Carol Ortiz

Carol Ortiz

A minha intensidade vomita existências...

18 setembro Campinas, SP
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Alguns Poemas

MÃOS (Um grito de cura)

Temo tudo!
...assim me foi dito,
foi feito,
foi lido...

às vezes, 
e muitas vezes,
fui ferida:
um colo, 
um afeto
por um preço indizível, 
desprezível 
amargo,
solúvel nas minhas lágrimas

Um toque
me confunde,
me alerta,
me desperta 
medos indomáveis,
incansáveis
de me assombrar...

Vais me ferir?
Me acariciar?
Me odiar?
Me amar?
Sou só indefesa,
tentando a beleza
onde pode ter dor...
uma crua prudência,
insistência, 
pura sobrevivência 

As mãos me fizeram assim,
faltando pedaços de vida,
pedaços de rima,
pedaços de mim
Sempre alerta,
inquieta,
na ânsia de respirar
o ar que (me) faltava
nas horas de estranheza
e incerteza...

Não sei se sonho,
se pesadelo
às vezes carinho,
outras desespero

Sou criança assustada
e, tenho consciência, 
meio despedaçada...
Se não tens mãos sadias,
macias,
não me toques 
NUNCA MAIS!

Pensando bem, 
sem dramaticidade
(e o que tenho de melhor:
autenticidade e muita,
muita sinceridade),
mais valem as minhas mãos 
suaves e afáveis,
capazes de tocar o mundo,
de um modo todo profundo,
curar- me de restos
e curar outros feridos,
do que ter tido me perdido
num passado que não quero mais

Às mãos eu grito:
quebro minhas algemas,
sigo em frente,
com um motivo
e talvez medo
da humanidade,
mas, (re)descobrindo a dignidade,
resgato minha sanidade;
às mãos eu digo:
tu não és mais um perigo!

És apenas sombra
de uma vida enterrada
que me desperta em pesadelos
cada vez mais escassos
talvez vencidos pelo cansaço, 
mas estou disposta a recomeçar,
estou pronta pra te enterrar,
seguir adiante 
e me libertar...

Cacal

Carta a todos os borderlines


Ei, você, te conheço e muito bem. Sua vida é um furacão, cheia de enormes altos (verdadeiros Picos do Everest) e grandes baixos (típicas Fossas da Mariana). Seu humor é estranho, você não se enquadra em padrões, provavelmente é muito inteligente, sente-se entediado facilmente e também é muit empático e engraçado. Vive rodeado por aventuras e seus amigos "um poco mais normais" adoram. 
Provavelmente você já se feriu em crises de impulsividade. Já usou- e até abusou - de substâncias psicoativas. Sente aversão à sons, cheiros, luzes e coisas que te levam a momentos de irritabilidade dignos de causar orgulho ao Incrível Hulk. 
Dorme pouco, não é verdade? Quer parar de pensar em excesso mas não consegue. Vive se jogando em experiências e, inclusive, já pensou, sonhou e almejou ardentemente a morte... O suicídio límpido, cristalino, silencioso já foi percebido como a única forma de frear toda a loucura que é sua vida, não é mesmo?... 
Mas deixa te contar uma coisa: você está aqui, lendo essa carta, no presente, porque - pouco importa como você nomeia este motivo- decidiu continuar. Você não morreu, você seguiu com marcas, cicatrizes no corpo e no espírito, com o bom e velho cansaço e com memória da dor. 
Você respira e algo em você persiste, insiste, irritantemente, em continuar.  Algo pulsa - nem que seja um fiozionho de força- e te mantém.  Isso é o real. Isso é você. 
Nada do que você fez ou viveu foi drama - eu sei, entendo muito bem, também já estive nesse mesmo lugar. Você apenas quis parar a dor e, contradizendo o que quase todos pensam, sua meta sempre foi a sobrevivência. Isso é força e não fraqueza, isso é vida e não a morte. 
Mas, a confusão gerou a exaustão e a exaustão ligou-se ao desamparo que, por fim, encontrou o desespero. Ninguém nunca percebeu porque você sempre continuou seu sorriso, uma piada na ponta da língua e uma energia infindável - todas ferramentas de autoproteção.
Agora olhe ao redor, sente, descanse, respire: você ainda está aqui. A vida insiste em acontecer à sua volta. Você, guerreiro, continua. Toque seu corpo, você é real. Valide suas lágrimas- elas tem um fim. 
Nós,  TPBs, somos flores nascidas em terreno árido, pós guerra existencial. Por lutarmos em tantas batalhas pesadas, não existe algo que de fato consiga nos derrotar - a não ser nós mesmos... somos nossos próprios fantasmas graças a nossa autoimagem fragilizada.
Vamos continuar no "Só por hoje" - frase emprestada de outra irmandade,  primordial para nossa caminhada, e que muitos de nós conhece tão bem. Dê uma trégua ao seu sofrimento: aprenda técnicas de ancoragem, meditação, respiração, faça terapia, se necessário tome medicamento, cuide da alimentação, pratique exercícios, agradeça pequenas coisas e, principalmente, seja gentil, amável e acolhedor consigo mesmo.
No fundo, naquele fundo que ninguém vê, borderlines são apaixonados pela vida - muito mais do que as pessoas "comuns". O problema é que não nos ensinaram como fazer isso sem se perder na nossa intensidade. O aprendizado de uma vida nova é imprescindível para cura. Aprender implica em prática contínua, até que novas habilidades sejam adquiridas para, enfim, mudarmos o jogo. 
E, por último, não esqueça de construir e manter uma rede de afetos com pessoas que nos amem e aceitem como nós somos, afinal, a família de verdade quase nunca tem a ver com laços sanguíneo. 
Você não está sozinho. Boa vida pra você.
Obs: sou profissional de saúde mental e tento levar um abraço à quem sofre, mas também preciso ser abraçada porque, como TPB, preciso de conexões honestas e diálogos profundos. Falar sobre isso e ser escutada me dá forças pra continuar. Gratidão ⚘️ 

