele e ossos
Quando inchados denunciam cansaços
E se parados ou novamente prontos a partir
Nossos pés seguem as linhas das estradas
Pouco importando se juntos repousam separados




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OCULTO


Sorri
Ou gargalhe se preferir
E que teu sorriso tenha qualquer cor ímpar
Aliás que irradie todas elas de forma contumaz
E assim e sempre que pudermos ouvir
Em qualquer distância do mundo
O gostoso zunir nos lábios do teu riso talvez oculto
Nos poremos mudos a te imaginar sorrir

E ainda que mostres detrás da brandura dos olhos alvos
Um olhar disperso ou aflito buscando lógicas
Tua face disfarçando tristezas como fossem vultos
Sorri
Desvestirás a integridade dos nossos lábios
E parva e viandante te fartarás em si

Teu rosto dar-se-á de enlace astuto
E ainda que a voz mascare na remissão do sentir
Revelarás o sentido manso do quanto é puro e nobre
O singelo fato de então sorrir

Sorri


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PUDERA


Caminhamos por esse labirinto tosco
Entre riso e pranto
A leveza e o peso
O banal e a realeza
A tristeza intensa 
Ou o contentamento exposto
Mas a beleza é o que mais pesa
No cômputo final da efemeridade

Na teia do tempo o tempo fala
Mesmo nas sombras do imprevisível
A existência assiste os fios que se entrelaçam 

Pudera
Quem traz a alma inquieta
Mora num jardim de eterno retorno
E se torna mais feliz porque escuta o outro

É
Isso faz a diferença
E a vida bela

REENCONTRO (ao pé do OT)


Vestidos dos melhores sorrisos
E adornados por altivos olhares
Viemos e houve abraços

Chegamos trazendo lembranças nos passos
Nas mãos e no silêncio entre as conversas

Às avessas o tempo ali não havia estado
Ele apenas permanecera em desenho
Como perduram os laços
Que se refazem nos reencontros cruzados
Até percebêssemos estávamos prontos
Antes que fôssemos para algum lado

Nossas nuas faces mostravam
Que a brisa mistura os perfumes
Que os lábios unificam sabores
E as razões se perdem de amores
Sem importar-se por onde andamos
Para outros tantos que adviriam
 
Nossas horas passaram afoitas
E ríamos todos enquanto iam
Porque assim a vida é feita


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SEIS PALAVRINHAS MÁGICAS


QUANDO NO ALTO DA PALMEIRA
O PICA-PAU RESOLVEU LHE FURAR A MADEIRA
INDIGNADO COM A BARULHEIRA
GRITOU O COQUEIRO: AH, NÃO!

Desde o mês passado, quando a cidade decretou período de alta temporada – e olha que estamos somente nos primeiros dias de um novo ano – tenho ouvido cantar mais de perto meia dúzia de palavras as quais não posso transcrevê-las aqui, pois se assim o fizesse por certo bloqueariam de imediato esta minha conta. São palavras que complementam as frases (ou versos, ou estrofes) do ‘vai novinho’ e ‘vai novinha’, repetidas dezenas de vezes seguidas a incríveis turbinados decibéis.

Bits de um mesmo ritmo, as pancadas fortes e os gritos por vezes argutos, por vezes mugidos, berrados, grunhidos, solavancam o tradicional silêncio pós-almoço de um dia de domingo que tanto almejamos e merecemos. Ou ecoam madrugada afora cortando o sono, interrompendo sonhos, maculando o breu da noite deste sessentão insone.
Mudam as mãos que seguram os microfones, trocam as bocas que os assopram desregradas, trocam os endereços, mas as seis ou sete palavrinhas proibidonas de serem transcritas aqui prevalecem altivas, soberanas. Mudam as ‘bocas de som’, mas os streamings são os mesmos recebidos ainda no 4G e transmitidos via bluetooth para nossos ouvidos feito penicos. Quanto mais alto o som, melhor. Sinal de potência, de poder, dominância ou predominância da situação, do espaço conquistado, do objetivo alcançado. Quanto mais explicita a palavra, mais realismo à descrição ‘poética’ do canto nada orfeônico que reverbera nestes novos tempos, transformadas em estranhas coreografias no mínimo toscas senão putíferas.

Neste meio dia, saio na varanda. No térreo à beira da piscina, quatro marmanjos sentados na borda com as canelas na agua, seguram copos com whisky e energético certamente quase sem gelo, rindo do nada, cantarolando as menos de dez palavrinhas zurradas provindas do som. Pouco à frente e mais perto das JBLs, três novinhas também rindo do nada e cuspindo as mesmas frases dos seus ídolos MCs, mantém os celulares conectados ao vivo nas redes sociais, mostrando às amigas, ou amigos, ou à mãe lá longe num lugar que talvez nem exista, a façanha daquele momento tão fútil e desprezível quanto as batidas daquele indecoroso arremedo de funk.

Meu pai, convivendo com os altos sons dada a surdez que severamente lhe comprometera o entendimento, caso ainda estivesse por aqui certamente no entremeio da barulheira trepidante perguntaria: 'quem deixou a rabanada cair no chão?'

Eu, que um dia já achei que ‘na boquinha da garrafa’ e ‘eguinha pocotó’ fossem o fim do mundo, tenho agora legítimas provas da reencarnação do ócio. Creio que não esteja eu mais tão novinho e, portanto, deveria ter os ouvidos mais íntimos das seis mágicas palavrinhas... Mas todos e cada um e a seu modo, desejamos felicidade em 2022, mesmo que não venha por meio de uma sinfonia de silêncios e sons esperados. Feliz Ano Novo!


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VERSERGIANDO


Aquele anjo santo que nos poda e apara
Que do ventre escuro nos arranca e separa
Ergueu-me nas alturas olhando minha cara
À espera de um susto grunhido do sopro
Mandou-me ordinário aprender a vida
Após a experiência do primeiro choro

Saí versejando atônito ávido mundo afora
Insólito caminheiro garimpando auroras
Sorrindo do destino no balançar das horas
Zombando displicente das farsas da morte
Menino esbaforido nas paixões da arte
Versergiando sonhos como faço agora

Eis que me vem o tempo sereno e sensato
A aquietar-me o ímpeto e reestudar meus danos
Debulhando a mente em detrimento a sorte
Pelo passar certeiro do vento dos anos
Recomenda ao anjo este apressado insano
- Esquiva este torto dos teus doidos planos!

Apiedado o anjo olha-me profano
Com as mãos repletas de sessenta outonos
Diz que irá pensar se vale a ousadia
Em dar-me mais um tempo a encantar meus dias
Que ao final das contas somarão aos sonhos
Que um poeta vive de espalhar poesias



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APÓS A PORTA OPACA


Ali após a porta opaca e o escuro
Jorra um rio e na sua beira arde a sarça
E ouve-se um estalar de fogo silente
E o cantar da agua que vai resiliente
Banhar quem sabe o que se passa

A quem não sabe desconfia
Que dali soa algum silencioso hino
Imprudente por seguir sem rumo
No pátio arcado sob a abóboda do tempo
O curso do vento ácido e líquido

Quem lado a lado se põe a traspassar o átrio
Pressupõe-se manso porem assaz sábio
Para despojar dos falsos alaridos
Reconhecer nas sombras a luz do outro lado
Lapidando as mesmas pedras no caminho

É um exercício árduo continuado
De agua e fogo limpando nodoa e lodo
Das vestimentas da alma ante o inusitado
Das avarezas do espírito por ser tão frágil
A ponto de entender-se purificado

Eu que esfoliei as mãos mas não calcei as luvas
Usei de aventais e ostentei as joias
Portei as ferramentas mas não suei a blusa
Deixei que a correnteza apagasse as chamas
Hei de arejar de novo o meu próprio templo!



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CORTES


Eu não entendo de dores
Não aprendi medi-las a intensidade
Deve todas doer iguais
Pelos músculos
Pelos ossos
Órgãos
Corpo e ademais

Entendo mesmo é de olhares
De silêncios e palavras
Inclusive os profundos as proferidas as vãs
Que abrem valas
Soterram lábios
De alguma forma contumaz
E que num único tino de paixão
O amor refaz e as torna sãs

Ainda que apavora-me a língua
Pelos cortes que ela faz
Sempre sempre sempre será paz

FALO


Falo da fenda de bordas molhadas
Ligeiramente longa lisa e estreita
Onde o sol lentamente a tarde se deita 
Falo da fenda recoberta por nuvens rosadas
Para onde convergem todos os voos
As trilhas avenidas olhares e estradas
Falo da fenda da pedra úmida
Que aberta espera o plantio da semente
E que pela fértil semente suplica
Falo da fenda da terra sonhada
Entre macias alças entreabertas
Despojadamente excitadas
Falo da fenda que fisga a fresta
Onde a inspiração vertente adentra
Na ranhura insigne do poeta
Falo da fenda por onde brota
A luz que emerge vida e brilha
Uma eternidade enquanto dura
Falo da fenda que o tempo perfura
Da fenda que perfuma a flor
Sobreposta no batente da janela
Falo da fenda de onde surge o vento
Abilolado informando que do outro lado
Nalguma greta do mundo alguém sonha

Assim pensado nada mais falo



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IAZUL


As noites escuras de azul clareiam mais
São menos falhas de incertezas e mais reais
Noites azuis trazem lâmpadas de fuscos pungentes
Mas não apagam o indizível apesar da cor maldar

Nas escuras noites de azul a dor até dorme
As estrelas cintilam complacentes no derredor
Noites assim azulam as vozes incandescentes
E a solidão aplaca o peito que já nem quer chorar

Aprendi a transcrever os apelos destas vívidas noites
Quando o breu abre a escotilha do navio do céu
E dali brota o farol do esplendor da lua cintilante

Sobre a face âmbar e inquieta de quem a pressente
As noites assim são vivas cordilheiras brandas
Onde jorra abundante a poesia que o poeta sente



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NA DOÇURA DAS UVAS


E por estarem juntas umas às outras
Roçam-se deliciosamente intensas
E por estarem pensas pelo cacho
Traduzem-se pelo facho da serpente

Versejam justas dentre as folhas
Roxas e quietas aguardam pacientes
Encantando soltas entre os talos
Que a boca as exploda entre os dentes

Se casca gotejam ao corpo sereno frescor 
Se pele exalam na língua intenso perfume 
Cabem-se da densa polpa ao macio sabor

Na sedução ambígua do veludo das luvas  
Degustamos no vinho o suor das mãos
E perdemo-nos ébrios na doçura das uvas


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PARCEIROS


As tempestades aparecem
E nos assombram
Quando chegam
Perturbamos para enxergar o que ficou
Se alguma coisa restou no lugar
Sem vergar exaurir sem quebrar

As tempestades acontecem
E nos assombram
Quando passam
Convocamos até os risíveis laços
Para refazer os estragos
Remendar os trilhos que truncaram

Não estamos acostumados aos dissabores
Aos destroços dos descaminhos

Não podemos consertar sozinhos

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PARTES


Ao longo do dia divido-me em partes:
A parte que recolhe olhares e os reveste em cores
Outro tanto que reparte palavras para explicar-lhes
A soma que recobre sonhos e os acorda tarde
Uma enormidade que pretende tudo e do nada sabe
Um pouco que encoraja a voz a emular milagres
O muito que dilata o pouco ainda que desmanche
O mínimo que concilia a timidez à arte

Nas partes que reparto unifico-me transparente
Insigne como coleção de máximas ausentes
Significantes por não pertencerem mais ao choro

Tudo é feito com propriedade
Tantas partes dividem-me por motivos tantos
Ante a obviedade do nada que sangra ou arde

O que não faço é adormecer a sombra
Dos motivos óbvios a desconhecer
O que me fora dado sem que houvera lágrima
Pois somente assim me valoriza o todo

POEMA TORTO


Abro um poema torto
Já não me importam as sentenças
Cozinhando palavras incabíveis
Embaralhando estrofes desconexas
Fazendo desfeitas entre as letras
Pelas cabeças

Eu sempre tão zeloso com as rimas
Que no espaço se ajeitam incólumes
Não entendia porque se desalentam
Desse jeito incerto
Quando a ideia torna o ágil diferente
Do sopro de realidade das cismas

Serão os olhos que não leem direito
Seriam os pensamentos imperfeitos
Os caminhos estreitos
Ou o que se decompôs transigente?

Completem-se os dilemas
Se do poeta devem estar rindo à toa
Por seus indecifráveis poemas loucos
O livro poderá ser ainda mais doido
Se ao abri-lo existir um só risco apenas

O de ainda assim a arte sobrevir
No entanto eu
Talvez morto


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SEMPRE SERÁ PERTO


Bem sabemos o que permanece
Para alguns aflora devagarzinho
A outros acontece com mais pressa

Na verdade a vida é um tanto curta
Enquanto o tempo traz sua medida incerta
As horas galopam exatas

Equilibrados no balanço do prumo
Seguimos confiados na inexatidão da fresta

Mas oh! tanto nos surpreende
Até o que nos absorve ou desprende
Amedrontamos com o pouco que nos resta

As certezas sim surgem do coração aberto
Mesmo que estejamos longe
Agora sempre será perto

SOBERANOS


Andam por esse corredor resilientes
Trazem os ouvidos surdos a quaisquer sons
Olhos rebaixados tentando ver as passadas

Não conseguem enxergar nada
Além do rosco umbigo
Na altura de um ventre protuberante
Debaixo do queixo diante do chão

Para qual imã segue essa gente?

Para onde vão maus e bons
Para onde correm tantos incessantes

Para algum fosso delirante denominado amanhã


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SOLITUDE


A roupa nua abatida e livre de mim pelos cantos
Exibe o amarroto que me toma de assalto
Adoro esse tato cúmplice entre a pele e a brisa
No frescor das sombras da casa vazia e aberta
Que desperta inteira em mim e nem me avisa
Da cama para a rede é questão de um salto

É como se meus olhos pousassem nas janelas
E deles desprendessem olhares tão mansos
Que me excita e efervesce a regência de estar só
E aninhassem no meu entorno todos os pássaros
Enxergando-me unicamente através dos sonhos
A beleza da alma que me alisa cada poro exposto

Amo minha própria companhia feita dessa quietude
Os sais os cheiros o arrepio ligeiro que advém e esvai
As singelezas macias feitas de sinuosas ânsias
Abundâncias tão sublimes de silêncio enfeitadas
A leveza dos desejos borbulhantes na sede
Tomando de fome a plenitude dos meus atos

Mesmo teu rosto colado aqui não estando
Como flanam minhas mãos à procura das tuas
Extraio além de toda essa deserta grandeza
A forma do que face a face enfim não aparece
Não – minhas ausências não me causam medos
E o que me ensimesma é o que me desfalece


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SONHOS


Não há sonho ao acaso e caso sonhe
Deixe que o sono te arrebanhe de realidades
Enquanto voa teu imaginário
Segue dormindo entre os teus cabelos soltos
No macio travesseiro que te apara a alma
Sobre a fronha branca dos desejos
Instigando as tuas vontades

Sonos e sonhos nada mais são senão acordes
Desta cantata que orquestra teu inconsciente
Ainda que acordada sonhes com o pressuposto
Supostamente estarão em ti todas as formas
Inclusive o que em ti deveras possa estar ausente

Sorria por saber que sonhara
E ao lembrar-se do sonho que te ateve
Ria impetuosa no contentamento
De contar a quem te encontrar sorridente
O quanto prazeroso essa magia fora

Depois na solidão das tuas horas
Reescreve as inquietudes que te farfalham
E se alguma saudade te omite as vertentes
Mesmo que a teimosa realidade te silencie
Acorda e segue altiva sonhando vida afora


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TALVEZ FOSSE EU


Eu sempre via
Brilhantes olhos d´agua me seguindo

Cantarolavam debaixo das folhas
Dentre as pedras onde nasciam
E feito enxurrada depois
No curso dos riachos sumiam

Diacho de tempo ligeiro
Talvez fosse eu
Quem não os acompanhasse de fato
E deixasse que se quebrassem
Nas quedas da cachoeira
E se perdessem no mato
Para ver se os esquecesse
Ou sentir se me esqueciam

Aqueles olhos verdes ligeiros
Por onde agora andariam?


