Passeio sob a sombra de mulheres frondosas de uma infinitésima memória Restam-me os limões doces da síria já que me falta deus ó alpedrinha ou súbito desejo de ficar na noite dormindo o sono íntimo da terra Foi-se o milagre das fontes pelo estio e não sei que fazer das favas novas pois abril é um mês que não conheço Não mereço o barco encalhado de abidjan após o nascer público do sol sobre o ramo do cardo emblema da traição Calmo com um pôr-do-sol vermelho encerro a cerimónia quotidiana Quantos fatos vesti quantos despi nas ruas devassadas por domingos perante a áspera censura do mar ou a grande catástrofe do meio-dia assinalando a morte da manhã Não terei mesmo um céu sem privilégios tão previsível como uma recordação a arte embaladora das palavras Eis que está próximo o funesto inverno é o tempo de tudo abandonar a começar no lençol branco destes dias Os mortos nem dos vivos se alimentam é essa a única verdade útil tão deslumbrante como um grande vento natural A vida é cada dia mais difícil de lidar e um velho poeta refugia-se nas tábuas A mim mulheres frondosas nulo mar
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 2, págs. 17 e 18 | Editorial Presença Lda., 1981