Luis Gama nasceu em Salvador, Bahia, em 1830. Era filho de um fidalgo português e daquela que, um dia escrava, veio a se tornar uma das grandes líderes políticas e revolucionárias brasileiras no século XIX –Luísa Mahin – a qual, sequestrada na África da tribo Mahin, nação islâmica Jeje-Nagô, esteve envolvida na articulação de revoltas e tentativas de revolução como a Revolta dos Malês (1835) e a Sabinada (1837-1838).
Luis Gama foi vendido pelo pai para pagar uma dívida de jogo. Na fazenda do alferes que o comprara, Antonio Pereira Cardoso, aprendeu a ler e escrever antes de fugir para São Paulo, onde passou a frequentar o curso de Direito como ouvinte e fundou, em 1864, o jornalDiabo Coxo. Em 1869, fundou com Rui Barbosa o jornalRadical Paulistano, no qual difundiu os ideais que levariam, finalmente, tanto à Abolição (oficial) da escravidão no Brasil como à proclamação da República, cofundando ainda, em 1873, o Partido Republicano Paulista. Colaborou ativamente na resistência contra o racismo e a escravidão, na organização de fugas e ajuda financeira a companheiros negros, assim como na defesa, em tribunais, de centenas de escravos foragidos. Liderou a Mocidade Abolicionista e Republicana. Luís Gama morreu em São Paulo em 1882.
Tal qual foi o caso dos melhores autores brasileiros do século XIX, como Sapateiro Silva e o próprio Sousândrade de "O Inferno de Wall Street"; sem mencionar a escrita além-gêneros de Qorpo-Santo; a prosa genial de Machado de Assis e Raul Pompeia ou o Cruz e Sousa de "Litania dos pobres" (estes fundadores da Modernidade Poética Brasileira), o ótimo poeta Luís Gama dedicou-se a uma escrita crítico-satírica e de escárnio invectivo que, muito além do modernismo do Grupo de 22 (tantas vezes infantilmente celebratório), segue, como nos melhores textos destes gigantes do século XIX, a mostrar a inviabilidade crônica do projeto de nação no qual as elites estúpidas deste país ainda insistem, às custas da exclusão de tantos. São autores ética e esteticamente conscientes de seu momento histórico, mestres formais e de estilo, sem qualquer noção infantilizada de "independência estética" da Literatura sobre a História. Como ainda o são Lima Barreto, Augusto dos Anjos e o Euclides da Cunha d´Os Sertões, este nosso épico de fundição e "findação" da nação, não de fundação, como encontramos nos épicos clássicos e seus "mitos fundadores". Os textos de Luiz Gama, Qorpo-Santo, Sapateiro Silva, Machado de Assis, Raul Pompeia, Sousândrade e Cruz e Sousa não se queremmitos da fundação, mascrônicas do afundanço.
Quem ousará dizer que poemas como "O Barão da Borracheira" e "Sortimento de Gorras para a Gente do Grande Tom" não são atualíssimos? Ler Luiz Gama hoje poderia ajugar-nos a lembrar que o poeta deveria/poderia ser oposição, não importa quem esteja no Poder. Poesia moderna, de Catulo a Sousândrade, sempre pré-distópica.
--- Ricardo Domeneck