Vozes vizinhas vindas da infância através do sotaque de quem fala aqui ao lado o sol inexorável sobre as águas pressentimentos vindos com o vento a velha fortaleza a vista da baía a maré cheia a tarde as nuvens o azul memória disto tudo noutro verão noutro lugar e pelo meu olhar visivelmente vitimado tudo possível pela mesa e pela esferográfica pelo papel desculpa ó minha amiga pelo bar a solidão assegurada pela multidão a luz a hora as lérias o domingo o cruzeiro de pedra o largo o automóvel tudo isto não importa importam só as mínimas e únicas palavras que me ficam disto tudo e tudo isto fixam: «tempo suspenso» ou «mar imóvel» ou «sinto-me bem» ou - que sei eu? - «alguém morreu»
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 2, págs. 36 e 37 | Editorial Presença Lda., 1981