Mário de Sá-Carneiro

Mário de Sá-Carneiro
Mário de Sá-Carneiro foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.
Orfismo
Nasceu a 19 Maio 1890 (Lisboa)
Morreu em 26 Abril 1916 (Paris, França)
Comentários
Gostos

Serradura

Serradura

A minha vida sentou-se

E não há quem a levante ,

Que desde o Poente ao Levante

A minha vida fartou-se.

E ei-la,a mona ,lá está,

Estendida ,a perna traçada ,

No infindável sofá

Da minha Alma estofada .

Pois é assim:a minha Alma

Outrora a sonhar de Rússias,

Espapaçou-se de calma,

E hoje sonha só pelúcias.

Vai aos Cafés,pede um bock,

Lê o "Matin" de castigo ,

E não há nenhum remoque

Que a regresse ao Oiro antigo!

Dentro de mim é um fardo

Que não pesa ,mas que maça:

O zumbido dum moscardo,

Ou comichão que não passa.

Folhetim da "Capital"

Pelo o nosso Júlio Dantas -

Ou qualquer coisa entre tantas

Duma antipatia igual …

O raio já bebe vinho,

Coisa que nunca fazia,

E fuma o seu cigarrinho

Em plena burocracia!…

Qualquer dia ,pela certa ,

Quando eu mal me precate,

É capaz dum disparate ,

Se encontra uma porta aberta…

Isto assim não pode ser…

Mas como achar um remédio?

-P´ra acabar este intermédio

Lembrei-me de endoidecer:

O que era fácil -partindo

Os móveis do meu hotel,

Ou para a rua saindo

De barrete de papel

A gritar "Viva a Alemanha"…

Mas a minha Alma,em verdade,

Não merece tal façanha,

Tal prova de lealdade.

Vou deixá-la-decidido-

No lavabo dum Café,

Como um anel esquecido.

É um final mais raffiné.