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TODO MUNDO CHORA


Quando um sorriso ascende dos lábios
O desenho liso dá ao entorno da boca
A doce moldura do beijo aguardado

Abrem-se em farto riso e escancaram
As alegrias por onde brotam solfejos
O dom dos sons mais puros da fala
O ar da vida que gargalha solto 
A beleza leve que em si exalta 

Mas se o desespero nos banha a face
E a língua lambe o gosto da lágrima
Os lábios provam o sal do amargo
O rosto inteiro serena denso
Intensos laços se desamarram

Do revés do grito aos tenros sussurros
Donde a língua entremeio tagarela farfalha
Perde-se nessa fornalha pudica e louca
A angústia do tempo na expressão das horas

Do gozo ao desdém o mundo inteiro ri
De contentamento ou dor todo mundo chora



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UM BEIJO JOGADO


Foi mesmo um beijo jogado
(Quem até hoje não jogara!)

Era para ter acertado a testa
Entretanto resvalou pelos olhos incerto  
Deslizou pela ponta do nariz
E por um triz não parou nos lábios

O destino quis naquele intrépido inesperado
Antes que no lépido coração tocasse
Titubeasse inusitado entre o pescoço e o braço
Estalasse no ombro desnudado

Enfim entre o susto e o riso do risco
Estatelou-se em mil pedaços

VESTIDA


Me leve pra passear
Sai por aí vestida de liberdade
Estarei leve sobre teus ombros
Suave roçando teu colo
Colado em teu dorso cheiroso
Solto sobre tua pele nua

Serei a roupa que quiseres
Da cor que esse tecido pedir
Azul no entorno dos seios
Branco no balanço das pernas
Para que te sintas coberta
Inda que a libido se insinue

Estarás solta matreira linda
Dama mulher menina
Dona de si recoberta de flores
E quando despida de mim
Amarrota-me num canto singelo
Que ficarei à espera
Pronto para um novo passeio

A QUALQUER HORA


Que importa quando irá
Não foi ontem nem outrora
Hoje não se está disposto

Não fui eu ou poderá ser outro
Quem ardentemente peça
Pode nem ir tão cedo
A qualquer hora
Ou nem sonhe e nem queira

Espera-se não seja amanhã
Mas não se iluda
Não será nunca



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A VERDADEIRA MÚSICA


A verdadeira música ninguém ouve
Ela não é audível aos tímpanos
Não fere martelos
Nem brota dos instrumentos
Não ruge nos diafragmas

São as loucuras o que cantamos
Propaladas no sopro dos lábios
Nos dedos inquietos dançantes
Entre os hiatos cravados no momento
Bailando nos furos das flautas

Tantos sons pairam ao redor em movimento
Como pétalas em notas falsas
E por onde há fugas fogem espertas
Diluem formosas enquanto outras surgem
Entorno dos ritmos para que aflorem

Nós nos enganamos adivinhando-as
Compomos sinfonias e canções
Entoamos somente o que nos encanta
Melodias insensatas decompostas
Enquanto achamos nos tocam os sentimentos

A verdadeira música ninguém canta
Floresce nas árias das razões e sai
E como loucamente não se toca
Nem permanece escrita em pautas
Vem dos silêncios do nada e calada esvai



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ARROUBOS


A saudade é feita de arroubos
Rouba o silêncio do espírito
Enquanto extasia a alma
Arromba e silencia estranhos sentimentos

Estranha-se com os próprios tormentos
Atormenta as entranhas e aflora
Torna de si mesma companheira

Minha saudade brinca num pátio imenso
De esconder-se entre a hora falsa e a derradeira
E retorna-me num feliz menino arteiro
Lambuzando as mãos na hora do recreio


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DESPIDOS


Quando esvoaça o vestido da tarde
E em seu tornozelo a barra resvala
Ou se o tecido macio seu seio ampara
Ou se ainda o pano suave no seu colo cola
- De onde advém a ânsia e a libido?

Quando o desejo arde e aflora
Explode de dentro do peito
Ou cinicamente vem de fora
Perturbar o juízo de quem enamora
- Induz ao desalinho ou ao vento atrevido?

Pouco importa se pela alça da blusa
Ou na cintura da saia – responde a brisa
Fugaz é o encontro entre a linha e a pele
Que acarinha e recobre e eriça o poro
E te põe infinitamente bela

Enquanto sonharem poetas e anjos
De braços dados com a rara grandeza
Da brandura dos dias ainda não lidos
Todos os modos do destino à sorte
Ainda que ocultos permanecerão despidos


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HÁ QUE SER ASSIM ESSE BEIJO


Há que ser delicado
Fugaz qual pluma ao vento
Circundando em volta
Vagando num sutil espaço
Infindo do firmamento

Há que ser anárquico e preciso
De extrema lerdeza e lentidão
Absurda leveza da lâmina do lábio
Lambendo cada poro da pele
Transmudando o juízo

Há que ser vívido e mágico
Majestoso e de tal forma singular
Que as palavras servidas na boca
Após esse instável anseio
Não sejam silenciadas jamais

Há que ser assim esse beijo
Na sustenida volúpia da língua
Do jeito que o mar abraça um rio
E abrasa o doce sal das margens
Sorvendo o sabor das salivas


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IDENTIDADE


São os rastros que me seguem
Como fosse guizo parte de mim

Teu cheiro dá pra ver 
Tanto por quanto é canto
Quando acende em teus olhos
O quanto ilumina teu ser

Nessa paixão feita de lados
Nascemos nus e iguais
Depois disso dizem-nos
Uns com menos aporte
Outros talvez por mais

Nada que o sol não dissesse
Se assim não perfumasse
Os segredos mais distantes
Por todo o sempre enfim

Porque conceber é encanto
Somos todos inacessíveis
Vacilo entre acaso e sorte

LEMBRANÇAS


Somente teu hálito quente
Aquece o frio dessa laje
Como lápide ao sol
Quando o dia morno morre

Sempre e repetidamente
Habitam em mim sensações diversas
E toalhas de paciência
Encharcam porque me secam
Os papeis das conversas
Sobre tantas e tantas andanças

A cada instante que me ocorre
Vivo das delícias que me acercam
E são tantas que me torno um fardo
Farto de lembranças


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MAIS UM DIA


Não fosse o contínuo dormir
(Essa pequena morte do sentido)
O nascer de mais um ciclo jamais seria assíduo

Ninguém despertaria do abraço inescapável do sono
Não mais teríamos onde fugir os excessos
Enfim antes não teríamos em vigília partido
Reparando tortos erros para nenhuma jornada
Afinal não se viveria
Pois o calendário de nada serviria
E medir o tempo que urge desnecessaria

Por isso o sol acorda
E enquanto surge nos desperta imperfeitos
Noutro dia

MEU POEMA BATEU À TUA PORTA


Meu poema bateu à tua porta às duas
Três estrofes espalharam-se pela sala
Algumas rimas invadiram o teu quarto
De verso em verso deitaram tua cama
E algumas palavrinhas desnudaram-te

Sabias que eu vinha em forma de poema
Sabias que o poema inteiro te queria
Ainda que estrofes ficassem pela sala
E que verso a verso deitariam tua cama
Algumas palavrinhas desnudariam-te

Então desnuda abraçada à poesia
Deu-se a madrugada infinitamente exímia
Entre chão e teto explodindo em arte
Esperando que a noite jamais acabasse
Ainda que finalmente acordasse o dia


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NÓS


A fome reunia pessoas em torno da mesa
E ia confortando um a um com saciedade

Quando não havia mais nada a ser comido
Dava-se um breve período de intenso fastio
Levantavam-se e cada um a seu modo partia

Ficávamos nós por algum tempo descartando restos
Lavando copos panelas talheres pratos e cozinhando

Depois voltava a fome com cara de outra gente
E igualmente dava-se o mesmo abastamento
Levantavam-se e cada um a seu modo partia

Foram assim anos e anos a fio entre salão e cozinha
Lavando copos panelas talheres pratos e cozinhando

Até que um dia a nosso modo também partimos


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O QUERER BEM


Aprende-se a gostar
A sentir saudades

Se os dedos pedem
Ainda que os olhos privem
Dá-se o merecido prazer
De enxergar o que está além
Da capacidade remota de ver

Dá-lhes possibilidades
De superar o que esteve aquém
Da própria vontade

Vale imaginar
De quão bom e suave
É o querer bem



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O TEMPO QUE DURAR


Frágeis corpos envoltos por membranas
Películas
Pelancas
Em tudo há pele e casca
A capa da casa são paredes
Um muro o couro cabeludo delimitando o quintal
Somos sementes da fruta além da carne intacta
Em volta há pelos
Fina relva de erva doce e suor de sal
Leves formas de areia

Vez em quando é preciso arrancar tijolos
Fazer buracos apesar das portas e janelas
Furar a veia
Buscar
Mesmo que dure o quanto sangre
E se saiba olhar no olho e ouvir
O que o amanhã tem a dizer
Até que o tempo pare de escorrer
Ainda que doa o tempo que durar



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PAISAGEM


Teu voo é sopro de ave
Que se alça acima das nuvens
Sem sequer desprender-se da árvore
Onde fizera o ninho
E sabes bem voltar e pousar suave
Como repousam as horas feito borboletas 
Beijando as rosas de mansinho

Assim flutuas aberta
Solta na matreira paisagem
Ao sabor do ligeiro vento
Que toca teu corpo com arte
Serena teus olhos na tarde
Desperta a orla dos lábios 
Esvoaça os cabelos soltos
Realça na blusa os mamilos
E danças impetuosamente
No instante da imagem

E porque lindamente me insultas 
E me pões a perder sem ar
Meu poema te retrata e me arrasta
A também atrever voar


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QUANDO PARTIR


Quando partir sairei de mim
De algum jeito separado ao trivial

As vestes ficarão vazias
O lado da cama estarei ausente ao lençol
Um prato não mais virá farto à mesa
Nenhum olhar me será perceptível
Inclusive a sombra desistirá sozinha
Da minha clara fiel companhia

Somarão por certo os pensamentos
À ausência completa de algo que persistirá
Resistir entre o acaso e a certeza
De alguma saudade até qualquer forma
De um verso amorfo de poema

Outra lembrança resiliente disforme
Dirá que nem tudo antes fora efêmero
Enquanto após seja dilema
Quão débil soçobre o poeta
Ainda deverá haver poesia


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SOBRE A SAIA


Ela saiu de saia
Sem qualquer outro aparato por essência 
Que tão bem a impusesse
E revelasse a impressão de que vestida
Desvestisse o que despida 
Por completo estivesse 

Passeou de saia
Como andasse costurando olhares que a seguissem
Provando encantos mesmo que não provocasse
Certa de que o que desnuda
Revisse parte do que acontece em sinuosa veste
E se reveste de disfarces

Envolta em saia enfim
Despiu-se para que ademais se recobrisse

Ainda que o encanto a esnobasse
E a mim nada mostrasse ou viesse sem
Se fez ciente de que sua imagem 
Em minha mente adentrasse existisse impregnasse
Jamais saísse
E não saia

TODA VEZ QUE O SOL NASCE


A cada vez que o sol nasce renasço
Não que a noite seja um calabouço
Mas toda manhã é um novo começo
E assim recomeço e refaço

Sou alvoroço de pássaro
Em busca do dia perfeito
Eu carrego nas costas
Um arcabouço louco e intenso 
Imenso ato solitário de compositor
Imerso em acordes agarrados 
A algum instrumento reverso
Que nem toco mas ouço 

As tantas coisas que esqueço
São cenários desfeitos 
E que reencontro em teus traços perfeitos
E se debruço deito e pouso 
Os meus destroços em teus braços
É porque me aceitas e então renasço

O tempo não serve para definir meus espaços
Sustos e surtos não medem o que penso
Mas toda vez que o sol nasce te acho 


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DEBAIXO DA PELE


Ainda trago sangue fervente na veia
Goteja esguicha escorre da artéria
E se depois estanca acalma coagula
Continua feliz seu curso fugaz 
Debaixo da pele

Já foi mais voraz mais feroz mais vermelho 
Fez-me mais veloz disposto corado 
Menos amarelo diante do costume
Da repulsa do atropelo

Já tive transparente a vitalidade das células
Aquecidos os pulsos
Os sentidos mais vivos inflamados
Irrigada a chama do cerebelo 

O que externa de mim agora ainda jorra
Porém flui sereno pelo íntimo da aorta
E se por poemas até você me transporta
Reacende me inflama e me encanta

LUGAR NENHUM


Aprendi a ir a lugar nenhum
Ainda assim fui rumando sem esboço
Como não fosse um paradoxo
Nem tivesse vindo do paraíso
Ou de alguma espécie de fosso
Presencio pelos cantos como posso

Sou molécula de agua ou sombra
Caminho andarilho trôpego
Sobre o belo e o destroço
E se porventura tropeço
Contorno ou supero
Jamais esmoreço ao entrevero
Ou torno-me robusto
Desmancho ou evaporo

Apenas diante de mim mesmo
Adoeço e apavoro
Porque por mais que me saiba
Mais e mais me desconheço





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MANIAS


Quando menino
Eu roubava os jardins nas primaveras
E distribuía rosas e mais rosas ornando janelas
Olhando feliz as surpresas nos vitrais

Pelos outonos colhia tangerinas
Dos galhos arcados
Sobre os muros dos quintais
E as entregava abertas aos pardais
Que saboreavam cada uma delas

Entre invernos entremeio a temporais
Eu surrupiava as madrugadas dos ventos
E contemplava os silêncios com cantigas singelas
Consolando as invisíveis estrelas
Que me aqueciam em tão ímpares momentos

E quando vinha o verão
Tomava os raiozinhos do sol que das ruas restavam
E iluminava as calçadas de todas elas
Para que as formigas passassem em procissão
Entremeio às roupas estendidas nos varais
E fossem solícitas entre as orquídeas descansar

Hoje me aproprio das palavras
Entre tolices e manias faço versos pra te dar
De qualquer forma passo a vida a poemar



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ONDE NASCI E MOREI


Onde nasci e morei
A areia funda na fenda tonteia
A poeira moída e teimosa impregna pó
E se chove a lama coada vermelha
Afunda no contorno e debaixo da unha
Que chega a dar dó

Aquela terra cheia de marra corre na veia
Quando agiganta o passado
Engasga o nó seco e esbarra na garganta
Não há sequer lágrima que se contenha

Onde morei e vivi é diferente até
Aquele mar doce no entorno da gente
Tem forma de lagoa de agua fria
Embebida e benta no amargo da jurubeba
Num quintal de casa num fruto de guavira
Onde nem marmanjo e nem menino se aguenta

À sombra sob a flor do dia
Entremeio ao sol e aos temporais daqui
Aquilo por lá chega a ser ameno
Espinha profunda a saudade doída
Tão íntima que me mantém de pé
Mas me põe abrupto e pequeno

Teria sucumbido incrédulo na distância
Não fosse a indelével poesia e a profunda fé


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POEMA PARA CERTA FAIXA DE PEDESTRES


A tua palidez exacerbada
Não é só falta de tinta
Afinal hoje você foi repintada
Do vermelho sangue escorrido
Ao longo das margens da estrada

Quem retirou a cor do teu desenho
Não foi o excesso de rodas
Nem solas de sandálias pisadas
E sim o tempo que te expõe pelada
Invisível
Crua
Fria sobre o asfalto deitada
Esquecida
Abandonada
Como as demais desta cidade

Piedade
Tende veloz piedade pois
Destas tantas faixas seminuas
Praticamente apagadas!

