Jorge Luis Borges

Jorge Luis Borges
Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986 foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino.
Nasceu a 24 Agosto 1899 (Buenos Aires, Argentina)
Morreu em 14 Junho 1986 (Genebra, Suíça)
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In memoriam A. R.

O vago acaso ou as precisas leis
Que regem este sonho, o universo,
Permitiram-me compartir um terso
Trecho do curso com Alfonso Reyes.

Soube bem essa arte que nenhum
Outro abarcou, nem Simbad nem
Ulisses, Que é passar de um a outros países
E estar inteiramente em cada um.

Se a memória lhe cravou sua flecha
Alguma vez, lavrou com o violento
Metal da arma o numeroso e lento
Alexandrino ou a aflita endecha.

Nos trabalhos o assistiu a humana
Esperança e foi lume de sua vida
Dar com o verso que não mais se olvida
E renovar a prosa castelhana.

Além do Mio Cid de passo tardo
E dessa grei que quer ser obscura,
Rastreava a fugaz literatura
Até os arrabaldes do lunfardo.

Entre os jardins, os cinco, de Marini
Demorou-se, mas algo nele havia
Imortal e essencial que preferia
O árduo estudo e o dever divino.

A bem dizer, preferiu os jardins
Para a meditação, onde Porfírio
Erigiu ante as sombras e o delírio
A Arvore do Princípio e dos Fins.

Reyes, a indecifrável providência
Que administra o pródigo e o parco
Deu-nos, a alguns, o setor ou o arco,
Mas a ti a total circunferência.

O ditoso buscavas ou o triste
Que ocultam frontispícios e renomes;
Como o Deus de Erígena, preferiste
Ser ninguém para ser todos os homens.

Vastos e delicados esplendores
Teu estilo alcançou, precisa rosa,
E às guerras de Deus tornou gozosa
A veia militar de antecessores.

Onde anda o mexicano? (É minha questão.)
Contemplará, com o horror de Édipo
Ante a estranha Esfinge, o Arquétipo
Impassível do Rosto ou da Mão?

Ou errará, como Swedenborg queria,
Por um orbe mais vívido e complexo
Que o terreno, que é apenas reflexo
Daquela alta e celeste algaravia?

Se (como esses impérios da laca
E do ébano ensinam) a memória
Lavra seu íntimo Éden, já há na glória
Outro México e outro Cuernavaca.

Conhece Deus as cores que a sorte
Propõe ao homem para além do dia;
Por estas ruas ando. Todavia
Sei muito pouco a respeito da morte.

Só uma coisa sei. Que Alfonso Reyes
(Onde quer que o mar o tenha lançado)
Vai se aplicar feliz e desvelado
Ao outro enigma e às outras leis.

Ao ímpar tributemos, ao diverso
O clamor e os aplausos da vitória;
Não profane minha lágrima este verso
Que nosso amor inscreve em sua memória.


"El Hacedor", 1960



Jorge Luis Borges | "Poesia Completa", págs. 133, 134 e 135 | Debolsillo, 3ª. edição, 2016