A Perna

Numa esquina perto da minha casa
vive uma mendiga
de perna amputada.
Tenho vontade de beijar
a perna que falta.
Acariciar
aquele pedaço de nada.

A mão dela está queimada
e parece que foi costurada
de volta ao braço.
Com essa mão ela pede esmola.

Hoje passei por lá
e vi que a perna dela
(a outra)
estava bronzeada.

Ela é loira, ela é moça, é a flor
da perna amputada.

Me deu vontade
de entrar em seu corpo
(fragmentado)
a meio metro da calçada.

Entrar em seu corpo e ser ela,
ser a perna que falta.
Ser a falta da perna dela.
Tive vontade de amar
e ser nada.


São Paulo, 6 de agosto 1992
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