APENAS “nada”

De mim... Levem tudo

Levem a minha existência
que desistiu num dia
a minha persistência
a tamanha galhardia

Levem os passos largos
o peso no dorso
os doces, os amargos
levem o remorso

Levem as minhas vestes
meus pobres pertences
a calmaria e a peste
os meus interesses

Levem os beijos
os amaços
os meus desejos
e os laços

Levem os abraços
a força do trabalho
o incansável cansaço
a seca e o orvalho

Tudo! Sem nada sobrar
Nada! sem ar de resto
Logo... Sem tempo cobrar
sem gás, nem pretexto

Óh! Porquê sois teimosos
Não deem-me mais tempo
não sejais vagarosos
aproveiteis este retempo

O meu opróbio
a minha fortitude
o meu lado sóbrio
a minha atitude

Levem-me o riso
a lágrima do rosto
o meu paraíso
e o meu desgosto

Levem-me a loucura
a minha sanidade
a minha postura
a minha diversidade

a vontade
toda minha fé
a idoneidade
o meu olho que vê

Levem!... Sem nada esquecer
a minha amnesia
Levem o saber
e a minha agnosia

Todo meu amor
Levem sem esquema
o riso e a dor
Todo esse problema

A minha luz
a minha noite de breu
a minha cruz
a terra, o céu

A inópia constante
a degradação social
o meu mais importante
o meu sobrenatural

O meu nome
a minha idade
o pão, a fome
a longevidade

Levem a minha origem:
minha pátria, minha terra
a minha coragem
minha paz, minha guerra

Levem o meu destino
o meu lindo findar
levem o meu tino
a alegria ao brindar

A família
Os amigos
a minha trilha
os meus perigos

Levem o meu olfato
o tacto também
todo meu aparato
levem o meu além

A minha apologia
o meu tédio
a nostalgia
o meu remédio

Levem... Sim!
Eu permito
anunciem o meu fim
Levem... Repito.

Ah! Odeio vocês
Levem-me Já
arrestem os meus pés
Suplico! Em nome de Jah

Jah? Quem é este?
Não. Também não sei
Então, porquê o disseste
Opa! decerto, errei

Viram? Sou louco
disso estou certo
Penso tão pouco
para tanto excremento

A minha pachorra
Sim. A minha calma
a insónia, a modorra
a minha alma

Mas, porquê a minha alma?
Porquê ela?
Ah! Que trauma!
Ah! Que sequela!

Mas, se não sabia
Saiba agora, cachopo
Não há fobia
Não há nada no meu corpo

E sobre o corpo
Levem o meu também
o levem no sopro
que a natureza tem

E sobre a natureza,
Levem também a minha
a minha tristeza
a solidão e companhia

Levem-me tudo
O meu orgulho
a espada e o escudo
o silêncio, o meu barulho

Levem os becos
as ruelas antigas
os gritos, os ecos
Lealdades e intrigas

Levem a minha rua
o meu berço de lata
a minha realidade crua
a vida má, que me mata

Levem a minha grandeza
grandeza de ser pequeno
Levem a Minha afoiteza
matem o meu lado eterno

Levem mesmo
meu azar, minha sorte
meu andar a esmo
minha vida, minha morte

Digo agora
De mim, tudo levaram
o olho não chora
mas, sente os que calaram

a minha serenidade
a minha força
a minha seriedade
toda minha troça

do supremo ao ínfimo
levem-me a deidade
levem-me o íntimo
levem a opacidade

o caminho mais longíquo
levem-me o olhar
o lugar propínquo
a chuva, o molhar

Sem solução
Bem, dei para torto
Levaram-me o coração
Mataram-me bem morto

De mim... Levaram tudo!

Mas...,
Ainda há algo profundo
ainda algo incita
Todavia, não foi-se tudo
ficou a arte da escrita

Como esqueceram
mesmo de apagar
a lâmpada que deram
antes de me afagar

Vós sois falhados
Sois indignos
sois atordoados
sois malignos

Quero que estes jazem
Pois, não gostam trabalhar
Nada fazem...
até falham falhar

Levaram-me tudo
Tudo sem a 'poesia'?
Estou vivo, sobretudo
Quão grande é a cortesia.

- Porquanto, não perdoou-vos!
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