SEM NOÇÃO


Tuas pernas semiabertas em leque
Teu jeito moleque de me atiçar sem noção
Mostra ao disfarce dos meus olhos ver-te
Tua íntima face totalmente desnuda

Quero ao menos a muda porção descoberta
Esta ao alcance impossível da minha visão
Onde o sonho latente pede que veja
E com a boca molhada lamba e beije

Alguém diverso e distante deseja-te
Como a felicidade surpreende a risada
E o prazer momento a momento surpreende
Se a solidão infinita que apreende enseja

Estou também sozinho cercado no alpendre
Feito um longo novelo de macia lã
Aficionado por tua alma pudica e aberta
Desejoso de um fio macio do teu pelo

E se estiveres lisa como o assanho da lua
E se ao menos distante ouvir meu apelo
Arrepia a nuca como apalpasse meu semblante
E deixa o luar te amar por mim como nunca


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TEMPO DE PASSARINHO


Ainda que a pequenos passos
Os espaços se tornem lerdos lentos e longos
Difíceis e cadenciados e largados

Ainda que menos largos 
Causem embaraços intransponíveis 
Mesmo a um pássaro acostumado aos altos rumos
De velha ave desprendida do ninho

Mesmo as vontades se tornando menos
Mesmo tendo voado a qualquer risco 
Ao menor trisco
Soe manso sob a impressão de arisco
O mundo continuará vasto

Quanta diferença fazem os anos voados

Mas ainda que voe somente o pensamento
Espero jamais em nenhum momento 
Perder meu tempo de passarinho


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TUA BELEZA


Do lado de fora às vezes penso 
Ser mais fácil ver lá de dentro
Entro e vejo como piora

Vendo a visão do centro
A vista da borda deteriora
O que pensei ter visto de fora

Consigo enxergar um ponto
Argumento de um novo jeito
Depois vejo de outra forma

Deve ser o pensamento
Que muda a cada conceito
E a opinião deforma

Tem horas que piamente creio
Que a realidade verdadeira
Mora dentro de um espelho

E de tanto espelhar-me
Torno rala e feia a imagem
Que julgava ser tão bela

E de tanto espelhar-se
Torna bela a feia imagem
Que julgara ser tão rala

E de tanto espelhar-te
Tornas rara e bela a imagem
Que julguei ser rala e feia

Porque tua beleza expande
O que meus olhos sentem
Ainda que não te veem


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ALMAS


Almas são folhas
Que se desprendem das alças
Caem das arvores por ventos silenciosos
Quando esvoaçam no sono dos anjos
Ao derredor dos sonhos e nos nascem

Portanto ainda que reclamem
Toda morte é a insensatez desfeita
Redesenhando-se em escolhas
Nem sempre aceitas

Algumas suplantam os mármores e decompõem
Outras vicejam raízes satisfeitas

A minha alma tem vidas e delas se vale
Quanto ao corpo
É mínimo detalhe


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AOS QUE TANTO AMAM


Não vos invejo porque amam tanto
Tanto amam que às vezes odeiam
Pois o cego amor causa desespero
Quando queda se parte ao meio
Mesmo sendo o ódio passageiro
E o amor infindo e verdadeiro
Estilhaçam e doem pelo exagero

Receio que a alguns o amor desmedido
Seja sobre-humano constante exercício
Esteja o amor acima dos limites
Onde apenas os sonhos existem
Ou persistem além dos encantos
Pois resistem mesmo sendo atraídos
Aos inócuos convites do precipício

Gosto mesmo é de quem se acomete
Aos lascivos caprichos das paixões
Estes sim amam desproporcionalmente
Mesmo cientes dos riscos das incertezas
Amam desamam e novamente enamoram-se
Das excentricidades das ilusões e aventuras
Dos insuperáveis e eternos amores

Entremeio as desventuras e devaneios
Jamais saberemos se amamos por inteiro

ASSINTONIA


Ele mastigava as vozes que ouvia
E o que diziam engolia
Sem sequer sujar os dentes

Saciava-se das lavaredas dispersas
Ao fiar credibilidades
Gritos burburinhos e silêncios

Até que tudo se dispersara
E prevalecessem senão verdades
Ainda que não absolutas

Agora nada mais escuta
Muito menos fala
Nem se assusta

ENCONTRO


Tua voz acordou o meu nome
De forma elogiosa e doce
Elegante como se cantasse ciranda
Delicada como se desenhasse um retrato
Infinita como se pintasse uma tela
Decidida como se me fotografasse

Eu não sei quem precipitou o instante
Se me olhaste após a surpresa da fala
Ou por ímpeto me chamaste antes
Que a velocidade do olhar nos cegasse
Que o sorriso então se acendesse
Que o coração tão forte pulsasse

Apenas sei que quando isso acontece
Um perfume de rosas exala

Depois desaparece
Depois vai embora
Depois permanece

ESSE OUTRO CANTO


Os berros do poder vão silenciando
Zunindo mais abaixo enquanto o soluço passa
As línguas desinflamando no lamber dos dentes
Os lábios contem escapar os hálitos imprudentes

Os módulos mastigando números involuntariamente
Ainda remoem e respingam e babam na grama verde
Porquanto quem dormia espreguiça e desamarra
As vozes ficam amenas no passar das horas

Talvez rearmem e uma ou outra rês desgarre
Mas a aurora traz de volta o perfume da democracia
Quem sabe a nação se torne mais país um dia 

É preciso matar a fome e saciar a sede
Por isso é que esse outro canto renovando entoa 
Aquilo que o sonho de um novo tempo pede



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FÁBULA


Ardido do sol
O menino pergunta a seu mestre
A razão dessa alva espuma
Retrair-se quieta e serena
Sem dizer para a próxima vaga
Cuja onda virá zombeteira
Que ao lamber o lábio da orla
Sentirá na garganta e na língua 
Um mesmo gosto de sal

O poeta então pede ao moço
Que não ouça as firulas do mar
Quando atira em ondas revoltas
Suas sobras sobre a areia indefesa

O mar também é mera presa
Das correntes que os ventos lhe movem
Da lua que suplicia as marés
Na ilusão de crescer e vazar

Sobe pois tua escada aguardada
Deixa aquietarem-se as tuas águas
Segue e quando se ver lá do alto
Talvez poderás compreender
Que espumas ondas e vagas
Nada são senão as arestas do tempo
Empreendendo razões para amar



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NUS NA REDE


Entre um gancho e outro que seguram essa rede
Presos às pilastras que sustentam a parede
Da casa em que vives as tuas doces horas
E moras e convives com teus sonhos acesos
Penduramos também nossos desejos

Até que a tênue noite dê lugar à aurora
Deixa que deleite então contigo agora

Balancemos nesse pêndulo enquanto aquietem
Os sons murmurados da noite ardente
Os movimentos ritmados de vai-e-vem
E a gente durma plenamente satisfeitos
Sentindo o roçar da brisa em nossos pelos

Deixa que me deite então contigo agora
Até que nus acordemos no advir da aurora



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PARECEM DANÇAR AQUELAS BORBOLETAS


Parecem dançar aquelas borboletas
Dançam ao som de alguma inaudível valsa
Flanam soltas sobre as folhagens sob o arvoredo da praça
Tão leves que se engraçam com as cores das rosas
Tão puras causando inveja até mesmo aos pássaros
E às folhas e frutos amarelados entre os que se deitaram
Derrubados pelos ventos parvos jogados nas sarjetas às traças
Mas que cumpriram sina e sorte de terem sido fartos

Olha como a natureza replica a exuberância das causas
Não houvesse motivos a vida talvez detivesse exíguo sentido
Não fosse o tempo perderíamos a significância da morte
Não fosse a morte não estaríamos semeando o privilégio da vida
Essa dádiva vívida que nos conforta a dor na esperança
De que prevaleça o amor sobre todas as crenças e graças

Afinal meu amor deixa que a poesia floresça intensa
E ressuscite-nos dos medos dos fossos das desavenças
Da linguagem frívola que turva quem não queira entender
Que o mesmo mel e sal que temperam a terra brotam da lágrima
Que graça não é apenas o querer em poder te ter nos braços
Graça é poder te imaginar além no poder de um abraço
Para que nenhuma dor perdure mais do que necessite
Ensinar-nos de que quem resiste vive porque supera o fracasso

PELAS PALAVRAS


Falávamos de vinhos
E deu-se a penumbra
Porque advinha e vagarosa na excelsa hora
Veio a língua da noite ao esvair o dia

Falávamos de rótulos e rolhas e amenidades
Da graça das bolhas que dançam nas pirambeiras
Na borda das garrafas que embalam os cachos
Que riem enquanto os olhos tremem e viajam
Como se as mãos segurassem pela base
As finas taças dos cristais curvos que no após silenciam

Assim falamos de vinhos entremeio aos fachos
E de qualquer rua nos vinha o frescor das vinhas
Brilhando silhuetas entre as parreiras e a poesia
Da vivacidade das uvas desde a Cicília à Bahia
Do doce recheio da pele entre a carne e a semente
Do cheiro indecente da chuva que impõe acidez a terra
E me põe bobo e ébrio enquanto tua face acalma e gira

Já não posso com as palavras elas andam o mundo
Nelas a minha alma fala esvoaça flana flutua
Nem sei beber sem brindar-te e à lua


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PENUMBRA


Para que as cores
Se em branco e preto ela reluz

Se na plenitude sua morenice
Combina devaneios
Entre o extremo doce escuro
E o macio meio cinza aceso
Da perfeição da luz

Para que as cores
Se perdem efeitos
Pudores regalos ardores acasos
Se ela é raro vaso de desejos
Que ao transbordar seduz
Se molha-se na penumbra do luar
E de sonhar despejo-me
Na pequenez do avesso diverso

Porque ela é céu
Em todas as fases e faces
Na textura de mil tons
Do todo assim intenso
Por ser divina é poesia
Eu verso

POEMAS


Achei que a linguagem dos anjos fosse toda rimada
Que traduzissem seus ditos pelo universo
Através dos insanos devaneios dos poetas

Os pecados mais tenros as rimas mais ricas
Pensamentos pretensos de formas bonitas
Inspirados a ouvidos atentos e a almas seletas

Também coisas vãs como fios de cabelos
Lembranças saudade dos enamorados
Um simples passeio sob o claro da aurora
As pétalas caídas na tarde chuvosa
Um beijo na testa o olhar de relance
Apertos de mãos suspiros abraços
Coisas tolas assim qual a voz embargada
Seriam angelicais delícias feitas do nada

Mas os poemas nascem e se encaixam
Na íntima flor dos nossos sonhos
A poesia não vem dos anjos
Eles apenas as guardam de forma delicada
Para que sejam sempre amadas

Por isso parte de mim quando escrevente
Torna-me lento e desorienta por qualquer dilema
A outra metade não diferente mas desatenta
Tola se dilacera sob forma de poema

SUPERAR-SE


Cada dia cumpre extremos hábitos
Surge dessa luz que o sol derrama
E descansa no brilho da tarde que morre

Há vezes que a lua encandeia horizontes
Ri das estrelas excita os amantes

Noutras se furta conceber a noite
Apaga-se como jamais existisse
Oculta silente de quem a madruga

Também vivemos desafiando rotinas

Enquanto uns enfrentam intempéries e dores
E tantos destroem bem-aventuras
Outros vivenciam beleza e bonanças

Pode a lua até furtar-se às manias
Mas no fundo ri da própria natureza 
E sai pelo mundo a espalhar poesia

TEU PERFUME


Teu perfume te faz redoma
Baila em teu entorno delicadamente
Sai à tua frente volátil enunciando teus passos

Perde-se intenso pelos rastros
Reflui onde flutuam os pássaros
Caminha ao que teu pensar esvai
Brinda secreto aveludando as cores
Decifra-te a quem te ver passar

Teu perfume te põe perfeita
Ele se deita e faz de cama teu altar
Descola-se do teu colo em suavidades tantas
Íntimas cheirosas faces quando espalha pétalas
Pela pele entre o pelo e o poro a te arrepiar

Teu perfume aporta-se sem tomar formas
Em rimas soltas porém nada santas
E o tempo louco roubando-te os cheiros 
Guarda-te em tão frágeis frascos feito poemas 
Tua poesia farta a me perfumar

TUDO FALA


Efêmera
Nenhuma frase é tão efêmera 
Ainda que a palavra do núcleo se perca 

De fato 
A gramática é um parto
Escrever é justamente o ato léxico
Do cumprimento extremo de um dom 

Desconstruir
Não levar-se a serio emudece
No exercício de pesar pausa e silêncio

Esse pontual mistério até enlouquece
Tudo fala além da língua que externa 
Exala cálculos

Nenhuma sílaba é pequena
Que não caiba num som


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UM POEMA SOBRE NADA


Fico imaginando um poema sobre nada
Para que não perfure ou ame
Não faça loucura alguma
Não respingue nem cause
Tampouco estrague ou arda

Mas quais palavras ousariam descrever
O amorfo da sintaxe
A ponto de não ter sentido nem ser lido
Para que o risco não valesse?