VAMOS FALAR SOBRE FEMINISMO?


Muitas pessoas distorcem o significado deste conceito: “é mimimi”, “mulheres deixaram de ser femininas e perderam lugar na sociedade (como uma dama, eu digo)”, “feminista é uma mulher-macho que não tem higiene, não se cuida, é feia e fedida”. Juro que ouvi cada uma dessas afirmações, mas o que mais incomoda é ver mulheres (de bem, é claro!) defenderem essa postura selvagem, ignorante e misógina: “meninas vestem rosa, meninos vestem azul!”
Desconstruindo conceitos, explico pacientemente para todos os machões de plantão: vocês sabem o que é Feminismo?
Feminismo vem sendo um movimento que ocorre em fases, e estas fases se articulam. Ele possui etapas, as quais chamarei de “ondas”. Esse movimento é político, social, humanitário, intelectual e facilitador para a igualdade entre as pessoas.
A primeira onda, em meados de 1800, foi completamente diferente do que acontece hoje. As propostas de lutas eram outras, a amplitude do movimento era muito inferior e as discussões em pauta eram o que hoje chamaríamos de estereotipadas “lutar para a mulher não pertencer ao marido”. Historicamente, no século XIX, as pessoas pretas não eram consideradas pessoas e, mesmo assim, com um Feminismo Branqueado e etilizado, a escrava Sojoumer Truth, hoje reconhecida como ativista dos direitos da mulher e abolicionista, chamou a atenção da sociedade para problemas como a escravidão, a desumanização e a necessidade de ter uma voz e um espaço: “homem diz que mulher precisa ser ajudada a entrar em carruagem, ser elevada aos céus...Eu não! Eu não sou mulher? Eu arei, plantei e recolhi alimentos e nenhum homem me ajudou. Eu vi meus filhos serem vendidos e não pude reclamar. Chorei sozinha. E eu? Eu não sou mulher?”
A segunda onda ocorreu num contexto histórico bélico. O mundo precisava de mão de obra barata e a sociedade, em guerra, precisava sustentar o lar. Mulheres brancas de classe média/alta saíram às ruas a fim de acabar com a opressão feminina: mulher mais pobre precisava de emprego (e não era opção, como muitos propagam). O mundo em guerra requer custo de vida mais caro. A mulher lutava para que pudesse trabalhar em condições salariais idênticas ao homem (lutamos por isso até hoje), à igualdade dentro de casa (dividir afazeres) e assim, juntos, homens e mulheres pudessem criar os filhos dignamente. Foi aqui que mulheres negras levantaram suas vozes e uniram forças: elas conseguiram mostrar que, embora as demandas das mulheres brancas fossem necessárias, ainda não eram suficientes para suprir as necessidades de todas as mulheres.
A terceira onda, a qual vivemos até hoje, traz novas questões para serem definidas: diversidade e pluralidade de pensamentos e posicionamentos, procura de uma identidade estável e coerente, questões sobre a separação de gênero e sexo, a própria subjetividade, empoderamento e muitas, mas muitas, outras questões.
