Em uma rua de Santiago
tem vivido um homem desnudo
por tantos longos anos, sim,
sem calçar-se, não, sem vestir-se
e com chapéu, no entretanto.
Sem mais roupagem que seus pêlos
este varão filosofante
mostrou-se no balcão às vezes
e viu-o a cidadania
como um nudista solitário
inimigo das camisas,
da calça e da casaca.
Assim passavam as modas,
desapareciam os coletes
e voltavam certas lapelas,
certas bengalas em desuso:
tudo era ressurreição
e eram enterros na roupa,
tudo, menos aquele mortal
tão nu quanto veio ao mundo,
desdenhoso como os deuses
dedicados à ginástica.
(Os testemunhos e as testemunhas
do habitante singular
dão detalhes que me estremecem
ao mostrar a transformação
do homem e sua fisiologia.)
Depois daquela nudez
com quarenta anos de nu
da cabeça até os pés
se cobriu com escamas negras
e os cabelos lhe cobriram
de tal maneira os olhos
que nunca mais pôde ler,
nem do dia os jornais.
Assim ficou seu pensamento
fixo em um ponto do passado
como o antigo editorial
de um jornal desaparecido.
(Curioso caso o daquele varão
que morreu quando perseguia
seu canário no terraço.)
Fica provado nesta história
que a boa fé não resiste
às investidas do inverno.