O bom seria não chegasse até os teus olhos
Mas a culpa é da solidão que o nasce
E nem quis saber por que o faz fugir dos dedos

Ouvi dizer que muito além do final
Existe no vácuo da pagina o coerente
Engolidor de versos feios cheios de falácias

Mas estou crente de que além da poesia
Somente o que há são sentimentos
Segredos e audácias

Talvez nem quisera eu que me lesse
Mas agora é tarde e danem-se os meus medos


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A FLOR


Se estiver ante aos teus olhos
Próxima ao teu coração
Quando puder me regue com olhares
Molha-me com sorrisos de relances
Canções de apego que realcem
Sussurros de pensamentos bons

Te darei lembranças de momentos
Conforto nas saudades 
Desejos entre respingos de silêncio e sons

E se estiver próxima às mãos
Ao tocar-me a maciez das pétalas
Será como pôr os lábios na flor
Da minha cor champanhe
Do meu caule marrom
Das minhas folhas verdes
Do vaso de veludo carmim
Que te despiu na hora incerta
Quando cheguei aos teus braços
No abraço do primeiro encontro
Vendo-te em meu novo jardim

Mas dessa visão efêmera acordarás desatenta
E te porás sozinha a gargalhar de mim


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ALENTO


Os olhos são sentinelas
Das linhas retas dos versos
Para que não misturem as pautas
Embaralhem as letras
Nem percam os sentidos
De como foram dispostas
Nos contextos diversos

Uma palavra mais outra
Outra mais de cada estrofe
Sem ponto sem vírgula sem nada
Não tenha começo nem pausa
Nessa costura dos versos
Exista interstício ou parada

Assim voando soltas
Por sentidos dispersos
Caibam inteiras nos sonhos
Dos corações mais complexos

É assim que poeta e poesia
Exterminam das faces do assombro
Cada um dos maus sentimentos

Todo olhar faz do poema um alento

ALGUM LUGAR


Além é onde não fui porque fica após acolá
Não quer dizer que viva aquém
Porém me encaminho pra lá

Encontrarei bem no centro das historias que vivi
Motivos de ir adiante desbravar hoje o que ontem
Desviou-me por estradas que não iam a algum lugar

Quanto mais tempo vier em favor dos meus anseios
Terei meios de aplacar as vontades que ainda tenho
As audácias que desejo entender de onde venho
E o que aqui vim fazer

Preciso apenas querer que as demoras se sucedam
Que meus medos extirpem e revelem-me os segredos
Nos caminhos que buscar dentro e fora de mim

Efêmero passageiro caminheiro de onde vim

ANSEIOS


Detrás da porta há uma casa inteira à espera
Como se os cômodos deixassem seus afazeres
E se aninhassem sobre as paredes debaixo das telhas
Para assistirem tua chegada depois de um dia ausente

A sala reconhece os teus passos tão mansos
O quarto aquece tua cama e o travesseiro
Da cozinha louças e talheres sobre a mesa acenam
Entre a fome intensa e o desejo do que vier primeiro

Tu passas entretanto levemente ocupando espaços
Desfazendo das roupas pelas pernas pelos braços
Livrando-se do que já lhe sucumbe ao cansaço

Apenas uma ideia fixa te desnuda o corpo inteiro
Que te abraça a alma perfuma e te acende anseios:
Perder-se em sonhos debaixo do chuveiro



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DESEJOS


Quem te permite voar não são as tuas asas
Quem te impulsiona seguir não é tua vontade
Quem te faz retornar não são as incertezas
Quem leva a permanecer não são convicções

Porque asas são causas e não méritos
E vontades tens tanto de ir quanto de ficar
Incertezas existem aos montes
E convicções às vezes não resistem

Quem te admite a vida são os teus desejos
Estes sim são os verdadeiros donos das decisões
Os desejos são paralelos que pavimentam a alma
Porém tão intrínsecos que os mudamos de lugar

Mas se eu tivesse asas voaria até tua loucura
Ali seria o lugar perfeito para aprender amar

DIÁLOGO ENTRE RAIMUNDO E JOSÉ


Saíste a passear sozinho no terno negro da noite 
Encontrei-te cercado de anjos de branco e gravata vinho
Deitado no colo da morte entre folhas verdes de acácia
Pousado à sombra dos galhos sereno qual passarinho
Sorrindo igual ao menino que olhando a nuvem passar
Aguarda que ela volte trazendo notícias doces do mar 
- Não fora a própria morte 
Cerceando-te o semblante
Quem ousara te levar? –pergunta José a Raimundo

A morte é a derradeira parte a saber da nossa fé
Ela assusta quem não crê quem nada fez por deixar
Intimida por ser vã senil indiferente vilã
Avilta a vida da gente vilipendia por ser incerta
Desconserta arrebenta esfria 
Depois damos conta que existe
Tão mágico quanto nascer é o gesto de não mais voltar
- Sabe a morte nada mais é
Senão o triste vestir
Do avesso do que nos cabe – pondera Raimundo a José

E assim seguiram levados
Falando José a Raimundo dizendo Raimundo a José
Deixando-nos chorosos calados
Sem muito ou nada a entender
Porém resignados porque a morte descansa quem morre
Ainda que nos faça sofrer

ENQUANTO TE PROCURO


Todavia essa alma minha
Aninha-me ao colo insípido da terra 
E se faz de mim contumaz peregrino
Ela comigo pela terra peregrina

A minha alma apreenderá o infinito
Que ao contrário do chão frio barrento
Entre pedras arraigado ao solo
Entenderá que a carne deteriora e erra

Mas eu procuro-te agora enquanto pulsa
Pois é da terra que me vem o alimento
A persistente sobrevida dessa teimosia
Que é da terra que me vem em fantasia
No momento em que a alma distancia
Certezas de que serei terra evidente
E dúvidas se a alma também morre-me um dia

Por isso lanço as mãos em meus apelos
Como fosse um tango descuidado
Tocado de ouvidos mais estranhos
Bailando como se eterno seria

Eis o tanto que me apega as tantas alças
Se os meus lábios se iludem com falácias
Eu recolho-me à pequenez de criatura

FAKE NEWS


Achou Deus que concluíra seu mistério
Mentindo-me que certo dia descansara
À sombra da criação feliz pela criatura

Pura presunção divina essa vã postura
Tudo ainda é rustico princípio a se formar
Experimentando formas rudes de viver

Cada ser prova da vontade infinita
Buscando a perfeição desse projeto de vida
Que se refaz e aprimora perpetuamente

Deus minta aos doutos e sábios internautas
Mas poupe das indecorosas fake News
Este tolo e débil aprendiz de poeta!


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INCOMPATIBILIDADES


Dentro do rio talvez caiba uma canoa
Aquela que o oceano não aceita navegar
Porque pelo mar andam os navios
Que enfrentam as ondas robustas sem trincar
E dentro da canoa vão pessoas
E dentro do navio a multidão
Tantos iguais a mim que não sei nadar
Tantos iguais ao rio que não sabe do mar
Iguais ao navio que não cabe no rio
Iguais à canoa que não suporta o mar

Também em terra firme há um povo ambíguo
Embarcado nas barrancas do riomar
Em veleiros atracados sem destino
Presos aos cordões umbilicais
Dos poderes dos navios sem cais
Das carrancas presas às canoas inseguras
À deriva sem sequer sair do lugar

Dentro de cada um há incríveis mundos
Rios e oceanos esquecidos e a explorar
Para que ninguém saiba ir nem regressar
Sem a plena certeza de haver partido
Provavelmente qualquer homem caiba
Na orelha de um elefante
Isto não significa que ele lhe dê ouvidos
Por não saber escutar


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INDULGÊNCIA


Não está no pó 
Nas cinzas 
O teu valor

Teu valor não mora na vulga matéria que se desfaz
Nem no produto que se compõe risível
No entorno das tuas razões

O valor que tu tens 
Mora num lugar visível aos espíritos que te cercam
Longe dos bens passageiros
Para que não se percam
Na geleira das tuas inseguras mãos 

Nenhuma matéria perpetua
Nem perpétua é a sabedoria
Que se converte na tua frágil figura

Se te banhas o corpo nestas águas puras
Lava de verdade a alma
Criatura



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MORENICES


O ardor te adorna a meiguice 
Ele expõe tua beleza em nuvens alvas
Recobre de assomos transparências e nuanças
O que em ti arrepia e intensivamente pulsa

Em névoas brancas te envolve 
Como se estrelas e miçangas espalhasse
Realçando tua face e teus enlaces
Entrecortando as linhas das lisas alças
Da blusa que te avoluma o colo enfeita e veste

Chuleia barras e dobras ágeis
Mansas frágeis fáceis no teu espanto
Sustentando aos ombros entre as alças
Perdendo-se por entre as ancas
Despertando os ventos
Nos alvoroços das tuas andanças

O torpor te assanha e acende a alma
Colore com nuvens ralas desejosas cinzas 
O que estava calma te acelera os sonhos
E tu te assanhas inevitável feminina

Amo estas tuas brandas reticências
Reveladas em tua morenice acesa de menina
Como fossem brasas em avermelhadas ânsias

NÃO TEM DONO O AMOR


Não tem dono o amor
Nem terá
Não é mera propriedade amar

O que se sabe do amor é tão pouco
Que por mais que se ame tanto
Nunca há de ser muito
Nem tampouco menos
O quanto necessário será

Mas há essa voracidade equívoca de posse 
De quem pretende cuidar como fosse
Seu sua ou sei lá
Ah isso é parte do ser que se imagina dono
Mas que na verdade tolo 
Pouco tem e nada além oferece

O amor é mais que um pertence
É a essência no outro sem abandonar a si
É indefinir-se para complementar
Esse dom tão soberano

De fato o amor não tem dono
Nem terá
Mas a maior propriedade é amar


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NO MEIO DA TARDE


Encaixo a minha mão
Debaixo do teu vestido
Mas se me dizes estar despida
Imagina-la vestida
Já não faz nenhum sentido
Rogar excentricidades

O sonhar tem dessas baldas
Cada qual com seu capricho
E mania e desvario

O sentir de qualquer sonho
Devemos às singularidades

Perdoa se a nua palavra arde
E o verbo rumina o dicionário
No meio da tarde



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PROIBIDO


Proíbe-se o amor
Mas o que faria um ser sem amar

Seria um envelope vazio
Um livro sem folhas e escritas
Uma tela sem qualquer rabisco
Espelho que não soubesse refletir
Ou refletisse porem tardio

Eu mesmo amo até as minhas falhas
Porque é nos desacertos inoportunos
Onde a emoção farfalha
Que renovo e reencontro a crença
Entremeio aos enganos
De que o amor sempre há de ser
Soberano

Ah faça-me o favor
Não se proíba de amar meu amor

SORRATEIRO


Dizem que o céu é o destino
De toda alma que se dá ao beijo
Mas se nossos lábios não se propõem tocar 
Lança os teus olhos nos meus olhos
E beija-me de intenso olhar

O olhar tem essa densa força
De entender qualquer mistério
Desvendar a presença do óbvio
Inventar devaneios da língua
O que nem a boca consegue falar

Acolher anseios mesmo que proibidos
Enxergar a si mesmo no outro
Como num espelho sorrateiro

E se esse gosto de profano for etéreo
Todo o humano eximirá qualquer culpa
Donde flui enfim esse desejo tão divino
Em meio ao que houver em nós de verdadeiro

SÚPLICA


Devagar o Buranhém estica a língua
Na intenção de provar do sal do mar

Primeiro lambe a Ponta do Apaga-Fogo
Depois sorve o sabor de Itacimirim
Ainda molha os lábios em Mundaí
E tem sede de Taperapuan

Já não coubera em seu leito
Hoje rasteja as sujas águas 
Num cortejo suplicando piedade

Chora não meu rio
Outros podres choverão


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A LUZ QUE ADVÉM DA TUA FACE


Descansar à sombra das tuas sobrancelhas
Sob a calma vaga dos teus belos cílios
Entre íris e pupilas imerso e absorto
À beira da imensidão nítida dos teus olhos
Contemplando teus traços ainda que numa foto
É um privilégio poético para poucos

Igual fazem anjos e arcanjos em suas dimensões
Ao tocarem nosso rosto com suave sopro
Ainda que num pensamento mais remoto
Apaixonam-nos tanto e de tal maneira nos encantam
Que divinos tornam-se também insanos
Esmorecem feito bichos aloprados feito loucos

E o que nos prende à imaculada beleza da face
Senão o retrato nítido da alma em transe
Clarividentes olhares entre pálpebras acesas
Dimensionando ao longe ainda que em sono
Durmam nalgum mundo dos sonhos da gente
Por humanos apaixonados tão ávidos deuses

Toda vívida imagem contemplada se completa
Repleta da vertigem de quem ardente observa
Torno-me viandante astronauta da infinita mente
Enclausurado em meu nicho ardo resiliente
Recolher tua imagem e nela divisar tua fronte
É alimentar meu impreciso coração de poeta


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AMENOS


Certas palavras conseguem corroer
Por malditas ou não ditas a contento
Feito beira de unha que arranha e fere
Enquanto a polpa do dedo com suavidade
Reconecta a tempo a carícia da pele

Mas a unha se usada com destreza
Roça o dorso em face à coceira
Carinha o poro da farta canseira
Quando da ferida elimina a sujeira
Cicatrizando a aspereza da vida

O toque do dedo às vezes arde
O risco da unha talvez amenize
Ações detém o poder de inferir
Ou num só concurso fazer sarar
Nessa incrível dualidade dividida

Enfim dependemos do acaso e da escolha
De cada silaba em cada verbo e momento
Daquele dedo em riste com veneno
Da unha polida com exímia sedução
Do grito ou sussurro a seu modo e jeito

Viver exige significados próprios
Coexistir ensina-nos a ser amenos
Perdoem-nos os fascínios exacerbados
Relevem-se a falta de domínio das paixões
Sejamos humanos – amemo-nos



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CAEM BOMBAS


As bombas caem

Por que caem?
A gravidade as derruba
Detonam
Retornam para esta mesma terra
Explodem
E estilhaçam os jardins de Deus
Em nome do inferno dos homens

Caem porque foram içadas
Jogadas
Soerguidas
Aquém da vontade de quem as fizera
Além da maldade de quem as jogara

Mas por que são lançadas?
Ignora-se
Poucos sabem
Ninguem as espera

Caem
Caem
Caem


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DEBULHA


Tira com cuidado o bago da palha
Rasga com a unha a folha dourada da espiga
Um a um surgirão grãos macios do trigo
Em processo da espera da maturação

Esfarela
Esmiúça
Mói
Esmói
Rumina
Tritura
Esfarinha
Mistura com o fermento da emoção

Faz isso com sentimento
Sem intriga no coração

Convida o amor para a debulha
Depois partilha o pão da vida



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DISFARCE


Ainda que teus pés disfarcem e sigam 
Do lado oposto por onde pretenso passo
O vento me diz dos vestígios dos teus passos
Antes que as ondas debulhem teus rastros

Ainda que mergulhes nas profundas aguas
Entre as correntezas brutas das marés altas 
Longe de mim e por onde jamais alcanço
A brisa me traz teu cheiro e salga meus lábios

Enquanto imaginas que não te penso nem vejo
Meu desejo te acorda secretamente cedo
Nos pensamentos em que te imagino e beijo

Enquanto reclamo tua ausência dos meus braços
Antes que o sol alcance os tenros raios de seu lume
Sorrateiro te procuro não te acho mas disfarço


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EFÊMERA


Fui lá fora
Buscar a flor

Já não estava mais inteira

Apenas pétalas desfolhadas
Esparsas
Pelo jardim esparramadas

Mas permaneciam vivas
Coloridas
Aveludadas
Repletas de único perfume
Como a natureza as fez

Recolhi uma a uma
Espalhei-as sobre a colcha
E nos deitamos encantados
Como da primeira vez

EMBRIAGUEZ


De quando em quando
Dai-vos à embriaguez constante da arte

Bebei da doçura icônica das inspirações
Fartai-vos dos ardores das expressões artísticas
Tomai dos gargalos das cultas leituras
Da boa prosa das novelas da poesia
Das cores dos riscos e rabiscos das telas
Dos teatros das óperas da fotografia

Inebriai-vos de espetáculos e alegorias
Sonhai com a cantilena avulta dos instrumentos
Brindai com os sonhos e a utopia das folias
Embebedai-vos nos palcos de talentos e fantasias

Sedes felizes nos momentos da prosa
Por sentimentos nos cantos nas vozes nas danças
Pela eternidade dos conceitos e significados
Por um dia de risos de quadros e livros
Nos museus nas praças nos circos nas escolas nas ruas

E se possível for por mais algum deleite
Embriagai-vos finalmente 
Nos dons da generosa solidão e ousadia 
Dos artistas

FEBRIL


Está gelada minha face
Porem se acesa a testa
Queima-me o todo que me resta

Se a unha arranha roça
Pelo braço a pele coça
Contundente acalmaria

Doem ossos doem dentes
Inflamam os olhos da alma
Sem palpável disfarce

O tédio receita-me o remédio
Que sobretudo vaporiza
Interna o que entedia

A dor de arder em febre eterna
Paradoxalmente me alivia!

