Horácio Costa

Horácio Costa

Poeta, tradutor e ensaísta.

São Paulo
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Prémios e Movimentos

Jabuti 2014

Alguns Poemas

Ravenalas

“The Carmen Miranda’s Museum
Is more important than the Louvre”, disse-me
John Ashbery em Nova Iorque, e os olhos
Nadavam em gim. Olhando para o meu
Cocar kamaiurá, Octavio Paz exclamou
“Esto es mejor que un Picasso”. Estávamos
Na casa de Coyoacán: era a primeira vez
Que ele entrava na sala dramática. As plumas
Cor de rosa-flamingo e de araras azuis
Enchiam o espaço, abriam-se sobre
O céu da parede numa “iminência
De gritos”. Não sei se Octavio
De fato escreveu este verso, mas bem
Poderia. Na varanda de Pancho Vives,
Face ao Palácio Real, Gastón
Baquero, o habanero exilado, dizia:
“La Gran Vía es cubana. La Puerta del Sol
Es cubana. El Paseo de la Castellana
También es cubano.” Haroldo ria-se
Às escâncaras: era verão e à onze da noite
Mantinha-se a temperatura em 38º.

Meninos eu vi, lembro a Revista Manchete
Assim como Borges contradizendo
Luisa Valenzuela, quem lhe perguntara
Se a quantidade de espadas em sua obra
Apontava a uma putativa simbologia fálica:
“Eso es impúdico, señorita” –nos olhos
Do vate cego, ainda o brilho da desonra
Vislumbro. Ou creio vislumbrar. O Manuel
Tinha ido de New Haven a Nova Iorque
Ver o portenho, e out of the blue me observou,
Como si nada: “estaremos juntos muchos años”.
Nunca duvidei de sua intuição, não o contradisse
Mas quinze depois o abandonaria: já não podia mais,

Simplesmente já não pude mais.
Escrevo
Em Copacabana, lugar fabuloso entre todos,
E meca de memoriosos: ao longe, numa
Cobertura, descubro contra o azul
Umas improváveis ravenalas.

Também o banhista, qualquer cidadão poetisa
E sente irromper ouvidos adentro uma voz
Que não está, e que escuta como verso-fantasma:
Quantos vozes não escapam ao ar dessa forma
A cada manhã num preciso minuto
Como esse em que peso os meus: se senti-los
Fosse dar-lhes volume, uma debandada
De asas se abriria sobre o Rio de Janeiro,
Sob a forma de alguns versos de amor
Ou referentes à pátria ou aos antepassados
E outros, os mais, sem significado nenhum
Afora o afetivo, que concentra o tempo vivido:
O espaço da metrópole seria pequeno
Para tamanho hachurado lírico, para tanta
Chama sagrada, “Péri Hypsous”, para dardos
Que tais de palavras que se materializassem
E se reduzissem no momento de ouvirem-se
E que se reduzissem –por que não?- a estas,
Sim, fotogênicas de fato, ravenalas. “Leques
Contra o azul entre sol e súdito” –este, escrevi-o
Eu, numa outra manhã, lá no México

E eis-me de novo surfando a memória,
Como esses jovens as ondas. As vozes
Não se desprendem, recocheteiam, somam-se
E ecoam como a brisa que atravessa
Esse palmar suspenso e que
Só eu pareço escutar e pelo qual,
exoticista e tambor, arquiteto
E sintaxista, deixo-me deslizar.

(P.S. Não há hierarquia na memória
 E não se sabe ao certo o que a dispara:
tão importante o pergaminho quanto o plástico-bolha,
assim como o botton e o brasão, e o salmo
conversa com o conteúdo da filipeta e tudo,
na verdade, é um só monumento).

