Raparigas no lusco-fusco recortadas prestes a entoar o cântico da noite e envoltas no inconsútil tule da sua juventude dispostas a rasgar os véus vigilantes dos sonhos são compridos ciprestes soerguidos sobre as colinas que dezassete vezes viram destruir a cidade de Jerusalém Os amados virão quando vier o sábado pais e mães jazerão sob a pedra da idade e então elas sozinhas e suaves pensarão em quem antes do verão virá em nuvens quentes de vapor E por uma manhã de luz ainda rasa toucadas de alegria e de neblina elas hão-de passar a pertencer-lhes e eles serão seus donos como de uma casa A sombra adensa-se e condensa-se nos vales e as mesmas estrelas que séculos antes olharam cintilantes já as águas do dilúvio hão-de furar o manto envolvente da noite Será então a hora de as eternas raparigas levantando nas mãos as ansiosas ânforas derramarem o liquido das vozes sobre essa cidade se dezassete vezes destruída já dezoito construída E através do tempo os braços dessas raparigas ligados uns aos outros pela seiva da imorredoura juventude insistirão na transmissão da vida
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 2, págs. 46 e 47 | Editorial Presença Lda., 1981