LIBERDADE LIBERDADE LIBERDADE


No emaranhado de fios que nos prendem
Em meio amarras do viver
Emergem asas que nos pertencem
São respiros guardados que teimam em florescer
Liberdade de vasto horizonte
Que se agita no peito como pássaro cantor
Entre muros erguidos clama seu monte
Desfaz fronteiras semeia caminhos a percorrer

Não é só rompimento nem só voar
É a imensidão que nos invade vital
De um labirinto a desvendar

Liberdade das múltiplas faces a dançar entre limites
Desafiando prisões e o conformismo assim
Que ao abrir portas revela belezas

És suspiro na alma brisa na pele
És a fagulha que impele e acende a chama do ser
Nas escolhas que fazemos no que se revela
És o encontro conosco és o direito de ser
És tesouro impalpável que se sente e se vive
Mas não se pode prender

És o próprio pulsar o sopro invencível
O fio de esperança que nunca se rende

Que os passos sejam gritos de liberdade
Nossos versos sejam sopro de ar
Que a vida seja a busca incessante por verdade
Nesse eterno balanço entre o ser e o se encontrar

MELODIA


Em volta da casa bege
Havia uma fortaleza na terra crua
De um tempo que jamais volta

Nada de asfalto nem calçada e cimento
No máximo um caminhamento
Aproveitado do levadiço das pedras
De musgo verde embrenhado nas gretas
Sem muro nem cerca nem sarjetas
Onde a poeira vermelha e fina ardia

Por todo lado havia jardins
E canteiros e mais canteiros de jasmins
Que floriam nossos olhos de areia

Por entre nós a infância e as horas
Corriam naquelas ruas abertas
Depois conosco dormiam cheirosas
E novamente voltavam despertas
Para nova sessão de cinema

Até que um dia
A estrela cansou de cantar
Como encerram atriz e cantor
Como terminam cena e melodia

Ainda ouço sua voz amena e macia
Quarando os panos da barbearia:
“Oh oh oh filme triste que me fez chorar”



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MOTES


O bom poema
Vive dos segredos que contém
E só o sabe quem os tem

Transporta em sigilo
O que as palavras não contam
Aos olhos nus o que dizem

O poeta tergiversa
Tornando-se mestre em esconder
Cada verso que arquiteta

Faz sentido se ao ler
Desaperceber que a luz
Dá-se na opacidade inversa

Enquanto a ilusão deflete
Poema e poeta se despem
Do que a paixão pensa

Porém é do amor irrestrito
Irrealidade inverossímil
Que ambos subsistem

Deixarei de ser poeta o dia
Em que não borbulharem poemas
Em minha fantasia


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NEVE


Esse floco que leve flutua
Teima em não pousar sobre o monte igual toda neve
Reluta aquietar-se junto ao gelo concreto da rua

Prefere estar ao vento suave
Resvalar na vidraça bisbilhoteiro
Escorrer pelo vidro levemente
E desmanchar-se ao vê-la incandescente
Também a derreter-se
Igualmente úmida
Acesa sob os lençóis
Nua

- Quem seria?

Como queria ater-me
Aos sinais da poesia!

NOTURNAS


A mais bela parte do dia é noite
De matiz preto e único
Que se parte esbranquiçada e láctea

A imensidão do escuro
Brinca de forma lúdica
Acendendo no firmamento 
Se dividindo em auroras

Por isso a profusão das cores
Na vastidão do universo
A ilusão das passagens
A compilação dos mundos
As miragens

Nossos olhos não são noturnos
Carecemos da luz das alturas
Entre as negritudes lindas

Somos criaturas feitas de paisagens
Se a noite evapora nas horas
Também os dias claros vão embora

Eu não temo a efemeridade do tempo
De todas as visagens
Apenas não amar me apavora

OCEANOS


Navegaria rebuscando sentimentos 
Feito punhados de mim em cada um
Nos vastos oceanos dos argumentos

Costuraria consentidas formas de sentir
Consentiria emoções se misturarem ao sal
Até morreria ao remar se não souber dissuadir

Dissimularia pelos caminhos abruptos do mar
Onde se formam insanas vagas de partir ou voltar
Ciente que razões e palavras hão de advir

Empreenderia com os erros nas marés
Nos tantos e inconsequentes remansos no peito
Que me tornam menos entendedor de mim no revés

Mas o tempo me dá qualquer coisa de aprendiz
E reconforta reparador por quanto faz e diz a dor 
Ainda antes do acerto da hora em que me for

Sei que irei apear nalgum cais desse mar revolto
Onde o litoral norteia com alguma luz de farol
Por isso não chora – qualquer hora volto!



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POEMA PARA TEUS SAPATOS NOVOS


Teu par de sapatos brilha
Reluz passos por onde caminhas

Mesmo que a calçada esteja úmida
Ou empoeirado seja o caminho
Segue pelos pés pisando determinados

O chão aceita todos os rastos
Calçados
Descalços

Calcamos o solo com as solas
Andamos peregrinos pela terra
Trilhamos as nossas trilhas

Mesmo que teu par de sapatos
Desgastados
Amanhã não brilhem
Saibas tuas pegadas iluminam
E jamais perderás o brilho

QUINTAIS


Em minha casa itinerante
As horas me passam soltas
Em arruaças constantes

Irrequietas feito aves
Revoam pelos ares a todo instante
Onde a imaginação peralta
Se faz presente

Coloridos e engraçados
Os derredores da minha casa
São de ideais e ideias
Há um verdadeiro viveiro de aeronaves
Chilreando pelos braços das árvores

Aconchegante é o lar que me abraça

Vivo em viajante estado de graça
Dando asas passarinhas
Aos quintais da minha mente

REALIDADE


Apesar do mesmo tema
Idêntica realidade
E apelo que contém
A poesia de ontem
Já é outro poema

Renovam-se sorrisos
Aparecem novos choros
Outras águas surgem
Seguem cursos diferentes
Reinventando riscos
Que lhes convém

Tudo transforma em segundos
Estar vivo é perceber os momentos
Nos movimentos do mundo

REPÚBLICA


Quando a minha língua te proclama
Não sou eu quem te anuncia
E sim meu ser que se descreve 
Liberto de costumes 
Farto de ansiedades por te buscar

Disseram-me que fosseis o caminho
Desde então sou peregrino
A minha mão livre escolhe linhas
Escreve por onde deve andar

Ainda que uma palavra maldiga
Toda vez que te pronuncia
Pela soberania da alma e da gente
Clama-te uma certeza

Em cada estrada e por toda esquina
Onde existir posta a tua mesa
Há de haver nosso lugar



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SONO


Estiquei as horas do sono
Fiquei maior tempo ausente
Despertei como alguém acorda do coma
Sem saber em qual momento está

 
Notei que num canto da varanda
Surgira uma casa de abelhas
Que três novas rosas haviam desabrochado
Que na parede do banheiro fez-se uma trinca
Que sobre o móvel da sala havia poeira

Não fosse a travessa de madeira do alpendre
Apoiada sobre a pilastra
Cuja lateral abriga o jardim 
E a estante estarem habituadas 
À casa num mesmo lugar onde durmo
Nem teria notado

Dormir é o prenúncio da morte
Eu continuarei dormindo
Até que não mais acorde e nem note


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TEMOS PRESSA


Temos pressa mas nos esquecemos de que tudo vem
Nascendo aos poucos
Aprendemos aos poucos
A falar e a ouvir e observar
A amar e saborear o sentimento de ser amados
Aos poucos crescem as plantas
E os frutos para que não os apanhemos precoces

Podem até aparentar ligeiro porem entregam-nos aos poucos
Em doses ou pacotes porções lotes
Pedaços blocos frações que se apropriam de nós
Paulatinamente se repetem
Preenchendo os vazios enraizados no tempo

Queremos muito mas também este aos poucos
É-nos ou não concedido

Porque apenas a morte e somente ela
Definitivamente chega inteira
Ainda que nos leve aos poucos


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WHATSAPP PARA RAIMUNDO


Sinto-me no direito
De sentir saudade tua
Talvez você até riria do que digo
Mas creio que assim também seria
Se acontecesse antes comigo

Lógico andamos tanto juntos pelas ruas
Trocamos livros discutindo literatura
Admirando ideias saudando os personagens
Que a janela dos sonhos nos impunha
Fotografamos a vida alheia dos corais
Como se estampássemos em revistas e jornais
As notícias que nas bancas depois você vendia

Confidenciávamos nada de nada
Apenas para demarcar a confiança que nos unia

Pois é esse direito de ausência lhe confesso
É sobretudo simples profissão de fé
Assim me despeço
Até!

A LUZ SEM COR


A chama da luz sem cor
Brilha intensa mas ninguém 
A olho nu pode vê-la
Ainda que tenha o poder 
De um incandescente farol
Ou a sinuosidade do pavio
Aceso na cera de uma vela

A luz sem cor nos norteia
Para horizontes azuis
Para noites com auroras
Para as tardes de ocasos
Desafiando as esperas
De que novos sóis acendam
As sobras das estrelas

A sombra da luz sem cor
Apesar da rara beleza
Assombra por não ser vista
Apavora quem não tem fé
Intimida por ser infinita
E somente quem nela crê
Percebe o quanto é bonita

Essa luz é a perfeição da alma
Que mora plena no mistério
Muito além da natureza
Muito aquém dos nossos olhos
Que se nos faz reconhecer frágeis
De tão insigne e mágica
Toma-nos por imortais




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ADIANTE


Enquanto o sol foi nascendo
Vi pássaros cruzando perfilados
O tênue céu laranja

Voavam assobiando cantorias
Renovando os rumos
Refazendo os mistérios do dia

Lembram que dentro das noites
Toda luz se ajeita por maneiras diferentes
Até que amanhecesse e assim continua
Umas vidas descansam outras agitam
Enquanto haverá do que nos falte
Sempre existirá quem esbanja

Justamente porque passamos com os pássaros
Ou somos espaços por onde partem
A uns acordados há tantos dormindo

Tudo ecoa entre as memórias da gente
Nossos passos precisam desenhar o adiante
Para continuarmos - ficando ou seguindo

ÀQUELE QUE VIRÁ


Logo surgirás revivido
Como me vens há décadas
Trazendo lições peregrinas
Entre rostos tão caros e momentos rotos

Não quero que me apareças milagroso
Pois gozo já de todas as vantagens reunidas
Nem precisas tamanho alarde ao anunciar-se
Pois desfruto de todos os artifícios da sorte

Quisera sim que me viesses realizado
Preciso
Entre as falhas e os sentidos
Dono de si mas obliquo de mim
Trazendo-me verdades e esperança

A esperança para que eu saiba aguardar paciente
Verdades para que entenda
Que nunca irás me repetir alguns momentos

Por isso acolho-te como quem gesta no ventre
Um breve sopro de outro ano

ASTRONAUTA


A minha alma astronauta
Viaja por esse universo particular de mim
Tentando entender-me ou saber quem sou

Eu acompanho esse trajeto desbravador
Que sempre vai aonde nada sei
Mas na certeza da total liberdade em buscar

Um mínimo revela-me no que disse e digo
Outra parcela naquilo que faço e fiz
Além doutro pouco que imputo segredo

De resto é a incapacidade em vencer o medo
Sem penitenciar-me pelo que não apreendo
Ou alardear daquilo que encontrei

A minha alma viajante 
Continuamente se espanta com a jornada
Mas não me para para levar-me além

CALMO


Sou hoje cais quieto e calmo
À espera de barco para atracar

Mas já fui porto inconformado
Querendo ser barco e então zarpar
Singrar as ondas por entre as águas
Longe das margens ir navegar
Por entre as águas longe das margens
Onde o horizonte desprende o mar
E o mar revolto surpreende as pedras
E a névoa densa revela o cais

Hoje sou porto deserto e calmo
Esperando barco para abraçar

Mas já fui vento aventureiro
Enchendo as velas de algum veleiro
Fazendo a farra do timoneiro
Ventando livre sem preocupar
Velando cascos por sobre as águas
Desafiando sol e luar
Onde a saudade revela lágrima
De água salgada que enche o mar

E se hoje ainda me vejo margem
Braço de arrasto guia de cais
Logo nem mais haverá viagem
Apenas vagas por sobre o mar


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DESATENTO


Observei que minha sombra displicente
Flanava dispersa translúcida intacta
Distorcendo-se entre beiras e bordas

Roçava indiferente sobre o aceso e o fosco
Sem olhos sem ouvidos sem sentidos
Contorcendo antes ou depois dos rastros
Ou melhor sem encontrar sentido
Ao não sentir os impactos

Senhora quão desatento estou eu!
Não percebi que era a luz dos olhos teus
Quem resguardando antevia
E de fato iluminava os meus atos

DETRÁS DA MULTIDÃO


Por fazer de conta que não te conhecia
Mudei a direção dos olhos para um pouco além
Onde minha imagem então me refletia
Fingindo contemplar a mim e a mais ninguém
Fingindo contemplar a mim e a mais ninguém

Disfarçando o riso no tremor dos lábios
Enxugando os dedos no suor das mãos
Tentando domar talvez o imenso desejo
Que explodia dentro do meu coração
Mudei a direção dos olhos para um pouco além
Onde minha imagem então te refletia

Por fazer de conta que não te ouvia
Por fazer de conta então que não te via
Escutei as sombras detrás da multidão

ENCANTADA


Essa uva detém textura pronta
Maturada para há tempo
Tornar-se ainda mais casta
E de tão pura
Vinho

Encherá bocas com taninos
De prazeres indulgentes
Enquanto os lábios do tempo beijam-lhe a taça

Entre a pele da casca e o cerne das sementes
Lívida amadurece embriaga
Encantada extasia

Um gole das suas luas
Põe o mundo em estado de graça

Um brinde à vida que aniversaria!

