Pedro Paiva

Pedro Paiva

1962-06-29 Altos - Pi
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Alguns Poemas

NAQUELA RUAZINHA DE ANTIGAMENTE

Naquela ruazinha triste
noutros tempos cheia de vida,
cheia de luz, repleta de amor!
Velhos casarões festivos
abriam sorridentes para os anos vindouros
os janelões com umbrais cobertos de flores.

Hoje, naquela ruazinha de antigamente,
está tudo, mas tudo tão diferente!
Já não é mais a mesma ruazinha de outrora.
De repente, nela tudo mudou.
E desde o dia em que tu te foste de lá,
aquela ruazinha ficou ainda mais triste:
perdeu o brilho,
ficou sem vida,
não tem mais luz,
perdeu a cor!

E daquela ruazinha outrora palpitante,
feliz, alegre, soberba, regurgitante.
Agora solitária, deserta, silenciosa, errante.
Dela, só a saudade foi o que restou!
Lá as horas se arrastam dissolutas no tempo,
escorrendo por entre ponteiros enferrujados
de relógios senis, sonolentos, bocejantes
que arquejam agarrados às paredes trincadas
de antigos casarões que contam séculos e séculos de histórias.

E dali...Não muito distante dali
ainda dar pra se ouvir
o apito plangente do trem da saudade
se dissipando volátil pelo ar
enquanto velozmente passa
a geringonça de aço
puxando os comboios atafulhados de solidão.
E nos trilhos vibráteis da mente,
a locomotiva fantástica sobre os dormentes,
se contorce ligeira tal qual serpente
levantando o pó e a vítrea poeira
do meu tempo de criança!

 
É lá naquela ruazinha erma e sem vida
nas estantes empoeiradas, esquecidos,
de velha e provecta biblioteca,
livros e compêndios amarelos de preguiça
cochilam horas e horas à espera de leitores
que nunca aparecem para lê-los.

 
Ah, saudade daquela ruazinha modesta
onde criança eu brinquei, amei e fui feliz!
No colo de minha pobre mãezinha;
lembro-me... Fazia festas
coberto de carícias maternais.
Ah, tempos que não voltam nunca mais!

Ainda me lembro daquelas noites fagueiras,
brincando ao redor das crepitantes fogueiras
acesas no terreiro do velho casarão
onde morávamos a tudo indiferente e a tudo alheio!
E quando eram noites de lua cheia,
rolava contente nos alvos bancos de areia
 e de bruços me deitava no chão.
 
Hoje, naquela ruazinha nada mais resta.
A não ser o silêncio de calçadas desertas,
quebrado pelo ranger lânguido e triste
de cadeiras decrépitas, monótonas e vazias
onde o tempo e a solidão, de mãos dadas, juntos se balançam
contemplando atônitos, com indiferença e apatia
o luar cataplético de minha dourada infância!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A MULHER DE BRANCO