Paisagem II

Sentado nesta bergère de courvin
sinto o poema chegar com ainda
menos urgência do que parece
condensarem-se as nuvens sobre a paisagem
que se descortina deste hospital
debruçado sobre a mais insípida
autopista ou avenida de fundo de vale
- que cada cidade tenha as suas
características é mais do que natural
e Dubai e Oslo só se encontram
por terem topônimos bissílabos-
e tais artérias são o próprio desta
na qual por bem nasci e na qual
se me for dado imprimir sobre
o meu devir bizarro a vontade
minha, hei de morrer e talvez
em algum espaço medical como este
e sempre na observação de plúmbeas
vastas nuvens, que obrigam recordar
a proximidade da serra e sua
exsudação e abaixo o sujo mar
per elas responsável, pai
esquecidiço e insolidário quem
nos filia a cada estação e quem
nos manda carícias sob forma de
sazonais monções.
Mudo
de posição como em Apipucos
Freyre o faria em outra bergère
mas não diviso sequer mentalmente
nenhum engenho de nome Noruega
na noite que se acende e sim
apenas o estertor de uma cidade
nem libertina nem libertária
nem escarrapachada em indolentes redes
mas que no supino anonimato garante
o quociente de cada habitante seu
à liberdade de escolha, dentro
dos limites xadrezes entre prédios
e vales e parcos parques e não mais.
Que
não se confunda tal simples solaz
ao exercício contumaz da fantasia:
aqui não cortam os ares de Batman
a capa nem Quasímodo horrendo
se esconde em nossa Sé e nem Rachel
Watson ou Esmeralda belas apeiam-se
dos incessantes vagões na Liberdade.
Há dias sinto emergir este poema
e serão tais nuvens baixas quem
o traz e de onde aportará que não
da sensação experimentada dia a dia
do perviver este espaço dia com dia
no fluxo de um rio ao inverso?
A hibridez do texto corresponde-lhe
e a mim, e ao desejo de plasmar-me
nele e nela e repetir e repetir
que a cidade que tudo isto origina
será o meu espelho colinado
e meus nervos e meu sangue
estas luzes que diviso mental e real-
mente, agora que a sobrevôo não
em rés búdico, que bem o quisera,
mas para começar a terminar
este registro que inda tarda.
As raízes do fícus, gigantescas,
entre as pistas da auto-bahn
esperam quem nelas se aninhe
e ao pé da copa frondosíssima,
como Buda, se ilumine; as encostas
lá embaixo, sulcadas entre bairros
de espigões, talvez possam sugerir
semi-aconcáguas aos do montanhismo
entusiastas, que por aqui transitem
e aos médicos, o vislumbre da
distante cúpula da Catedral, cujos
bronzes estão cobertos por cinábrio,
o bimbalar mouco de sinos em toque
fúnebre, que lhes imprima o significado
da vida de cada um de seus pacientes:
velhos imigrantes portugueses, mães
nordestinas deixadas por seus machos,
nisseis que se expressam por sorrisos
e o significado da minha vida em
particular, quase um gondoleiro âgé
neste Rialto em pane, vestido
com esta improvável camiseta
listrada de azul e branco e por hora
sentado a escrever este poema
nesta bergère de courvin
impessoalíssima e com os seus olhos
rasos d’água, como deve ser, enquanto
reflito sobre São Paulo e sua gente
neste pavilhão de funcionalidade
hospitalar, edificado num barranco
íngreme não: cânion sobre uma artéria
aberta no fundo de um vale coberto
por nuvens nuvens nuvens.

