Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente poeta brasileiro do século XX.
Jabuti
Nasceu a 31 Outubro 1902 (Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, Brasil)
Morreu em 17 Agosto 1987 (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil)
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Arte Em Exposição

CASAMENTO DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS COM A POBREZA (Sasseta)
O amor te escolheu
por seres a mais casta
entre virgens ideais.
A união é do ar
e da água e do pão
em migalhas.

AUTORRETRATO (Soutine)
Sou eu ou não sou eu?
Sou eu ou sou você?
Sou eu ou sou ninguém,
e ninguém me retrata?

MÚSICOS CEGOS (Velázquez)
Violino e guitarra são videntes,
olham pelos olhos dos cantantes.

RETRATO DE MADAME HÉBUTERNE (Modigliani)
Plantada na torre do pescoço,
a cabeça, na altura,
mal percebe nossas inquietações de planície.

O GRITO (Munch)
A natureza grita, apavorante.
Doem os ouvidos, dói o quadro.

LEDA (Da Vinci)
Já gozaste demais, diz Leda ao cisne.
Que venha logo Jove cataclismo.

GENTIL HOMEM BÊBADO (Carrà)
De Baudelaire o conselho:
É preciso estar sempre bêbado.
Além do imaginário e do real
é preciso estar sempre sóbrio
para pintar a bebedeira.

ODALISCA VERMELHA (Matisse)
A indolência da odalisca em rosa rubra
respira paz de lânguido fervor.
A sensualidade se dilui:
pura cor.

A CADEIRA (Van Gogh)
Ninguém está sentado,
mas adivinha-se o homem angustiado.

A CIGANA ADORMECIDA (Henri Rousseau)
Para te acordar
do sono profundo
disfarço-me: leão
que ao te roçar
esquece a missão.

A PONTE DE MANTES (Corot)
Assim quisera eu ser:
ponte árvore canoa água serena
ignorante de tudo mais bem longe.

A ANUNCIAÇÃO (Fra Angelico)
O anjo desprende-se da arquitetura
para dar a notícia
precisamente conforme a traça
de sublime arquiteto.

ALMOÇO SOBRE A RELVA (Manet)
Conversamos placidamente
junto da nudez
que pela primeira vez
não nos alucina.

VÊNUS E O ORGANISTA (Ticiano)
O som envolve a nudez
e chega ao cachorrinho.
O músico esquece a partitura.
As pulseiras de Vênus não escutam.

TIRADENTES (Portinari)
Fez-se a burocrática justiça.
O trono dorme invencível vingado.
Postas de carne do sonhador
referem o caminho das minas.

CAFÉ NOTURNO (Van Gogh)
Alucinação de mesas
que se comportam como fantasmas
reunidos
solitários
glaciais.

TRANSVERBERAÇÃO DE SANTA TERESA (Bernini)
Visão celestial, doce delírio.
Da cabeça aos pés nus
êxtase (orgasmo?) relampeia.

RETRATO DO CASAL ARNOLFINI (Jan van Eyck)
A imagem reproduz-se até o sem-fim.
O casal sem filhos
gera continuamente nos espelhos
a imagem de perpétuo casamento.

SALOMÉ (Giorgione)
Que instinto maternal, que suavidade
embala esta cabeça decepada?

VÊNUS ADORMECIDA (Giorgione)
Acalenta no sono
o púbis acordado.

JARDIM DO MANICÔMIO (Van Gogh)
O jardim onde passeia a ausência de razão
é todo ele ordem natural.
A terra acolhe o desvario
que assimila a verdura e a leveza do ar.

VOLTAIRE (Houdon)
O mundo não merece gargalhada. Basta-lhe
sorriso de descrença e zombaria.

SAPATOS (Van Gogh)
Cansaram-se de caminhar
ou o caminho se cansou?

AUTORRETRATO COM COPO DE VINHO (Chagall)
Seja celebrada a alegria nas alturas
por cima dócil das mulheres.
A cavalo melhor se chega ao céu.

QUADRO I (Mondrian)
Universo passado a limpo.
Linhas tortas ou sensuais desaparecem.
A cor, fruto de álgebra, perdura.

CARNAVAL DE ARLEQUIM (Miró)
Descobri que a vida é bailarina
e que nenhum ponto inerte
anula o viravoltear das coisas.

FUZILAMENTO NA MONCLOA (Goya)
Balé de tiros gritos corpos derrubados.
A lanterna tranquila
acena para a esperança da Ressurreição.

AS TRÊS GRAÇAS (Rubens)
Curvilíneos volumes se consultam
e concluem:
Beleza é redundância.

PIETÀ (Miguel Ângelo)
Dor é incomunicável.
O mármore comunica-se,
acusa-nos a todos.

A DUQUESA DE ALBA (Goya)
Ser o cachorrinho da Duquesa
é de certo modo
ser uma partícula da Duquesa.

GIOCONDA (Da Vinci)
O ardiloso sorriso
alonga-se em silêncio
para contemporâneos e pósteros,
ansiosos, em vão, por decifrá-lo.
Não há decifração. Há o sorriso.

RETRATO DE ERASMO DE ROTTERDAM
(Quentin Metsys)
Santidade de escrever,
insanidade de escrever
equivalem-se. O sábio
equilibra-se no caos.