Lusitano nordestino [incompleto - não revisado]

Aonde seus pés nunca pisaram

Caminha a passos curtos intimidados

A balbúrdia de gente tão estranha

De longe parecem bailes sanfonados

Da terra sedenta, seca e dura

Aventura, mais feia que mucura

Chegou ao terminal principal

Tietê imenso e colossal

 

Derradeiro saiu do pau de Arara

Que levou o povo unido a Teresina

Comeu do tatu, farofa e pinga

Vendeu pó de carnaúba, era o que tinha

Saiu como mocó que alça voo

Correu como quem foge de um touro

Pagou pela passagem nominal

Na poltrona ao lado do amigo, Juvenal

 

Ao sair se lembrou de quem ficava

Prometeu voltar em breve com cruzeiros

A pequena e colorida namorada

A contar os dias esperava sem sossego

Não houve a quem contar de sua família

O amor, o sentimento que continha

Chorava a pequena no quintal

Secava suas lágrimas com tergal

 

O amarelo ônibus era tão lindo

Saindo da capital do Piauí

Levando as esperanças exprimidas

De uma via melhor usufruir

Do corredor olhava à fresta da cortina

A janela entreaberta do colega

Pegava o vento na diagonal

Da janela ao lado do boçal

 

Não tinha sequer um documento

Com foto, com registro militar

A certidão de nascimento bem dobrada

A única explicação que tinha a dar

Não tinha diploma e nem leitura

Estudou isolado até a série terceira

Como ninguém, a calcular ele aprendeu

Ninguém derribava o salário seu

 

A cada parada uma rapadura

Farinha continha na lancheira

Sorria brincava bem feliz

Lembrava e sonhava com a trincheira

Não fumava, mas bebia muito bem

Vomitava e dormia assim também

Mordiscava com os amigos um lapal

Era dia festivo deste tal

 

A viagem era dura até a Bahia

Até picos rodoviou o belo ônibus

Via a imensa caatinga no caminho

Balbuciou muitas vezes o seu ônus

Vendo gente que descia e se ia

No caminho muita gente perecia

Dos mandacarus, mameleiros que ficavam

Dava medo, mas nem assim se melindravam

 

A turma era grande que se ia

Juntaram-se todos do bairro estado

O jubiloso potentado que se atreva

Garotos, velhos, moços orquestrados

Assim continuava a viagem

Caminhando cada quilometro selvagem

Uns rezavam aos padroeiros ao passarem mal

Teve gente levada pro hospital

 

O bigode conservado que mantinha

O respeito granjeava da m

Representava o desejo da boa moça

Todo o seu desejo era voltar

Casar, sonhava alto pra da

 

Evitava brincadeiras de mal gosto

Truculento era seu jeito de falar

Lentamente tonteando caminhava

Passos curtos cotovelos para trás

Como quem buscava água nauma poça

A vontade era estar limpando a roça

Gente juntada era pior que animal

Bruto solto na mata sem sinal

 

Levando Luís Bilia para São Paulo

Cada giro que dava a roda ia.

João Doroteu lhe enfezava

– Que partida! O mesmo, lhe dizia

– Cada arvore passa como vulto! 

O bêbado estava resoluto

Conversavam lembrado do curral

Ligaram para as mainhas no natal

 

No segunda dio entraram na Bahia

Pararam numa cidade bem pequena

O almoço foi frango, feijão, arroz

De cruzeiros foi mais de uma centena.

O sol inda rachava o mei’ do coco

Tinha chão para cortar alguém comentou

- Aliás, voltar à trás nem a pau!

Exclamava o justo Juvenal

 

Em Feira de Santana tinha caldo

Forró na rodoviária aqui se via

Pedinte, vendedor e muambeiro

Jornais em toda parte o povo lia

Convencionou não se gastar o seu dinheiro

Luís comentou ao companheiro

Júlio, seu primo, o Leal

Enjoava e diminuía o alto astral

 

Limões, cachaça e cerveja

Não tinha como parar e não beber

As mãos secas se moviam em abraços

Poucos dos ali sabiam ler

Um rapaz viu de relance na TV 

O velório bem feito pra valer

Foi notícia a morte de João Paulo

Sacristão entre eles comentaram

 

Não entendiam porque a vida era assim

As luzes do asfalto embelezaram

A negritude da pista lesa e fria

Comentaram quantas moças se choraram

As faixas contínuas amarelas

Refletiam as mentes em espera

Os olhos brilhantes se cruzaram

Adiante novos sonhos vão busca-los

 

A Bahia parecia não acabar

Novidades não viam, era o sertão

Brasil, um outro estado ali estava

Cabras e gados na rodagem em contramão

Os chocalhos badalavam como sempre

As bichinhas ali estavam presentes

Os rebanhos deixados, por sinal

Na Bahia não tinha nada igual

 

Agora na BR-101

Estourado um pneu o carro tinha

A água já tinha acabado

Os banheiros improvisavam na matinha

As crianças choravam de tanta sede

As mulheres queimadas e sem êxtase

Pediam – Por favor, não faça mal,

Deus, circunstancia essa é mortal

 

O furo parecia não ter jeito

Ficando ali parados estavam todos

As crianças choravam por mais pão

Comendo iam uns e depois outros

A fome se assevera sem poder

A outra fonte ali perto recorrer

As mães não paravam o ritual

A fome ia chegando geral

 

O frito acabou e as bolachas

A vida tinha um fino jeito torto

O motorista correu para atender

O cobrador ajudava, mas o dorso

Não estava bom e todo homem

Se dispôs machucou o abdome

A viagem não era a do caramuru

Ali a vergonha era estar nu

 

 

 

 

 

 

 

 

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