Setembro é o teu mês, homem da tarde anunciada em folhas como uma ameaça Ninguém morreu ainda e tudo treme já Ventos e chuvas rondam pelos côncavos dos céus e brilhas como quem no próprio brilho se consome Tens retiradas hábeis, sabes como a maçã se arredonda e se rebola à volta do que a rói Há uvas há o trigo e o búzio da azeitona asperge em leque o som inabalável nos leves ondulados e restritos renques das mais longínquas oliveiras conhecidas Poisas sólidos pés sobre tantas traições e no entanto foste jovem e tinhas quem sinceramente acreditasse em ti A consciência mói-te mais que uma doença reúnes em redor da casa equilibrada restos de rebanhos e voltas entre estevas pelos múltiplos caminhos Há fumos névoas noites coisas que se elevam e dispersam regressas como quem dependurado cai da sua podridão de pomo Reconheces o teu terrível nome as rugas do teu riso começam já então a retalhar-te a cara Despedias poentes por diversos pontos realmente És aquele que no maior número possível de palavras nada disse Comprazes-te contigo quando o próprio sol desce sobre o teu pátio e passa tantas mãos na pele dos rostos que tiveste Repara: não esbarras já contra a cor amarela? Setembro na verdade é mês para voltar Podes tentar ainda alguns expedientes respeitáveis multiplicar diversas diligências nos ameaçados cumes dos outeiros ser e não ser fugir do rótulo aceitar e esquivar o nome fixo E no entanto é inevitável: a temperatura descerá mais dia menos dia Calas-te então cumprido como um rosto e puxas toda a tarde sobre esse corpo que se estende e jaz Andaste de lugar para lugar e deste o dito por não dito mas todos toda a vida teus credores saberão onde encontrar-te pois passarás a estar nalguma parte Tens domicílio ali que a terra sobe levemente e toda a tua boca ambiciosa sabe e sente quanto barro encerra
Ruy Belo | "Obra Poética de Ruy Belo" - Vol. 1, págs. 116 e 117 | Editorial Presença Lda., 1984