Meu único país é sempre onde estou bem é onde pago o bem com sofrimento é onde num momento tudo tenho O meu país agora são os mesmos campos verdes que no outono vi tristes e desolados e onde nem me pedem passaporte pois neles nasci e morro a cada instante que a paz não é palavra para mim O malmequer a erva o pessegueiro em flor asseguram o mínimo de dor indispensável a quem na felicidade que tivesse veria uma reforma e um insulto A vida recomeça e o sol brilha a tudo isto chamam primavera mas nada disto cabe numa só palavra abstrata quando tudo é tão concreto e vário O meu país são todos os amigos que conquisto e que perco a cada instante Os meus amigos são os mais recentes os dos demais países os que mal conheço e tenho de abandonar porque me vou embora pois eu nunca estou bem aonde estou nem mesmo estou sequer aonde estou Eu não sou muito grande nasci numa aldeia mas o país que tinha já de si pequeno fizeram-no pequeno para mim os donos das pessoas e das terras os vendilhões das almas no templo do mundo Sou donde estou e só sou português por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez
"Transporte no Tempo" (1973)
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 2, págs. 30 e 31 | Editorial Presença Lda., 1981