João Edesio (Jhon)

João Edesio (Jhon)

Sou mestre em literatura.

1979-10-30 Goiânia
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Milho...

Milho...

            Pé por pé, essa é a lógica da vida.
            Viver no sertão talvez seja uma experiência um pouco desconfortante em ralação à cidade grande. Moro na região metropolitana de Salvador onde não se diferencia em nada das grandes metrópoles. A vida parece que não cabe dentro do tempo ao ponto de sempre dizermos que “não temos tempo para nada”. E de fato, a vida na cidade é muito cara, logo precisamos nos dispor o tempo todo para o trabalho. Todo “bico” é bem vindo, toda tarefa a recebemos, independente de dia ou hora.
            Nesse burburinho, passa despercebido que andamos colocando pé por pé no chão, inclinado um pouco para frente fazendo com que nos locomovamos. Tudo isso cai no esquecimento quando é colocado em nós um desejo de possuir algo.
            Parece que o tempo que mais admiramos é o presente, o futuro não existir, logo não posso esperar para possuir o objeto do desejo ou necessidade criado. Passamos o cartão e saímos satisfeito. Primeiro comemos depois plantamos.
            Passar alguns dias desconfortados nos ensina coisas preciosas.
Dia após dia, participei de um processo retrogrado sobre a ordem das coisas. Fui colocado para regrar uma roça de milho em pleno sertão baiano, onde as chuvas são esporádicas (quando tem). A pergunta que ficou em minha cabeça foi: O que uma pessoa tem na cabeça em plantar uma roça de milho em pleno sertão onde não chove? Essa resposta vocês a terão no decorrer do conto.
Para quem não sabe, milho é um tipo de planta que necessita de muita chuva. Coisa que nesse lugar não tem. Então como que essa roça sobrevive? Com ação retrógrada. Molhar pé por pé todos os dias com um balde ou um regrador. Essa é a lógica, talvez incomum para os “metropolitanos”.
Todos os dias, duas vezes ao dia, era me dada à tarefa de trabalhar por algo que eu nem sabia se iria desfrutar. Seria bem mais simples ir à cidade e comprar “uma mão de milho” e fazer a pamonha, cozinhar, refogar enfim usa-lo para tudo. Mas não, todos os dias, duas vezes ao dia, pegava o regrador e molhava pé por pé. 
Depois de alguns regradores indo e voltando do recipiente onde acumulava a água salobra que não servia para o consumo humano, a não ser para lavar a casa e outras atividades do lar. Não sei calcular a distancia percorrida diariamente entre um pé e outro de milho com esse galão de água que dificultava mais ainda a caminhada. Mas não importava os pés deveria ser regrados, pé por pé.
Acostumado em passar o cartão para a realização do desejo, me vi em uma má situação, pois na entrada da lavoura não havia uma máquina de cartão, nem uma pessoa para que pagasse para fazer o serviço. Então, todos os dias, duas vezes, uma pela manhã outra pela tarde, os milhos deveria ser molhados, pé por pé.
Depois de alguns dias de atividade intensa, comecei a perceber que os pés de milho estavam se desenvolvendo, algumas espigas meio tímidas, começaram a mostrar seus cabelos, lançando assim um charme na plantação e uma esperança num coração aflito por até então não ver nenhum resultado do esforço dado naquela plantação.
Comecei a perceber que no tempo certo, fazendo o certo, sendo constante e persistente veria o fruto do trabalho das minhas mãos. Comecei a entender a lógica natural da vida, a perceber que assim como andamos, colocando pé por pé assim também, aguando pé por pé chegaria ao resultado esperado.
Talvez agora eu começasse a aprender o porquê que o sertanejo é tão feliz em sua terra, seca, árida, vermelha. É que ele entende que na vida não existe cartão para comprar a satisfação, que na vida, as coisas só dão certo quando obedecemos ao processo natural do desenvolvimento. Atropelar esse processo só nos trará dor de cabeça e perca de tempo. Pois na vida a lógica é, pé por pé.
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