ESMERO


Esse tempo de anseios e espera
Parece cera enquanto aquece
Derrete-se consome fenece
No entorno do pavio que encandeia
Bem no cerne da vela
E aos olhos faça cores
E tudo se ilumine acenda
E transforme a luz em prece
Na labuta abrupta que respira terra

Olha a pele
Envelopa a carne que também envelhece
Aos poucos o corpo dilacera e em nada se parece
Com a imagem bela de outrora
Porque o que há de mais nítido é justamente o agora
E embora esperamos no futuro o claro evidente
A vida é toda essa obra que renasce presente
Em cada aurora

Aprende a escolher
No escuro as dúvidas
Do opaco as expectativas
No breu espantos
Da penumbra os espasmos
Para aclarar os rumos e domar tua fera

Nestas noites de lua tão intensa sobre as águas
Quem é pedra como eu sonha o dia

Assim a vida menos entristece

ETERNAMENTE


O violão que dorme no quarto
Pousado intacto sobre a cama
Teus dedos não conseguem fazer vibrar
- Engraçado
Ainda te sinto tocar!

As tuas musicas atravessam as paredes
E rompem o silêncio dos meus medos
Para poder te ouvir escutar os cantos
- Engraçado
Pareço te ouvir cantar!

Tantas guarânias e lá lá lás e os lero-leros
Das rimas apaixonantes sem compassos
Nos passos das valsas e boleros
- Engraçado
É como se te visse dançar!

Toca canta dança
Deixa tua arte explodir teus encantos
Como antigamente
Para que te ouça sinta e veja
Amar-nos eternamente!

GAL ENLUARADA


Por ela enamorando a cidade
Aguardava-a de garrafa aberta 
Descalça na calçada da rua
Surgir na janela da esquina 

Trazia perfumes de nuvens
Entre as melodias do vento
Voraz cheiro de maresia
Enquanto a maré insensata
Travessa revolta inconstante
Vazava e a seu tempo subia

Davam-me nós de tempestade
Destes que suplicam por colo
Onde os raios fugidios
Estrondam e se jogam ao solo
Feito birrenta menina 
Trinando por pura arredia

E após os agueiros rebeldes
Em horas incertas das noites
Sedutora acesa ela vinha
Revestida de penumbra e sorte
Banhar-se inteira em meu vinho
Enquanto a cidade dormia

E de novo ao encher minha taça 
Sua voz será sempre um abrigo 
Tombando de ansiedade e graça
Enluarada se deita comigo


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LEOA


Pudera afagar quieto os teus cabelos
Encerar no couro a raiz dos pelos
Mantra denso de fino aroma pelos dedos
Mexendo levemente a mente e o cerebelo

Enxergar nos sonhos vivos devaneios
Como se tatuasse orquídeas pelo dorso afora
Passeando cínico pelo hemisfério do pescoço
Pudesse desvendar misteriosos sóis de aurora

Esquiar na vertigem tênue o arrepio da nuca
Ainda que nunca tenha estado em tuas costas
Encontrar entre a vasta juba o mel das respostas

Ah que me mostras o que tenha posto
A perder-me na figura esguia entre as coxas
Enquanto finjo na esfinge rubra ver teu rosto

O QUE IMPORTA


Meu poema rodopia à tua volta
Feito vespa que cerceia víscera
Pousa versos nas tuas entranhas
Depois voa por estranhas vias

Meu vício oposto ao lado de fora
Mora no avesso da imagem aparente
Escondido no cerne visceral
Que jamais me questiona ou surpreende
Se resido em caverna distante
Trancafiado em quieta brandura
Ou jogado na inconsistente aventura
Revolto e tolo e todo sujo de poesia
Sem saber se sou destino final do fruto
Ou amargor de semente tardia

O que importa é que adocicados
Os meus versos voem à tua volta
Feito abelhas em porta de colmeia
Leem poemas em tua boca
E retornem plenos de magia



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OS RISOS DA CHUVA


Pela melodia das gotas dançando lá fora
Pelo coração que anseia possibilidades
Mesmo não estando tua alma tão serena
Faz da manhã chuvosa 
Mais amena encantada e plena

Vê as gotas translúcidas enfeitando as flores
Cada pingo que cai se mistura e rola
Reflete a libido da pouca luz que aflora
Sobre os ombros da ternura se encontram
Transfiguram preguiçosamente a aurora

Nossos rios escorrem como risos da chuva
As águas despencam se misturam em bolhas
Compõe em sintonia a própria trilha sonora

Sei que estás sedenta e recoberta
Ainda deitada a essa hora
Não te ocupes com a palidez das cores
As nuvens já se fazem ralas
A manhã gelada esvai
Vem
O sol desponta agora

PASSAGEIROS


Eram extensas estradas claras
Sem retas ou curvas
Nem pontes nem guard-rails
Onde carros e trens ficavam parados
Aviões estacionados
Navios nos piers a esperar ninguém

Quem passeava eram as estações ligeiras
Estas sim entremeadas corriam passageiras
Trazendo e levando nada a nenhum lado

Até que a vida as tornou turvas
E as viagens apressadas fizeram de nós
Nesta curta jornada
Meros passageiros

QUILHA


Meu eu marinheiro
Circunda o velho barco
Emborca a canoa sobre o estrado
Examina a quilha da popa à proa
Remenda as velas 
Veda as tábuas
Apara os estragos dos ventos
Das ondas brabas

Como se o tempo tivesse conserto

O que mata o velho barco
Não são as águas
E sim a solidão e as mágoas



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SEM PALAVRAS


Eu começo um poema
Quase sem palavras
E os versos formam
Sobre a folha nua
Como fosse tela
Aguardando cores
Nos carinhos dos pinceis
Compondo a pintura

Algo me inspira
Incendeia rimas
Acaricia a textura
Traça a língua nos lábios
Aprontando beijo
Molhando-os
Oleados

O desejo atrai
Deixa rastos
Insinua

Contudo
Quando encerro a estrofe
Exausto do êxtase
Vejo-me de novo
Mudo

TRADUÇÃO


Sou só como ave da noite
Sem hora exata em sair
Nem um ramo certo de pouso
Ou preocupado por voltar
Antes da porção de sol do dia

Sou só quanto o vagalume
Na escuridão do horizonte
Cujo clarão se dissipa
Margeado pela negritude
Além das bordas do holofote

Tão só quanto o estribilho
Que no bis separa-se da música
Igual à goteira que pinga soturna
Na casa pela cumeeira
E de pingo em pingo inunda

Minha intensa solidão é deserta
Desperta necessidades na tua mão
Apertar toscas lembranças
Confortar tantas esperas
E afagar meu coração

Sou só quanto os meus olhos
Que apesar do mesmo rosto
Veem-se somente por espelhos
A minha solidão é um par de versos
Que me traduz em poemas

TRANSPARENTE


Ela veste branco o encanto
Num dia comum de primavera
Quando vão ao mar todos os barcos

Ela veste branco gelo em neve
Enquanto deixa que a espuma enlace
Na bainha de suas vestes e alinhave

Ela veste branco o contorno magenta
Porque sabe que a alva nuvem
Inveja de brandura a sua vestimenta

Sequer um dia não houvera
Em que branco ela vestisse um pigmento
Sem turvar de claro o transparente

Ela sabe dos ardores da agulha
Que cose o manto de seu vestido branco
E de onde o fio da fina linha lhe advém

Só eu não sei do que me experimenta
Revoar seus brancos é despir meus panos
Como não houvesse mais cores nem ninguém



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VONTADES


De tanto que a precisava livre
O menino não temia ser diferente

Cria poder
Envolver o mundo em versos
E desvendar-se depressa

Ela zombava
Dessa tolice sem limites
Mas se convencia
A atirar-se em seus braços
E o envolvia ardente

Se ontem
A poesia nasce e acontece
Hoje nem tudo o que escreve
Desfaz seus enganos

Mas enfim o convence
Que nenhum verso mais
Lhe pertence



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ACENOS


Gosto dos sinais das tuas mãos
Chamando para junto do mar
Quando nas entrelinhas arranham a lua
Fazendo desenhos displicentes no ar
Quando na madrugada tateiam o breu
Como fosse o sol no íntimo do céu
Quando tingem teus lábios de batom
Ou te aspergem perfume pela nuca
Quando serpenteiam em teus cabelos
E desfiam os fios por entre as unhas
Quando te vestem o corpo 
Na intenção de estar desnuda

Eu contorno teus dedos e punhos
Como desenhasse na folha a loucura 
Com a ponta do lápis inexistente
 
Mas o que mais gosto em tuas mãos
É que mesmo cheias de segredos
Viajam abertas expressando ternura
 
Gosto dos gestos das tuas mãos
Ainda que seja por um aceno apenas

ADIVINHADOR


Soube que o poeta é um adivinhador do invisível
Revela um mundo que talvez nem há
Apalavra os suspiros os cheiros e as cores do ar
Desvenda mistérios que o olhar não alcança
Preconiza em versos
Fomenta a essência

Dizem que desvenda as facetas
Desafia o tempo que sempre tenta impactar
Solta as amarras díspares e os véus
E nos convida a enxergar além dos olhos seus

Mas o poeta retrata somente o que acontece
Por vezes apenas junta ingredientes
Faz as massas
Amassa-as

A poesia sim com precisa elegância as assa
E o coração se alimenta da saga 
Que permanece

Todo o resto passa

CARNIS LEVALE


Vieram todas cores e tambores
Alegoricamente agigantados
No formato multidão

Nada mais traziam senão
Intenções em sustentar os sons
Arguidos das guitarras braços
Contrabaixos teclados pernas
Suor passos suingue bandolins
Que se intrometiam no turbilhão
Cantante ritmado das câmeras e gruas
Do que os meus olhos viam

Eu assistia àquele incrível espetáculo
De braços cruzados à beira da rua
Até que o coração fora arrebatado
Indecoro e involuntário
Que nada dizia senão batia batia
Rebatia repicava repedidas vezes
Magicamente me colocando
Respirar aloprado junto à bateria
E fora de mim

Quando me dei conta havia incólume
Passado por entre a alma e a carne
Outro belo carnaval

CICLOS


Despeça enquanto possa
A qualquer hora passa 
Então beija abraça
Não disfarça
Olha atentamente
Contempla
Porque depois será lembrança
Saudade tão intensa
Que até trará aflição

Despeça enquanto deve
Despedir-se sem remorso
A ausência é o inverso 
Desse avesso perverso doído e breve 
A que chamamos presente

Do ido restará a emoção do agora
E tudo o mais logo logo 
Há de estar ausente

DOCES


Os expressos repousam
Envoltos em aroma e chamas
À espera das bocas

As espumas esfumaçam
E os sentidos despertam
Íntimos encantamentos

Aquele líquido inquieto
Reflete aveludado
Revolve-se nas xícaras e se completa

Os dedos colam nas asas das louças
E as lançam aos lábios
Entre risos e falas

Do amargo nasce o doce nas línguas
Como se equilibrasse a flor
Uma por uma das suas pétalas

Cada um em sua xícara:
Nos suaves gestos da moça
Sorvem raros os versos do poeta

ENCANTOS


Por namorar-te tanto
E mais e sempre mais
Depois de tantos encontros e encantos

Depois de encontros e encantos tantos
Momentos diversos e únicos 
Compartilhados a dois
Enamorados
Sacramentados 

Amada
Efetivamente agora
É o amor quem nos namora

FAGULHAS


Teu olhar sustenta os meus olhos
Na plenitude máxima e intensa da luz
Onde reverbera o som das esferas
Que circundam as fagulhas
Das densas intenções

Eu absorvo cada segredo que esse olhar me revela

Não é de solidão que sofro agora
Apenas aquieto as vontades e desperto a memória
Para lembrar-te tão prevista quanto bela

Hoje à tarde nossos olhos dançaram tão íntimos
Que incendiaram mútuos

Depois se perderam de vista

FIM


O dedo pressiona o pulso
Apalpa aonde a veia pulsa
Conta por batida multiplicada
Cada pancada que ausculta

Se pusesse força ouviria apupos
Estilhaços entupindo artérias
Fosse delicada sentiria os sussurros
Do sangue entremeio alvéolos
Discutindo brônquios
Consumindo as células
Irremediavelmente bêbadas
Largadas ao relento na areia

Bem entende da linguagem que circunda
Ligando os tímpanos ao estetoscópio
Fraseando arranjos alveolares
Nos trastes de uma viola enrustida
Rendendo-se a melodia do tempo gasta
De tanto afinar as cordas da vida

O dedo ainda sente impulso
Apalpa aonde a veia pulsa
Atento à batida replica
Cada pancada que perscruta

A cura assemelha-se a um circo
Cuja pele que recobre o corpo
É lona lisa úmida ao sereno
Prendendo artista e arte ante a pena
Pelos olhos do espetáculo rústico
Entre a dor e um delírio mútuo

O medo abandona o pulso
Já não apalpa a veia não pulsa
Não há batida nem mais nada
A vida enfim fora expulsa




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MARESIAS


Quando o mar me viu
Quebrou-me as cercas
Deixei ser levado
Deixei de ser cais
Tornei-me navio

Parti pelas ondas
Virei maresia
Fui marear em águas profundas

Tentei ser bonança
Calmaria e até fortaleza
Em meio aos temporais

A parte de mim então ancorada
Sustenta-me oculta
Navega-me pela vida

O que me enxergas
É esse outro lado que aflora atrevida
De pura alegoria

Este
Nem mesmo eu saberei
Decifrar jamais

OLVIDOR


Pensei ter ouvido deus
Dizer-se triste com tudo
Inconformado com a gente
Em desconsolo com o mundo
Perdido entre as desatenções
Daqueles que oram sem crer
Dos que creem e nem rezam
Ou vivem em estado de graça
E não fazem por merecer

Oh presunção do absurdo
Entremeio aos desacertos
Fui eu quem desdisse adeus
Fiz dos meus tantos encantos
Um rosário de encantados
Presunçoso inconsequente
Deitei-me com a santidade
Nos momentos mais errados
Cuidando da vida alheia
E não de quem estava do lado

Na verdade dissera ele
- Resolvas tu os teus descuidos
Que deslembro eu teus pecados

POR ISSO TE AMO


A ponto de achar
Que não mereço
Por não caber em mim
Por ser assim imenso
Penso ser tão intenso
Que não seja meu esse amor

Mas ah que loucura desesperada 
Pensar nisso

O amor não se mede por princípios

Por isso te amo
Desde o começo
Desde o início
Desde o nada

RELÓGIO DE PAREDE


Ele enamorava os olhos da gente
Encantando as horas evasivas e cheias
Por cima das cabeças que entravam e saiam
Por vezes repletas e às vezes vazias

Fora o senhor do cansaço e da fome
Do quando vir ou ir embora
Dos acertos e atrasos
De todo espaço cravado ligeiro
Ou daquele que se demoraria

Traduzia em segundos o mundo que remexia
Dos passos que entravam
Da vida que seguia pelo portal aberto
Ou pela grade que prendia               

Agora dependurado
Deve estar deitado insignificante
Nalguma caixa vazia
No porão entre alicerces da torre
Desmedindo o mesmo tempo a que media

A SEDE DA RUA


Após três semanas de intensas chuvas, minha rua de areia preguiçosamente ainda filtra as ultimas poças, cuja lama vai sendo ressequida pelo forte sol e o fétido cheiro do barro recoberto de composto vazado dos dutos da Embasa se dissipam dissolvendo a nata. O mundo inteiro soube que choveu muito neste canto baiano, aliás, muito além do esperado e previsto, inundando ruas e ruas e avenidas, transbordando rios, desfazendo riachos, arrebentando córregos, invadindo espaços como pode. Agora, a natureza se refaz, ou nos refaz de sua tresloucada descarga pluvial.

