O PIANO
Todos os dias Eugênia se sentava ao piano e ficava horas tocando, até sentir-se pronta para enfrentar o dia que viria pela frente.
Era uma moça muito bonita e atraente, sonhadora e, às vezes, desligada. Amava conhecer e estudar sobre o movimento Romântico do século XIX. Essa época a fascinava.
Morava, como quase todos os estudantes, com uma amiga, com quem dividia despesas. Estava no segundo ano de música e se preparava para a difícil vida de artista.
Romeu era um ladrão profissional. Sua cabeça era um emaranhado de planos e movimentos, tal qual um jogo de xadrez.
Tinha uma rotina de aventuras e era despreendido de qualquer sentimento romântico. Romantismo era coisa de tolo! - dizia.
Aquela tarde, os planos de Romeu diziam respeito ao pretenso ataque ao condomínio de classe média em que as meninas moravam. Ele entrou pelos portões e, já preparado para confiscar as jóias que, diziam, Eugênia guardava, foi surpreendido por uma linda melodia de Mendelssohn.
Sentiu-se tocado, imaculado, apaixonado com toda a alma por aquela canção. Escondido, subiu as escadas e, no andar de cima, sentada ao piano, estava uma jovem de pele morena, cabelos longos e um sorriso ingênuo e encantador. Era, sem dúvida, a visão mais doce que ele já teve. Em silêncio, ficou observando e apreciando a deliciosa melodia dos deuses.
Por mais de uma hora Eugênia tocou e, por mais de uma hora Romeu esperou. Não pretendia furtar nada, nem fazer planos sagazes sobre fortunas fáceis. Ele só queria ficar ali, se entregando aos sonhos mais secretos que ela lhe despertara.
Então, por fim, deu conta do tempo passado e se retirou, mergulhando numa profunda solidão do anoitecer da cidade grande.
Os dias foram passando e Romeu vegetava: não comia, não dormia, não roubava. Ficava entregue aos seus devaneios, imaginando beijos, amores, cores em seus sonhos.
Todo final de tarde e início da noite, ele ia para perto da janela ouvir Eugênia tocar. Tudo nela o seduzia. Observava de longe suas dores, suas alegrias, suas dúvidas, seus temores. A conhecia tão bem que sabia exatamente como se sentia só pela forma como dedilhava as teclas.
Certa noite, ao chegar, encontrou Eugênia rindo e conversando com outro rapaz. O ciúme corroeu sua alma, e com olhos cheios de lágrimas, Romeu saiu pela lateral. Entretanto, ao olhar uma última vez pela janela, ele presenciou um ataque em que o estranho investia contra a moça.
Sem pensar, ele foi até a porta principal e a derrubou. Subiu as escadas com euforia e, instintivamente, agrediu o rapaz. A luta durou alguns minutos. Eugênia se enconlheu em um canto e, enquanto o rival fugia, Romeu a acolheu e a confortou.
Ela agradeceu. Ele confessou amor. Ela sorriu e pediu para que ele fosse embora. Desapontado, ele agarrou uma rosa vermelha em cima do piano e saiu para encontrar a sua dor.
-Eugênia, você soube o que acabou de acontecer? - perguntou a amiga que acabava de chegar em casa.
-O que houve?
-Um moço acabou de morrer atropelado na esquina de casa. A rua está um alvoroço.
-Não gosto de falar sobre morte. Por que você me diz isso?
-Porque ele morreu chamando seu nome.
Então, o desespero a invadiu. Desceu a rua correndo e, ao chegar no local, Romeu estava deitado, segurando fortemente, nas duas mãos, a rosa vermelha que ele lhe roubou.
ANO: 1993