Pedro Paiva

Pedro Paiva

1962-06-29 Altos - Pi
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Alguns Poemas

A NOIVA

      Era final de tarde. Maio em flor! Os paus-d’arco coloridos se envergavam ao látego da brisa melodiosa e concupiscente, espalhando por todo o vale que se estendia para além da vista, o aroma suave de flores silvestres. 
       No cenário celestial e caprichosamente florido, tudo conspirava em favor daquele casal de amantes. No horizonte, o crepúsculo da tarde promovia um espetáculo de luz e de beleza que, aos poucos, ia dando lugar aos clarões frouxos e azulados da lua que já despontava na linha turva do nascente.
       - Já é tarde, meu amor! Preciso ir – disse Doninha. Ver-nos-emos, amanhã.
       Foram vários anos de romance e de encontros amorosos até que uma disputa por terras colocou as duas famílias em pé de guerra e de rivalidade, marcada por uma série de mortes e de assassinatos que se sucediam uns após os outros.
      Fabrício, pressionado pela família, que temia vê-lo assassinado pelos rivais, viajara para longe de Doninha e a jovem não suportando a ausência do amante, encontrou na loucura uma forma de sublimar a solidão.
       A partir daquele dia, Doninha não falava com mais ninguém, nunca mais fora vista nas festas e nos adjuntos, não reconheceu mais as amigas. Reclusa na sua torre de marfim, Doninha sonhava todos os dias com a volta do noivo.
      Alguns anos mais tarde, Fabrício retornara às Porteiras Velhas e seu maior desejo era encontrar a amada, apertá-la nos braços, beijá-la sofregamente e tomá-la como esposa. 
      Naquele dia, o povoado se preparava para uma grande festa. No baile, Fabrício encontrou a amada que há muitos anos não saía de casa, mas que ao saber da volta do noivo, resolveu ir ao baile. Dançaram a noite inteira, beijaram-se, amaram-se, trocaram juras secretas de amor e ternas promessas de casamento.
      No dia seguinte, Fabrício era só felicidades. Curiosos, os familiares indagaram-no o motivo de tamanha alegria e enquanto todos ouviam, atônitos, Fabrício contar, com riqueza de detalhes, o reencontro com Doninha, uma voz solene veio lá de dentro da camarinha:
       - Isso só pode ter sido um sonho, meu filho, pois Doninha morreu há mais de dez anos!
       E foi só então que contaram para Fabrício que, depois da partida dele, Doninha enlouqueceu, permanecendo por mais de dez anos trancada em casa. Durante esses anos todos, não falou com mais ninguém, alimentava-se mal, não se asseava mais, vivia isolada na sua torre de marfim até que, até que, num belo dia de sábado e para espanto de todos, Doninha amanhecera lúcida e disposta, tomara banho e fora à feira dos Altos de João de Paiva. 
       Sorridente, feliz e incontida, Doninha cumprimentava a todos. Voltou a reconhecer a todas as amigas e abraçava a todas que via num daqueles momentos em que a saúde costuma visitar o doente na véspera da morte e a sanidade retornar, brevemente, aos loucos, externando uma lucidez impressionante.
       Era mês de maio – os pais de Doninha, que há muitos anos não saiam mais de casa para nada, vendo que a filha estava curada, resolveram ir à novena de Maria na casa de parentes da família. Doninha não fora alegando que ainda estava se recuperando da insanidade, mas que os seus pais ficassem tranquilos que ela já estava curada. 
       Convencidos, então, da cura da filha, os pais foram agradecer a graça alcançada. 
       Enquanto os pais estavam ausentes, Doninha tomara banho, perfumara-se toda, cobrira com pó de arroz as faces angelicais, passara batom nos lábios e, em seguida, se vestira de noiva. 
       Estava linda e radiante e ali no altar que a fantasia tresloucada lhe permitiu idealizar se untou com o óleo que havia comprado na feira dos Altos de João de Paiva e pôs fogo no próprio corpo, dando fim a uma vida de longo sofrimento e de interminável abstinência amorosa para gozar na ‘eternidade’ as bodas nupciais.
       Desolados que ficaram com a tragédia, os pais de Doninha se suicidaram e o resto da família sumiu da localidade sem deixar paradeiro.
       Fabrício, enlouquecido, chorava copiosamente, gritava e, em desespero, se batia todo, recusando-se a acreditar naquela história dos diachos e descabida e só se convenceu da verdade quando, chegando ao cemitério, mostraram-lhe o jazigo onde Doninha, sua amada, estava sepultada.
  