Estranho que as ruas calçadas sempre tiveram um recalque comigo. A princípio, nunca residi em uma casa cuja rua fosse pavimentada. Quando solteiro, a Rua 2 de Julho (hoje Dr Munir Thomé) era puro areião vermelho misturado a bosta de cavalo. Casei. Fui morar no Santos Dumont, na rua vermelha recoberta por cascalhos e carrapicho. E foi a conta de mudar de casa, meteram asfalto de uma ponta à outra da Thomé. Dois anos passados, nos mudamos para a Lapa, e oh o mundão de terra se repetindo por aquelas bandas. Ah, foi virar a esquina e dar tchau para o Santos Dumont, o piche recobriu todo o seu vermelhão... Interessante que o único trecho da Lapa sem asfalto media exatos cem metros, justamente onde foi erguida a minha nova casa. Mais seis anos de areia e lama, e vice-versa. Resolvemos mudar de Cidade. Adeus MS, vamos pra Bahia. E foi trocar de Estado, também tingiram de negro aquele estranho pedaço que faltava.

Após três ou quatro ruas trocadas por aqui, esta permanece mantendo as origens. Areia esbranquiçada, misto de antiga praia e restinga, duzentos metros distante do mar, lençol freático à flor da terra, chupa toda a agua possível que desce até mesmo fora das previsões normais. Um caiaque azul já navegou por ali há anos atrás, então não é a primeira vez que o Chamagunga joga a aguada fora.

As aguas cansaram da rotina das mitigadas bocas de lobo, fugiram para os lados e acima, preencheram todos os fossos, apagaram rastros, invadiram quintais, deixaram lodo e lama. As areias da rua as consumiram, matando a sede do subsolo, vertidas por Deus. Sobrou a céu aberto uma camada nesga de terra úmida suficiente para colar solas de sapatos e pneus. Até que seque tudo, ou chova mais.


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A VIDA NÃO ME PESA


Se a vida não me pesa tanto
Enquanto estou acordado
É que o mistério da noite
Calca-me o dorso que dorme
Para que a alma afugente
A lassidão vulnerável da carne

É ilusão que remoço e descanse
Estendido na cama inerte
Que revivo ou então envelheço
Enquanto durmo e não penso
Ou quando me torno reverso
Ausente da consciência

Sonho mesmo é recolhido
No silêncio da madrugada
Palavreando as esperas
Aguardando o sol que nasce
Igual surgi entre entranhas
Do amor que me fizeste

Esse corpo é mera carcaça
Amigo impessoal do espírito
Que tenta dar-me a imagem
De um vulto que desconheço
Do instrumento que preciso
Para escrever-lhe meus versos

BAILARINA


Depois de brilhar no palco
Depois de dançar na chuva
Tanto pular calçadas
Tanto correr a rua

Pliés tendus jetes

De tanto saltar nos arcos
De tanto pisar a areia
Tanto saltar nas nuvens
Tanto ensaiar no espelho

Fondus adagios frapés

Sem sequer rasgar as sapatilhas
Sem sequer molhar as sapatilhas
Sem sequer sujar as sapatilhas
Minha bailarina tem os pés descalços
E dorme nos meus braços
Um sono tão profundo
Como se bailasse no espaço
E acordasse iluminada
Pelo holofote da lua

BARULHOS


Ao contrário do que pareça
O grito vem dos silêncios
No anverso dos trovões

Qualquer estrondo que zoe
E pulse no derredor
Ainda que às demandas pertença
Soe suas confidências
Será enganoso o pavor

Muitas vezes leio-te ao olhar
Sem nada entender dos teus olhos
Muitas vezes escrevo teus lábios
Sem nunca descrever os sussurros
Muitas vezes te escuto tão perto
Que não sei compreender teus apelos
Mesmo que me venham ácidos
Ou suaves como gostaria

Se o amor estivera inquieto
Busca-o na ilusão dos barulhos
E ame antes que acalmaria

COM A LÍNGUA


Damos todos com a língua no céu
Quando a boca está fechada

Ali no palato onde ela roça
Trisca bolina esfrega se apoia
E descansa depois da risada
Do assobio quando canta
Ou após a dança contínua da fala
É que ela mora habilidosa
Às vezes ousada libidinosa
Às vezes silenciosa 

A língua tem na boca a sua casa
Passeia pelos lábios
Resmunga sussurra declara
Depois repousa na saliva mucosa 
Ainda que a cara esteja irada
E ela ressequida cuspindo ou pedindo água
E se dê com a faca nos dentes

A minha língua materna
É o instrumento da mente
Vive encantada e escancara
Poemas prosas cantigas clamores
Essa língua portuguesa
Enamora-me de amores por minha gente

CONFIDENTE


Quando falas
Calam-se as outras vozes
E as vezes que te calas
A mim ninguém mais fala
Apenas o silêncio propala
O que disseras

Não espalha for favor
Que meu coração te segreda
Pois quando te escuta
Acelera dilacera falha 

Será que te ouço
Ou seria mero encantamento
O entendimento 
Que em meus ouvidos formara

Creio que apaixonara
Se deixar de ouvir-te
Todo discurso será triste

CONSTRUÇÃO


Escava a terra
Planta o alicerce do edifício
Como fosse raiz de árvore bela

Suga a seiva desse rio que reverbera
Por túneis corredores artérias
Do subsolo à cobertura

Oxigena toda essa estrutura
Deixa o sol a noite o tempo
Aventarem por tuas portas e janelas

E depois de tudo pronto
Contempla admira
Irradia o que ergueste

Pois ao final deste teu ciclo
Por ali estar sepulcro
Hás de ser parte dela

CONTRASTES


Esse fio sedoso brilhante cheiroso
Que lhe cai pelo dorso
É o mesmo que se solto
Invade a boca
Engasta na língua
Empala a garganta
Traz ânsia repulsa faz vômito

Imprevisto é o momento
E esse perverso e indômito
Destino de cada coisa 

O mesmo sopro que afaga a flor 
A despetala ou expulsa a mariposa 
Apenas por ser inseto

É todo incerto
Às vezes somos asco 
Às vezes beleza

DA NATUREZA


Sabedor da terra e seus chãos férteis
De húmus afins e estrumes
Nasce a planta de fruta viçosa
A diversidade das cores
Refolha a flor e perfumes

Ciente de que do arenoso solo
O absurdo milagre acontece 
A natureza repleta de olhos e lágrimas
De sorrisos cheiros riachos e chuvas
De bocas e braços e mãos deitadas
Espreguiça transforma desperta acolhe

Dá-me o místico sabor de ser raiz
De alguma árvore inexplicável 
Nalguma cova inda que rasa
Em qualquer canto do quintal do mundo

Se pouco plantei do que alimenta
Deixa clarear daquilo que o mundo me sustenta
A vida regenera pela metamorfose
Pois nada finda se renova encanta

DOS POEMAS DE AMOR


Eu tenho medo dos poemas de amor
São arroubos recolhidos por fantasmas em devaneios
Que afinal traduzem tanta realidade pelos versos
Que terminam perniciosos às verdades dos amantes

Estuporam o sabor dos beijos
Detalham a intensidade dos sonhos no suor das mãos
Reconduzem antes à obviedade os desejos
Insinuam que dentro do efêmero até mora a eternidade

Definitivamente eu não os leio
Apenas transcrevo desarranjos que me assopram
Esses endemoniados anjos

DUALIDADES


Se fogo e mar não se abraçassem nunca
Nunca haveria o divino dom de arder
Jamais a chama do enluarar seria mágico
Em vão seria cada entardecer

Para que manhãs se os dias não viessem
Rodopiando entre certezas e apelos
Afagando sonhos recompondo o corpo
Na insistência do tempo sem percebê-lo

Para que passado se não surgissem histórias
E nem descansada a memoria para novas vindas
Nem a doçura dos imponderáveis amores
Motivos tantos para os reencontros da vida

Para que sentidos se não sentíssemos leveza
E não pudéssemos palpar o coração um do outro
Nem provar das delícias da pureza
De um abraço amigo ou de um sorriso tolo

Quiçá não perdêssemos jamais a nudez da alma
Esta que permeia o verbo e ilumina a fronte
E possibilita alinhavar entre a fartura e a ausência
A branda veste que nos reveste de esperança



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ESPELHO


Sem filtros é mais bonito teu rosto
Tem tons diferentes
Apelos nos olhos
Um brilho nos cílios
E luz transparente que gosto

Olhando de perto parece 
Que os lábios tem cores e gosto
Dos ventos de inverno de agosto
Trocando preces ausentes
Por indulgentes lampejos

Insinua ocultas vontades
Ardentes arpejos velados
Iludindo calmamente quem olha
O desenho atraente da boca
Em contorno de giz de cera

No entorno azul da face
Há sorrisos disfarçados
E tantos barcos velando soltos
Carregados de axiomas
Onde o desejo nasce

De resto tens na nudez do espelho
A nitidez do semblante
E mesmo que negues estar linda
É instintivo que sentes
A certeza em ser perfeita


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INSPIRAÇÃO


Hoje saí procurando vocábulos
Que personificassem um poema
Verbos que devessem movimentos
A sujeitos e adjetivos diversos
Substantivos

Vasculhei longos espaços
E não achei palavras

Eu não sei onde estavam guardados
Mas apareceram derivados
Quando segui os teus passos

JÁ ÉS TÃO QUERIDA!


Mesmo antes de nascer, já és tão querida,
Amada por pessoas que ansiosas te aguardam, 
Recebes a vida destes que te acolhem com amor;
Iluminarás o sol com os sorrisos da infância
Alegrando nossos dias com a doçura da inocência.

Olhos brilhantes acenderão qual estrelas que
Lembrarão mil flores em jardins de primavera,
Irradiando a luz que contagia-nos ao teu redor.
Viveremos por ti, Maria Olívia Maria,
Inspirados no teu jeito meigo e encantador.
Amor puro e verdadeiro é o que trarás ao mundo!
 
        Paulo Sérgio Rosseto
Porto Seguro, Ba, 28/04/2023

LAGOAS


Eu sou esse rio que está
De braços abertos a esperar
Tantas águas que hão de vir
Às minhas águas
Se misturar

Águas límpidas
Águas boas
Vivas águas que hão de vir
Às minhas águas se misturar

Doutros rios e riachos
Córregos fontes nascedouros
E principalmente das lagoas
Destas lagoas felizes
Repletas das íris e matizes 
Da natureza farta que as ilumina

Eu quero que as três lagoas 
Docemente mesclem suas belezas meninas
Enquanto eu rio a me completar

MINHA SOLIDÃO


Minha solidão se prende a cidades diferentes
Que não pertencem a nenhum país
Nem nação nem continente

Minha solidão habita nuvens 
Elevadas pelos ventos
Pintadas do branco em cinzas
Entravadas em julgamentos
Longe da contagem do tempo
Sem linguagem nem religiosidade nem argumentos

Não têm copas suas arvores
Não tem arvores nem há sonhos de subir por entre as folhas
Ir trepado pelos galhos atrás de frutos estranhos
Que dependuram no alto e caem quando maduros
Não tem pássaros repousando nem casas de marimbondos
Não tem formigas nem besouros flutuando pelo escuro

Minha solidão mantém
Portas atentas às esperas
Porem certas de que não vêm

Mas sou eu quem cerca em muros as beiras das minhas nuvens
Sou eu quem as seguro e as retém

Minha solidão é pavão com asas de olhos molhados
E pés sem chão



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PRISMA


Da janela por onde tenho olhado a rua
Talvez não seja a mesma vista sua
Da minha seguem filigranas de poesia
Da sua urge soluções aritméticas enigmas

Eu padeço de equações incontidas e banais
Que tropeço no vão e além da porta
Você se sai dos problemas tão bem
E se os acha ri ou já nem mais se importa

Você e eu tratamos do mundo
Sob contínuas perspectivas

Talvez não saibamos ainda viver com tantos nós
Desencontros rupturas dogmas
Por isso adensamos e nos tornamos mais sós

Mas entendemos que apesar de nossos prismas
O tempo precisa que a vida continue
Intensa em cada um de nós

QUALQUER DIA


Eu viajava nos bancos verdes ímpares, com o nariz colado aos vidros das janelas dos vagões marrons da classe dois da NOB. Via o capim deitar-se na curva íngreme da linha, com o vento das rodas de ferro zoando alto no entremeio da cancela. Eram madrugadas frias e tardes ensolaradas, viagens por onde os sonhos seguiam ou vinham nas bagagens arranjadas. Sempre aguardava por alguém chegando de longe. Sonhava com quem a me esperar na plataforma dos trens que partiam e arremessavam apressados. No compasso dos trilhos no aço o coração se debatia, embalado pelo ritmo da serpente da locomotiva, e na ansiedade a espera se esvanecia. Eram histórias que se entrelaçavam. Em cada estação um encontro imprevisto, onde destinos certamente se cruzariam. Na plataforma, olhares se encontravam em meio ao calor que escapava da máquina, e o tempo suspendia, os segundos paravam. Nos bancos verdes ímpares, eu me perdia nas paisagens que se desdobravam pelas janelas, e na magia que o caminho era capaz de trazer. Via campos vastos e cidades que dormiam, rios serpenteando entre o mato nas matas, e na viagem eu por inteiro corria. Às vezes o sol se punha o céu tingia, e a cantiga do apito ecoava como súplicas que a natureza da gente ouvia. No vai e vem dos trens histórias se escreviam. Eu era apenas um passageiro a contemplar a dança das estações, os destinos que seguiam. Na imensidão dos trilhos eu me encontrava viajando não apenas pelos cerrados, mas no tempo, nas lembranças onde a recordação me embalava. E hoje mesmo distante desse ensejo vivido guardo com carinho cada momento cada instante sentado nos bancos verdes ímpares que me conduziam. Em minhas memórias as viagens são eternas, e a poesia dos trens da NOB continuam a ecoar na alma de viajante que sempre será verdadeira. 

Um último trem virá me apanhar, qualquer dia.

