João de Castro Sampaio

João de Castro Sampaio

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2000-09-26 Ouro Preto
20046
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doravante, cego

E se por acaso do destino,
Bem no instante em que vi a luz,
Em um átimo, ela se apagasse, e eu
Ficasse cego?
Pois então, se por agora entendermos como cego,
Pura e simplesmente a ausência de visão,
Teria sido me negado o prazer de ver
Chover ao fim da tarde, e o céu, que por inveja
Da chuva que veio do vento sul, se recusou 
A fechar.
E no crepúsculo, dando seu último suspiro,
Uns tímidos raios de sol fuzilam as gotas;
Formou-se um arco-íris que não pude ver.

É verdade, não tive o prazer de vê-lo,
Mas mesmo assim eu estaria aliviado,
Pois logo abaixo do arco-íris estava o mundo.
E eu sei que, no instante que o sol se pôr,
Eu não vou querer olhar pela janela.

Se por acaso do destino,
Eu cegasse no instante que vi a luz,
Meu Deus, tudo se resumiria:
Pois estou fraco demais para presenciar
Essa tragédia que acontece quando
Baixa o véu noturno, pois, num paradoxo,
À noite, já não somos mais os atores e nem
O mundo é o nosso palco.

Quando cai a noite, escura e fria,
E o homem vira uma fera selvagem,
Uma fera selvagem tornar-me-ia?
Não! Pois como não vejo a imagem
Do espelho, deliro em fantasia,
E como fiz-me cego nessa passagem,
Ser cego, para sempre, me pareceria
Tão somente um ato de coragem!

Mas se eu fosse eternamente cego
Aparece-me uma dúvida mortal:
Saberia eu dizer
Quando cai a noite, escura e fria?
E se no momento em que o homem,
Inevitavelmente, torna-se selvagem,
Eu, que vivo na escuridão;
Eu, que vivo na treva;
Será que eu também me tornaria selvagem?
Ou será que eu lembraria da luz,
Ainda que eu a tenha visto
Apenas por um instante?
A verdade é que somos
Escravos da consciência.
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