hoje à noite avistei sobre a folha de papel o dragão em celulóide da infância escuro como o interior polposo das cerejas antigo como a insónia dos meus trinta e cinco anos...
dantes eu conseguia esconder-me nas paisagens podia beber a humidade aérea do musgo derramar sangue nos dedos magoados foi há muito tempo quando corria pelas ruas sem saber ler nem escrever o mundo reduzia-se a um berlinde e as mãos eram pequenas desvendavam os nocturnos segredos dos pinhais
não quero mais perceber as palavras nem os corpos deixou de me pertencer o choro longínquo das pedras prossigo caminho com estes ossos cor de malva som a som o vegetal silêncio sílaba a sílaba o abandono desta obra que fica por construir... o receio de abrir os olhos e as rosas não estarem onde as sonhei e teu rosto ter desaparecido no fundo do mar
ficou-me esta mão com sua sombra de terra sobre o papel branco... como é louca esta mão tentando aparar a tristeza antiga das lágrimas