Eram duas menininhas Filhas de boa família: Uma chamada Marina A outra chamada Marília. Os dezoito da primeira Eram brejeiros e finos Os vinte da irmã cabiam Numa mulher pequenina. Sem terem nada de feias Não chegavam a ser bonitas Mas eram meninas-moças De pele fresca e macia. O nome ilustre que tinham De um pai desaparecido Nelas deixara a evidência De tempos mais bem vividos. A mãe pertencia à classe Das largadas de marido Seus oito lustros de vida Davam a impressão de mais cinco. Sofria muito de asma E da desgraça das filhas Que, posto boas meninas Eram tão desprotegidas E por total abandono Davam mais do que galinhas.
Casa de porta e janela Era a sua moradia E dentro da casa aquela Mãe pobre e melancolia. Quando à noite as menininhas Se aprontavam pra sair A loba materna uivava Suas torpes profecias. De fato deve ser triste Ter duas filhas assim Que nada tendo a ofertar Em troca de uma saída Dão tudo o que têm aos homens: A mão, o sexo, o ouvido E até mesmo, quando instadas Outras flores do organismo.
Foi assim que se espalhou A fama das menininhas Através do que esse disse E do que aquele diria. Quando a um grupo de rapazes A noite não era madrinha E a caça de mulher grátis Resultava-lhes maninha Um deles qualquer lembrava De Marília e de Marina E um telefone soava De um constante toque cínico No útero de uma mãe E suas duas filhinhas. Oh, vida torva e mesquinha A de Marília e Marina Vida de porta e janela Sem amor e sem comida Vida de arroz requentado E média com pão dormido Vida de sola furada E cotovelo puído Com seios moços no corpo E na mente sonhos idos!
Marília perdera o seu Nos dedos de um caixeirinho Que o que dava em coca-cola Cobrava em rude carinho. Com quatorze apenas feitos Marina não era mais virgem Abrira os prados do ventre A um treinador pervertido. Embora as lutas do sexo Não deixem marcas visíveis Tirante as flores lilases Do sadismo e da sevícia Às vezes deixam no amplexo Uma grande náusea íntima E transformam o que é de gosto Num desgosto incoercível.
E era esse bem o caso De Marina e de Marília Quando sozinhas em casa Não tinham com quem sair. Ficavam olhando paradas As paredes carcomidas Mascando bolas de chicles Bebendo água de moringa. Que abismos de desconsolo Ante seus olhos se abriam Ao ouvirem a asma materna Silvar no quarto vizinho! Os monstros da solidão Uivavam no seu vazio E elas então se abraçavam Se beijavam e se mordiam Imitando coisas vistas Coisas vistas e vividas Enchendo as frondes da noite De pipilares tardios. Ah, se o sêmem de um minuto Fecundasse as menininhas E nelas crescessem ventres Mais do que a tristeza íntima! Talvez de novo o mistério Morasse em seus olhos findos E nos seus lábios inconhos Enflorescessem sorrisos. Talvez a face dos homens Se fizesse, de maligna Na doce máscara pensa Do seu sonho de meninas!
Mas tal não fosse o destino De Marília e de Marina. Um dia, que a noite trouxe Coberto de cinzas frias Como sempre acontecia Quando achavam-se sozinhas No velho sofá da sala Brincaram-se as menininhas. Depois se olharam nos olhos Nos seus pobres olhos findos Marina apagou a luz Deram-se as mãos, foram indo Pela rua transversal Cheia de negros baldios. Às vezes pela calçada Brincavam de amarelinha Como faziam no tempo Da casa dos tempos idos. Diante do cemitério Já nada mais se diziam. Vinha um bonde a nove-pontos... Marina puxou Marília E diante do semovente Crescendo em luzes aflitas Num desesperado abraço Postaram-se as menininhas.
Foi só um grito e o ruído Da freada sobre os trilhos E por toda parte o sangue De Marília e de Marina.