Eu sei diversas coisas saber é afinal a minha única ocupação Sei pouco de manhãs mas talvez possam dizer de mim que amei o mar e cada árvore que me viu passar e insistir na vida como uma canção em voga Quem mais que eu quem foi esqueceu? Estamos mal feitos pronto Para quê a doçura no olhar de uma mulher certos dias? O morno calor do sol rasante pelas tardes de setembro na senhora da guia senti-lo em abril numa sala voltada ao poente de súbito sabendo de todos os papéis ou outra eternidade que não essa Talvez ouvir egmont sentindo-me importante de repente ou então conversar sobre o poeta à beira da água chegar a mangualde ao pôr-do-sol ou a duas igrejas na semana santa ouvir os sinos na matriz vizinha cheirar madeira nova nas gavetas fechar a porta sobre todos os cuidados cantar a triunfante juventude não mais andar perdido de ano em ano não mais a morte questão para ociosos à tarde no café dos reformados Oh quem me dera ser católico ou pelo menos morar alguma vez em lisboa ou nos arredores de lisboa Não há remédio nenhum esqueci-me de tanta coisa Sei que isto não é grande coisa mas nenhuma outra coisa me é dada o que é preciso é que não doa muito Depois que me escondam na terra como uma vergonha
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, págs. 176 e 177 | Editorial Presença Lda., 1984