A Mangueira

Sob o sol há sempre perda e esse pé
de manga na calçada da ladeira
me lembra agora a infância passada
descalça na ensolarada fazenda.
Meu pai a cavalo! As brincadeiras
no curral entre as vacas, as batalhas
de cevada quente, a terra vermelha,
a cachoeira em prata, o terreiro de café!

O sol parecia eterno.

Mas tudo passa. A cega mangueira
sozinha (longe da mata) na subida
íngreme desta alameda escondida
das avenidas do Rio de Janeiro
também parece me reconhecer, lenta
e perplexa --e como que se abaixa.
Aproximo-me. Sem que ninguém veja
longamente beijo sua antiga casca.

Velha amiga! Foi apenas ontem
que sem medo subia em seus galhos.
Durante o dia com fome dos seus frutos
como o sol dourados e doces;
ou na preguiçosa tarde sob sua sombra
observando os pássaros do mato.
E de noite contra seu tronco, sedento
do fruto proibido, os beijos escondidos
(na brincadeira de esconde-esconde), a boca
rosada da jovem moça da colônia...

No céu riscavam estrelas cadentes...

Lembra? Foi mesmo ontem! E hoje
nos reencontramos de novo!
Mas, amiga, não estaria eu sendo tolo
e dourando (de novo) a pílula do passado?
Fala a verdade, responde... uma rajada
de vento farfalha as suas folhas:
Isto é o lado bom, a grande vantagem
do tempo, que passa, e passando
recolore o já vivido com nova graça....

Que bom que isso aconteça, e é certo
que assim seja. Mas quando, amiga, onde
o sol que enfim nos espera, que vai dourar
o que sempre somos agora? Cá estamos,
você --permita-me-- abandonada e seca
eu, abandonado e longe, náufragos à deriva
em nossos corpos --de nossas próprias vidas.
Vivemos ainda da seiva dos velhos sonhos.

(Os velhos sonhos de ser tudo e todos
além do fogo-tempo e seus círculos).


Rio de Janeiro, 18 de julho 1997
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