António Ramos Rosa

António Ramos Rosa
António Victor Ramos Rosa, foi um poeta, português, tradutor e desenhador. Ramos Rosa estudou em Faro, não tendo acabado o ensino secundário por questões de saúde.
APE PEN Clube Pessoa
Nasceu a 17 Outubro 1924 (Faro)
Morreu em 23 Setembro 2013 (Lisboa)
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O Nascimento do Poema

O poema que surge
da vontade de ser
o ar sobre o fogo
a silenciosa casa

É ar novo nos olhos
é o espaço do dia
Tu ouves: não existe
Tu queres e continua

Nada é que tu oiças
Nem está lá dentro
Uma folha tão nova
tão verde imaginas

Nada é que esperes
e anseias que seja
porque queres viver
o sol que desejas
*
O sol é tão longe
e é toda a tua vida
o sol que tu negas
a terra inteira

E tu já foste
tua mão perdeu-se
ele intacto vive
*
Ele existe mas como
como o alcançar e ver
como ser a clareira
dardo e espiga viva

Tão alto e inteiro se eleva
tão só e pleno e próximo
Como um muro de fé
alheio à tua vida?
*
De nada apenas surge
e que avenidas rasga
que dia se desenha?
tudo é intacto e nu

Navio que a tua mão
conduz circularmente
é ele que te conduz
a si mesmo
*
Espero que ele me invente
onde e aqui eu estou
de novo a respirar
a folha imaginada

exacta e verde e viva

Esta aventura vale?
Não podes desistir
dizer que nada vale
se o nada mesmo enfrentas

Esse nada que ele é
se tu mesmo não forças
se tu mesmo não queres
ser nada para ele
*
Nada nada eu quero
para ele surgir
dele mesmo em mim
tão evidente e nu

como tudo o que vejo
*
Escrevo para ouvi-lo
e vê-lo desenhar-se
justificar-se abrir-se
como eu próprio sou

só onde ele se ergue

Não acredito nele
antes de surgir
Nunca sei que vai ser
nem quando é se é

nunca sei ele sabe
e eu só sei quando inteiro
ele passou antes de mim
*
Esse rosto exacto
que incompleto vive
essa certeza nova
nos próprios passos viva

essa esperança louca
que de si mesma vive
e a sombra que tu és
feliz porque tu brilhas

onde ele mesmo é
*
Irás onde ele te espera
Serás o que ele diz
Sabes a sua força
E tremes de alegria

Quem sabe alguma vez
de tanto o procurares
verás que nada és
senão a voz que passa
*
Sem ele nada vale
e não suportas ser
a repetida igual
e contínua passagem

Por ele nada é certo
a não ser ele mesmo
no momento em que surge
negando-te inteiro
*
Por isso desesperas
tão diferente é
do dia que tu vives
e tão súbito igual
a tudo o que vais sendo

e em que brilha ao passar
*
Quiseste que ele fosse
Desejaste-o evidente
Ele aí está tremendo
na sua audácia nova

de ser tão ser em si

a verde folha viva
que tu vês e respiras