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War all the time

1984

Charles Bukowski

Charles Bukowski

poeta, contista e romancista estadunidense

1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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A Geração Falida

era muito mais fácil ser gênio nos anos 20, havia
apenas três ou quatro revistas literárias e se você publicasse nelas
umas quatro ou cinco vezes podia terminar no salão de Gertie,
você podia provavelmente encontrar Picasso para um copo de vinho, ou
talvez apenas Miró.

e sim, se você mandasse sua papelada com carimbo postal de Paris
as chances de publicação eram muito maiores.
muitos escritores encerravam seus manuscritos com a palavra "Paris" e a data.

tendo um patrono, havia tempo para
escrever, comer, beber e dar uns passeios pela Itália e até pela
Grécia
era bom ser fotografado com outros do seu time

era bom parecer asseado, enigmático e magro.
foto na praia era ótimo.

e sim, você podia escrever cartas para os 15 ou 20
outros
resmungando sobre uma coisa ou outra.

você podia receber uma carta de Ezra ou de Hem, Ezra gostava
de dar orientações e Hem gostava de praticar a escrita
nas cartas, quando não podia praticar a outra.

era um grande jogo romântico então, cheio da fúria
da descoberta.

agora

agora somos tantos, são centenas de revistas literárias,
centenas de editoras, milhares de títulos.

quem vai sobreviver desse monturo?
perguntar é quase uma grossura.

volto atrás, leio livros sobre as vidas dos meninos
e meninas lá dos 20.
se eles foram a Geração Perdida, como você chamaria a gente?
vendo a gente sentada aqui no meio das ogivas
com nossas máquinas de escrever elétricas?

a Geração Falida?

eu preferia estar na Perdida a estar na Falida, mas quando leio livros sobre
eles
sinto delicadeza e generosidade

e quando leio sobre o suicídio de Harry Crosby em seu quarto de hotel
com sua prostituta
a coisa me parece tão real como a torneira que está pingando agora
na pia do meu banheiro.

gosto de ler sobre eles: Joyce cego e zanzando
pelas livrarias como uma tarântula, como diziam.
Dos Passos com seus recortes de notícias usando uma
máquina de escrever com fita vermelha.

D.H. tarado e de porre, H.D. sabida o bastante para usar
suas iniciais que pareciam muito mais literárias do que Hilda Doolittle.

G. B. Shaw, firmado há muito tempo, nobre e
estúpido como a realeza, carne e cérebro virando mármore. um saco.

Huxley passeando seu cérebro com grande alegria, discutindo com Lawrence que a coisa não era na barriga nem nos colhões,
que a glória estava era no crânio.

e aquele matuto do Sinclair Lewis despontando.

enquanto isso,
com a revolução terminada, os russos estavam libertos e morrendo.
Gorki, sem ter nada por que lutar, sentado numa sala, tentando
achar frases para elogiar o governo.
muitos outros falidos na vitória,

agora

agora há tantos de nós
mas devíamos estar agradecidos, porque em cem anos
se o mundo não estiver destruído, pense bem, quanto ficará de tudo isso:
ninguém realmente capaz de falhar ou de vencer - só algum mérito relativo, ainda mais diminuído pela nossa superioridade numérica.
estaremos todos catalogados e arquivados.
está certo...

se você ainda tem dúvidas sobre aqueles outros
anos dourados
veja que há outras criaturas curiosas: Richard
Aldington, Teddy Dreiser, F. Scott, Hart Crane, Wyndham Lewis, a
Black Sun Press.

mas para mim, os anos 20 estavam centrados principalmente em Hemingway
saindo da guerra e começando a datilografar.

era tudo tão simples, tão deliciosamente calmo

agora

há tantos de nós.

Ernie, você não imaginava como era bom
quatro décadas atrás quando vocês metiam o cérebro no
suco de laranja

embora

-posso garantir
não fosse isto o melhor de vocês.
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Treinando para Kid Aztec

eu era um cara moço em Los Angeles.
havia uns bares pequenos
em torno do Plaza, pequenos bares
mexicanos, e havia um
grande, bem-freqüentado, e eu
comecei a noite por ele
mas ele estava muito comportado
cheio de trabalhadores decentes
e aí eu saí
e encontrei um beco pequeno e torto,
escuro,
e segui por ele
com meu canivete no bolso até
que encontrei esse pequeno bar
lá no fim
e entrei
sentei num banco e pedi
uma garrafa de cerveja.
havia quatro mexicanos lá dentro
incluindo o cara do balcão

e eu sentei olhando firme
para a frente
tomando um gole do meu copo
de quando em quando.

eu estava um filho-da-puta muito louco
pronto para ir até o fim
melhor não me
sacanear...

acabei a garrafa
pedi outra.

"onde diabos
estão as mulheres?" perguntei.

nenhuma resposta.

