Nenhuma voz em esparta nem no oriente se dirigira ainda aos homens do futuro quando da acrópole de atenas péricles hierático falou: «ainda que o declínio as coisas todas humanas ameace sabei vós ó vindouros que nós aqui erguemos a mais célebre e feliz cidade» Eram palavras novas sob a mesma abóbada celeste outrora aberta em estrelas sobre a cabeça do emissário de argos que aguardava o sinal da rendição de tróia e sobre o dramaturgo sófocles roubando aos dias desse tempo intemporais conflitos chegados até nós na força do teatro Apoiada na sua longilínea lança a deusa atenas pensa ainda para nós Pela primeira vez o homem se interroga sem livro algum sagrado sob a sua inteligência e a tragédia a arte o pensamento desvendam o destino a divindade o universo Em busca da verdade o homem chega às noções de justiça e liberdade Após quatro milénios de uma sujeição servil o homem olha os deuses face a face e desafia a força do tirano E nós ainda hoje nos interrogamos a interrogação define a nossa livre condição O desafio de antígona e de prometeu é hoje ainda o nosso desafio embora como um rio o tempo haja corrido «Diz em lacedemónia ó estrangeiro que morremos aqui para servir a lei» «E se esta noite é uma noite do destino bendita seja ela pois é condição da aurora» Palavras seculares vivas ainda agora Uma grécia secreta dorme em cada coração na noite que precede a inevitável manhã
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 2, págs. 47 e 48 | Editorial Presença Lda., 1981