ROTINA


Todo dia recebo cartas
Dessas escritas à mão
Trazidas pelos correios
Entregues pelo carteiro
Em meu secreto endereço
Onde a caligrafia erra o compasso
Entre o grafado e o que o olho
Acha que leio

Dessas tão desenhadas
Que trazem notícias e revelam segredos
Em que a gente narra coragem
Omite os medos
Que traduzem fantasmas
Ansiedades
Paixão
Escritas em papel sem pautas
Bordadas de ternura
Perfumadas

Quem me escreve é a saudade
Mantenho-as guardadas
E guardadas estão

SINGULAR


O amor lapida
Afia o aço da lâmina
Desbasta as arestas
Até que mude
O que resta de rude

Poder-se-ia tanto dizer do amor
Mas que adiantaria

Vive o amor nesse singular disfarce
Age como conseguisse esconder
A própria face
E atreve-se por sobressaltos
Ser o insight da alma
Que afaga cicatrizes

O amor desafia
Faz-nos pacientes aprendizes
Suaviza sem deixar de exigir
Respostas precisas

Amar por inteiro
É nos redescobrirmos
Por nos amar primeiro

A FACE DO AMOR


Pensei ter visto a face do amor
Apenas onde morasse o beneplácito
Gravada nas estampas que gostasse
Onde houvesse a beleza da cor
Nos gestos plenos de felicidade
No apogeu da alegria sem maldades
Em botões e pétalas de rosas abertas
No acolhimento das bênçãos e orações
Na candura e inocência das verdades

Não
O amor mora também detrás do escuro
Debaixo da abrupta tempestade
Brota do absurdo cruel da dor
Reside nas facetas desprezíveis do cotidiano
Onde menos imaginamos há o amor

Na lágrima que cai em silêncio só
No abraço apertado que cura o aflito
No sorriso frágil diante da adversidade
No perdão que transcende vaidades

Revela-se entre os nós e entrelinhas da vida
Nos momentos que parecem fugir da medida
Habita nos gestos simples mais singelos
Nos olhares sinceros e profundos dos elos
Encontra morada no calor do abrigo
Na paciência que acalma conflitos
Na compreensão que brota do compartilhar
Na entrega e comunhão do perdoar

O amor não se limita a estampas perfeitas
Ele se desvela em todas as facetas feitas
Onde menos esperamos

O amor está presente no além do que amamos

AO SOL


Enquanto ela pisa a areia
Carinhoso o sol lhe desenha
Sinuosas marcas ligeiras
Pincelando dourados 
Sobre sua ousada beleza 

No bronzeado corpo a arte que arde
Extravasa e anseia 

Esses traços sutis tatuados
Fazem dela emoldurada tela
Cujo artista à mão livre tinge
Sedutores rastros de pintura a óleo
Vestígios de sedução de aquarela 

É como se ela implorasse ao sol
Que se desenhasse nu em seu corpo
E a tomasse inteira

Entre a linha a sombra e a pele
Amo a leveza da luz arteira

APENAS


Pensas que te escrevo
Imagino que me leias

Na verdade és tu quem me dita
Poemas
Poemas 
E mais poemas!

Acredita
Eu te transcrevo
Apenas

CIO


Beira de rio costuma haver lugar macio
Onde a onda bate suave sem quebrar
Nem machucar o mato que margeia

É como se pedaços de agua pausassem da correria
E se deitassem na margem para descansar

As aguas que batem pelas beiradas
Brotam debaixo da saia das ondas
Que vazam do meio das pernas do rio
E seguem direto do rumo do leito
Do lado esquerdo ou direito das bordas
Sabedoras de jamais voltar

O rio entretanto alonga e alaga nas cheias
Endoidece que até perde o prumo
Quando vaza saltitante na corredeira
Depois novamente amansa o cio
E se transborda é de tanta história
Louco para contar ao mar

Toda essa agua que esguia passeia
Canta cantigas que somente escuta
Quem navega nos rios da vida
E mergulha na sorte de se deixa levar


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EFEMERIDADE


Dia desses era bela flor aquele fruto
Na floração o galho já não se reconhecia
E foi tornando-se adulto com o passar dos dias
Até alçar ao ponto da total maturidade

Era ele igual aos demais: inexorável
Tinha a mesma idade sabor formato
E apesar de único idêntica identidade
Doce

Vieram então os pássaros
Passaram as formigas
Resistiu às tempestades
E ao colheitador 

Como nada perdura
Partiram todos embalados
Aos mercados e bocados
Menos ele o fruto daquela mera flor
Que apodreceu no pé
E despencou estatelado 
Feito jaca madura

EMOÇÕES


Jamais vi minha mãe chorar
Nem de tristeza nem de alegrias
Sabíamos que soluçava escondida
Como se escondendo emoções
Sofrer nos poupasse a vida

Às vezes não queria a noite
Às vezes rezava para o sol não vir
Por vezes desejava que ficássemos
Por outras sonhava ela em partir
Mas os seus olhos miúdos
Pouco dormiam fechados
Por medo de derramarem aguados
Os rios que ali dentro corriam

Ela ensinou-me a remoer calado
Os sentimentos da poesia

Mas os aboios diversos
Que se escancaram em cantorias
Estes são espelhos do meu pai

ESCREVA TAMBÉM NÃO


As palavras esquecidas
Ficariam sentidas se perdessem os sentidos
Esmoreceriam mudas sobre a língua
Não fossem inventadas

Mas não seriam únicas feitas de desinvenção
Tenho outras tantas a dizer a pensar
Algumas para escrever
E uma infinidade delas para silenciar
Todas porem dessignificadas

São teimosas essas palavras que me povoam nulas
Tangentes se armam pelo inconsciente
Transitam pela dimensão do falar
Encorajam o calar nessa luta pelo inatingível

Hoje nada escreverei além destas de ilegível grafia  
As demais permanecerão frias
Mas ditadas

GENUÍNO


Se buscares um poema exato
Não o terás por certo
Mesmo singelo breve suave
Rude ou afável por natureza
Todo poema é feito
Das incertezas
Do afeto

Mas se for para chamar de meu
Que seja este ato
Um apelo tão íntimo e genuíno
Que console tuas expectativas
E transcenda repleto
O imediato

Meu poema te quer
De fato

OLHARES


Ainda que as palavras calem
Os olhares pairam
Os olhos falam
Veem-se insanos
Brilham doces
Acesos anseiam fluem
Param conectados

Ainda que as palavras falem
Os olhares param
Os olhos calam
Veem-se doces
Brilham acesos
Anseiam insanos fluem
Pairam conectados

Ainda que os olhos fechem
Amáveis e temerosos fujam
Nossos olhares enamoram-se
Inevitáveis

PARA EVITAR PARTIR


Construa tua casa
Num lugar de bem saber
Para não precisar muros
Evita cercar escuros
Para nada reluzir

Erga paredes com silêncios
Nas janelas cortinas de mistérios
Para ninguém espiar teus hábitos

Por móveis usa os sonhos
Tecidos com fios de ilusão
Cada cômodo faz um encanto
Assim nada terá pressa em passar
Nem mesmo a sina

Não me ensina o endereço
Tenta morar oculto
Dentro das indizíveis paredes
Encontra a paz que almejar

Caso eu venha descobrir
Não me peça para entrar
Posso me acomodar
Posso não querer sair

RASURAS SOCIAIS


Por onde passamos deixamos sinais
Manias pregadas 
Lacunas
Rasuras moduladas em papéis

Passamos largando pegadas digitais 
Soltas vincadas
Rastos e restos
Vísceras viscerais

A presença incita
Do prolixo ao excesso 
Parece-nos sinistro
Mas acostumamo-nos ao lixo 

Tomba transborda
Tromba nas beiras e bordas
Derrama deteriora mancha
Desmancha-se e não desaparece fácil
Perdura

Depois reclamamos
Que a vida é dura!

REFORMA


O que há com essa roupa
Ao que parece não há mais seda
Que acresça e vista

A cintura não fecha
Na calça a costura tão precisa
Debocha da camisa
Os botões nem adentram a própria casa
A bainha extravasa a conjuntura da perna
Pela manga o braço nem desliza

O que há com essa peça imprecisa
Que mora amarrotada
Pelas beiras da gaveta?

Diz o Então para o Agora:
- A moda que eu saiba
Sublima o tempo que passa
Mas o tempo impalpável deforma
Se não mais lhe serve
Doa que em alguém caiba!

SERENA


Amo essa indefinida cor do teu olhar
Mais que amo os teus cílios morenos
Feitos do amendoado da noite
De inquietude e sossego
Da plenitude da alma
De devaneio e apego
Donde as sensações advêm
Pois tão bem te delineiam 

Se te vejo aficciono
Quando te vais enxergo-te além
Se te percebo que estás desassossego
Se te ausentas adivinho-te
Quando vens endoideço

Nesse exercício de te olhar perco-me
Nada mais sou senão pássaro preso
Ou vela inflada do vento que não tem
Buscado rumo e endereço

E por amar o teu jeito coeso de ser
Do equilíbrio que te preserva serena
Evidencia-me todo o óbvio
Clareia em mim tuas íris
E dá-me de beber dos teus olhos

SINAIS


Achei algumas fotos descoloridas
Em nada diferentes de agora

Os mesmos pensamentos
As mesmas ideias
Os mesmos conceitos
De quando tudo era distante daqui

Apenas o papel meio envelhecido
E as formas de outrora perdidas
Deram sinais em não resistir

Creio ter sido 
As sutilezas da vida

TAMBOREIRO


Eis que inimigos disparam armas e bombas
Para ferir e matar nossos e seus
Outros entretanto batem tambores e ganzás
Para alegrar a vida e entreter-nos

Ora bombas e armas por vezes não ferem
Tanto quanto ressoam os sons dos bumbos
Quando estrondam tiros de emoções
Nos palcos corações dos mundos
Quanto ensandecem e máscaras caem
E os cantos nos impulsos invadem trincheiras
Entoam abrangentes e destroem muros

A música vence as guerras com seus ritmos
Quem se lança e balança e irrequieto dança
Faz nos sons da luta sua exalta valsa
Alcançada por motivos íntimos
Estilhaços que rechaçam ócio
A dor desdita tão torpe logo passa

A martelar tambores é preciso força
Amar para mirar baquetas laminar a pele
Mesmo que fuzis firam as mãos do tamboreiro
Importar-se com quem morra bailando e ouça
Ou então lascivo de contentamento se fira
 
Para apertar gatilhos no entanto
Basta propositalmente se armar de ódio
E extenuar a ira


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TOLICE SEM FIM


Certo dia me disse para mim:
Não faço mais isso
Não sou mais criança

Fui de uma tolice sem fim

Pensei ter crescido
Me tornado sábio e preciso

Eu havia me esquecido
Que estava no princípio
Nos primeiros passos da dança

Ah se eu pudesse voltar ao início!

TRATADO SOBRE A AMIZADE


Por não haver receita
Nem fórmula pronta
Para amizade perfeita
Ser amigo é um perigo

Poderá virar vício
Até parecer permissivo
Tão saboroso estarmos juntos

Às vezes serei remissivo
Transparecerei insano
Imprevisível
Evasivo

- Coisas de humano
Mas amizade é isso

Amigo
Escolherei esses dias claros
E também os dias tristes
Para estar contigo

VAZIOS


Quando a primeira vez vi a luz
Tudo era vazio

O ar se deu no meu peito
Não sei se doeu ou ardia

Sei que gritei furibundo
Como apavoramos todos
Quando chegamos ao mundo

Se nasci ligado a um fio
Sobrevivi preso à poesia

DETALHES


Meu ultimo escrito
Há de brotar de alguma garrafa
Debaixo de uma rolha
Cujo rotulo trará insígnias assim precisas:

Este poema traz cor robusta
Presença aveludada plena e intensa
Seus aromas lembram frutas maduras
Com notas densas que pigmentam ternura
Na boca tem palavras doces
Macias redondas de significados conexos
Combina perfeitamente com sonhos
Sinônimos e detalhes pequenos da vida

Por fim quem sabe
Tomai e embevecei todos vós
Deste meu tempestivo poema

E ao rodapé discreto lembrete:  

A morte nada mais é
Senão vestir o avesso do que nos cabe

DO OUTRO LADO DA CAMA


Achei que houvera saído
Desistido do tempo da calma
Partido sem rumo buscando
Deitar-me do outro lado da cama

Desperto
Hoje é domingo
Vejo você ali dormindo
Não pude te amar mais cedo
Apesar de perto

É como nem houvesse
Ambos teremos tarde
Antes tivemos cedo
Há o auge da hora
Passado e futuro

Tanto faz claro ou escuro
Eu só creio no agora
Já não tenho medo


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EXPECTATIVA


Desconfio que 
Aquele que lê poesia
Mantém contínuos estranhamentos

Seria como envenenar-se todo dia
Com mundos sem muito sentido

Mas não é somente isso

Mais estranho seria 
Quem escreve tais poemas
E se fazer desentendido 
Das realidades da vida

Deste dá pena!

INTEMPESTIVO


O tempo é um pretenso gigante adormecido
Que mal se cabe deitado no universo
Vagueia dormitando entre as galáxias
Agarrado às caudas das estrelas
E se desperta sai pisando nos astros distraído
Equilibrando firmar-se entre as esferas

Esse mistério fantasmagórico retraído
Gosta mesmo é deste mundo nosso
Vocifera pelo firmamento intempestivo
Depois vem rolar conosco pela terra

Jocoso moleque
Não distingue quem acerta de quem erra

LAMENTO


Desaprendi partir

Vou permanecendo
Sabendo que a qualquer hora
Deve ruir

Quanto de solidão há em mim

Se o corpo sente o desconforto
A alma chora

Lamento

Embora precise sair
Não ouso ir embora

Mas se soubesse como te encontrar
Sairia agora

O GUARDIÃO


Eu fui guardião de um rei
Que eu mesmo inventei antes de crescer
E enquanto eu crescia meu monarca partia
Ampliando seu reino pela cercania

Conquistou outras terras
Ganhou tantas guerras
Domou bestas feras
Que as façanhas repercutiam
Repercutiam
Repercutiam

Foi então que me apaixonei
E todo o reino se enfraquecia e desfez
Pois enquanto ardia em paixão
Meu soberano fingia me desconhecer
Mas era eu quem não me conhecia

Somente quando a ilusão se ia
Voltava eu a ser escudeiro protetor
Das cidadelas que havia dentro do meu ser

Enfim eu nunca sabia se sofria ou não sofria
Por tanto amar o que não sei se amei

E se até ontem eu não sabia
Ainda hoje não mais saberia
Por onde andará meu rei

PASSARÃO


As aguas por debaixo e sobre as pontes
As imagens refletidas nos espelhos
Os anos como se não fossem vividos antes
E não ousássemos nos imaginado mais velhos
Perdidos nas inconstâncias das vaidades

Todas as tristezas e alegrias
Além das delícias das idades
Passarão por aqueles que prometem
Amar eternamente

De tudo o que passamos e passaremos
Hão de permanecerem somente
Algumas partes

RÉQUIEM


Meu último poema
Há de morar numa adega
Debaixo de alguma rolha
Cujo rótulo trará insígnias assim precisas:

Estes versos
Tem cor robusta e presença
De aveludada plenitude
Seus aromas lembram frutas maduras
Com notas intensas de pimentas
Na boca palavras doces
Macias redondas 
De significados perfeitos
Combinam perfeitamente com sonhos
Sinônimos e detalhes pequenos

Tomai e embevecei todos vós
Desta intempestiva poesia
Frutos da vinha minha

TODO TEMPO


Assim quando escurece
É porque seu guardião juntando os dedos
Repousa o sol em suas mãos
E após algumas horas
Vai soltando as garras
E o lança de novo ao espaço
Para iluminar o firmamento

Se as tardes nos privam a luz intensa
As noites fazem parir auroras

Assim eu vou contando o tempo
Até me ir embora

ASSINTONIA


Ele mastigava as vozes que ouvia
E o que diziam engolia
Sem sequer sujar os dentes

Saciava-se das lavaredas dispersas
Ao fiar credibilidades
Gritos burburinhos e silêncios

Até que tudo se dispersara
E prevalecessem senão verdades
Ainda que não absolutas

Agora nada mais escuta
Muito menos fala
Nem se assusta