Na treva que se fez em torno a mim Eu vi a carne. Eu senti a carne que me afogava o peito E me trazia à boca o beijo maldito.
Eu gritei.
De horror eu gritei que a perdição me possuía a alma E ninguém me atendeu.
Eu me debati em ânsias impuras A treva ficou rubra em torno a mim E eu caí!
As horas longas passaram.
O pavor da morte me possuiu.
No vazio interior ouvi gritos lúgubres Mas a boca beijada não respondeu aos gritos.
Tudo quedou na prostração.
O movimento da treva cessou ante mim.
A carne fugiu Desapareceu devagar, sombria, indistinta Mas na boca ficou o beijo morto.
A carne desapareceu na treva
E eu senti que desaparecia na dor Que eu tinha a dor em mim como tivera a carne Na violência da posse.
Olhos que olharam a carne Por que chorais? Chorais talvez a carne que foi Ou chorais a carne que jamais voltará? Lábios que beijaram a carne Por que tremeis? Não vos bastou o afago de outros lábios Tremeis pelo prazer que eles trouxeram Ou tremeis no balbucio da oração? Carne que possui a carne Onde o frio? Lá fora a noite é quente e o vento é tépido Gritam luxúria nesse vento Onde o frio?
Pela noite quente eu caminhei... Caminhei sem rumo, para o ruído longínquo Que eu ouvia, do mar. Caminhei talvez para a carne Que vira fugir de mim.
No desespero das árvores paradas busquei consoloção E no silêncio das folhas que caíam senti o ódio Nos ruídos do mar ouvi o grito de revolta E de pavor fugi.
Nada mais existe para mim Só talvez tu, Senhor. Mas eu sinto em mim o aniquilamento...
Dá-me apenas a aurora, Senhor Já que eu não poderei jamais ver a luz do dia.