A PASSAGEIRA

                          Entrou no carro e, por um breve momento, senti um longo arrepio perpassar-me o corpo inteiro. Estranhei aquela frieza mórbida, brusca e repentina, porquanto a noite estivesse quente e abafadiça.
       Em silêncio, sentou-se no banco do carona e calada permanecera durante toda a viagem. Dúvida atroz, meu Deus! Era a Doninha? Podia jurar que sim! Mas agora, olhando de pertinho para aquela figura decrépita, velha, enrugada, muda e silenciosamente fria, sentada bem ali do meu lado, no banco do carona, a dúvida tomou-me de sobressalto.
       Eu desço ali – aquela voz oca e fúnebre retiniu nos meus ouvidos como um raio disparado de densa nuvem em noite de tempestade.
      No céu carregado, os trovões ribombavam anunciando o início de um aguaceiro que não tardou muito para desabar, acompanhado por um temporal violento e assustador, obrigando-me a fechar as janelas do corcel que, impetuosa e furiosamente, galopava na estrada prateira cheia de lombadas e de estrias e foi, então, que senti um cheiro acre e nauseabundo de flores que fedem a defunto misturado com a catinga azinhavrada de carniça podre.
      - Eu moro ali – disse-me, apontando com o dedo longo e magricelo para um lugar deserto, solitário e descampado de onde mal se avistava alguma coisa.
       Naquele mesmo instante, deu para ver um raio saindo de uma nuvem escura numa violência tão grande que rasgou o chão, fazendo levantar um redemoinho de água, poeira e pó. Nas palmas dos coqueirais, o vento rugia feito lobos-guarás e o grito do rasga-mortalha estrondava que nem estampido de canhão na guerra e o tempo se encerrou numa manta negra, pintando um cenário de medo e horror.
        No dia seguinte, fui à visita de sétimo dia, levando os familiares de dona Di, uma velha macrobiótica que bateu as botas na cidade de Altos, mas que fora enterrada no cemitério do distrito da Prata.
       Chegando ao local, alguns aspectos me pareceram bastante familiares. Lembrei-me da noite passada e, por um momento, como num insight, surgiu bem nítida à minha cabeça a imagem daquela mulher de cabelos baços, sujos, quebradiços e desgrenhados, de olhos fundos, com faces ocas e de rosto escaveirado que havia descido ali.
       Arrepiei-me todo quando, de repente, entre as sepulturas, vi encravada na lápide de uma delas, a imagem de uma jovem vigorosa, forte e saudável, mas que, em muito, me lembrava à passageira da noite anterior.
       Um tremor espasmódico tomou conta do meu corpo e um frio de morte, correu-me pela espinha dorsal, quando fui informado, por moradores da região, que a jovem da lápide era a noiva lá das Porteiras Velhas que, numa noite de maio, enquanto os pais estavam ausentes, se vestira de noiva, untara o corpo com óleo e ateara fogo ao próprio corpo, tamanho  o  desgosto por não desposar o noivo amado.




       Nascido em Altos- PI. Graduado e Pós-graduado em Letras/Português, Ciências Contábeis, Administração de Empresas, Administração Pública. Pedro Paiva é professor de Portugês,  Literatura, Redação, Direito, Economia, Contabildiade, Estatística, Empreendedorismo,  Administração Financeira e Administração da Produção dos cursos de Administração, Contabilidade, Comércio e Informática. Exerceu os cargos de Gerente de Suporte do Banco do Brasil S.A,  Presidente da Câmara Municipal de Vereadores, Secretário Municipal de Administração, Secretário Municipal de Educação. Premiado em 1º lugar no I Concurso de Crônicas e Poesias Mário Quintana, promovido pela AABB, de São Paulo. Premiado em 2º lugar no Concurso Mostrando Poesia, promovido pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI, campus de Campo Maior PI. Ex-Prefeito. Membro-fundador da Academia de Letras e Línguas Nativas Altoenses - ALLNA, ocupando a cadeira nº 03 que tem como patronesse Josefa de Paiva Macedo. Participação na coletânea CONTOS DE TERROR ALTOENSES. Autor da antologia poética AMOR PRA VIDA INTEIRA (prelo).

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