Raimundo Candido

BODEGA


Às vezes, no rústico balcão

de velha tábua enegrecida

o tempo parava...

Às vezes, o vento passava

e o papel de embrulho acenava

convidando o cliente

a absorver o aroma

pungente de couro curtido

que se irradiava no ar...

Só a velha balança parada

com os pratos vazios

ponderava o que havia

de sabor no denso langor

de algo invisível a indicar

que a tarde se dissipava

pesarosa a chorar...

E quando vinha freguês

antonio, maria ou joão

de caderneta na mão

fiava o açúcar, a farinha,

num embrulho feito com arte

com dedos magros da mão

de um bodegueiro artesão!

FANTASMAS


Examino meus fantasmas:

Mozart, Chopin, Beethoven,

não que entendam de musica,

mas sim; dum temor melodioso.

Eles também me reparam

e diuturnamente medem

palmo a palmo meus anseios

e sobressaltos inconscientes

que correm em minhas veias

como um aluvião inesgotável.

Os fantasmas do meu armário

me encaravam todas as noites,

orquestralmente, sem receios;

e em seguida desaparecem!

DESERTO


Não há noites frias

Ou dias quentes em frente

As evidências de meu deserto

Nem bonança de Oasis

Ou secura estorricante

Há um suplicante grito

Por uma não existência

Por uma insignificância

Por ser coisa alguma ou

Tudo ser nesta amplidão

Absoluta e só minha

Nenhum deserto ao lado

Que errante me acompanha

Atrai-me tanto quanto

Um ofuscar um obscurecer

Por dissipação por irrisório

Volúvel e risível

No desejo de ser ninguém

Não sei o momento exato

Que me desertifiquei

Sei que minha solidão

O extravasa nesta travessia

Em que entre dias de sol

Há um luar para amenizar

DEIXEM O AMOR ENTERRADO!


Não ressuscite o amor

que um dia foi vida,

deixe-o lá: enterrado!

Quando se exuma

algo tão forte

que um dia morreu

ele reflorirá

desbotado

numa flor dorida

na magoada

relva cinzenta

do tempo passado!

E PETER PAN SE FOI


Quando os heróis habitavam

meu demorado e brando peito,

sorvia a desejada felicidade

como um brinquedo qualquer.

Os Peter Pans moleques

me davam coragem.

Um dia, um súbito flash

obscureceu meu mundo

e todos os guerreiros se foram.

O robusto peito cingiu

como a um moinho.

Agora, surrado, inclino-me

ao sombrio momento

da ausência de ilusões,

sem as galhofas heróicas

que alegravam meus dias.

Discretamente vou sumindo

se o perigo vem chegando

com seu carrossel de fogo

e ninguém me socorre

deste sobressalto terrível

que se apodera de mim.