A luta está longe de acabar. É um movimento mundial, intelectual, político, social, naturalmente organizado e histórico. Não há possibilidades de freá-lo. Percebe-se (eu espero) que é muito mais do que associar feminista à queimadoras de sutiã em praça pública, ou mulheres que não depilam as pernas ou (e esta é a pior) meninas que querem se igualar aos homens. Não queremos nos igualar a nada, queremos um espaço nosso, para podermos ser quem nós quisermos ser. Também queremos reconhecimento intelectual e salários dignos porque, mais uma vez, não queremos ser iguais aos nossos pais, irmãos ou maridos, mas sim porque somos capazes de produzir e construir para a sociedade.
Meus caros e, infelizmente, algumas caras, Feminismo não é essa ideia simplista e dicotômica de oposto de machismo. Ser feminista exige estudo, compreensão do mundo, da luta histórica de cada ser humano, exige uma visão panorâmica e aprofundada da natureza humana, exige um posicionamento crítico, muita leitura e sensibilidade para levantar questões incômodas, exige atitude para desconstruir crenças e para juntas buscar uma solução tendo como base a igualdade, a potencialidade humana e a justiça. Nosso lema é lutar para termos voz e, com isso, melhorar a sociedade global.
Sou feminista com orgulho!
PINHEIROS, R.; MIZAEL, T. (2019). Debates sobre feminismo e Análise do Comportamento (1ª.ed). Fortaleza: Imagine Publicações.
SAFFIOTI, H.B. (2004). Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
BRAH, A. & PHOENIX, A. (2004). Ain´t I a woman? Revisiting Intersectionality. Journal of International Woman´s Studies.

 


 

DOCES SONHOS DE UMA GAROTINHA

Ela dormiu como há muito não fazia. Deitou-se levemente sobre as cobertas e encolheu-s num mundo só seu. Era tão bom ficar só e não precisar entender o mundo, sentir que tudo era seu e que nada lhe faltava. Era um vício.
         Fechou os olhos e sonhou. Como era bom, longe das gritarias e neuroses da vida, sentir um afago, um carinho, um vínculo que nunca antes existiu.
         Virou-se de lado. Estava entrando na zona proibida. Viu uma realidade que nunca tinha visto: pessoas lhe falavam coisas, um abraço apertado, uma imensidão de sentimentos bons preenchendo o vazio do dia a dia. Sentiu-se querida e superou seus medos. São tão egoístas as pessoas! Tudo bem, continuou sonhando.
         Agora entregava-se às sensações. Via-se distante de tudo o que sempre foi. Todo aquele sentimento de que estava sendo a mais, atrapalhando as outras existências, foi embora. Perdeu, por um instante, a mania de ferir-se. Perdeu o jeito de se machucar.
         Andou, de novo, por essa terra mágica e encontrou uma garotinha brincando, calada, sufocada pela mentira. Ficou distante, observando. Então sentou-se e pensou: será que estava sendo injusta em sentir tudo o que sentia? Seria ingratidão? Um medo a invadiu, medo de ir além. Era, no momento, uma traidora, insana.
        Uma lágrima percorreu seu rosto. Calou-se como era de costume. Tinha medo de magoar as pessoas. Então acordou e levantou-se,
         Tudo estava igual a antes: confusão, caos. Até quando iria continuar? Talvez até que a loucura ou o egoísmo absoluto chegasse.
         Teria solução?...Não, não pense besteiras, minha garotinha, não perca o único vínculo com a lucidez...
        Então saiu, aos saltos desnorteados, cantando uma canção.



