Herberto Helder

Herberto Helder

Herberto Helder de Oliveira foi um poeta português, considerado por alguns o 'maior poeta português da segunda metade do século XX' e um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa.

1930-11-23 Funchal
2015-03-23 Cascais
246143
12
152

Texto 5

“Uma devassidão aracnídea” se se quiser
põe aqui uma descontente atenção e é quanto basta “aqui”
o único problema é encontrar essa se possível dizer
como que “clareira obscura” aqui onde existem “áscuas de ouro”
o silêncio ex.: “não se precisa sair do silêncio”
por favor eu quero dizer que “é preciso entrar nele”
no silêncio das clareiras obscuras das áscuas de ouro
ficar como um cavalo no campo
e não decerto por acaso falo de um cavalo no campo
uma coisa completamente viva e completamente distante
“que está”
notável que se estabeleça um cerco de cabeças com apenas
“um toque de lume” veja-se uma expressão
tudo a fazer força de dentro no escuro um só “lampejo”
tudo para fora uma víscera brilhando “para ver”
uma tensão
“como se comessem bananas”
os intestinos a arderem pelo poder dos alimentos
coisa sibilina essa afinal sempre a mesma
o toque áspero na raiz dos cabelos “eles eriçam-se”
o medo de saber alguma coisa quando se vê o campo
o cavalo tudo vivo e longínquo
“trouxeram fotografias onde estava o silêncio
ainda todo molhado e atravessaram-no
parando aqui escrutando”
o gosto era já algo tão puro como uma vocação
há “aí” uma bruta elegância uma coisa fugitivamente louca
“uma devassidão” que é como uma referência às “palavras”
mas tinham medo de dormir o sono traz
uma gentileza perigosa e também porque “no sono se revela o rosto"
bem sei forçoso é colocar os dedos lá no fundo
“queima” dizem e “pois é verdade que queima”
ora não havia de queimar “que pensam eles?”
é o silêncio
ainda têm uma certa leviandade porque examinam tudo
como se se destinasse a “uma paisagem interrompida pelo frio”
em termos despropositados “uma pontuação coerente”
precisava-se de “um pintor de cavalos”
um homem que abandonasse a família apenas
para ser um obscuríssimo “pintor de cavalos”
uma criatura viva de dedos vivos longínqua de coração longínquo
nada menos que um selvagem que viu “monstros dourados”
e a si mesmo dissesse “entrega-te ao que melhor te pode esquecer”
ou “dez dedos ainda assim é extenso para quem tem uma vida”
animais blocos de ouro uma energia inexplicável
toda a luz sugeria nele uma pulsação nocturna
uma leveza indomável uma leveza
ele entrava na posse de uma “visão” uma herança de ritmos
então poderia destruir tudo numa “devassidão aracnídea”
o perto e o longe “o cavalo no campo” ele “o bárbaro”
apenas um pintor de cavalos “o impossível”
41
0


Prémios e Movimentos

PEN Clube 1983Pessoa 1994

Quem Gosta

Quem Gosta

Seguidores