Soubesse eu que me aceitas Sentisse eu nos meus passos a firmeza que tem nos seus a criança que vai para a escola levada pelos olhos imensos da mãe tivesse todo o meu ser a configuração bastante pra caber na tua longa mão e lá morrer essa mão onde todas as loucuras são possíveis fosse a tua presença mais do que eu não ter mais ninguém a meu lado Não estivesse eu sujeito ao inverno que vem mais carregado de memórias do que ninguém E eu não procuraria este meu nome em vão na folha que descreve o vento nesta fronte onde vêm repousar as moscas fronteira do meu pensamento nas crianças de gestos decisivos ou noutros pobres seres transitórios (Nem tanta servidão precisaria para libertar umas simples palavras do tempo)
Viesses tu beleza sempre antiga e sempre nova encher aquela mão que abre dentro de mim a inquietação e a minha humilde prece tomaria a forma do mais agudo ângulo das tuas duas mãos onde toda a paisagem triangular termina O teu silêncio ondularia menos que qualquer planície tão pouco ambíguo como não sei que nuvem
Colhesses um por um os meus passos dispersos achasses-me nos meus perdidos versos e eu não repousaria nas ideias que estendo como mantas nalgum pinhal à hora da sesta perto do mar O teu lugar seria sempre no côncavo do sonho eu não me esqueceria de agora ou logo ir-te lá buscar E nestas tardes que sobre nós desdobras passariam as dobras dos cuidados Em nós quaisquer outonos morreriam
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, págs. 35 e 36 | Editorial Presença Lda., 1984