       Assombrados que viviam os moradores do Batalhão com a estória da mulher que virava porca nas noites de lua cheia, contam que, quando as luzes da usina se apagavam, às dez horas da noite, uma visagem, uma assombração, alma penada, coisa do outro mundo, talvez, ficava vagando da estação ferroviária até o pontilhão do Clarindo.
       Era de jeito que ninguém mais saía de casa só de medo de dá de frente com aquela visagem. Diziam até que se tratava da besta-fera que, segundo as santas Escrituras, iria correr pelo mundo a fora sem descanso no final dos tempos, que tinha sido solta pelo “dito cujo”, lá das profundezas do inferno, para devorar os cristãos batizados.
      Naquele tempo, poucas eram casas da cidade que tinham um televisor COLORADO RQ - símbolo de riqueza, luxo e mordomia. Nosso tio Domingos Padeiro (que Deus já o levara do nosso meio) era um dos poucos homens ricos da cidade que abria as portas do seu bangalô para os desafeiçoados assistirem televisão e, por este motivo, todas as noites costumávamos nos deslocar de nosso humilde lar na Rua São Benedito até a residência dele na rua São José.
      Enquanto os adultos conversavam dentro da casa, lá fora, na rua, sob a lua cheia, brincávamos de roda, ciranda, cirandinha, balacondê, de pera-uva-maçã-salada mista, de boca-de forno e demavé de si e nem percebemos que as luzes da usina do Seu Cleofas haviam se apagado.
       De dentro da casa uma voz materna nos avisava de que já era chegada a hora de irmos embora. Descemos, então, pela Rua São José. Os grânulos de areia pareciam brilhantes refletindo a luz do plenilúnio devasso e sedutor que se debruçava sob o céu límpido e transparente numa orgia inefável e concupiscente.  As casas dormiam embaladas por uma canção etérea que a brisa tênue da noite cantarolava sob a regência do luar bêbedo e sonolento se espreguiçando nas nuvens.
       Todo esse cenário de encanto e magia foi, aos poucos, dando lugar a uma escuridão profunda e tenebrosa dos mangueirais que cobriam a residência daquela figura esquálida e nojenta do lobisomem que havia corrido atrás do Rocha.
       Finalmente, chegamos aos trilhos já com o coração saindo pela boca de tanto medo e para piorar ainda mais aquele quadro de terror, meu jesuscristinho, a mulher de branco, a alma penada, a coisa do outro mundo, a besta-fera. A mensageira do maldito descia pelos trilhos na direção do Clarindo.
       Por um bom tempo, ficamos parados e sem movimentos. Fizemos, várias vezes, o pelo sinal da santa cruz naquela devoção piegas e ingênua que costuma se manifestar sempre nas horas de angústia e medo, acompanhada dos rogos e das invocações ao nosso anjo da guarda, implorando que ele nos protegesse das garras aduncas e afiadas da besta do Apocalipse.
       De repente, Jorginho, menino traquinas (que se acha na glória do Pai), sem titubear, decidiu seguir o fantasma da mulher de branco.
       Acompanhei-o. À medida que íamos nos aproximando do pontilhão, ouvíamos arfados e gemidos que não eram de dor, mas de prazer. Devagarzinho, fomos encostando e em meio à luz fosca e sem brilho do luar macilento, alcoviteiro e conivente que cochilava entre as nuvens, pudemos avistar dois corpos que, avidamente, se lambuzavam feitos animais famintos e vorazes, rolando no cimento frio e cúpido do pontilhão.  
       Diante daquela cena sobrenatural, Jorginho não hesitou. Jogou o facho de luz da lanterna naquela coisa do outro mundo e que, ali, debaixo do pontilhão do Clarindo, se enroscava pelo chão que nem dois bichos no cio e, para a nossa surpresa (valha-nos Deus!), saltou, na nossa frente, uma muleca fogosa, aparentando de 13 para 14 anos de idade, nua como tinha vindo ao mundo, fungando que nem um bicho enfezado e deixando à amostra os grossos lábios de farta vulva que começava a se cobrir com uma espessa babugem de pelos e de onde dava pra ver escorrendo, entre as pernas, um líquido esbranquiçado e viscoso que se assemelhava a leite derramado.
       Após aquela noite, a mulher de branco nunca mais foi vista e houve até quem dissesse que foram graças às missas encomendadas e as orações feitas em intenção daquela pobre alma penada, condenada a vagar pelo mundo em remissão dos pecados cometidos em vida.
       Anos mais tarde, todo mundo ficou sabendo que a mulher de branco era uma muleca sapeca, moradora do bairro, vizinha nossa, morena, magra, voz díssona e estrídula, cheia de aleivosia e sensualidade e que costumava se encontrar todas as noites com um velho e conhecido magarefe dos Altos de João de Paiva e que tinha a fama de ser mulherengo e a pecha de  desencaminhador de donzelas desvalidas e que costumava atacar suas presas bem naquela horinha em que toda a sensibilidade e reinações da carne surgem à flor da pele, deixando as fêmeas inseguras, desprotegidas e sem defesa ao ataque e às investidas do macho sedutor.




       Nascido em Altos- PI. Graduado e Pós-graduado em Letras/Português, Ciências Contábeis, Administração de Empresas, Administração Pública. Pedro Paiva é professor de Portugês,  Literatura, Redação, Direito, Economia, Contabildiade, Estatística, Empreendedorismo,  Administração Financeira e Administração da Produção dos cursos de Administração, Contabilidade, Comércio e Informática. Exerceu os cargos de Gerente de Suporte do Banco do Brasil S.A,  Presidente da Câmara Municipal de Vereadores, Secretário Municipal de Administração, Secretário Municipal de Educação. Premiado em 1º lugar no I Concurso de Crônicas e Poesias Mário Quintana, promovido pela AABB, de São Paulo. Premiado em 2º lugar no Concurso Mostrando Poesia, promovido pela Universidade Estadual do Piauí - UESPI, campus de Campo Maior PI. Ex-Prefeito. Membro-fundador da Academia de Letras e Línguas Nativas Altoenses - ALLNA, ocupando a cadeira nº 03 que tem como patronesse Josefa de Paiva Macedo. Participação na coletânea CONTOS DE TERROR ALTOENSES. Autor da antologia poética AMOR PRA VIDA INTEIRA (prelo).

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