Oh jovens anjos cativos Que as asas vos machucais Nos armários dos arquivos! Delicadas funcionárias Designadas por padrões Prisioneiras honorárias Da mais fria das prisões É triste ver-vos, suaves Entre monstros impassíveis Trancadas a sete chaves: Oh, puras e imarcescíveis! Dizer que vós, bem-amadas Conservai-vos impolutas Mesmo fazendo a juntada De processos e minutas! Não se amargam vossas bocas De índices e prefixos Nem lembram os olhos das loucas V ossos doces olhos fixos. Curvai-vos para colossos Hollerith, de aço hostil Como se fora ante moços Numa pavana gentil. Antes não classificásseis Os maços pelos assuntos Criando a luta de classes Num mundo de anseios juntos! Enfermeiras de ambições Conheceis, mudas, a nu O lixo das promoções E das exonerações A bem do serviço público. Ó Florences Nightingale De arquivos horizontais: Com que zelo alimentais Esses eunucos letais Que se abrem com chave yale! V ossa linda juventude Clama de vós, bem-amadas! No entanto, viveis cercadas De coisas padronizadas Sem sexo e sem saúde... Ah, ver-nos em primavera Sobre papéis de ocasião Na melancólica espera De uma eterna certidão! Ah, saber que em vós existe O amor, a ternura, a prece E saber que isso fenece Num arquivo feio e triste! Deixai-me carpir, crianças A vossa imensa desdita Prendestes as esperanças Numa gaiola maldita. Do fundo do meu silêncio Eu vos incito a lutardes Contra o Prefixo que vence Os anjos acorrentados E ir passear pelas tardes De braço com os namorados.