Casimiro de Abreu

Casimiro de Abreu
Casimiro José Marques de Abreu foi um poeta brasileiro da segunda geração romantismo. Filho do fazendeiro português José Joaquim Marques de Abreu e de Luísa Joaquina das Neves, uma fazendeira de Silva Jardim, viúva do primeiro casamento.
Romantismo
Nasceu a 04 Janeiro 1839 (Barra de São João, Rio de Janeiro, Brasil)
Morreu em 18 Outubro 1860 (Nova Friburgo, Rio de Janeiro, Brasil)
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Amor e Medo

I

Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh! bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
"— Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco...
És bela — eu moço; tens amor — eu medo!...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,
Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores,
A luz da aurora me entumece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.

E' que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

(...)

II

Ai! se eu te visse no calor da sesta,
A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas!...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,
Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos — palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,
Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho...
Vermelha a boca, soluçando um beijo!...

Diz: — que seria da pureza d'anjo,
Das vestes alvas, do candor das asas?
— Tu te queimaras, a pisar descalça,
— Criança louca, — sobre um chão de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!
Ébrio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos
Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delírio,
— Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: — qu'é da minha c'roa?...
Eu te diria: — desfolhou-a o vento!...

Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...

Outubro, 1858

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Publicado no livro As primaveras (1859). Poema integrante da série Livro II.

In: GRANDES poetas românticos do Brasil. Pref. e notas biogr. Antônio Soares Amora. Introd. Frederico José da Silva Ramos. São Paulo: LEP, 1959. v.