1998

DEVOLUÇÃO

     Bateram à porta de madrugada. Quem seria? E a chuva que não parava!
     Eram quase duas horas da manhã. Descabelada e com cara de sono, foi atender à campanhia. Com medo, olhou pelo olho de vidro . A figura que viu era bem conhecida. Então, abriu a passagem para a pessoa entrar.
     Roberto, seu ex-marido, estava angustido. Chorava como criança.
     Como os homens são volúveis! Alice já tinha amado esse indivíduo. Moraram juntos vários anos e um dia, sem explicação, ele fez as malas e se mudou para o apartamento da Claudinha. Quanta mágoa e tristeza deixou em sua casa! Quantas horas em terapia ela gastou!
     Mas, o destino é irônico. Quase dois anos após, ele bateu à sua porta para chorar porque a namorada o abandonou.
     Roberto abraçou Alice. Alice o acolheu. A chuva aumentava e na rua a temperatura caÍa. Dentro da casa o calor era enorme. Os dois se beijaram. Rooupas voaram pela janela. A cama se agitou e o quarto flutuou a noite toda.
     De manhã, ela olhou para ele e perguntou se já estava melhor. Ele assentiu. Um carinho enorme por ela brotou em seu peito. Confessou, entre tímidas e curtas frases, que sempre amou Alice.
     Ela sorriu e, faminta, foi tomar café.
     Durante um mês inteiro namoraram. Alugaram uma casa e voltaram a morar juntos. Estavam, aparentemente, com pressa em ser feliz.
     Ela se mostrava apaixonada e ele, confuso, estava amando.
     Os dias passavam e o romance dominava o momento.
     Certa manhã, sozinha em casa, Alice fez as malas e foi embora, deixando um bilhete em cima da mesa.
     Roberto encontrou o recado, sentiu uma pontada no peito, sentou no chão e, desconsolado, chorou. Chorou o choro mais amargo e dolorido já sentido. O mundo ruiu a seus pés. Sentiu, finalmente, que ela lhe devolvia toda a mágoa e a tristeza que um dia ele lhe dera.
     Em um balcão de um bar do outro lado da cidade, Alice acendia um cigarro e comemorava. Tinha curado seu orgulho ferido anos atrás. Como era doce o sabor da vingança!


ANO: 1999

Nasci em Campinas, SP. Morei em muitos lugares e voltei para mesma cidade para envelhecer. Sou casada e mãe de cachorros e crianças que precisem de colo. Essas poesias foram escritas durante toda a minha vida e em épocas diferentes. Algumas foram publicadas em coletâneas e outras não. Para quem gosta e quer passar u tempo em contato com a literatura, boa leitura :)
Se quiserem se corresponder, e-mail: cacal.ortiz@hotmail.com (posso demorar para responder, mas sempre respondo). Acessem meu canal no youtube sobre livros:
 https://www.youtube.com/channel/UCOj_DssoWp0_1HO7VCXgRcA?view_as=subscriber

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ademir domingos zanotelli
Olá Carol Poetisa... Boa noite, certamente este mundo não é tão banal... mas os anjos de Istambul ...voam em formas de arco-iris na plenitude de teu imaginário poético. felicidades.
06/agosto/2025
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ademir domingos zanotelli
Olá Carol Poetisa.... Boa noite.... certamente que marte é por aqui , seu jeito de esquecer e poético. abraços. de seu sempre admirador. ademir.
05/agosto/2025
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ademir domingos zanotelli
Minha Cara e Grande Poetisa.... seus contos e poesias, são deslumbrantes, menina você é demais , me sinto bem pequenino no que tuas mãos escrevem. felicidades. e muitos amores seus versos irão conquistar. abraços e sejas muito feliz.
31/julho/2025
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diogoletriamoraes
Adoro suas poesias como adoro seus lábios, minha esposa amada.
19/fevereiro/2020

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