MEMÓRIAS
Sã Paulo, 7 de maio de 1980
Querido Rodrigo,
A viagem foi bem. Um pouco cansativa, mas bem.
Essa primeira semana foi empolgante. Após tantos anos, mudei a rotina. Nem acredito que passei tanto tempo de minha vida fazendo a mesma coisa.
Você foi um amor em me mandar para cá.
Embora sinta saudade de todos, estou muito bem aqui.
Minha rotina ainda não está definida. Estou um pouco perdida, mas espero logo me acostumar.
A única coisa que me incomoda é a falta do meu filho. Diga-lhe que o amo muito e logo irei revê-lo.
Mando-lhe um abraço e agradeço mais uma vez.
Carinhosamente,
Luísa
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São Paulo, 10 de abril de 1981.
Querido Rodrigo,
Faz quase um ano que aqui estou e sinto falta de você.
À noite, quando a insônia vem, fico me lembrando de quando o conheci. Você veio se sentar à minha mesa e deixou meu ex-noivo exasperado! Queria tanto conversar mais com você naquele momento! Mas, enfim, tive que partir.
No dia seguinte você me ligou e saimos: fomos ver borboletas. Deixei o Roberto imediatamente!
Éramos tão felizes!
Lembra-se do nosso primeiro beijo? Eu estava morrendo de medo. Foi tão engraçado!
Um ano depois estávamos casados e dois anos após nascia nosso filho. Ele era tão lindo! Parecia tanto você!
À propósito, como ele está? Sinto sua falta.
Você foi muito generoso em me mandar para cá. Sei que precisava descansar e eu ando tão esquecida!
Cuide bem do nosso garoto
Carinhosamente,
Luísa
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São Paulo, 28 de junho de 1981.
Querido Rodrigo,
A rotina está cada vez mais difícil e vazia. Faz mais de um ano que estou aqui e ainda sonho com você. Quando você e nosso menino virão me visitar?
É difícil conter as lágrimas enquanto escrevo. Ando tão esquecida ultimamente! Cuidam de mim, mas ninguém me responde quando peço para te chamarem.
Espero que também sinta saudade e que esteja cuidando do nosso anjinho.
Carinhosamente,
Luísa
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São Paulo, 12 de agosto de 1981.
Querido Rodrigo,
Que falta você me faz!
Não vejo a hora de encontrá-lo.
Semana que vem será dia de visitas e, finalmente, vou te encontrar.
Estou ansiosa. Tão ansiosa como aquelas tardes em que corríamos até o riacho para molharmos os pés e falarmos sobre banalidades. Ah, meu querido!
Até lá.
Carinhosamente,
Luísa
PS: diga ao nosso filho que o amo.
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Aquele dia ela acordou cedo, tomou banho e se perfumou. Olhou no espelho e arrumou seus cabelos grisalhos tentando aparentar mais jovem. Vestiu-se. Estava usando seu melhor vestido. Calçou seus sapatinhos de crochê e juntou-se ao grupo, enquanto assoviava uma canção de Carlos Galhardo: "Eu sonhei que tu estavas tão linda..." Então, sentou-se para esperar.
O dia estava começando e, aos poucos, o pátio ficou cheio de visitas.
Ela estava lá, quieta e pensativa. Onde estaria ele? Por que o atraso? E seu filho?
A tarde já chegava e ela ainda estava lá, parada, observando as crianças brincarem. Como lhe traziam lembranças do filho!
Já estava escurecendo quando as pessoas começaram a se retirar. Ia fazer frio aquela noite. Estavam no outono.
A noite já estava alta quando uma enfermeira se aproximou daquela pobre e mirrada senhora:
"Vamos entrar, dona Luísa? Está muito frio aqui fora!"
Foi quando ela tirou de dentro do bolso do vestido as cartas que nunca foram enviadas e, entre elas, uma foto em branco e preto de uma jovem bonita, grávida, sorridente, ao lado de um rapaz.
Ficou olhando e lembrando de um tempo de imensa felicidade. Rodrigo era o marido que toda mulher deveria ter. Estavam tão felizes e apaixonados.
Um enfermeiro se aproximou:
"Está na hora de dormir."
Então ela foi, tristonha e quieta, deitar-se.
Do corredor vazio e comprido, ouvia-se conversa entre funcionários:
"Dona Luísa espera o marido e o filho todos anos. É triste. Ambos morreram em um acidente de carro."
"Nossa!"
Nisso, outro paciente chamou por elas. Então voltaaram à rotina e mais um dia se passou sem anormalidades naquela casa de repouso.
ANO: 1999