RETRATO DE FAMÍLIA EM CAMBUQUIRA

Observai, ninguém escapa à gravidade
ao lidar com os mortos, o tom cai
ao profeta, ao poeta, como uma luva, uma uva,
observai enfim, desde a infância soubemos
que meditar acerca de mortos
nos lava a alma e prepara para a vida,
observai enfim os mortos,
reunidos não frente à sanha de algum especialista,
os nervos retesados, mas melhor dito
relaxados: vieram de São Paulo para tratar-se
com águas, o mais insípido, o mais velho
dos tratamentos, quando já fazia mesmo falta
algum que desse a Osório
a esperança de viver que, depois
de inumeráveis consultas, os doutores
já lhe haviam por bem suprimido, ou
diminuído, algo que os fotógrafos,
que jamais mentem, apenas confirmavam:
posa então, pai Osório, parece dizer a foto,
antes que anoiteça e que fotógrafo nenhum
possa jamais captar-te em sua câmara,
em seu escrutínio: abre-te à luz,
ainda tens vida, mesmo que aparentes
setenta aos teus quarenta e tantos,
bonacheirão, como tu habituaste a ser,
mesmo contra vento e maré:
senta-te frente à perscrutação de tuas rugas,
de tua pele precocemente escurecida
devido à taxa do ferro em teu corpo,
ninguém o descobriria até o final,
especialista nenhum até à hora da morte, quase.
Posa junto à tua mulher e à tua progênie,
já mortos tu e ela, e distantes uns dos outros
os que advieram desta, organiza os teus
para a posteridade, na frente os pais,
detrás os filhos, em perfeita escadinha,
do menor ao maior, da esquerda à direita.
Sempre ao alcance da vista, por décadas
mamãe teria esta foto sobre a lareira;
o seu significado último,
o que terá epitomizado,
morreu com ela.
Trinta e cinco anos depois,
os filhos três vivem em três continentes,
entre si não baralham velhas fotos
como cartas de um tarot fanado:
comunicam-se por fax e fone, quem diria que
compartilharam segredos, o da genética
e outros, a que ralos tempos foram dar
esses devires, tais estaturas? Escrevemos
como se fôssemos Tibério Cláudio Druso Nero,
de quem se disse que parecia uma abóbora togada
e algo sublime. Senta, nada lamentes:
nada sabes sobre o que passará a esta platéia
do teu sentar, ver o futuro só aos deuses é dado,
ou a Tirésias, e nada mais longe de ti:
as mordeduras da vaidade, bem, as desconheces,
e jamais experimentarás em vida a entropia
que as famílias provam depois que o fundador
desaparece. O teu sorriso brasileirão
exclui pendências, e confiado, só desconfia
de preocupações. No além, quem sabe a tua mulher
te contará tudo, todo o havido e o por haver,
que ela sim, devido a seu gênero e às naturais
proclividades, sempre foi futurante,
te falará sobre os limites entre as terras de cultivo
no momento de dividi-las, sobre as audiências e os juízes
e a estâmina que se deve ter, e quase sempre falta,
frente às decisões. Depois da tua morte
ela alugaria um apartamento no Rio de Janeiro,
na praça dita do Lido, sombreada por figueiras,
para pensar, dizia, face à incompreensão geral;
os móveis eram Luís XV, da Maison Jensen,
mas as esquadrias das janelas, das quais se descortinava
de perfil a cornija do Copacabana Palace,
estavam tomadas de salitre e os vidros tinham, parecia,
um bafo que só anos de ausência consegue nos trópicos juntar:
neste espaço elle ferait son deuil ; também tivemos direito
a um Cadillac rabo de peixe negro, com chofer.
Visitaríamos o Redentor, o Quitandinha, o mítico
Cassino da Urca, já então afundado numa decadência
muda e desbotada em sua pequena calheta
e onde vocês se conheceram em plena Era Vargas,
vivas ainda aquelas manhãs e aquelas noites
na memória dela e nos trinados de uma cultura
que languescia. Nessas excursões
Beatriz usava alpargatas negras, já então
lhe doíam os pés, e estamos falando de 1965.
Jamais chegaste a ver a tua viúva
subir pela escadaria da Penha de joelhos
e chorar agarrada ao filho menor no Jardim Botânico,
estás aí nesta foto prenhe de ti mesmo
e ignorante de que para ti no ano seguinte
não haveria a mesma data novamente.
Não sabemos qual será o dia
da nossa morte, é piedoso o Criador;
mas frente a meus olhos mortuórios
não espero outra imagem que não seja
a do meu amante adormecido, que a tua,
Osório, já se fez tarde, e velha como um bom
conhaque. Não há muito mais a dizer,
Maria Beatriz parecia uma ninfa em sua
roupa adolescente e ria para a ocasião,
mamãe estava um pouco gorda
e trazia estranhas meias de seda no clima estival
e o meu irmão, Osòrinho,
não olhava para a câmara: seus olhos buscavam
um distante horizonte quiçá inexistente.
Aí estávamos nós, os cinco, a família
au grand complet , gozando de uma salutar
estação de águas em -pasmo- Cambuquira.
Bossuet, o francês que imitou Vieira,
ao proferir a sua famosa nênia, contava
com o Louvre, com a Cour Carrée,
para louvar Henriette Stuart, dita
Madame, morta na juventude.
Com o que contarei eu além de meu próprio olhar
nesta foto? Inaugural, de água,
ele substitui os damascos cortesãos,
as corbeilles fúnebres, a música de órgão,
e através da câmara do fotógrafo
olha sempre ao futuro,
melancolicamente cristalino.
Poeta, tradutor e ensaísta brasileiro, nascido em São Paulo em 1954. Estreou com 28 Poemas / 6 contos (1981), ao qual se seguiram, entre outros, Satori (1989), O Livro dos Fracta (1990), The Very Short Stories (1991), O Menino e o Travesseiro (1998), Quadragésimo (1999), Fracta - Antologia Poética (2004) e Ravenalas (2010) – este acaba de ser lançado na Argentina, com outros poemas, em tradução de Cristian De Nápoli.

Publicou ainda o volume de ensaios Mar Abierto (1999) e traduziu poetas mexicanos como José Gorostiza, Xavier Villaurrutia e Octavio Paz. Foi professor na Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) e ensina hoje Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo. Poemas seus estão incluídos na antologia da Oficina de Tradução do Festival de Poesia de Berlim, a ser lançada na Bienal do Livro do Rio de Janeiro deste ano, com traduções do renomado poeta alemão Gerhard Falkner.
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