"eu não devia estar aqui",
eu disse, "estou treinando para uma
luta no Olímpico, uma de
quatro rounds, contra o Kid
Aztec..."

silêncio.

desci do meu banco, fiquei
de pé, escarneci: "alguém aqui topa
treinar um pouquinho, hã?"

nenhuma resposta.

botei uma moeda na
vitrola de ficha.
a música começou e comecei
a fazer boxe-sombra
com ela.

quando acabou
eu sentei e
pedi outra cerveja.

"sou um matador", eu disse
ao dono do bar, "um matador
nato... tenho pena
do Kid Aztec..."

o homem recebeu meu
dinheiro, e guardou
na registradora tilitante
de costas para mim.

eu disse para as costas
dele: "e acima de tudo
eu sou um escritor.
escrevo contos,
romances, poemas,
ensaios..."

"Señor, escreve
poemas?", perguntou um
mexicano grandão lá do fim
do bar.

"pô, claro..."

"e sobre que são
esses' poemas?"

"o amor..."

"oh, o amor, Señor?"

"poemas de amor para a
Morte..."

esvaziei minha garrafa
e pedi outra.

"eu também escrevo,
Señor..."

"ah, é?”

"oh, sim, eu meto minha caneta
nas mulheres e escrevo
lá dentro delas."

os outros mexicanos
riram.
esperei até que
parassem.

"vocês são uns idiotas, vocês
riem como uns idiotas!"

"talvez, Señor, mas até idiotas
têm direito de rir,
não?"

tirei o rótulo da cerveja,
colei-o no tampo
do bar, terminei
a garrafa.

"outra cerveja, Señor?", perguntou
o dono do bar.

"nah, já chega, tenho que
descansar..."

caminhei para a
saída.

"boa sorte na sua luta com
Kid Aztec, Senör", disse
alguém.

caminhei de volta pelo
pequeno beco, parei para vomitar num
canto escuro, terminei e alcancei
a rua,
procurando um poema, um bar
melhor, alguma coisa,
qualquer coisa.

eu só tinha enchido o saco deles com
minha periculosidade.
toda noite era a
mesma coisa e de dia era ainda
pior.

parei numa árvore na
esquina do Plaza
para acender um cigarro
e para tentar parecer com
um matador

ninguém notou.

talvez não viessem
a notar nunca.

segurei o fósforo aceso
por tempo demais, ele queimou meus
dedos.
praguejei alto, dei partida e
comecei a caminhar
para a estação de
trem

alguém tinha me avisado
que as putas estavam
chupando bem, lá,
nas escuras rampas de acesso...
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Faíscas

a fábrica longe da Av. Santa Fé era
melhor.
empacotávamos suportes de luminárias
pesados em caixas pesadas e longas
e depois jogávamos as caixas em pilhas
de seis.
aí os carregadores
vinham
esvaziar sua mesa e
você começava as seis seguintes.

jornada de dez horas
quatro no sábado
pagamento pelo sindicato
bom demais para trabalho não especializado
e se você não chegava lá
com músculos
logo, logo ia arranjá-los

a maioria de nós em 
camisetas brancas e jeans
cigarro no bico
cerveja furtiva
a gerência olhando
pro outro lado

poucos brancos
os brancos não demoravam:
trabalhadores preguiçosos
na maioria mexicanos e
pretos
frios e rancorosos

aqui e ali
brilhava uma faca
ou alguém
era ferido
a gerência olhando
pro outro lado

os raros brancos que ficavam
eram loucos

trabalhava-se
e as jovens mexicanas
nos mantinham
acesos e esperançosos
seus olhos piscando
mensagens
de lá da
linha de montagem.

eu era um dos
brancos loucos
que duraram
eu era bom trabalhador
só pelo ritmo da coisa
pelo diabo da coisa
e depois de dez horas
de trabalho duro
depois de trocar insultos
vivendo entre atritos
com os que não eram suficientemente calmos
para se conformar
saíamos
ainda dispostos

subíamos em nossos velhos
carros para
voltar para casa
beber metade da noite
brigar com nossas mulheres

para recomeçar no dia seguinte
a embalar os suportes
sabendo que éramos
uns babacas
fazendo os ricos
mais ricos

enfiávamos
nossa camiseta branca
e o jeans
e deslizávamos
entre as jovens mexicanas

éramos simples e perfeitos
para o que fazíamos
ressaca
podíamos
fazer bem pra burro
nosso trabalho

mas isso
não nos tocou
nunca

entre aquelas paredes despelando

o barulho das brocas
e serras

as faíscas

éramos uma turma boa
naquele balé mortal

éramos maravilhosos

dávamos a eles
muito mais do que pediam

e ainda assim
a eles não dávamos
nada.
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Comida de Cavalo

I
estaciono, saio, fecho o carro, é um dia perfeito, quente e fácil, me sinto bem, começo a caminhar para a entrada e um cara gordinho se aproxima, caminha a meu lado,
não sei de onde veio.
"oi", diz ele, "como vai indo?"
"ok", respondo.
ele diz "acho que você não se lembra de mim. você já me viu antes,
talvez duas ou três vezes".
"é possível", digo, "venho à pista diariamente."
"eu venho talvez três ou quatro vezes por mês", ele diz.
"com sua mulher?", eu pergunto.
"oh, não", ele diz, "nunca trago minha mulher."
seguimos juntos e eu vou mais depressa, ele luta para me acompanhar.

