Na primavera quando as tardes se arredondam e já nas praias nascem as primeiras ondas e volta sobre o mar a ave solitária o homem enche de ar o peito vespertino arranca o corpo à chuva e às nuvens do inverno e chega a ter desejos de ficar
Mas em que rosto isento de contradição há-de ele peregrino erguer a tenda? Não abrem na cidade à sua frente as ruas caminha ante deus como se visse esse deus invisível
Florescem quando passa contraditórios clarins cantando cada um sua ideia diversa nenhuma o levará à pátria que procura Tenham outros tambores ele tem a pesada cabeça entre as mão caída Ele que desça ao fundo de todos os olhos que nos trazem a alma à flor da pele também não serão lá o coração ou a infância
Quando a tarde morrer ou o outono vier do seu olhar é que as aves todas partirão Aí temos um homem perto como nunca nem ninguém do chão
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, págs. 20 e 21 | Editorial Presença Lda., 1984