No meu país não acontece nada à terra vai-se pela estrada em frente Novembro é quanta cor o céu consente às casas com que o frio abre a praça
Dezembro vibra vidros brande as folhas a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal que o mais zeloso varredor municipal Mas que fazer de toda esta cor azul
Que cobre os campos neste meu país do sul? A gente é previdente cala-se e mais nada A boca é pra comer e pra trazer fechada o único caminho é direito ao sol
No meu país não acontece nada o corpo curva ao peso de uma alma que não sente Todos temos janela para o mar voltada o fisco vela e a palavra era para toda a gente
E juntam-se na casa portuguesa a saudade e o transístor sob o céu azul A indústria prospera e fazem-se ao abrigo da velha lei mental pastilhas de mentol
Morre-se a ocidente como o sol à tarde Cai a sirene sob o sol a pino Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?
Há neste mundo seres para quem a vida não contém contentamento E a nação faz um apelo à mãe, atenta a gravidade do momento
O meu país é o que o mar não quer é o pescador cuspido à praia à luz pois a areia cresceu e a gente em vão requer curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia
A minha terra é uma grande estrada que põe a pedra entre o homem e a mulher O homem vende a vida e verga sob a enxada O meu país é o que o mar não quer
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, págs. 110 e 111 | Editorial Presença Lda., 1984