"qual para você vai chegar em primeiro?", ele pergunta
respondo que ainda não vi o programa.

"onde você fica?", pergunta ele.
respondo que em lugares diferentes a cada vez que vou.

"este maldito Gilligan", diz ele, "é o pior jóquei da pista. perdi uma nota nele outro dia. por que deixam ele correr?"
digo a ele que Whittingham e Longden acham que ele é legal.
"claro, são amigos", responde. "sei uma coisa sobre o Gilligan. quer saber o que é?" digo a ele que deixe pra lá.

vamos nos aproximando da banca de jornais perto da entrada
e eu desguio para a esquerda como se fosse comprar um jornal.
"boa sorte", digo a ele, enquanto caio fora.
ele fica perplexo, os olhos como em estado de choque, me lembra
algumas mulheres que só se sentem seguras quando sentem o polegar de alguém
enfiado na bunda.
ele olha em torno, mira um velho grisalho que puxa
pela perna, investe, emparelha com ele e começa a conversar...

II
Estar sozinho sempre foi fundamental para mim. Numa época entrei numa fase quente de vencer todas, nas corridas. O dinheiro caía do céu. Algum sistema básico e simples estava dando certo comigo. Os cavalos se deslocavam e eu saía do meu trabalho e ia atrás deles até Del Mar.

Era uma vida boa. Eu ganhava todo dia, na pista. Tinha uma rotina. Depois da corrida parava na loja de bebidas para comprar minha meia garrafa de uísque, as seis cervejas e os charutos. Ai voltava para o carro e seguia pela praia até algum motel, estacionava, levava meu material par Jentro, tomava uma chuveirada, trocava de roupa, então sentava o rabo no carro e seguia pela praia de novo - agora em busca de um restaurante. E o que procurava era um restaurante vazio. (São os piores, eu sei.) Mas eu não gostava de multidões. Sempre achava um como queria. Entrava e fazia meu pedido.

Assim, naquela noite em particular, encontrei um lugar, entrei, sentei no balcão, fiz o pedido: bife com fritas, cerveja. Estava tudo bem. A garçonete não me chateou Mamei minha cerveja, pedi outra. Aí veio a comida. Arre, diabos, parecia ótima! Comecei Comi uns tantos bocados bem bons e aí a porta se abriu e entrou um cara. Tinha uns 14 bancos vazios no balcão

O cara veio e sentou ao meu lado.
"Oi, Dóris, como vão as coisas?"
"Ok, Eddie. E você?"
"Ótimo."
"Que é que vai ser, Eddie?"
"Oh, somente um café, eu acho..."
Dóris trouxe o café para Eddie.
"Acho que estou ficando de saco cheio..."
"Sempre problemas, hein, Eddie?"
"É, Dóris, agora é minha mulher que quer pratos novos."
"Você diz louça de casa?"
"Não, novas comidas!"
"Oh, Eddie, há, há, há!"
"Bem", disse Eddie, "uma desgraça nunca vem só!"
Peguei meu prato e minha cerveja, meu garfo, minha faca, minha colher, meu guardanapo, minha bunda e arrastei tudo para um compartimento bem longe dali.
Sentei e comecei de novo. E enquanto isso espiava Eddie e Dóris
Estavam cochichando. Aí Dóris olhou pra mim:
"Está tudo certo, senhor?"
"Agora", eu respondi, "está."

III
uma mexicana gorda na fila na minha frente
deposita seus últimos dois dólares tudo trocadinho:
em moedas variadas e níqueis
enquanto aposta no número errado.
vou à frente, aposto vinte na cabeça
e erro também enquanto um
peido de trovões explode no céu, seguido
por uma luz distante
pequenas gotas de chuva começam seu trabalho e nós
saímos para ver o último páreo:
doze montarias de três anos para mil e seiscentos metros,
que não venceram em dois páreos
rompem num jorro de cor e esperança
lutando pela posição na curva rápida
entrando na reta distante diante das encantadoras
montanhas
há uma chance para todo mundo
exceto para o cavalo 6 que rompe uma
pata dianteira e joga um milionário chamado Pincay no chão duro duro enquanto alguns dos pobres apostadores gemem por ele
outros não se importam

e uns poucos ficam secretamente deliciados.
a ambulância de pista circula no
sentido anti-horário
a corrida se desdobra e desdobra
com três cavalos em linha
na reta de chegada
o favorito cede lugar
fica para trás
e o segundo melhor junto com um que pagaria 26 por um
cruzam o disco como uma criatura de oito patas,
o ponto mais avançado na foto pertencendo
ao azarão.
quase todos nós rasgamos nossos bilhetes e começamos
nossa caminhada para o estacionamento e o que
mais nos reste
as gotas quentes de chuva aumentam
esfriam
tudo o que esperamos agora é que nossos carros
ainda estejam lá
enquanto Pincay recobra a consciência na
enfermaria e pergunta
"que diabos
aconteceu?"
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